Ford recorre da sentença que determinou devolução de valores ao Estado do RS.
COMARCA DE PORTO ALEGRE
5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL
Processo nº: 001/1.05.0316264-0
Natureza: Ordinária - Outros
Autor: Estado do Rio Grande do Sul, MUNICIPIO DE GUAIBA
Réu: Ford Brasil Ltda
Juíza Prolatora: Lílian Cristiane Siman
Data: 15/12/2009
Vistos etc.
O Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Ordinária contra Ford Brasil Ltda. alegando que havia celebrado com a ré um contrato de implantação de indústria acompanhado de 49 anexos, em data de 21/03/1998, além de um contrato de financiamento com o BANRISUL disponibilizando a tal empresa a quantia de R$ 210.000.000,00, que seria liberado de acordo com cronograma, em três parcelas. Noticiou que a primeira parcela foi liberada de plano, ficando a liberação das demais condicionada à comprovação da vinculação dos gastos das parcelas anteriores à execução do projeto; e que antes do ajuste, haviam celebrado um Protocolo de Intenções e Aditivos a partir do que foi editada a Lei Estadual 11.085/98, utilizada como suporte para a celebração do contrato. Disse que com base na competência deferida por tal legislação, o Conselho Diretor do FUNDOPEM/RS praticou atos de liberalidade comprometendo o Estado do Rio Grande do Sul para além da autorização legal. Aduziu que no início de 1999, frente ao conjunto de obrigações assumidas no contrato procurara, amigavelmente, rever algumas cláusulas que considerava nulas e prejudiciais ao patrimônio público sem utilizar-se da 'potestade' inerente à Fazenda Pública nos termos do art. 58, I, da Lei 8666/93 ou da previsão da Súmula 473, do STF, sendo que, empreendidos os primeiros esforços, deparou-se com o prazo para a liberação da segunda parcela do financiamento. Disse que no final de março de 1999, ciente a ré de que deveria prestar contas, apresentou grande quantidade de documentos e um rol de alegados gastos com o programa 'Amazon' relativos ao período de julho de 1997 a março de 1999, os quais foram remetidos à contadoria da Auditoria- Geral do Estado ( CAGE), que concluiu pela insuficiência da comprovação apta de grande parte das despesas, sendo que antes mesmo da conclusão dos trabalhos da CAGE, a ré já havia se retirado do empreendimento por iniciativa própria, anunciando sua ida para o Estado da Bahia, sem encerrar tratativas oficiais com os representantes do Poder Público Estadual. Informou que em data de 29/04/1999, com base na cláusula 12ª, '1' do Contrato de Implantação, a ré comunicou que estaria liberada do cumprimento das obrigações assumidas, e que no prazo de 15 dias desocuparia a área do terreno onde seria instalada a indústria. Aduziu que concluídos os trabalhos da CPI da FORD, constatou-se que a ré deveria restituir aos cofres públicos os benefícios usufruídos e os valores recebidos em espécie, noticiando que ela não havia negado o débito, mas oferecera quantia muito aquém da devida. Discorreu sobre a natureza do contrato celebrado, dizendo-o da natureza dos 'econômicos', sendo que, por figurar em um dos polos dele o Poder Público, atraída a regulamentação da Lei 8666/93. Disse conter o contrato celebrado entre as partes cláusulas inválidas e insanáveis citando ofensa à moralidade e impessoalidade com a edição da Lei 11085, feita 'sob encomenda' para a ré, de cujo vício de origem decorreram obrigações extremamente onerosas, abusivas e lesivas ao Estado, ressaltando que a interpretação do contrato deveria ser consentânea com a preservação do interesse público, referindo que outras obrigações foram assumidas pelo Estado fora do leque de benefícios deferidos por tal lei, como a subvenção para investimentos sem retorno algum para os cofres públicos. Asseverou que ao Conselho Diretor do FUNDOPEM foi delegada competência para conceder benefícios que só poderiam sê-lo por lei, além de o enquadramento do projeto apresentado pela ré não demonstrar o efetivo cumprimento dos requisitos do art. 1o., da Lei 11085/98, não podendo ser enquadrado como 'especial' nos termos do par. 1º, do art. 2º da referida lei, já que nenhuma situação diferenciada foi apresentada ou exigida pelo Conselho, servindo isto de base para o deferimento de duplo benefício. Ressaltou que esta última disposição legal não autorizou a subvenção ou subsídio de recursos de outro modo que não fosse por meio de financiamento, fato que criou uma nova modalidade de recursos à empresa sem autorização legislativa, citando a cláusula 4a. 'I', (3). Noticiou que quando da celebração do contrato, foram inseridas cláusulas que permitiam a liberação de recursos mediante crédito presumido ( utilização dos valores do ICMS a ser recolhido quando da importação de veículos pelo Porto de Rio Grande); não fora prevista cláusula de correção e juros com relação aos recursos alcançados sob a forma de financiamento; e o desconto previso na cláusula 4a., item IIB1 do contrato também era ilegal. Salientou que os anexos ao contrato não poderiam prever obrigações para o Estado mas, no máximo, explicitar a forma como as obrigações advindas dele seriam operacionalizadas, sendo que elas sequer encontravam respaldo em autorização legislativa, referindo que praticamente todas as obras de infraestrutura foram postas ao encargo do Estado, de maneira que a empresa passou a contar com recursos públicos em obras de cunho eminentemente particular e privado, além dos financiamentos recebidos; que a cláusula 6a. da avença criava um título executivo ( documento de liberação - DL), o que vedado; a cláusula 4a. I (3) previa subvenção para investimentos em 54 parcelas mensais a partir do início de qualquer das operações descritas no item 3.1 para a aquisição de máquinas e equipamentos dentro do Estado sem qualquer previsão de retorno, prevendo ainda o item 3.5, que o Estado poderia liberar tais recursos mediante crédito presumido