Administrativo e constitucional. Responsabilidade civil. Ação de indenização de danos materiais e lucros cessantes.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Ap. Cív. nº 2009.062555-5
Publicado dia 17.06.2010
Apelação Cível n. 2009.062555-5, de Coronel Freitas.
Relator: Des. Jaime Ramos
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES CONTRA OS MUNICÍPIOS DE CORONEL FREITAS E DE NOVA ITABERABA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - QUEDA PARCIAL DE PONTE E CAPOTAGEM DO VEÍCULO NO RIO - AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO DA VIA PÚBLICA PELOS RÉUS E DA SINALIZAÇÃO DE ADVERTÊNCIA - CONDUTOR QUE CRUZAVA A PONTE SOBRE AS PRANCHAS TRANSVERSAIS E NÃO PELOS TRILHOS REFORÇADOS PARA A PASSAGEM DOS VEÍCULOS, OCASIONANDO A RUPTURA DAQUELAS - CONFIGURAÇÃO DE CULPA CONCORRENTE EM IGUAL GRAU DE INTENSIDADE ENTRE A PARTE AUTORA (50%) E OS RÉUS (50%) - RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DOS ENTES PÚBLICOS - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR - DANOS MATERIAIS COMPROVADOS EM PARTE - INDENIZAÇÃO PELA METADE - LUCROS CESSANTES INEXISTENTES - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
Responde o Município pela reparação dos danos causados em acidente de trânsito provocados em razão da queda de veículo da autora em ponte de madeira, pois era de sua responsabilidade a manutenção da ponte e a fixação de placa sinalizadoras (de advertência) no local (responsabilidade civil subjetiva), e se tal não providenciou (omissão), deve arcar com a ocorrência dos danos que disso resultaram.
Deve ser reconhecida a concorrência de culpa, em igual grau de intensidade, por parte do motorista que não tomou as devidas cautelas em estrada de chão interiorana, pois cruzou a ponte de madeira com os rodados fora dos trilhos longitudinais reforçados, ocasionado a ruptura das pranchas transversais que não têm a função de suportar o peso de veículos de grande porte, mormente porque, embora ausente a sinalização sobre as condições da ponte, competia-lhe trafegar corretamente sobre ela, com objetivo de evitar a capotagem do caminhão no rio.
A concorrência de culpa entre os causadores do dano e a vítima, com idêntica intensidade, determina a redução, pela metade, das verbas indenizatórias devidas por aqueles (CC, art. 945).
Conforme disposto no art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, a autora deve fazer prova constitutiva do seu direito sob pena de ver julgada improcedente sua pretensão de ser ressarcida dos danos materiais. Desse modo, comprovado que o acidente ocorreu por culpa concorrente da autora e dos Municípios, deve a Fazenda Pública Municipal indenizar a sua cota parte quanto aos danos materiais ocorridos e devidamente comprovados.
Não havendo provas sólidas e incontestes acerca dos lucros que a vítima supostamente deixou de auferir em razão do infortúnio, não se pode falar em ressarcimento de lucros cessantes.
Havendo sucumbência recíproca no feito, as partes devem responder pelos honorários advocatícios, em proporções, compensando-se até o montante comum (art. 21, "caput", do CPC). Os honorários advocatícios devem ser fixados com razoabilidade, nos termos do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil, de modo que não fiquem excessivos nem aviltem a profissão do Advogado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.062555-5, da Comarca de Coronel Freitas, em que é apelante Transportes Alba Ltda Me, e apelados Município de Coronel Freitas e Município de Nova Itaberaba:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, em reexame, reformar parcialmente a sentença. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Na Comarca de Coronel Freitas, Transportes Alba Ltda. ME. ajuizou "ação ordinária de responsabilidade civil" contra o Município de Coronel Freitas e o Município de Nova Itaberaba, sustentando que no dia 24.05.2005, por volta das 13:00 horas, o veículo VW 23.310, ano 2002/modelo 2003, placas MCW 4179, de propriedade da autora e conduzido por Sidney Alba, sofreu um acidente ao tentar cruzar uma ponte de madeira que divide os Municípios réus; que a referida ponte cedeu fazendo o veículo da autora tombar sobre o riacho; que no local do sinistro não havia qualquer sinalização informando sobre as condições da via ou mesmo da ponte, de modo que não poderia o motorista saber qual o peso que poderia ser ou não suportado pela ponte; que é de responsabilidade de ambos os Municípios fiscalizar e conservar a citada ponte de madeira; que cabe à municipalidade prestar assistência (conservar) as vias de trânsito, os acessos e "seus complementos (pontes, alças de ligação, acessos etc), fornecendo e mantendo a devida sinalização, informando as condições de trafegabilidade"; que falharam os Municípios quando não zelaram pela segurança dos motoristas que trafegavam pela ponte em questão, sendo responsáveis pelos danos causados ao veículo da autora; que em razão do acidente, o veículo de propriedade da autora sofreu diversos danos, o que acarretou o prejuízo de R$ 25.994,16, que corresponde ao preço da franquia, ao valor da carga portada no momento do evento danoso e aos consertos do veículo que não foram abrangidos pela apólice de seguro; que além dos prejuízos com o conserto, o caminhão da autora permaneceu parado por setenta e quatro (74) dias, de modo que ela deixou de fazer os fretes mensais e fixos e, por isso, deixou de lucrar nesse período; que "pela média dos últimos três meses antes do acidente e deduzidos 30% (trinta por cento) do valor a título de despesas com o veículo, a Autora deixou de receber a importância de R$ 26.405,0 (vinte e seis mil, quatrocentos e cinco reais), que também devem ser ressarcidos".
Postulou, ao final, a procedência da ação para condenar os réus ao pagamento de indenização por danos materiais, lucros cessantes e demais verbas sucumbenciais.
Indeferido o benefício da justiça gratuita, a autora efetuou o pagamento das custas processuais.
Citado, o Município de Coronel Freitas contestou aduzindo que não contribuiu para a ocorrência do evento danoso; que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da autora, pois entrou com seu veículo de forma desgovernada na ponte, passando indevidamente pelas tábuas laterais e, por tal motivo, a referida ponte não suportou o peso do seu caminhão; que não restou comprovado o nexo causal na hipótese; que a demandante trafegava com seu caminhão dentro do perímetro pertencente ao Município de Nova Itaberaba e, por isso, é deste réu a responsabilidade pela sinalização daquela área; que não restaram comprovados os danos materiais correspondentes à perda da carga transportada (ração); que a demandante não demonstrou que pagou determinada franquia para o conserto de seu veículo; que não comprovou que naquela região havia apenas uma oficina mecânica capacitada para efetuar o conserto de seu caminhão; que não restaram configurados os requisitos necessários para a indenização por lucros cessantes, eis que não há provas de que o veículo da autora ficou parado pelo período de 74 dias; que as notas fiscais apresentadas pela autora e utilizadas para aferir o valor total dos lucros cessantes não demonstram que as cargas descritas nelas foram transportadas pelo referido veículo da autora.
