Indenização. Responsabilidade civil. Injusta acusação. Inquérito policial. Ausência de indícios da imputação criminosa.
Tribunal Regional do Rio Grande do Norte - TJRN
Apelação Cível n° 2010.000296-4
Publicado dia 19.05.2010
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte
Apelação Cível n° 2010.000296-4
Origem: Vara Única da Comarca de Jardim do Seridó/RN.
Apelante: Pedro Soares de Azevedo Júnior.
Advogado: Anesiano Ramos de Oliveira.
Apelada: Maria José Medeiros de Araújo.
Advogado: Francinaldo Felipe da Silva.
Relatora: Juíza Maria Zeneide Bezerra (convocada).
EMENTA: INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INJUSTA ACUSAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DA IMPUTAÇÃO CRIMINOSA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. ADEQUAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO. CONHECIMENTO DESPROVIMENTO DO RECURSO.
O ajuizamento de ação penal de forma leviana, sem qualquer fundamento ou indício de prova relevante acerca das acusações, configura dano moral que merece ser ressarcido.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso mantendo a sentença vergastada, nos termos do voto da Relatora.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por Pedro Soares de Azevedo Júnior contra sentença prolatada, às fls. 60/64, pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Jardim do Seridó/RN, que julgou procedente o pedido formulado na Ação de Indenização por Danos Morais proposta por Maria José Medeiros de Araújo em desfavor do apelante.
Inicialmente, a apelada buscou reparação por dano moral tendo em vista ter sido acusada do furto de um aparelho celular pelo apelante, ocasião em fora, inclusive, aberto inquérito policial, o qual restou arquivado por falta de prova da autoria.
O Magistrado a quo, entendendo por configurado o dano, julgou procedente o pedido inicial, condenando o apelante no pagamento à autora/recorrida, da quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), acrescida de juros de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária pelo INPC, ambos a contar da data do fato (09/09/2008). Condenou, ainda, o réu no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Inconformado com o teor do julgado, o apelante interpôs o presente recurso (fls. 66/68), argumentando que não restou demonstrada nos autos a existência de dano moral, não havendo prejuízo suportado pela autora, vez que o fato não gerou repercussão na cidade que viesse a causar ofensa a honra.
Pugnou pelo provimento do recurso para que se julgue improcedente o pedido exordial e, não sendo este o entendimento adotado por esta Corte de Justiça, que seja reduzido o montante arbitrado a título de dano moral. Requereu a condenação da recorrida nas custas e honorários sucumbenciais.
Às fls. 71/73 foram apresentadas contrarrazões ao recurso, nas quais a apelada pugno pela manutenção do julgado de primeiro grau, bem como pelo desprovimento do apelo.
O Ministério Público, ás fls. 79/80, por sua 20ª Procuradoria de Justiça, deixou de opinar no feito, tendo em vista tratar-se de interesse de natureza exclusivamente privada, prescindindo, portanto, de intervenção ministerial.
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos de admissibilidade conheço da presente Apelação Cível.
O cerne da presente demanda gira em torno da ocorrência ou não de ofensa moral à honra da apelada, em face de ter-lhe sido imputado a prática de delito que não praticara.
Inicialmente, anota-se que o direito privado estabelece a regra da responsabilidade civil, consubstanciada no dever de indenizar prejuízos sofridos, oriundos de ato ilícito, em virtude de se caracterizar violação da ordem jurídica, com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular.
Segundo o disposto no artigo 186 do Código Civil, "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito", sendo indiscutível que o legislador, ao mencionar nesse dispositivo a expressão dano, no geral, abrangeu tanto o dano material quanto o moral ou estético, impondo, em qualquer caso, o dever de reparar o ilícito.
Nestor Duarte, comentando o referido dispositivo legal, ensina que "são elementos indispensáveis para obter a indenização: 1) o dano causado a outrem, que é a diminuição patrimonial ou a dor, no caso de dano apenas moral; 2) nexo causal, que é a vinculação entre determinada ação ou omissão e o dano experimentado; 3) a culpa, que, genericamente, engloba o dolo (intencionalidade) e a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), correspondendo em qualquer caso à violação de um dever preexistente." (in Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002 / Coordenador Cezar Peluso. - 3. Ed. Rev e atual. - Barueri, SP: Manole, 2009 - p.141)
Assim, vê-se que, no direito privado, a responsabilidade civil, consubstanciada no dever de indenizar, advém do ato ilícito, resultante da violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, exigindo o pedido indenizatório a caracterização da responsabilidade aquiliana, que prescinde prova de ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente, além do nexo causal entre o comportamento danoso e a lesão que resultará, características estas que se assentam na teoria subjetiva ou da culpa.
O legislador constituinte (artigo 5º, caput e inciso X) assegurou, indistintamente, o direito à vida privada, à liberdade, à igualdade, à integridade física e moral, à honra e à imagem das pessoas, como direitos invioláveis, passíveis de ser indenizados em qualquer situação (artigo 5º, V, CF).
Conclui-se, então, que a ação causadora de danos a outrém, máxime em se tratando de ameaça a valores protegidos como aspectos basilares da personalidade humana, insere-se nesse contexto, sendo certo que a tristeza e o constrangimento resultantes de ofensa à dignidade da pessoa merecem a reparação civil, se para isso não contribuiu o ofendido, de qualquer modo.
Deflui desses ensinamentos a permissibilidade jurídica em se obter indenização, material e moral, em caso de se violar direito alheio, por ato omissivo ou comissivo do agente infrator.