de ICMS, tendo a ré, em decorrência disto, se creditado da importância de R$ 92.888.540,84 ( valor de abril de 1999), tendo sido o art. 15, parágrafo 14, da Lei 8820/89 ( Lei do ICMS) alterado para fazer frente a tal; o art. 5o., par. 2o., da Lei 11085/98 ofendia o princípio da imunidade recíproca entre as pessoas jurídicas de direito público ao responsabilizar o Estado pelo recolhimento da CPMF; o contrato de financiamento tinha como garantia notas promissórias ao invés de cédulas de crédito industrial, dispensando o pagamento de comissão ao agente financeiro, com permissão de cessão da posição de beneficiário do financiamento a terceiro, assumindo o Estado a obrigação de principal pagador dos saldos devedores em não se obtendo êxito no patrocínio do interesse da ré junto ao BNDES ou no caso de rompimento do contrato por culpa do Estado ou sem culpa da Ford, com juros convencionados de 6% ao ano no caso de não haver inadimplemento da financiada ou, em havendo, de até 12% ao ano, caracterizando-se tal avença como exemplo típico de empréstimo sem garantia suficiente previsto no art. 10, VI, da Lei 8429/92 o que, por si só, seria suficiente a acarretar sua nulidade. Suscitou, ainda, que tendo o Estado, pela cláusula 4a. I, (2) do contrato assumido o compromisso de obter junto ao BNDES a aprovação e liberação de financiamento de 550 milhões de dólares americanos se teria violação ao art. 321, do CP, por poder ser caracterizada como advocacia administrativa. Citou também que o contrato previa a obrigação do Estado de suportar as despesas decorrentes de passivo ambiental, o que não estava autorizado pela Lei 11085/98; que a cláusula 3a. Item 11.1 autorizava o cômputo dos gastos realizados em outras unidades operacionais da ré para cumprimento do cronograma desde que comprovadamente destinados aos produtos finais produzidos no Complexo Ford, dando margem a transferência de recursos estaduais para custeio de outras despesas da empresa; que as cláusulas 4a. II, B-1, e 13a., que incorporava a cláusula II, 1.1, concedendo desconto de RS 1.500.000.000,00 à ré pela simples ultrapassagem dos limites mínimos exigidos para fazer 'jus' ao programa, por não estar autorizado em lei implicavam em apropriação de dinheiro público, em evidente ofensa ao art. 21, da Lei 4320/64. Quanto à infraestrutura, disse que o comprometimento do Poder Público extrapolava a autorização legislativa e a própria deliberação do Conselho porque, no máximo, poderiam ser exigidas do Estado as obras de caráter público, mas jamais as de natureza puramente privada ou particular. Suscitou a nulidade também das cláusulas 5a. e 12a, par. 2o., através das quais o Estado assumia todos os prejuízos decorrentes de fatos dependentes ou independentes de seu controle, além de desobrigar a ré de devolver o percebido do Estado em ocorrendo o previsto no 'caput' da mesma cláusula, já que tal assunção de risco não estava autorizada pela Lei 11085/98; que a cláusula 2a. também era nula por prever a alienação de bens desapropriados por valor simbólico; que a cláusula 7a. era nula porque através dela o Estado praticamente ofertava em penhor verba orçamentária em prol da ré, contrariando o disposto no art. 167, IV, da CF/88; que a cláusula 8a. determinava o encaminhamento de projetos de lei destinados a assegurar tratamento tributário privilegiado traduzindo-se em verdadeira renúncia de receita; que na cláusula 9a., o Estado assumiu o papel de garante solidário do Município, o que não havia sido autorizado pela Lei 11085/98, prevendo, ainda, no par. 2o., autorização para a ré transferir a qualquer contribuinte do Estado o saldo credor de ICMS no caso de descumprimento, pelo Município, da subvenção. Traçou considerações sobre o inadimplemento contratual ressaltando que a ré desistiu do empreendimento após ter usufruído de uma série de benefícios do Estado, fazendo incidir o disposto na cláusula 12a. Item '2' do contrato, impondo-lhe a devolução do valor da parcela de financiamento liberada, R$ 42.000.000,00, mais R$ 92.888.540,84 recebidos por ela na forma do item 'I', (3), da cláusula 4a., sem prejuízo de perdas e danos, com a rescisão do contrato conforme previsão dos arts. 77, e 78, incisos I, II, e V, da Lei de Licitações. Sustentou perdas e danos com a inexecução do contrato por ter colocado servidores públicos à disposição do desenvolvimento do projeto, realizado despesas que iam desde publicações de atos na imprensa, realização de estudos técnicos e análises respectivas para disponibilização de infra-estrutura, custos de publicação de decreto de desapropriação, indenização aos proprietários expropriados com juros compensatórios computados desde a imissão de posse, despesas com taxas, emolumentos, registro dos atos em função do contrato, honorários advocatícios em função da discussão em torno da imissão provisória, despesas no Porto de Rio Grande não incluídas no financiamento, e custos com licitações em andamento. Pediu a procedência da ação com a declaração de nulidade das cláusulas questionadas, condenando-se a ré na restituição do valor de R$ 42.000.000,00, atualizado desde a data da liberação (21/03/1998) e acrescida de juros legais, além do valor de R$ 92.888.540,84, com correção monetária e juros legais desde a data de cada creditamento, sem prejuízo de perdas e danos a serem apuradas em liquidação de sentença, ou, sucessivamente, aplicando-se a cláusula 12a. II, 'primeira parte', a rescisão do ajuste por inadimplemento contratual da ré, condenando-a a devolver os valores referidos retro além das perdas e danos, ou, ainda sucessivamente, mesmo sem aplicação da cláusula 12a. II, 'primeira parte', mas invocando o princípio que veda o enriquecimento ilícito, a condenação da ré na devolução dos valores referidos, deduzindo-se somente os valores acrescidos ao patrimônio do Estado, sem prejuízo de perdas e danos.