Após, o Município de Nova Itaberaba, citado, contestou alegando que o acidente de trânsito ocorreu por culpa do preposto da autora, eis que no dia do fato estava chovendo e trata-se de estrada de barro, contudo, ele conduzia o veículo em velocidade incompatível com o local; que o acidente só ocorreu porque o motorista tentou atravessar a ponte fora dos trilhos para o tráfego; que era dever do condutor trafegar com cuidado naquela região, na velocidade máxima permitida (60 Km/h); que não restou comprovado que o veículo da autora transportava grãos no momento do evento danoso, sendo que a nota fiscal apresentada pela demandante foi emitida após a ocorrência do acidente; que não há provas de que o veículo da autora possuía seguro e que a respectiva franquia foi paga pela autora; que os valores pleiteados pela demandante na inicial como referentes ao conserto de seu veículo que não foi abrangido pela sua apólice de seguro, não correspondem à soma dos recibos anexados por ela aos autos; que a demandante não comprovou que seu caminhão foi utilizado para realizar uma carga no dia 19.07.2005.
A autora impugnou as contestações.
Em saneador, o MM. Juiz "a quo" deferiu a produção de prova testemunhal e designou data para a realização da audiência de instrução e julgamento.
Realizada audiência a proposta a conciliação restou inexitosa; foram ouvidas duas (02) testemunhas arroladas pela autora e uma (01) arrolada pelo Município de Nova Itaberaba. Foram ouvidas mais três (03) testemunhas por meio de carta precatória.
Após a apresentação das alegações finais; o MM. Juiz proferiu a seguinte sentença:
"Ante o exposto, com fulcro no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na Ação de Reparação de Danos movida por TRANSPORTES ALBA LTDA - ME em desfavor do MUNICÍPIO DE CORONEL FREITAS e do MUNICÍPIO DE NOVA ITABERABA para condenar os réus ao pagamento de pagamento de indenização por danos materiais e lucros cessantes à empresa autora no valor total de R$ 21.442,57 (vinte e um mil, quatrocentos e quarenta e dois reais e cinquenta e sete centavos), a ser atualizado monetariamente pelo INPC a partir da data do ajuizamento e até a data da citação válida, quando deverá ser acrescido somente da Taxa Selic, a englobar correção monetária e juros de mora.
"Em face da sucumbência recíproca, condeno a empresa autora ao pagamento de 40% das custas processuais. Os Municípios são isentos por força da Lei Complementar Estadual n. 156/97. Com fulcro no mesmo critério e observando o §3.º e as alíneas do § 4.º do art. 20 do CPC, deverão ambos os litigantes arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, que restam fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, cabendo 40% desta quantia ao procurador do acionante e 60% aos advogados dos réus, sendo a metade para cada um.".
Inconformada, a autora apelou alegando que não contribuiu para a ocorrência do evento danoso, pois o dano somente ocorreu em razão do precário estado de conservação da ponte de madeira; que cabia aos Municípios a conservação da via pública; que o preposto da demandante conduziu o veículo de forma correta sobre a ponte; que não havia qualquer sinalização no local acerca das condições da referida ponte e da forma correta para a sua travessia; que quitou a franquia de seu seguro no valor de R$ 4.147,42 e, por tal motivo, é este o montante que deve ser restituído a ela pelos réus; que comprovou que o seu caminhão estava transportando uma carga (ração) no momento do evento danoso, a qual se perdeu em virtude do referido acidente trânsito e, por isso, deve ser indenizada com o pagamento do valor total desta mercadoria.
Com as contrarrazões apenas do Município de Coronel Freitas, os autos ascenderam a esta Superior Instância.
VOTO
Há que se negar provimento ao recurso e, em reexame, reformar parcialmente a sentença.
1. Do acidente de trânsito
Tratam os autos de recurso de apelação interposto pela autora e de reexame necessário da sentença que julgou procedentes em parte os pedidos formulados pela demandante na ação de indenização, para condenar os réus ao pagamento dos valores de R$ 8.240,07, por danos emergentes, e de R$ 13.202,50, por lucros cessantes, cujo montante total é de R$ 21.442,57, que deverá ser acrescidos de correção monetária, pelo INPC, a partir da data do ajuizamento da lide, e de juros de mora, contados a partir da citação, quando será aplicada a Taxa do SELIC que abrange, em um só cálculo, tanto os juros de mora quanto a correção monetária, que desde então incidem pelo mesmo tempo.
A apelante sustentou que o acidente somente ocorreu porque os Municípios não conservaram a ponte de madeira e nem efetuaram a sinalização adequada no local, conforme determina a legislação de trânsito; daí porque devem eles ser condenado ao pagamento integral da indenização dos danos materiais sofridos por ela, pois o evento danoso ocorreu por culpa de ambos os apelados.
É incontroverso o fato de que no dia 24 de maio de 2005, por volta das 13:00 horas, o caminhão VW 23.310, placas MCW 4179, de propriedade da autora, trafegava por uma estrada de chão interiorana, que interliga o Município de Nova Itaberaba ao Município de Coronel Freitas, quando ao passar por uma ponte de madeira e já estando aproximadamente no meio dela, acabou capotando à direita, sobre o leito do rio, em razão da quebra de pranchas transversais.
Alegou a autora, e a MMª. Juíza "a quo" o reconheceu, que a ponte se encontrava em mau estado de conservação, porque ruiu, e também não havia sinalização adequada quanto à possibilidade de trânsito, ou não, de veículos pesados como aquele.
Os apelados reconhecem o tombamento do veículo, porém alegam que o acidente se deu por inteira responsabilidade do condutor do caminhão, que estaria transitando fora dos trilhos longitudinais por onde os veículos devem trafegar, de modo que, posicionando o rodado nas madeiras transversais, estas não agüentaram o peso do caminhão e ruíram. Defendem os Municípios que a ponte se encontrava em perfeito estado para o tráfego de veículos, caminhões inclusive, e que o trânsito deles somente pode ocorrer pelos trilhos e não pelas madeiras transversais que apenas complementam a estrutura da ponte. Também alegam que o veículo estava trafegando em velocidade superior à permitida para aquela estrada, que é de 60 km/h.
Assim, os apelados sustentam que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva do preposto da autora, o que afastaria qualquer indenização por danos materiais e lucros cessantes.
Ressumbra dos autos que o acidente que ocasionou danos materiais ao caminhão da apelante se deu em parte por imprudência e negligência do condutor do veículo, que conduzia este de forma inadequada, sobre a ponte de madeira, e não tomou os cuidados necessários ao atravessá-la.
Pelas fotografias acostadas aos autos, sendo que algumas foram tiradas antes mesmo da remoção do caminhão, que permanecia caído no riacho, é fácil constatar que o acidente se deu pelo fato de o caminhão entrar de forma incorreta na ponte, buscando cruzá-la por sobre as pranchas transversais, ou seja, não pelos trilhos longitudinais reforçados que se destinam à passagem dos rodados dos veículos, mas sim por fora deles, o que causou o acidente, eis que aquelas não foram colocadas na estrutura da ponte para suportar o trânsito de veículos pesados e se romperam com o peso do caminhão, fazendo com que este capotasse de lado, à direita, caindo no leito do rio. Veem-se em tais fotografias, especialmente nas de fls. 22, 26/27, 30, 66/67, 105/107, que foram as pranchas transversais de madeiras do lado direito da ponte, que cederam e fizeram o veículo da autora tombar
Observam-se as marcas dos pneus do rodado direito do caminhão da apelante ao efetuar a curva para a direita que antecedia a entrada ponte, demonstrando que, na espécie, o veículo estava fora do traçado normal, uma vez que os rodados direitos do citado caminhão passaram sobre a vegetação que fica ao lado direito da estrada de terra (fotografia 01 anexada à de fl. 66). Desse modo, vislumbra-se claramente que o caminhão da autora ingressou na ponte de maneira incorreta e sobre as pranchas transversais de madeira do lado direito, de modo que os rodados direitos passaram à margem direita dos trilhos, ou seja, sobre a beirada da ponte, na parte em que estão as pontas das pranchas transversais que sobejam às vigas e, portanto, como em toda ponte de madeira, não têm qualquer sustentação na parte de baixo. Aliás, a própria apelante admitiu no feito que tais marcas foram produzidas por seu veículo, conforme os excertos que se extraem de sua resposta à contestação do Município de Coronel Freitas, "verbis": "o que existe são marcas acentuadas de pneus decorrentes da passagem pura e simples, do veículo caminhão, pertencente ao Autor pela via molhada" (fl. 118).