In casu, conforme consta da do Inquérito Policial 117.08.000933-1(fls. 12/28), que o recorrente ofertou queixa-crime contra a recorrida sob o argumento de que esta havia furtado seu aparelho celular de dentro de seu estabelecimento comercial.
Ao que se infere dos autos, o referido inquérito fora fundado exclusivamente nas alegações do apelante, tendo o Delegado, em seu Relatório, chegado a conclusão de que: "Analisando atentamente as circustâncias da ocorrência, verificou-se que não ficou constatada a autoria do crime e nem tampouco a participação das pessoas citadas pela vítima". (fls. 19/20)
O Ministério Público, por sua vez, já em fase judicial, requereu o arquivamento dos autos, face ausência de elementos sobre a identidade dos autores do delito (fls. 22/24), o que ensejou o arquivamento do feito por ausência de indícios de autoria, consoante se vê da sentença de fls. 26/27.
Assim, a um exame do contexto probatório, constata-se a ocorrência de violação ao direito da apelada, pois inexistiam indícios suficientes para sua inclusão no processo crime, embasando-se o apelante apenas em suposições desprovidas de elementos probatórios que, de fato, concluísse para a autoria do delito pela recorrida.
É certo que inexiste direito à incolumidade à acusação, de modo a não se inviabilizar o poder punitivo do Estado, resguardando-se, porém, o direito fundamental do indivíduo à inviolabilidade da sua intimidade, honra e imagem, impondo, pois, a harmonização desses direitos em conflito.
Em prol da ordem e segurança pública toda a coletividade se sujeita a suportar determinados ônus decorrentes de denúncias e respectivas investigações criminais, todavia, tanto o particular como as autoridades públicas somente estão autorizadas a dar azo à ação penal quando há indícios consistentes dos fatos, amparados nas provas produzidas.
Com efeito, o exercício regular do direito não pode justificar o abuso do direito. A credibilidade da ação penal, pública ou privada, pressupõe fundamento na motivação justa, que redunda no suporte mínimo da prova da imputação, de modo que ninguém pode ser denunciado sem que existam elementos mínimos suficientes a apontar a sua responsabilidade pelo ato criminoso.
A propósito, Eugênio Pacelli de Oliveira inclui a justa causa dentre as condições da ação penal, ao dispor:
"(...) o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões na órbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade em que desenvolve as suas atividades. Por isso, a peça acusatória deveria vir acompanhada de suporte mínimo de prova, sem os quais a acusação careceria de admissibilidade." (Curso de Processo Penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 90).
Em sendo assim, ante a ausência de indício relevante a justificar a acusação, impondo-se ao indivíduo suportar o ajuizamento de ação penal de forma leviana, sem qualquer fundamento ou indício de prova acerca das acusações, observa-se, realmente, que os fatos narrados retratam a ocorrência do dano moral, ensejando a reparação da dor, do infortúnio e do dissabor sofridos pela recorrida.
Em semelhante sentido, segue julgado do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ABERTURA DE INQUÉRITO POLICIAL E ADMINISTRATIVO - DANO MORAL - EXISTÊNCIA.
- A abertura de inquérito policial e administrativo junto à Corregedoria de Justiça para apuração de fatos criminosos imputados à servidora pública, assim como o registro do seu nome como autora do fato imputado como criminoso durante todo o processo, configura ato ilícito dos agentes públicos, a ensejar indenização por danos morais, mormente ante à ausência de qualquer elemento que pudesse indicar a sua participação no crime." (TJMG - Apelação Cível 1.0024.03.167022-7/001, Rel. Des. Eduardo Andrade, publicado em 08.08.2006).
Cinge-se a prova do referido dano à ocorrência do ato ilícito em si, eis que o dano moral atinge bens incorpóreos, tais como, a imagem, a honra, a privacidade, a auto-estima, razão pela qual dispensa-se a demonstração em juízo dessa espécie de dano, considerando-o in re ipsa.
Quanto à comprovação do prejuízo, é válido o escólio de Sérgio Cavalieri, in verbis:
"(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (...) Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras de experiência comum." (in Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 100).
O arbitramento econômico do dano moral muitas vezes cria situações controvertidas na doutrina e jurisprudência, em razão de o legislador pátrio ter optado, em detrimento dos sistemas tarifados, pela adoção do sistema denominado aberto, em que tal tarefa incumbe ao juiz, tendo em vista o bom-senso e determinados parâmetros de razoabilidade.
Com efeito, há que se realizar o arbitramento do dano moral com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.
Nessa esteira, dadas as particularidades do caso em questão, dos fatos assentados pelas partes, bem como observados os princípios da moderação e da razoabilidade, deve ser mantido o valor indenizatório de R$ 2.000,00 (dois mil reais) arbitrado pelo juiz sentenciante, haja vista que retrata de maneira satisfatória a extensão do dano.
Por tais considerações, nego provimento ao presente recurso, mantendo a sentença hostilizada em todos os seus termos.
É como voto.
Natal, 18 de maio de 2010.
DESEMBARGADOR ADERSON SILVINO
Presidente
JUÍZA CONVOCADA MARIA ZENEIDE BEZERRA
Relatora
Dr. ARLY DE BRITO MAIA
16º Procurador de Justiça
JURID - Indenização. Responsabilidade civil. Injusta acusação. [18/06/10] - Jurisprudência
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