Citada, a ré contestou aduzindo que o acordo havia sido regularmente firmado, não padecendo de qualquer vício, o qual somente não foi levado a termo em razão da conduta do autor de se recusar a cumprir a avença, cabendo só a ele suportar os encargos decorrentes deste inadimplemento de conformidade com a cláusula 12a. Disse que a execução do projeto FORD no Estado do Rio Grande do Sul não representava apenas a instalação de mais uma indústria, mas sim a implementação de verdadeira parceria visando ao desenvolvimento econômico, tecnológico, profissional e social da região. Noticiou que o autor havia se comprometido a instalar no Município de Guaíba um Distrito Industrial dotado de obras de infra-estrutura e, posteriormente, lhe alienar um área em tal distrito. Disse que cumprindo o compromisso firmado, deu início a cerca de 200.000 horas de trabalho, concluindo, no terreno destinado a receber o empreendimento, as obras básicas que ficaram sob sua responsabilidade dentre as quais a execução da primeira fase de terraplanagem, com instalação do sistema provisório de drenagem da plataforma terraplanada operante e com bacia de sedimentação para proteção do Arroio do Conde; delimitação e cerca da área do sítio ecológico existente no local; replantio das figueiras passíveis de corte, salientando que as obras somente não evoluíram porque o autor não promovera as obras de infra-estrutura a seu encargo, como o fornecimento de água, energia,...além da terraplanagem, por si levada a efeito. Suscitou que com a assunção do novo Governo no Estado, o novo Governante, desde o início, não se mostrou favorável ao projeto e, sob a alegação de necessidade de revisão das responsabilidades assumidas, o autor, imbuído de divergências políticas de seu representante, recusou-se a promover o pagamento da segunda parcela ajustada, que era de vital importância para a concretização do projeto, dando ensejo ao rompimento das relações estabelecidas no contrato. Sustentou não se mostrar lícita a tentativa de impor a si nova definição das obrigações anteriormente firmadas modificando o conteúdo econômico da avença, citando os arts. 58, I, ' in fine', e 65, I da Lei 8666/93, e a ausência de qualquer real tratativa para revisão do contrato, mas sim uma imediata cessação dos vínculos obrigacionais por parte do autor. Asseverou ter sido regular a cessação da execução do projeto diante do inadimplemento das obrigações assumidas pelo autor pela sua postura de não dar consecução ao empreendimento como um todo, salvo se fosse inteiramente renegociado, sustentando a aplicação da 'exceptio non adimplenti contractus' quando a falta da administração torna impossível a prestação do contratante privado já que a inoponibilidade deste estava visceralmente ligado aos contratos de prestação de serviços públicos, categoria a qual não se subsumia a avença em tela. Defendeu a ausência de qualquer descumprimento de obrigação de sua parte que desse ensejo à cessação do projeto, referindo que o valor da primeira parcela havia sido integralmente utilizada para a aquisição de bens e serviços vinculados ao projeto e que a implementação do projeto 'Amazon', pela sua envergadura, exigia, além da atuação no local onde a fábrica estava sendo instalada, também uma atuação paralela, no âmbito nacional e estrangeiro, seja no aspecto estrutural, seja no tocante aos materiais e equipamentos necessários para composição do produto final. Alegou que a documentação enviada com a prestação de contas relativa à primeira parcela havia sido auditada e tivera atestada sua regularidade pelos seus quotistas. Disse que o montante pago à empresa COMAU não correspondia ao valor do maquinário que comporia o parque fabril, mas sim a contraprestação do projeto da área de construção de carrocerias por ela elaborado, que era específico para o Município de Guaíba, destinada a produzir 150.000 unidades/ano, ao passo que, com o rompimento, teve de ser redimensionado para 250.000 unidades/ano, modificando todo o lay-out apresentado. Ressaltou que desde 21/03/1998, o numerário com o qual o autor comprometeu-se a incentivar a execução do projeto já estava disponível junto à agência bancária, afigurando-se absolutamente neutro ao fluxo de caixa do governo. Alegou também, a inexistência de qualquer irregularidade ou ilegalidade nas obrigações contratadas, que tinham respaldo integral na Lei 11085/98, observando os princípios da legalidade, moralidade, e impessoalidade, citando: a legalidade dos incentivos concedidos a si através de deliberação do Conselho Diretor do FUNDOPEM, fazendo referência ao art. 174, da CF/88; que o financiamento para capital de giro havia sido concedido com base em recursos provenientes de dotações orçamentárias; o crédito presumido era mecanismo previsto na Lei 10895/96 e concedido com base no art. 9o., da Lei do FDI, tendo sido opção do autor, inoponível a si; que a concessão de subvenções econômicas a empresas privadas com fins lucrativos era prevista na Lei 4320/64; o financiamento para aquisição de terrenos por desapropriações, terraplanagem,... contavam com autorização legal uma vez que se destinavam a criar, num primeiro momento, um Distrito Industrial, portanto, com qualidade jurídica de bem público, visando promover o desenvolvimento regional, contando com autorização legal na Lei 11087/98; que a dispensa de correção e juros encontrava previsão na Lei 11087/98 por se tratar de projeto especial; que a Lei 11087/98 continha preceitos genéricos regularmente aprovados pela Assembleia Legislativa, não implicando em violação dos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade; que o objeto do contrato não era licitável fazendo referência ao art. 7o., do Decreto 38.313/98; que a possibilidade de financiamento de quantia destinada ao pagamento de tributo não afrontava o princípio da imunidade tributária, representando apenas uma adiantamento do numerário com posterior restituição, além de que a impugnação judicial de preceito legal não poderia ser direcionada a si. Asseverou que o autor não detinha legitimidade a discutir as garantias por si oferecidas ao Banrisul, além de serem elas condizentes com o numerário financiado; que não havia de se falar em advocacia administrativa porque a atuação do autor junto ao BNDES estava voltada à consecução do interesse público; e que não havia nenhuma pactuação lhe autorizando a degradação ambiental ou à transferência de recursos para outras despesas suas, referindo, ainda, que não teria sido instituído título de crédito no contrato, penhor de verba orçamentária ou compromisso de legislar; e que possível a instituição de obrigações contratuais em anexos. Sustentou ser descabido o pedido de restituição dos incentivos por si recebidos diante do disposto na cláusula 12a. da avença, além da vedação do enriquecimento sem causa do autor já que, aplicado o numerário na realização de benfeitorias e aquisições originalmente destinadas ao projeto, somente poderiam ser utilizadas pelo Poder Público impondo-se, no mínimo, fossem tais valores, ditos incontroversos, no montante de R$ 1.709.571,00, descontados dos que houvesse de restituir, salientando que inclusive as importações haviam sido realizadas através deste Estado e não do Espírito Santo, que lhe conferiria melhores vantagens. Ressaltou ter agido de boa-fé, alegando ser incontroversa também a despesa de R$ 323.817,00 com viagens relacionadas ao projeto. Impugnou o pedido de indenização, referindo que as despesas decorrentes das desapropriações levadas a efeito, diante da responsabilidade exclusiva do autor pela cessação do projeto, não lhe poderiam ser atribuídas. Pediu a improcedência da ação e, no caso de procedência, não lhe fosse imputada a restituição dos incentivos recebidos ou, sendo-lhe determinada a restituição, deveriam ser abatidos os valores que foram comprovadamente vinculados ao projeto como aqueles empregados na realização de benfeitorias em bens públicos ou com destinação pública, prejuízos sofridos com as importações através deste Estado.