Não há dúvida de que o trânsito de veículos fora dos trilhos de passagem é extremamente perigoso, ou seja, sobre a parte de fora da parte carroçável da ponte de madeira (lado direito de fora dos trilhos de rodagem), na parte em que estão as pranchas transversais, que não têm qualquer capacidade para suportar o tráfego de veículos, principalmente aqueles de carga (caminhões), que deverão transitar obrigatoriamente pelos trilhos de pranchas reforçadas.
Para reforçar a afirmação de que o veículo da autora cruzava a ponte de madeira de forma incorreta, ou seja, sobre as pranchas transversais, que compõem o chamado "tabuleiro" (pranchas dispostas de forma transversal sobre as vigas ou longarinas de sustentação da ponte), e não pelos trilhos de pranchas reforçadas que deveria ter usado, observe-se o que disseram as testemunhas no feito:
"[...] que a viga que quebrou ficava fora do trilho normal da ponte; que em razão da existência de uma curva muito acentuada existente antes da ponte, os motoristas têm dificuldade de alinhar o caminhão e passar por ela em seu trilho normal; que acredita que foi isso que aconteceu com o caminhão em questão; que se a ponte não tivesse sido consertada outros acidentes iguais a este teriam ocorrido; que o depoente reside no local há vinte anos; que foi a primeira e única vez que viu um veículo cair da referida ponte; que não sabe dizer se as outras pessoas que chegaram ao local após o acidente verificaram os rastros que o caminhão deixou antes de ingressar na ponte; que pode dizer que alguns caminhões ao ingressar na ponte passam fora do trilho normal, em razão da curva acentuada que existe antes dela; que outros caminhões fazem uma manobra para alinhar o caminhão antes de ingressar na ponte; [...]" (fls. 150/151).
"[...] que à época dos fatos residia há cinquenta metros da ponte onde aconteceu o acidente; que presenciou o momento em que o caminhão caiu da ponte; que estava saindo de seu aviário; que ouviu um estalo e em seguida viu o caminhão caindo; que o caminhão entrou desalinhado na ponte, isso em razão da curva acentuada e do fato de a pista estar molhada; que o caminhão passou pelo trilho normal da ponte; que em razão disso, uma viga lateral quebrou, causando a queda do caminhão; que as vigas laterais são bem mais fracas que as vigas existentes no trilho normal da ponte; que as vigas laterais servem apenas para sustentar as tábuas ou pranchas da ponte; que a ponte não estava em bom estado de conservação antes do acidente; que foi o primeiro acidente a ponte foi reformada, que foram substituídas as vigas; que a viga lateral quebrou e sua parte central caiu no rio. [...] que era difícil, mas possível aos caminhões passar pelo trilho normal da ponte; que passavam pelo local muitos caminhões carregados; que verificou os rastros do caminhão antes de ingressar na ponte; que pelos rastros pode verificar que o caminhão não deu a abertura necessária antes de fazer a curva; que fez a curva bem fechada; que verificou isso pelas marcas de pneu no barro; que a pista estava molhada; que pode afirmar que o rodado traseiro do caminhão, quando ele passou pela ponte, passou fora de seu trilho normal, na parte externa da ponte. [...] que disse que a ponte não estava em bom estado de conservação no momento do acidente, em razão do estado das vigas existentes em sua lateral; que se essas vigas fossem mais grossas não teria acontecido o acidente; que as vigas que sustentavam o trilho normal da ponte estavam em bom estado de conservação, pois não quebraram. [...] que não havia nenhuma placa de sinalização a indicar a velocidade máxima, peso máximo, pista escorregadia, etc.. no local; que outros veículos não faziam a mesma manobra que o caminhão em questão para entrar na ponte, 'pois se tivesse feito também teriam caído'; que o caminhão da empresa autora passava com frequência na referida ponte; que não sabe se era o mesmo motorista; que no momento do acidente, estava há uma distância de aproximadamente cinquenta metros do local; que estava no lado do município de Nova Itaberaba; que residiu no local por aproximadamente dois anos; que nesse período, verificou em uma oportunidade o município de Coronel Freitas trabalhando na ponte, substituindo as pranchas; que sabe que o serviço foi promovido pelo município de Coronel Freitas, pois o secretário de obras da época era seu primo e visitou após o trabalho; que dias antes do acidente passou pela ponte um caminhão com vinte quilos de ração; que sabe disso porque ajudou a descarregar a ração na propriedade de Adelírio Dariva. [...]" (fls. 152/153).
"[...] que em razão dos rastros deixados pelo caminhão o depoente concluiu que o motorista do caminhão não manobrou corretamente, visto que deveria ter alinhado o caminhão por sobre os trilhos da ponte, o que não ocorreu. [...] que para alinhar o caminhão, segundo o depoente, o motorista deveria ter manobrado o caminhão à esquerda da pista, 'abrindo bem', e em seguida efetuar a manobra à direita para alinhar sobre a ponte. Que pelo que observou no dia do acidente pode constatar que o rodado traseiro do caminhão ficou na tábuas fora das pranchas de rolamento, que a parte dianteira do caminhão esta sobre as tais pranchas, mas em razão das quebras das tábuas acabou caindo." (fl. 177).
"[...] que o depoente trabalha na secretaria de obras e em razão disso foi um dos primeiros a chegar no local, à exceção dos moradores do local que o depoente constatou em razão das marcas dos pneus que o motorista do caminhão não abriu o necessário para efetuar o alinhamento sobre os trilhos da ponte. Que os pneus do rodado traseiro ficaram na beirada da ponte, motivo pelo qual o madeiramento não resistisse. Que não sabe informar a vida útil da ponte e nem a última vez que haviam realizado a manutenção da mesma, visto que, estavam iniciando o mandato. Que nos trilhos onde os pneus dos caminhões passam, estes estavam em boas condições. Que a ponte fica próxima a uma encruzilhada. Que por sobre a ponte sempre passam caminhões carregados, sendo que nunca haviam ocorrido um acidente como este dos autos. [...] Que quando se refere que os pneus do rodado traseiro ficaram na beirada da ponte, quer o depoente dizer que tais pneus ficaram fora da pranchas por onde os veículos se deslocam. [...] Que não sabe indicar qual a tonelagem que a ponte resiste, esclarecendo no entanto que o padrão para pontes de madeira é que estas resistam caminhões com até 40 toneladas." (fl. 178).
Constata-se, assim, que o preposto da autora, que conduzia o caminhão no momento dos fatos, cruzava a ponte de madeira por sobre as pranchas transversais e não pelos trilhos de pranchas reforçadas que deveria ter usado. Por isso é imperativo reconhecer o fato de que o sinistro aconteceu também porque o motorista do caminhão tentou ultrapassar a ponte fora dos trilhos, ou seja, sobre as pranchas transversais de madeira, agindo com imprudência de sua parte, dado que não era por ali que o caminhão deveria passar, como bem se sabe.