Em réplica, aduziu o autor que as tratativas para a redução da participação pública no empreendimento haviam sido legítimas, reforçando que a ré havia abandonado o negócio por vontade própria. Reiterou suas alegações da inicial, refutando as suscitadas pela ré. Sustentou não existir dever na liberação de recursos a particular somente em decorrência de previsão orçamentária, e que a subvenção não poderia ser vista como incentivo fiscal, ressaltando que os recursos repassados à ré através do Banrisul eram seus. Alegou também que as despesas sustentadas pela ré no Porto de Rio Grande haviam sido apropriadas por ela nas tarifas portuárias, tendo, mesmo assim, sido incluídos na prestação de contas.
Opinou o Ministério Público fosse oportunizada a produção de provas.
Intimou-se a ré sobre os documentos acostados com a réplica, sobrevindo manifestação desta reiterando suas anteriores assertivas.
Oportunizada a manifestação quanto a provas, postulou o autor pela produção de prova pericial, e a ré, também, por prova pericial nas áreas contábil, de engenharia mecânica, civil, e ambiental; e prova testemunhal.
Deferida a prova pericial contábil, veio a ré aos autos impugnando o pedido de prova pericial 'econômica' pleiteada pelo autor assim como a de quantificação dos custos com desapropriações.
Interpôs a ré Embargos de Declaração para que fosse definida a extensão da prova pericial contábil deferida e fixados os pontos controvertidos.
Sobreveio despacho indeferindo a pretensão da ré, fixando a extensão da prova pericial contábil, e deferindo a prova pericial nas área de engenharia mecânica, civil, e ambiental.( fl. 1963, e verso).
Impugnou a ré quesitos apresentados pelo autor, que restaram mantidos pelo juízo, ensejando a interposição de Agravo de Instrumento pela ré.
Determinou-se que o feito aguardasse o julgamento de tal A.I. para ter prosseguimento, ensejando a interposição de novo A.I., desta vez pelo autor, no qual deferido o efeito suspensivo ativo para que o feito tivesse prosseguimento.
O autor peticionou nos autos noticiando pedido administrativo formulado pela ré atinente à devolução da diferença entre o custo das obras e as movimentações que realizara com veículos no Porto de Rio Grande, juntando os mesmos comprovantes acostados na prestação de contas.
Veio aos autos o laudo pericial contábil, do qual foram as partes intimadas, e ambas se manifestaram, sendo que o autor formulou quesitos complementares, postulando ainda que, se admitida a compensação de valores que não teriam revertido em favor da ré, referidos na perícia como não reaproveitáveis, fosse abatida de tal valor a importância relativa ao uso do dinheiro público.
Apresentaram seus pareceres os assistentes técnicos das partes.
Determinou-se ao perito respondesse aos quesitos complementares, o que foi objeto de Agravo de Instrumento pela ré, improvido.
Veio aos autos as respostas do perito contábil aos quesitos complementares ( fls. 3454 e segs).
Oportunizada a manifestação das partes quanto ao laudo complementar, ambas vieram aos autos, tendo a ré acostado parecer de seu assistente técnico sobre o laudo complementar.
Encerrada a instrução, deu-se ensejo aos memoriais ( fl. 3791), despacho, depois de embargos declaratórios interpostos pela ré, tornado sem efeito ( fl. 3806).
Postulou o Município de Guaíba pela sua inclusão no feito na condição de litisconsorte necessário com a definição de qual das partes lhe devia indenização ( fl. 3821-4), do que foram as partes intimadas, assim como o MP, requerendo as partes o indeferimento.
O Ministério Público lançou parecer pela procedência da ação nos termos do pedido da alínea 'c' da fl. 55 ( fls. 3870-80).
Indeferiu-se o pedido de ingresso do Município de Guaíba, e determinaram-se diligências nas áreas de engenharia civil e ambiental; assim como a realização de perícia na área de engenharia mecânica ( fls. 3881-3).
Apresentaram, autor e ré, quesitos à perícia de engenharia mecânica.
Ouvido o perito nomeado na área de engenharia civil, o autor impugnou sua pretensão honorária e a ré postulou pelo pagamento em duas parcelas.
O Município de Guaíba interpôs Agravo de Instrumento da decisão que indeferiu seu ingresso na lide, ao qual foi negado provimento.
A ré interpôs Embargos de Declaração para que fosse aclarada a ordem de produção das provas no feito, sobrevindo a decisão de fl. 3936 no sentido de determinar a produção sucessiva das provas periciais.
Veio aos autos manifestação da perita engenheira ambiental e do perito engenheiro mecânico, sobrevindo nova impugnação pelo autor.
Acostou a ré quesitos na área de engenharia civil e ambiental.
Nova postulação do Município de Guaíba para ingressar no feito, desta vez identificando que pretendia ingressar como litisconsorte passivo e, reconhecida a culpa do autor pela rescisão do negócio, fosse condenado a indenizar-lhe em valor a ser definido em liquidação de sentença.
Deferiu-se a inclusão do Município de Guaíba na condição de assistente ( fl. 3986).
Sobrevieram Embargos Declaratórios pela ré para a definição da ordem de produção das provas periciais, o que definido na fl. 4009.
Postulou a ré pela substituição de seu assistente técnico.
Veio aos autos o laudo da perícia na área de engenharia civil ( fls. 4031 e segs.)
Postulou a ré pela substituição do seu assistente técnico na área de engenharia mecânica, assim como o autor.
Juntado aos autos o laudo pericial ambiental ( fls. 4230 e segs.), assim como o laudo na área de engenharia mecânica ( fls 4303 e segs.).
Oportunizou-se a manifestação das partes quanto aos laudos, tendo o autor concordado com os laudos das perícias nas áreas de engenharia ambiental e mecânica, formulando quesitos complementares à perícia de engenharia civil. Já a ré discordou do laudo de perícia de engenharia mecânica postulando por esclarecimentos do perito, e concordando com os de engenharia civil e ambiental.
Manifestou-se o Ministério Público nas fls. 4441-6 pela intimação do Município de Guaíba; pela procedência da ação quanto à rescisão, pela parcial procedência quanto ao pleito indenizatório e formulou quesitos complementares à perícia ambiental.
Veio aos autos o Município de Guaíba referindo nada ter a manifestar ( fl. 4451).
Determinou-se a intimação dos peritos para resposta aos quesitos complementares, os quais vieram aos autos (fls. 4453-7- engenharia civil; fls. 4477-91- engenharia ambiental; e 4492-4509- engenharia mecânica).
Sobreveio nova manifestação da ré sobre as perícias.
Instadas as partes a dizerem do interesse na produção de outras provas, postulou a ré pela prova testemunhal.
Aprazada audiência de instrução, foram inquiridas duas testemunhas.
Encerrada a instrução, foram oportunizados os memoriais, ocasião em que as partes reiteraram suas anteriores alegações e pedidos, respectivamente.
Opinou o Ministério Público pela procedência parcial do feito.
Foi convertido o julgamento em diligência determinando a intimação do Município de Guaíba sobre a tramitação do feito desde sua última intervenção, assim como do prazo para memoriais, quedando ele inerte.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Inexistindo prefaciais pendentes de apreciação, passa-se, desde logo, ao exame do mérito.
Cumpre-se registrar, no entanto, inicialmente, que é o pedido inicial que delimita a prestação jurisdicional,descabendo exame de postulações formuladas pelas partes no curso da lide, mais ainda, pela ré, que sequer formulara reconvenção.
Com muito menos razão ainda, a pretensão do Município de Guaíba no sentido de ver-se indenizado pelo Estado acaso reconhecida a responsabilidade deste pela não conclusão do empreendimento ( sequer formula pedido certo quanto a tal pretensão indenizatória), já que não integra a lide principal, figurando nela como mero assistente.
Incontroversa nos autos a celebração de avença entre o Estado do Rio Grande do Sul e a Ford Brasil Ltda. visando a implantação de indústria automotiva, denominada 'Complexo Ford', no Município de Guaíba, o que, de resto, vem evidenciado pelo contrato acostado nas fls. 97-132, datado de 21/03/1998.
Também incontroversa a liberação pelo Estado à ré Ford, do valor da primeira parcela do financiamento, no valor de R$ 42.000.000,00, nos termos do contrato de financiamento de fls. 300-6 e de seu anexo II ( fl. 307); assim como a utilização, pela ré, sob a forma de subvenção ao empreendimento, do valor de R$ 92.100.949,58 ( somando valores relativos ao período entre maio de 1998 a abril de 1999).
Da mesma forma incontroverso o fato de que, após o protocolo em data de 24/03/1999, pela ré, da prestação de contas relativa à primeira parcela do financiamento liberada, retirou-se ela do empreendimento em data de 07/05/1999, notificando ( fls. 374-7) antes, o Estado, mas atribuindo-lhe o descumprimento da avença, com o que se considerou liberada das obrigações contratadas.
Também não foi objeto de irresignação entre as partes o fato de que o Estado ( pela CAGE) concluiu o exame da prestação de contas em data de 11/05/1999, tendo antes promovido notificação à ré Ford instando-a à rediscussão das cláusulas contratuais(fls. 363-5).
Partindo-se disto, remanesce como situação controvertida, primeiramente, a questão atinente à responsabilidade pelo desfazimento da avença: enquanto o autor a atribui à ré, pela desistência do empreendimento antes da conclusão do exame da prestação de contas relativa à primeira parcela liberada, tida como pressuposto para a liberação da segunda parcela do financiamento ( fl. 307, item 2.1), discutindo a validade de cláusulas contratuais; a ré a atribuiu ao Estado, ao atrasar a liberação da segunda parcela o que, segundo ela, teria-se dado por questões ideológicas decorrentes da troca de governo.
Sobre este tema, elucidativo o parecer do Ministério Público, firmado pela Dra. Elaine Fayet Lorenzon Schaly, nas fls. 3874-3879, cujos fundamentos reproduzo como razões de decidir, evitando assim, tautologia:
" Consoante relatado, discutiu-se muito sobre eventuais nulidades das cláusulas do instrumento formalizado para a implantação da indústria Ford no Estado. Em vista das alegadas nulidades, almeja o Estado a rescisão do contrato e a devolução dos recursos e/ou benefícios repassados à FORD. Esta, por sua vez, combate todos os argumentos do Estado, sustentando a legalidade do negócio jurídico, mormente, em face das disposições da Lei n. 11.085/98.
"Contudo, tem-se que a análise e/ou discussão sobre a validade das cláusulas contratuais é secundária ao deslinde do feito.
" A questão de fundo e prioritária à solução do litígio está na rescisão unilateral do contrato pela FORD. Ainda que esta sustente toda sua argumentação em suposto inadimplemento contratual do Estado, de fato o que se vislumbra é uma clarividente rescisão unilateral patrocinada pela própria FORD, consubstanciada, mormente, no documento nas fls. 374/376, quando expressamente notificou o Estado da desocupação da área que vinha possuindo para implantação da indústria, alegando o descumprimento do contrato em face, fundamentalmente, da não liberação da segunda parcela do financiamento para execução do projeto.
" Numa análise do contrato sem a devida atenção às circunstâncias que o envolveram, poderia levar à conclusão equivocada de que o Estado negou-se, imotivadamente, a repassar os recursos avençados no contrato de implantação de indústria. Isto porque discutiu-se, de forma exaustiva, as condições do contrato ( alegadamente desfavoráveis ao Estado)e/ou as supostas cláusulas maculadas por vícios de toda ordem, afastando-se do ponto crucial e definitivo ao deslinde da controvérsia, que já impulsionou inúmeras teses e digressões sobre o tema, movimentando a máquina judiciária - em determinados casos, despropositadamente.
" Faz-se necessário um breve relato cronológico dos fatos para melhor compreensão.
" Consoante supramencionado, na data de 29 de abril de 1999, a FORD notificou o Estado da desocupação da área que seria implantada a indústria automobilística ( fls. 374/376).
" No dia 03 de maio, o Estado, por intermédio de seu Governador, envia correspondência ( fls. 378/382) ao Presidente da FORD para que se restabelecessem as tratativas para conclusão do negócio ( com conteúdo renegociado), manifestando a clara intenção do Estado de perfectibilizar o negócio, não obstante a pretensa revisão dos termos do contrato, inerente a toda e qualquer relação jurídica obrigacional.
" No dia 11 de maio de 1999, a CAGE apresenta o resultado da análise da prestação de contas ( fls. 408-422), relativa a primeira parcela repassada à FORD, manifestando-se no sentido de que fosse solicitado à FORD esclarecimentos complementares quanto às despesas não comprovadas, sem vinculação ao projeto, em especial quanto ao montante de R$ 19.000.000,00 utilizados em unidades fora do Rio Grande do Sul.