Por outro lado, não há dúvida de que a ponte se encontrava em mau estado de conservação, conforme os excertos que se retiram dos depoimentos colhidos nos autos:
"[...] que a ponte na época estava em mal estado de conservação; que depois do acidente a ponte foi totalmente reformada e as vigas de madeira foram substituídas por vigas de concreto; que antes do acidente nunca verificou a prestação de serviços de conservação na referida ponte; [...]" (fl. 148).
"[...] que perguntado o estado de conservação da ponte, respondeu 'boa não estava, pois se estivesse em bom estado o caminhão não teria caído, pois uma viga quebrou na hora'; [...] que não havia nenhuma placa de sinalização de velocidade, curva, peso, etc... no local do acidente; que por muito tempo antes dos fatos não foi realizado o serviço de manutenção da ponte; que não sabe dizer quando que foi feito o último serviço de manutenção da ponte." (fl. 150).
"[...] que disse que a ponte não estava em bom estado de conservação no momento do acidente, em razão do estado das vigas existentes em sua lateral;
[...]" (fls. 152/153).
Desse modo, tem-se que a ponte se encontrava em estado precário de conservação, contudo, a causa principal do acidente foi o fato de o condutor do veículo da autora não direcionar o caminhão corretamente em cima dos trilhos da ponte, e ao transitar fora dos trilhos destinados para os pneus, danificou as pranchas laterais, causando o evento danoso. Isso demonstra que a estrutura da ponte, embora precária, estava em condições, propiciando o tráfego normal de veículos, inclusive caminhões, desde que o veículo da autora ocupasse, como deveria, as prancha longitudinais de reforço da ponte. Ressalte-se que não foi possível a realização de laudo pericial acerca do estado de conservação da referida ponte, pois ela foi restaurada pelos réus após a ocorrência do evento danoso.
É importante assinalar que o caminhão da autora transitava com bastante frequência por estradas interioranas de toda a região, pois se destinava ao transporte de cargas (ração) para a Cooperativa que contratara os serviços da demandante para tal. Como registraram as testemunhas nos autos, era comum o trânsito de veículos até maiores por aquela ponte, e nunca havia ocorrido qualquer problema.
Da mesma forma, em que pese a ponte não estar devidamente sinalizada com placas de advertência pelos réus, tal fato não contribuiu de forma alguma para o acidente, eis que o caminhão somente não completou a travessia da ponte porque permaneceu fora dos trilhos, sobre a parte transversal de madeira que não é feita para suportar o peso de veículos, especialmente de veículos pesados, como o da apelante. Como se viu, os caminhões da autora trafegavam com frequência naquela e, por isso, tinham ciência das circunstâncias em que se encontrava a citada ponte de madeira. Também é raro se ver sinalização de advertência quanto a cuidados para travessia de ponte de madeira em estrada interiorana, primeiramente porque a velocidade permitida para tais vias é sempre reduzida (não pode exceder a 60 km/h e, obviamente nas curvas deve ser bem mais reduzida), e, em segundo lugar, todos os motoristas sabem que as pontes de madeira exigem cuidados redobrados para a passagem sobre elas.
O fato de a ponte se localizar logo após uma curva à direita, sem sinalização, também não teve qualquer participação no evento danoso, porque, como já mencionado, o motorista da autora adentrou na ponte sem qualquer problema senão o de que preferiu passar com os rodados sobre as pranchas transversais em vez de ocupar, como seria normal e obrigatório, os trilhos longitudinais que, aliás, se localizam em zona onde há vigas de sustentação (longarinas) na supraestrutura, que asseguram a passagem de veículos pesados com toda a segurança.
Também a circunstância de estar chovendo no momento do acidente não colabora para excluir a parcela da culpa do preposto da autora pelo evento danoso, porque, se o caminhão deslizou para a direita e caiu no rio foi porque se quebraram as pontas das pranchas transversais de madeira em virtude do peso do veículo, cujos rodados direitos por ali passavam indevidamente.
Por outro lado, há que se verificar a responsabilidade dos Municípios pela conservação da ponte, eis que não era realizada por eles a devida manutenção do local, que, segundo os depoimentos colhidos nos autos, se encontrava abandonada por ambas as municipalidades, sendo que eles têm o dever de realizarem a conservação das vias de trânsito municipais. YUSSEF SAID CAHALI, sobre o tema, esclarece que:
"A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis, cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que transitam pelas mesmas; a omissão no cumprimento desse dever jurídico, quando razoavelmente exigível, e identificada como causa do evento danoso sofrido pelo particular, induz, em princípio, a responsabilidade indenizatória do Estado". (Responsabilidade Civil do Estado. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 30)
Não há dúvida de que ambos os réus são responsáveis pela conservação da referida ponte de madeira, eis que ela foi instalada exatamente na divisa entre os Municípios, portanto, cabia a eles a responsabilidade para a manutenção dela, conforme esclareceu a testemunha Amauri Bedin em seu depoimento colhido nos autos, que à época do evento danoso ocupava cargo público perante a secretaria de obras no Município de Nova Itaberaba: "que a manutenção da ponte referida, por se tratar de divisa de município é efetuada pelos municípios limítrofes." (fl. 178).
Esclarecido esse aspecto, tem-se que os Municípios, à época do sinistro, não atendiam aos requisitos legais, haja vista que foram omissos quanto à manutenção e à conservação da ponte de madeira e também não colocaram no local placas de advertência sobre o estado precário da ponte, de acordo com o art. 24, incisos I e III, do Código de Trânsito Brasileiro.
Nesse passo, com fundamento no que acima se expôs, chega-se à conclusão de que as partes (Municípios e autora) agiram com igual intensidade de culpa concorrente e, por isso, o acidente não foi evitado.
A culpa dos réus, como se viu, reside no fato de não terem realizado devidamente a conservação da ponte de madeira e de não haver colocado no local a sinalização de advertência sobre as condições da ponte. A autora/apelante, por sua vez, não direcionou o veículo em cima dos trilhos da ponte, e ao transitar fora do local destinado para os pneus, danificou as pranchas laterais, sofrendo o acidente.
Assim, os fatores que deram causa ao acidente foram a inquestionável imprudência do preposto da autora que trafegava fora do local devido, e a omissão dos réus, que não haviam realizado os devidos reparos e nem instalaram as placas sinalizadoras, circunstâncias que caracterizam, evidentemente, a existência de culpa concorrente ou recíproca, o que impõe o pagamento da indenização pela metade das indenizações pretendidas pela demandante, em face da idêntica intensidade da culpa, como recomenda o art. 945, do Código Civil de 2002. Em consequência, é improcedente o recurso da autora, no particular.
2. Da obrigação de indenizar
A obrigação dos Municípios de indenizar a metade dos danos causados à autora está sustentada na responsabilidade civil que, na espécie, é subjetiva (art. 186, CC/2002), sobretudo porque está devidamente configurado o nexo de causalidade entre o fato lesivo e os danos que, como frisado, decorre da omissão (culpa na modalidade de negligência) do Poder Público.
Como bem anotou o eminente Des. Luiz Cézar Medeiros, no voto que proferiu na Apelação Cível n. 1999.002117-3, que também foi transcrito na Apelação Cível n. 2005.008770-8, "tanto a doutrina quanto à jurisprudência pátria tem firmado o posicionamento no sentido de que o disposto no art. 37, § 6º, da Constituição da República diz respeito à responsabilidade do Estado pela ocorrência de atos comissivos que causem prejuízo a terceiros. Aplica-se, portanto, em casos tais, a responsabilidade objetiva com fundamento na teoria do risco administrativo.