"No dia 14 de maio de 1999, o Estado notifica judicialmente a empresa ( fls. 383/392) assinalando a impossibilidade de liberação da segunda parcela do financiamento, devido a sobremaneira onerosidade do contrato e pendência da prestação de contas dos valores já repassados à FORD. Mais uma vez manifestando a intenção de retomada das negociações.
" No dia 27 de agosto de 1999, a FORD notifica judicialmente o Estado ( fls. 397/407), ratificando os termos da notificação extrajudicial de 29.04.1999, sustentada no alegado descumprimento do contrato pelo Estado, autorizando a FORD a liberar-se de suas obrigações, nos termos da cláusula 12a. do contrato de implantação de indústria. Posicionando-se irredutível quanto à pretendida renegociação com o Estado.
" Sob essa perspectiva fática, vislumbra-se de forma objetiva, que quem deu causa à rescisão foi a FORD, e não o Estado. Por isso, secundária qualquer discussão quanto à validade das cláusulas contratuais, pois rescindido o contrato unilateralmente pela FORD, resta, tão-somente, a verificação dos efeitos da rescisão e não a análise acadêmica do conteúdo do contrato.
" A FORD, consoante supramencionado, quando notificou o Estado de que estava desocupando a área onde seria implantada a indústria e sustentou, equivocadamente, o descumprimento do contrato pelo Estado que negava-se a repassar a segunda parcela do financiamento, indiscutivelmente tornou-se a responsável pela rescisão contratual. Diz-se equivocadamente, porque estava o Estado amparado nas disposições contratuais quando negou o repasse da segunda parcela do financiamento, em face da já mencionada pendência da prestação de contas pela FORD, daqueles valores repassados, concernente à primeira parcela do financiamento.
" No ANEXO II, do Contrato de Financiamento, item ( sic) 1 e 2 ( fl. 307), referente à liberação dos recursos, conforme cronograma físico-econômico semestral, é taxativamente contratado que as parcelas subsequentes à primeira parcela, somente serão liberadas com a comprovação de gastos das parcelas anteriores. Ou seja, estava o Estado autorizado pelo contrato, a não repassar as parcelas subsequentes à primeira parcela, enquanto a FORD não prestasse contas satisfatoriamente dos gastos realizados com os valores já repassados. Consoante já mencionado, em duas ocasiões ( extra e judicialmente) a FORD foi notificada sobre a pendência da prestação de contas.
" Nas fls. 3789/3790, o Contador do Ministério Público, após apurada análise do laudo pericial, laudo da CAGE, concluiu pela impossibilidade de se verificar a vinculação de alguns gastos com o complexo Guaíba. Outrossim, a existência de documentos ilegíveis; despesas lançadas em nome de uma empresa, quando os documentos são de outra; despesas com instalação de escritório em São Bernardo do Campo; e despesas sem nenhuma comprovação; inclusão na prestação de contas de despesas realizadas antes da formalização do contrato. Assim, clarividente as pendências na prestação de contas, autorizando o Estado a suspender os repasses até a regular comprovação dos gastos, nos expressos termos do contrato.
" Contudo, lamentavelmente, as tentativas de acerto entre as partes acabaram por enfatizar a onerosidade excessiva do contrato, deixando em segundo plano a prestação de contas, imprescindível para a regular execução do contrato, com o repasse das parcelas subsequentes. A FORD, por sua vez, pelo que pareceu, não pretendendo aceitar renegociação alguma ( sem que isto seja uma crítica, mas uma ( sic) acima de tudo uma constatação), desistiu do negócio, deslocando-se a outro Estado, sob o pálio do descumprimento do contrato pelo Estado.
" Todavia, não houve descumprimento algum.
" Conforme acima referido, estava o Estado legitimado e/ou autorizado a suspender os repasses dos valores enquanto não prestadas as contas dos gastos com o primeiro repasse ( primeira parcela do financiamento).
" Como o Estado pretendia renegociar os termos do contrato, acumulou o não repasse também à motivação político-econômica, posicionando-se pela impossibilidade de execução do contrato nos moldes estabelecidos pelo Governo anterior. Mas tal motivação é secundária, se nos restringirmos a uma necessária análise técnica do contrato. E ao Judiciário resta esta análise técnico-jurídica, para identificação concreta e objetiva daquele que desistiu do negócio. E, em conclusão inafastável, fora a FORD.
" Desimporta que o Estado também pretendia rediscutir as cláusulas contratuais, além de exigir a obrigatória prestação de contas para a normal execução do contrato. Não podia a FORD, antes de cumprir a prestação que lhe cabia - e naquele momento lhe restava a clara e satisfatória prestação de contas- exigir do Estado o repasse da segunda parcela... ( omissis)
" Sob essa perspectiva, é forçoso concluir que a conduta do Estado esteve sempre amparada nos estritos termos legais e contratuais.
" Disso, indaga-se: se a FORD houvesse prestado contas satisfatoriamente, teria o Estado repassado os valores da segunda parcela? Pergunta sem resposta, restrita a meras especulações. A FORD, por sua vez, não esperou para saber a resposta. Retirou-se e desistiu do negócio, rescindindo unilateralmente o contrato. Veja-se que a motivação política e/ou econômica do Estado buscando a renegociação, é secundária à questão jurídica que embasa e dá sustentáculo à sua conduta - tida pela FORD como de descumprimento do contrato. Valeu-se o Estado, para suspensão dos ulteriores repasses dos recursos para a execução do contrato, da inexistente prestação de contas, ainda que sempre a ênfase tenha sido dada ao caráter alegadamente oneroso do contrato... ( omissis) "
De se ressaltar, a reforçar a correção do procedimento do Estado ao exigir a complementação da prestação de contas pela ré, fatos noticiados nas perícias contábil e de engenharia mecânica.
Na perícia contábil, em resposta ao quesito '3' ( fls. 2092 a 2101), o perito roborou as inconsistências apontadas pela CAGE quando do exame da prestação de contas, assim como quando da resposta aos quesitos 07 e 08 ( fls. 2122-2135), cabendo salientar que, como concluiu o perito, os gastos efetuados pela ré no Porto de Rio Grande, no valor de R$ 1.386.352,00, não deveriam ter sido incluídos na prestação de contas uma vez que ela não pagara as tarifas de armazenamento durante o período de março de 1998 a maio de 1999 referentes aos veículos importados, sendo elas compensadas com o referido investimento.
Na perícia de engenharia mecânica, dignas de registro aqui, a exemplificar as inconsistências da prestação de contas da ré, as questões atinentes ao valor de R$ 19.000.000,00 pagos à COMAU em 24/03/1999, poucos dias antes da apresentação de sua prestação de contas; e a transferência da linha de virabrequim e bielas de São Bernardo do Campo para Taubaté, nos seguintes termos:
- resposta a quesito que indagava sobre a compatibilidade da data de entrega dos equipamentos adquiridos da COMAU no valor de R$ 19.000.000,00 com o cronograma de desenvolvimento do projeto ( fls. 4307-8): " Não era compatível com a fábrica de Guaíba e muito menos com a fábrica de Camaçari na Bahia, pois a previsão de construção do primeiro carro em Guaíba era fevereiro de 2000... omissis... De se salientar aqui, a declaração do Diretor -Presidente da ré, à época, no sentido de ser o material adquirido da COMAU, o 'coração da fábrica'.
- resposta do perito à indagação quanto ao efetivo recebimento pela ré dos equipamentos que teriam sido adquiridos com tal valor: " Não foram recebidos. O que caracteriza a compra é a nota fiscal, a ré não apresentou ao perito qualquer nota fiscal de compra dos equipamentos, e muito menos o contrato de compra dos equipamentos. Qualquer pedido de compra pode ser sustado a qualquer momento. É prática comum das indústrias em geral, fazer o cancelamento de ordens de compra por motivos de alteração de projeto, principalmente de cancelamento de pedidos e outros...omissis..."
- resposta ao quesito sobre onde instalados os equipamentos: " não foram entregues, e sequer comprados, pois se tivessem sido efetivamente comprados a ré teria apresentado documentos comprobatórios convincentes, uma vez que foi a própria ré que solicitou a perícia de Engenharia Mecânica para comprovar os gastos."
E desfalece a tese da ré, quanto a tal despesa, no sentido de que havia efetuado o pagamento em decorrência de projeto que vinha sendo elaborado pela COMAU e não compra de equipamentos, diante do documento acostado nas fls.4350-6 ( pedido de compra que refere-se a equipamentos), assim como das conclusões do perito em engenharia mecânica ( fls. 4338-9): " - A ré não comprovou os gastos incorridos no projeto elaborado pela COMAU, ou melhor explicitando, o pedido de compra é de construção/fornecimento de ferramentas, máquinas e equipamentos no valor de R$ 19.000.000,00, e indiscutivelmente não se trata de um projeto e muito menos de um robô.
- Os equipamentos são constituídos de diversos componentes padrão utilizados na fabricação mecânica, e inclusive indústria automotiva, como pinças, transformadores de solda, máquinas de solda, frezadoras, talha para transportar, plataformas rotativas motrizes, plataformas elevatórias, paletes para transporte conforme se verifica no pedido de compra juntado pela ré... omissis..."
Mais uma vez é a perícia em engenharia mecânica que refere da possibilidade de utilização de tais equipamentos em outras unidades instaladas ou instaláveis pela ré ( fls. 4309-10), assim como o fato de a COMAU sequer fornecer frezadoras, e ser parceira comercial da ré.
Com relação à transferência da linha de virabrequim e bielas de São Bernardo do Campo para Taubaté assim se manifestou o perito ( fl. 4341): " A transferência da linha de virabrequim e bielas de São Bernardo do Campo para Taubaté não consistia em providência essencial ao desenvolvimento do projeto que seria implantado no Rio Grande do Sul, pois conforme constatamos 'in loco' e informações da própria ré 'nunca houve transferência de linha ou muito menos de fábrica de virabrequim e bielas da cidade de São Bernardo do Campo para a cidade de Taubaté, pois a fábrica de motores da Ford já era na cidade de Taubaté'.
" O que foi transferido de São Bernardo para Taubaté foram equipamentos antigos de usinagem de virabrequim e bielas, que estavam depositados no local de uma fábrica que tinha sido desativada nos anos de 1995/1996".
Encerrando a questão então, no sentido de demonstrar a inadequação do procedimento da ré ao retirar-se do empreendimento na pendência da prestação de contas, deve-se considerar o fato de que entre a data prevista para a liberação da segunda parcela do financiamento e a notificação levada a efeito pela ré de sua retirada do empreendimento decorreram somente 29 dias, o que, pelo volume de documentação acostada com a prestação de contas ( e sua própria complexidade como se vê de tudo o que apurado no presente feito), não é excessivo. Veja-se que o perito contábil, em resposta ao quesito 10 ( fls. 2145) , quando indagado sobre o tempo necessário para o exame da prestação de contas, assim se manifestou: " Ora, entendo, que se me fossem disponibilizados cerca de 10 técnicos qualificados, o trabalho se realizaria em 30 dias. Cabe salientar, que caberiam ser realizadas diligências, principalmente, na empresa FORD."
Outro dado relevante é o que diz com o fato de que já teria havido a prorrogação da liberação da segunda parcela do financiamento, de 30/09/1998 para 31/03/1999, do que decorre a interpretação de que o suposto atraso ( suposto porque, na verdade, não se implementou, mas sim teve retardado seu implemento porque condicionado à regularidade da prestação de contas relativa à primeira parcela do financiamento), de 29 dias não justificaria a postura adotada pela ré, retirando-se do empreendimento.
Tal exame, como se vê, encerra a discussão quanto à efetiva responsabilidade da ré pelo desfazimento do negócio.
Assim, tem incidência o disposto na cláusula 12ª, '2', do contrato (fls. 128-9), quando preceitua, 'in verbis': "2- Da responsabilidade da FORD: Caso a FORD, injustificadamente, venha a desistir da implantação do COMPLEXO FORD, ficará obrigada a devolver, a valor presente, ao ESTADO e/ou ao MUNICÍPIO, as importâncias recebidas nos termos da cláusula I.3 da Cláusula Quarta, sem prejuízo do disposto nos respectivos Contratos de Financiamento, obrigando-se, ainda, por ressarcir o ESTADO pelos gastos por ele realizados em obras de infra-estrutura dentro da área do COMPLEXO FORD... omissis...Parágrafo Terceiro - Relativamente ao financiamento a que se refere o subitem I.1 da Cláusula Quarta, em caso de inadimplemento, a FORD ficará sujeita às sanções previstas no Contrato de Financiamento que integra o presente CONTRATO conforme ANEXO III."