"De outro vértice, se o ato é omissivo, a responsabilidade é subjetiva, cumprindo assim restar cabalmente demonstrado ter a Administração, através de seus agentes, incorrido em uma das modalidades de culpa - negligência, imprudência ou imperícia.
"Neste sentido, colhe-se ilustrativo precedente do Supremo Tribunal Federal:
"'CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º.
"'I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.
"'II - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.
"'III - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.
"'IV - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service.' (STF, Segunda Turma, RE 179147/SP, Rel. Min. Carlos Veloso, j. 12.12.97)".
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, acerca da responsabilidade civil subjetiva do Estado, leciona:
"Responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito - culposo ou doloso - consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isto.
"Em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela idéia denominada de faute du service entre os franceses.
Ocorre a culpa do serviço ou 'falta de serviço' quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva.
"[...]
"É mister acentuar que a responsabilidade por 'falta de serviço', falha do serviço ou culpa do serviço (faute du service, seja qual for a tradução que se lhe dê) não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo), como sempre advertiu o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.
"Com efeito, para sua deflagração não basta a mera objetividade de um dano relacionado com um serviço estatal. Cumpre que exista algo mais, ou seja, culpa (ou dolo), elemento tipificador da responsabilidade subjetiva.
"É muito provável que a causa deste equívoco, isto é, da suposição de que a responsabilidade pela faute du service seja responsabilidade objetiva, deva-se a uma defeituosa tradução da palavra faute. Seu significado corrente em Francês é o de culpa. Todavia, no Brasil, como de resto em alguns outros países, foi inadequadamente traduzida como 'falta' (ausência), o que traz ao espírito a idéia de algo objetivo.
"[...]
"Há responsabilidade objetiva quando basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. Por isso é sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar, e de acordo com certos padrões, não atua ou atua insuficientemente para deter o evento lesivo" (Curso de Direito Administrativo. 16. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 861/864).
E, mais adiante, ainda sobre o assunto, o insígne administrativista acrescenta que "quando um dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi ou autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Cula e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva" (Op. cit. p. 871/872).
Na hipótese dos autos, portanto, tendo havido omissão por parte dos Municípios de Coronel Freitas e Nova Itaberaba, que deixou de conservar a ponte de madeira (via pública) e nem sequer sinalizaram com placas de advertência o local, ou seja, o serviço público não funcionou (comportamento ilícito), resta caracterizada a responsabilidade civil subjetiva e, por isso, verificada também a culpa concorrente da vítima, deve indenizar os danos pela metade dos valores pleiteados porque, nos termos do art. 186, do Código Civil de 2002: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito", sendo que a obrigação de indenizar os danos decorrentes do ato ilícito vem assegurada no art. 927, do mesmo diploma legal, o qual, no seu parágrafo único, trata da responsabilidade civil objetiva. NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, tecendo comentários acerca da norma do art. 186, do CC/2002, registraram:
"Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC é o da responsabilidade civil subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa lato sensu (culpa - imprudência, negligência ou imperícia; ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (CC 927 par. ún.), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência do dano e do nexo de causalidade entre o fato e o dano.
"[...]
"A responsabilidade civil se assenta na conduta do agente (responsabilidade subjetiva) ou no fato da coisa ou do risco da atividade (responsabilidade objetiva). Na responsabilidade objetiva o sistema fixa o dever de indenizar independentemente da culpa ou dolo do agente. Na responsabilidade subjetiva há o dever de indenizar quando se demonstra o dolo ou culpa do agente, pelo fato causador do dano" (Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 91/92).
Assim, embora inquestionável a obrigação dos Municípios de indenizarem os danos causados pelo acidente de trânsito, como se viu, a responsabilidade dos entes públicos devem ser atenuadas porque a autora também concorreu com idêntico grau de culpa para que evento danoso se concretizasse, motivo pelo qual, neste caso, os valores pretendidos a título de indenização são devidos pela metade.
Imperativo registrar que o Código Civil de 2002 reparou a omissão do antigo, conforme a orientação doutrinária e jurisprudencial, ao estabelecer no art. 945 que, "se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano".
CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO e SÉRGIO CAVALIERI FILHO, acerca do assunto, explicam:
"A concorrência de culpas, mesmo sem dispositivo expresso, já estava consagrada na jurisprudência e na doutrina brasileiras. O que importa em tal situação é a correta identificação do nexo causal entre a conduta do agente e o ato e a verificação da participação do lesado para que o dano produzisse.
"[...]
"O que se leva em conta na concorrência de culpas é a efetiva participação da vítima para que o evento danoso tenha ocorrido. Segundo Pontes de Miranda, a 'regra jurídica da concorrência de culpa do ofendido tanto se refere às indenizações ex delicto quanto às indenizações por não-adimplemento de obrigação e às indenizações de outra fonte' (ob. cit., vol. 22, p. 196).
"[...]
"A grande dificuldade quando constatada a concorrência de culpas é estabelecer aquilo que deve ser efetivamente reparado pelo agente causador do dano. Serpa Lopes não teve dúvida de admitir que a 'melhor solução, no caso de culpa comum da vítima e do ofensor, é a estimativa de a indenização ser confiada ao arbítrio do Juiz, para decidir da proporção da contribuição de cada um no montante do prejuízo' (ob. cit., p. 210)." (Comentários ao novo código civil: da responsabilidade, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 13, p. 367/368 e 373).
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO adverte que "sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única. Além disso, nem sempre os tribunais aplicam a regra do risco integral, socorrendo-se, por vezes, da teoria da culpa administrativa ou culpa anônima do serviço público.
"São apontadas como causas excludentes da responsabilidade a força maior e a culpa da vítima.
"[...]
"Quando houver culpa da vítima, há que se distinguir se é sua culpa exclusiva ou concorrente com a do poder público; no primeiro caso, o Estado não responde; no segundo, atenua-se a sua responsabilidade, que se reparte com a da vítima" (Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 602/603).
No mesmo sentido é o ensinamento HELY LOPES MEIRELLES que, embora se referindo à responsabilidade objetiva, anotou que o Estado somente se eximirá da obrigação de indenizar se "comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso [...]. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização" (Direito administrativo brasileiro. 33. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 660).
Portanto, caracterizada a culpa recíproca entre ofensor e vítima, como é o caso destes autos, haja vista que concorreram com igual intensidade de culpa para que o evento danoso ocorresse, "impõe-se reconhecer a obrigação do réu [Município de Coronel Freitas e Município de Nova Itaberaba] indenizar o autor, pagando pela metade o valor da indenização pleiteada" (STJ, Resp n. 29.636/PI, Rel. Ministro Nilson Naves, DJU de 17/05/1993, p. 9.333).
Nessa vereda, colhe-se da jurisprudência:
"RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO INDICATIVA DE ESTREITAMENTO DE VIA NA CABECEIRA DE PONTE - CAUSA DO SINISTRO - RECURSO DESPROVIDO
"1. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis 'pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros' (CR, art. 37, § 6º). A responsabilidade é objetiva, circunstância que não desonera o autor do ônus de demonstrar o 'nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização' (Hely Lopes Meirelles; REsp nº 38.666, Min. Garcia Vieira). Todavia, cumpre observar que a responsabilidade objetiva do Estado 'não vai ao extremo de lhe ser atribuído o dever de reparação de prejuízos em razão de tudo que acontece no meio social' (José dos Santos Carvalho Filho).