Partindo-se disto, de se examinar o pleito de ressarcimento trazido pelo autor nos seus três enfoques, conforme delimitado na peça inicial, sob pena de a sentença incorrer em vício:
- parcela do financiamento no valor de R$ 42.000.000,00;
- subvenções no valor de R$ 92.888.540,84;
- perdas e danos ( gastos com a colocação de servidores públicos à disposição do desenvolvimento do projeto, despesas com publicações de atos na imprensa e com estudos técnicos e análises para disponibilização de infra-estrutura; custos com publicações de decretos de desapropriação e indenização aos proprietários expropriados com juros compensatórios; despesas com taxas, emolumentos, e registro de atos do contrato; honorários advocatícios decorrentes de discussões quanto à imissão provisória na posse; despesas no Porto de Rio Grande não incluídas no financiamento; e custos com licitações)
PARCELA DO FINANCIAMENTO DE R$ 42.000.000,00:
Com relação a tal item, como dito retro, incontroversa a percepção do valor pela ré e, portanto, cabível a restituição.
Mas, nos termos da perícia contábil ( fls. 2129-30), evitando, assim, o enriquecimento indevido do autor, de ser abatido de tal valor aquele tido como não aproveitável pela ré, e que, entre os apontados pela perícia, se somaram à patrimônio do autor, qual seja, o decorrente da terraplanagem da área onde seria instalado o complexo industrial no valor de R$ 6.349.768,96, cujo valor deve ser atualizado pelo IGPM a contar da data do laudo pericial contábil (1º/11/2001).
As demais rubricas apontadas pela perícia como não aproveitáveis pela ré, na verdade, disseram com custos decorrentes do próprio empreendimento que, diante da atitude da ré, caracterizadora de sua responsabilidade ressarcitória, hão de ser por ela arcados.
Da mesma forma, não se é de abater aqui os valores apurados pela perícia como passíveis de rateio por arbitramento ( que, segundo o perito, dependeria de definição por técnico na área, da parcela de reaproveitamento), já que cabia à ré, como encargo desconstitutivo do direito do autor, a prova da parcela de reaproveitamento, com o que não demonstrou preocupação. De qualquer sorte, as rubricas apontadas pelo perito contábil no inciso III, das fls. 2130-3, todas dizem respeito ao risco do empreendimento que, sob o mesmo enfoque retro definido, não atribuem à ré, responsável pela rescisão da avença, direito ressarcitório.
Veja-se que muitas das rubricas ali arroladas são de vinculação discutível com o projeto, como apurado no curso da demanda.
O valor final a ser ressarcido pela ré a tal título ( abatido a quantia referida retro), deve ser corrigido pelo IGPM a contar da data da liberação de tal valor, em 23/03/1998 e acrescido de juros legais de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data.
PARCELA RELATIVA ÀS SUBVENÇÕES:
Também incontroversa, como dito retro, a percepção de tal valor pela ré, no montante de R$ 92.100.949,58 ( noventa e dois milhões, cem mil, novecentos e quarenta e nove reais e cinquenta e oito centavos), como, de resto, apurado na perícia contábil ( fl. 2089) e, diante do abandono do empreendimento pela ré, cabe a ela a restituição de tal valor, a ser corrigido pelo IGPM a contar da data de cada apropriação conforme planilha apresentada pelo perito contábil na fl. 2089 ( entre maio de 1998 a abril de 1999), e acrescido de juros legais de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data.
DEMAIS PERDAS E DANOS:
Com relação a gastos com a colocação de servidores públicos à disposição do desenvolvimento do projeto, despesas com publicações de atos na imprensa, com taxas, emolumentos, registro de atos do contrato, e custos com licitações, descabe se falar em indenização em prol do autor porque não efetivamente demonstrados, cabendo-se ressaltar que, formulado pedido certo, descabida a prolatação de sentença ilíquida.
Quanto à publicações de decretos de desapropriação, e indenização aos proprietários expropriados com juros compensatórios assim como honorários advocatícios decorrentes de discussões quanto à imissão provisória na posse, e despesas no Porto de Rio Grande não incluídas no financiamento, também descabido se falar em ressarcimento porque se tratam de despesas que, uma vez adimplidas, representaram a incorporação de patrimônio ao Estado.
Com relação a estudos técnicos e análises para disponibilização de infra-estrutura, conforme apurado pela perícia contábil ( fl. 2155), o autor suportou o valor de R$ 32.989,60, que deve ser ressarcido pela ré, atualizado pelo IPGM a contar da data do ajuizamento do pedido e acrescido de juros legais de de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data.
De se referir aqui que valores suportados em decorrência do projeto arcados pela CORSAN e CEEE, não são cabíveis de restituição aqui por não integrarem elas o polo ativo do feito, dotadas que são de personalidade jurídica própria.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a Ação Ordinária ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Sul contra a FORD Brasil Ltda. para o efeito de DECLARAR RESCINDIDO o contrato celebrado entre as partes objeto da presente demanda, por inadimplemento contratual da ré e CONDENAR a ré na restituição ao autor dos seguintes valores:
- R$ 42.000.000,00 ( quarenta e dois milhões de reais), que deve ser corrigido pelo IGPM a contar de 23/03/1998 e acrescido de juros legais de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data, do qual deve ser abatido o valor de R$ 6.349.768,96 ( seis milhões, trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e sessenta e oito reais e noventa e seis centavos), atualizado pelo IGPM a contar de 1º/11/2001;
- R$ 92.100.949,58 ( noventa e dois milhões, cem mil, novecentos e quarenta e nove reais e cinquenta e oito centavos), a ser corrigido pelo IGPM a contar da data de cada apropriação conforme planilha apresentada pelo perito contábil na fl. 2089, e acrescido de juros legais de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data;
- e R$ 32.989,60 ( trinta e dois mil, novecentos e oitenta e nove reais e sessenta centavos), atualizado pelo IPGM a contar da data do ajuizamento do pedido e acrescido de juros legais de de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data.
Considerando a sucumbência recíproca, arcará o autor com as custas no percentual de 10% e a ré, com o restante.
Condeno, ainda, o autor, no pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da ré, que fixo em R$ 5.000,00 ( cinco mil reais), e a ré, no pagamento de honorários advocatícios ao procurador do autor, que arbitro em R$ 35.000,00 ( trinta e cinco mil reais), observada a natureza da causa, o tempo que tramita o feito e o trabalho desenvolvido, com compensação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 15 de dezembro de 2009.
Lílian Cristiane Siman,
Juíza de Direito
JURID - Ação ordinária. Contrato [02/06/10] - Jurisprudência
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