"Em relação aos atos omissivos, a responsabilidade é subjetiva; 'assim é porque, para se configurar a responsabilidade pelos danos causados, há de se verificar (na hipótese de omissão) se era de se esperar a atuação do Estado. Em outro falar: se o Estado omitiu-se, há de se perquirir se havia dever de agir. Ou, então, se a ação estatal teria sido defeituosa a ponto de se caracterizar insuficiência da prestação de serviço' (Lúcia Valle Figueiredo; RE nº 204.037, Min. Carlos Velloso; REsp nº 721.439, Min. Eliana Calmon).
"2. Comprovada a falta de sinalização indicando que o estreitamento da pista de rolamento constituiu causa do sinistro, responde o município pela reparação dos danos." (TJSC, AC n. 2008.031480-0, de Rio do Sul, Rel. Des. Newton Trisotto, j. em 23.07.2009).
3. Das verbas indenizatórias
3.1. Danos Materiais
A apelante insurgiu-se também quanto ao valor da indenização dos danos materiais estipulados pela MMª. Juíza "a quo", pretendendo a majoração, sob alegação de que pagou os valores de R$ 4.147,42 (quatro mil, cento e quarenta e sete reais e quarenta e dois centavos), correspondente ao preço da franquia de seu contrato de seguro para o seu caminhão (Seguro Super Auto - BRADESCO; apólice n. 010787; fl. 123) e R$ 5.846,74 (cinco mil, oitocentos e quarenta e seis reais e setenta e quatro centavos), referente à carga (ração).
A MMª. Juíza "a quo" determinou como valor indenizatório devido o montante total de R$ 16.480,14 (dezesseis mil, quatrocentos e oitenta reais e quatorze centavos), correspondente ao valor da franquia da apólice de seguro (R$ 2.485,14) e aos danos provocados no veículo, cujo conserto não foi coberto pelo citado seguro (R$ 13.995,00). Caracterizada a culpa recíproca entre os ofensores e a vítima, a douta Magistrada "a quo" condenou os réus ao pagamento à autora do valor total de R$ 8.240,07 (oito mil, duzentos e quarenta reais e sete centavos), que será acrescido da correção monetária, pelo INPC, a partir da data do ajuizamento da ação (04.04.2006; fl. 02) até a citação válida, quando, deverá ser aplicada a Taxa SELIC que abrange, em um só cálculo, tanto os juros de mora quanto a correção monetária, que desde então incidem pelo mesmo tempo.
Não restou comprovado nos autos que a autora tenha arcado com o valor de R$ 4.147,42 em relação à franquia do seguro de seu caminhão. Isso porque a autora colacionou aos autos apenas um orçamento que previa o citado montante pleiteado, o qual foi elaborado pela empresa LF Caminhões Ltda. (fl. 34), mencionando que corresponderia à franquia do veículo da autora. Todavia, tal documento sequer comprova que o referido valor efetivamente foi pago pela apelante, pois, como se viu, se trata de mero orçamento e não de um recibo/nota fiscal. Não há impresso nele qualquer dado (impressão) quanto à sua quitação. Aliás, a própria autora colacionou aos autos a segunda via de sua apólice referente ao seguro de seu caminhão envolvido no evento danoso (fl. 123), comprovando que à época do fato o seu veículo encontrava-se segurado pela empresa "Bradesco Autor/RE Companhia de Seguros Super Auto Rodobens - Bradesco" (apólice n. 0101787), ou seja, diferente daquela que emitiu o orçamento colacionado à fl. 34, bem como demonstrou que o valor de sua franquia era de R$ 2.485,14. Assim, não restam dúvidas de que o preço da franquia referente ao veículo da autora era aquele previsto em sua apólice de seguro (R$ 2.485,14), primeiro porque foi a própria autora que colacionou tal documento ao feito, e segundo porque esse documento foi emitido pela empresa seguradora contratada pela autora, não mencionando qualquer outro valor adicional que poderia ser exigido do cliente em caso de sinistro do bem segurado além daquele acima citado.
Desse modo, não há nos autos qualquer indício de que a autora tenha arcado com o pagamento do valor de R$ 4.147,42 em relação à franquia para o conserto de seu veículo (art. 333, inc. I, do CPC). Portanto, em relação ao pagamento da franquia, o valor a ser considerado como devido (pela metade) é aquele previsto na apólice de seu seguro.
Quanto ao pedido referente à restituição do valor correspondente à carga (ração) transportada pelo caminhão da autora na data do evento danoso, cujo montante seria de R$ 5.846,74, eis que a referida mercadoria não pôde ser aproveitada após o acidente de trânsito, tem-se que os documentos de fls 35/36 não comprovam o suposto prejuízo sofrido pela autora, uma vez que apenas mencionam que determinada mercadoria foi transportada por meio do caminhão da autora, contudo, não apresentam nenhum dado que relacione o valor descrito na nota fiscal de fl. 36 com a carga transportada no dia do evento danoso. Aliás, o documento fiscal foi emitido pela empresa fornecedora (Aurora) em 19.07.2005, registrando essa data como a data da saída da mercadoria. Por isso, em relação ao pagamento dessa verba (R$ 5.846,74), o pedido de indenização de dano material é inócuo, pois não há qualquer comprovante de que a referida nota fiscal realmente correspondia à mercadoria perdida pela autora em virtude do acidente de trânsito. Assim, não tendo a demandante comprovado o prejuízo sofrido, como lhe compete nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, o seu pleito neste aspecto não merece ser acolhido.
No que tange aos prejuízos de seu veículo que não foram pagos pela seguradora, verifica-se que a apelada comprovou nos autos gastos referentes ao conserto de seu caminhão que foram pagos por ela, conforme as notas fiscais emitidas em seu nome colacionadas aos autos às fls. 38/40).
Ressalte-se que a autora alegou em sua inicial que os gastos com o conserto de seu caminhão, que não foram quitados pela sua seguradora, era no valor de R$ 16.000.00, todavia, a douta Magistrada "a quo" reconheceu na sentença como devido o valor de R$ 13.995,00, condenando os réus ao pagamento de metade deste valor, ante a culpa concorrente das partes na hipótese. No entanto, a autora, neste aspecto, se conformou com a sentença, eis que não apelou quanto ao referido valor estipulado (R$ 13.995,00) na sentença em relação ao conserto de seu caminhão e não coberto pelo seguro. "Tantum devolutum quantum apellattum" (art. 515, "caput", do Código de Processo Civil).
Assim, tem-se que a apelante comprovou nos autos o gasto referente ao conserto de seu caminhão por meio de notas fiscais. Acrescenta-se que os Municípios não impugnaram os valores registrados nos referidos documentos fiscais colacionados aos autos às fls. 38/40, os quais se mostram compatíveis com os danos provocados em seu veículo pelo evento danoso, bem como com as fotos colacionadas pela autora aos autos que demonstram as partes danificadas do seu veículo (fls. 21/29 e 33).
O art. 944, do Código Civil de 2002, diz que "a indenização mede-se pela extensão do dano", podendo o juiz arbitrar, equitativamente, a indenização que contiver "excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano" (parágrafo único), eis que o "quantum" indenizatório não pode propiciar o enriquecimento ilícito da parte lesada, o que é vedado pelos arts. 884 a 886, do Código Civil de 2002.
Observe-se quanto à comprovação dos prejuízos materiais suportados pela autora, em razão do conserto de seu veículo, que a jurisprudência tem admitido que, nesses casos, o valor indenizatório pode ter como base as notas fiscais apresentadas pela lesada, conforme o exposto no precedente desta Corte de Justiça:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE VEÍCULO - CULPA NÃO DISCUTIDA - DANO MATERIAL DEVIDAMENTE PROVADO NOS AUTOS ATRAVÉS DE NOTA FISCAL - LUCROS CESSANTES - NÃO-CABIMENTO - AUSÊNCIA DE PROVAS - DECISÃO MANTIDA." (TJSC, AC n. 2006.014561-8, de Sombrio, Rel. Des. Mazoni Ferreira, j. em 30.01.2009).
Desse modo, as notas fiscais anexadas aos autos pela autora são suficientes para comprovar os gastos referentes ao conserto de seu veículo, que não foram pagos pela sua seguradora. Conclui-se, então, que a apelante comprovou que arcou com o pagamento de parte do conserto de seu veículo, que não foi coberto pela sua apólice de seguro, por meio das notas fiscais colacionadas aos autos às fls. 38/40.
Portanto, no tocante à reparação dos danos materiais, correta a sentença que condenou os réus ao pagamento da quantia de R$ 8.240,07, que se refere ao valor da franquia da apólice de seguro (R$ 2.485,14) e aos danos provocados em seu veículo, que não foram pagos pela sua seguradora (R$ 13.995,00), reduzidos pela metade ante a culpa recíproca entre os ofensores e a vítima na hipótese (art. 945 do CC/02).
Cabe esclarecer que o referido valor indenizatório deverá ser acrescido da correção monetária, pelo INPC, a partir da data do ajuizamento da ação (04.04.2006; fl. 02) até a citação válida, quando, deverá ser aplicada a Taxa SELIC que abrange, em um só cálculo, tanto os juros de mora quanto a correção monetária, que desde então incidem pelo mesmo tempo, conforme determinou a MMª. Juíza "a quo" na sentença, o que é mais vantajoso para a Fazenda Pública. Isso porque os enunciados das Súmulas de ns. 43 e 54, do Superior Tribunal de Justiça, determinam, respectivamente, que "incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo" (43) e que "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual" (54). Todavia, a autora não apelou quanto à aplicação desses encargos e, por isso, não devem ser alterados na hipótese, eis que "no reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública", conforme a orientação da Súmula n. 45, do Superior Tribunal de Justiça.
3.2. Lucros cessantes
No que tange à indenização de lucros cessantes, a autora pleiteou como valor devido o montante de R$ 26.405,01 (vinte e seis mil, quatrocentos e cinco reais e um centavo), que arbitrou com base nas notas fiscais referentes aos transportes de cargas (ração) realizados por ela entre os meses de dezembro/2004 e maio/2005, alegando que ficou impossibilitada de exercer seu labor pelo período de 24.05.2005 a 05.08.2005, uma vez que o seu veículo ficou parado em razão do conserto das avarias provocadas pelo evento danoso.
A douta Magistrada "a quo" fixou o valor da indenização dos lucros cessantes no valor total de R$ 13.202,50 (treze mil, duzentos e dois reais e cinquenta centavos), já excluída a redução pela culpa concorrente.
Vale lembrar que o art. 402, do Código Civil, dispõe que: "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.", ou seja, extrai-se dessa norma, que as "perdas e danos" podem decorrer tanto de um dano emergente, consubstanciado no prejuízo real causado pelo ato ilícito, como de um lucro cessante, equivalente àquilo que o ofendido razoavelmente deixou de aferir.
A doutrina conceitua lucros cessantes como:
"[...] privação de um ganho que deixou de auferir, ou de que foi privado em conseqüência da inexecução ou retardamento [da obrigação]" (J. M. Carvalho Santos, Código civil brasileiro interpretado, Freitas Bastos, 1977, 9ª ed., v. XIV, p. 255).
"Lucro cessante é o que o credor razoavelmente deixou de lucrar. O critério do razoável é para ser examinado em cada caso concreto, mediante a prudência do juiz não pode a indenização converter-se em enriquecimento do credor" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 259).
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, sobre o tema, explica "que, em regra, os danos se enquadram em duas classes, positivos e negativos. Consistem os primeiros numa real diminuição no patrimônio do credor e os segundos, na privação de um ganho que o credor tinha o direito de esperar. [...] Dano emergente é o 'deficit' no patrimônio do credor, a concreta redução por este sofrida em sua fortuna ('quantum mihi abfuit'). Lucro cessante é o que ele razoavelmente deixou de auferir, em virtude do inadimplemento do devedor ('quantum lucrari potui')." (Curso de direito civil: direito das obrigações, 1ª parte, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 341-342).
E assim também o faz a jurisprudência:
"É sabido que a indenização por lucros cessantes refere-se ao que se deixou de ganhar em virtude de ato ilícito praticado pelo devedor, ou seja, é o lucro que a vítima iria auferir se não houvesse ilícito perpetrado pelo causador do dano, devendo este, por tal razão, responder pela correspondente reparação, que corresponde, in casu, ao salário percebido pelo autor." (TJSC, AC n. 2001.001554-0, de Biguaçu, Rel. Des. Mazoni Ferreira, j. em 09.10.2003).
Não há dúvida acerca da ocorrência do evento danoso queda do veículo da autora da ponte de madeira e que esse foi capaz de ocasionar danos materiais à lesada, contudo, não restaram devidamente comprovados os danos na modalidade de lucros cessantes.
Ressumbra dos autos que o veículo da autora permaneceu parado pelo período de 24.05.2005 a 05.08.2005, em razão do conserto das avarias provocadas pelo acidente de trânsito, conforme a declaração da mecânica que realizou a reparação do caminhão (fl. 37), sendo que os apelados não impugnaram a idoneidade desse documento no feito (art. 302, do CPC). Todavia, as notas fiscais anexadas pela apelante às fls. 41/49, comprovam apenas o seu faturamento durante os meses de dezembro/2004 a maio/2005, em virtude do transporte realizado por ela para a empresa Cooperativa Central Oeste Catarinense (Aurora). Não há nos autos qualquer indício de que os transportes descritos nos referidos documentos fiscais foram realizados pelo caminhão que se envolveu no evento danoso, uma vez que consta registrado nesses documentos, especificamente no campo destinado à características do veículo transportador apenas a descrição "Diversos", ou seja, não foi anotada qualquer característica que indicasse que os transportes das cargas anotadas nas citadas notas fiscais foram efetivamente realizados pelo caminhão sinistrado (art. 333, inc. II, do CPC). Aliás, a empresa autora sequer comprovou no feito o número de sua frota de caminhões.
Desse modo, não restou devidamente comprovado nos autos que o caminhão danificado com a queda da ponte de madeira realizou os transportes das cargas descritas nas notas fiscais anexadas às fls. 41/49, bem como que a sua ausência na frota da autora não foi suprida com a utilização de outro meio de transporte reserva ou mesmo não foi solucionada pela apelante com a elaboração de uma nova escala entre os outros caminhões pertencentes a ela.
Para a indenização dos lucros cessantes, é necessário que a parte lesada comprove induvidosamente os prejuízos sofridos por ela, demonstrando categoricamente no feito que o evento danoso lhe causou determinado prejuízo. RUI STOCO, sobre o assunto, comenta que:
"'Os lucros cessantes, para serem indenizáveis, devem ser fundados em bases seguras, de modo a não compreender os lucros imaginários ou fantásticos'. (TJSP - 1ª C. Dir. Privado - Ap. Rel. Alexandre Germano - j. 24.09.96 - JTJ-LEX 184/61).
"[...] 'O lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova da existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória'
(STJ - 4ª T. - REsp. 107.426 - Rel. Barros Monteiro - j. 20.02.2000 - DJU 30.04.2001 e RSTJ 153/298).
"[...] 'O lucro cessante, como espécie dos lucros e perdas, de natureza material, não se presume, pois sua comprovação constitui pressuposto da obrigação de indenizar' (2º TACSP - 12ª C. - Ap. 672.523-0/0 - Rel. Rui Stoco - j. 02.09.2004 - Voto 4.587/2004)." ( p. 1268/1269).
Dessa maneira, os lucros cessantes devidos são aqueles que decorrem diretamente do efeito danoso, devendo ser comprovados pela parte que o postula (art. 333, inc. II, do CPC). Conclui-se, assim, que os lucros cessantes não podem ser arbitrados livremente pelo nobre Julgador, eis que o montante indenizatório tem que estar embasado em prova contundente produzida pela parte lesada. Arbitramento aleatório se dá apenas no caso de dano moral, que não é a hipótese no caso em exame.
Tem decidido este Tribunal:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE VEÍCULO - CULPA NÃO DISCUTIDA - DANO MATERIAL DEVIDAMENTE PROVADO NOS AUTOS ATRAVÉS DE NOTA FISCAL - LUCROS CESSANTES - NÃO-CABIMENTO - AUSÊNCIA DE PROVAS - DECISÃO MANTIDA.
"Se o lucro cessante é o que a vítima deixou de auferir em decorrência do ilícito, a indenização a esse título deve estar escorreitamente provada, sob pena de improcedência." (TJSC, AC n. 2006.014561-8, de Sombrio, Rel. Des. Mazoni Ferreira, j. em 30.01.2009).
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO PROVOCADO POR FILHO MENOR. RESPONSABILIDADE DO GENITOR COM RELAÇÃO A TERCEIROS. VEÍCULO SEGURADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA OU DOLO PARA AGRAVAMENTO DO RISCO PELO SEGURADO. PAGAMENTO INDENIZATÓRIO PELA SEGURADORA DEVIDO. ÔNUS SUCUMBÊNCIAIS. DEVIDOS. LUCROS CESSANTES. NÃO COMPROVADOS. RECURSOS CONHECIDOS, PROVIDO O APELO PRINCIPAL E IMPROVIDO O RECURSO ADESIVO.
"[...] É sabido que cabe a parte que alega demonstrar, através de provas, a ocorrência de fatos de seu interesse. O não atendimento desse ônus coloca-a em desvantagem para obtenção de sua pretensão, mormente, quando busca obtenção de lucros cessantes, que exige provas robustas e concretas." (TJSC, AC n. 2006.035221-3, de Concórdia, Rel. Des. Subst. Saul Steil, j. em 11.09.2009).
Desse modo, não restou comprovado pela autora um dano efetivo em seu patrimônio que ensejasse a condenação da ré à reparação dos lucros cessantes pleiteados, eis que não comprovou o efetivo prejuízo que sofreu em razão do conserto de seu veículo.
Portanto, em reexame, reforma-se a sentença para excluir a condenação dos réus ao pagamento da verba indenizatória correspondente aos lucros cessantes postulados pela autora, porém não efetivamente comprovados na hipótese (art. 333, inc. II, do CPC).
4. Dos ônus sucumbenciais.
Com relação às verbas sucumbenciais, constata-se, em reexame, que ante o reconhecimento da culpa concorrente das partes pelo julgamento realizado na origem e diante da redução das verbas indenizatórias neste grau de jurisdição; daí a procedência apenas parcial dos pedidos iniciais; tem-se que a sucumbência é flagrantemente recíproca e não se pode dizer que uma das partes tenha sofrido derrota insignificante (art. 21, "caput", do Código de Processo Civil, não sendo aplicável, destarte, o parágrafo único). Assim, a proporção de sucumbência deverá ser de 1/2 para os Municípios contra 1/2 para a autora em relação a todas as condenações.
Cabe determinar, portanto, a distribuição proporcional dos ônus da sucumbência, nos termos do art. 21, "caput", do Código de Processo Civil, não sendo cabível a regra de atribuição por inteiro, a uma das partes, na hipótese do parágrafo único, como se disse.
Desse modo, faz-se adequação da sentença para determinar a ambos Municípios o rateio do pagamento dos honorários advocatícios devidos ao causídico da autora, fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, que já leva em conta a condenação imposta a eles, de metade (1/2) da indenização total, o que resultou na seguinte parcela a ser considerada na base de cálculo de tais honorários: dano material em R$ 8.240,07, devidamente corrigido e com a aplicação dos juros de mora; considerando que a derrota da autora é em proporção igual ao dos réus, deve ela pagar também o percentual total de 10% do valor da condenação (R$ 8.240,07), sendo devida a metade a cada réu.
Isso porque, além de equitativa, a apreciação dos honorários advocatícios deverá ser realizada levando-se em conta o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; e a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (alíneas "a", "b" e "c", do § 3º).
Neste Tribunal "pacificou-se o entendimento pretoriano no sentido de que não deve entidade estatal, na hipótese de sucumbir, suportar honorários de advogado acima do percentual de 10%" (TJSC, AC n. 99.012709-5, Des. Sérgio Paladino).
Logo, atento à norma do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, a pretensa causa não exigiu dos causídicos das partes extraordinário estudo doutrinário e jurisprudencial, tomando-se como prudente a fixação dos valores antes referidos, o que é perfeitamente razoável e adequado à realidade dos autos, em face da proporcionalidade que devem cumprir, razoavelmente, em relação à importância e ao valor da causa.
Em face do que dispõe o art. 21, do Código de Processo Civil, e nos termos do que orienta a Súmula n. 306, do Superior Tribunal de Justiça, "os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte", o que atende plenamente o disposto no art. 23, da Lei n. 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da OAB). A compensação se dá entre os valores devidos pelas partes a título de honorários advocatícios.
Considerando-se a sucumbência recíproca das partes, as custas processuais deverão ser divididas em 50% para a autora e 50% para os Municípios, ressaltando-se a isenção da parte destes, conforme os arts. 33 e 35, letra "h", da Lei Complementar Estadual n. 156/97, com a redação dada pelas LCE n. 161/97 e 279/04. Portanto, somente a autora arcará com o pagamento de 50% das custas processuais, na hipótese.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso da autora e, em reexame necessário, reforma-se parcialmente a sentença para: a) excluir a condenação dos entes públicos quanto ao pagamento da verba indenizatória correspondente aos lucros cessantes, mantida a condenação relativa aos danos emergentes, no valor de R$ 8.240,07 (já considerada a metade reparável), acrescido dos encargos moratórios definidos na sentença; b) compensar integralmente os honorários advocatícios entre as partes, nos termos do art. 21, do Código de Processo Civil, e da Súmula n. 306, do Superior Tribunal de Justiça; c) determinar que a autora pague 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, ficando os Municípios isentos de sua parte.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, a Câmara negou provimento ao recurso e, em reexame, reformou parcialmente a sentença.
Conforme disposto no Ato Regimental n. 80/2007-TJ, publicado no Diário de Justiça Eletrônico de 07.08.2007, registra-se que do julgamento realizado em 06.05.2010, participaram, com votos, além do Relator, os Exmos. Srs Desembargadores Cláudio Barreto Dutra (Presidente) e Jânio de Souza Machado.
Florianópolis, 15 de junho de 2010.
Jaime Ramos
Relator
Gabinete Des. Jaime Ramos
JURID - Administrativo e constitucional. Responsabilidade civil. [22/06/10] - Jurisprudência
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