Apelação cível. Ação de obrigação de fazer. Tratamento cirúrgico. Comprovação de obesidade mórbida e cardiopatia.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Ap. Cív. n. 2009.061736-9
Publicado em 13.05.2010
Apelação Cível n. 2009.061736-9, de Itajaí
Relator: Des. José Volpato de Souza
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TRATAMENTO CIRÚRGICO - COMPROVAÇÃO DE OBESIDADE MÓRBIDA E CARDIOPATIA HIPERTENSIVA - URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO ATESTADA POR EXPERT - TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PELO MAGISTRADO A QUO - CIRURGIA REALIZADA - INSURGÊNCIA DO ENTE PÚBLICO CONTRA A SENTENÇA QUE CONFIRMOU A LIMINAR - PRELIMINARES - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - FALTA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA - "RESERVA DO POSSÍVEL" - COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ADMINISTRAR O SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - CARÊNCIA DE AÇÃO - ALEGAÇÃO DE QUE INEXISTIU PROVA DA RECUSA DO ENTE PÚBLICO - DESNECESSIDADE - DEVER DO ESTADO - PREFACIAIS AFASTADAS - MÉRITO - DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA QUE SE SOBREPÕE AO INTERESSE FINANCEIRO DO ESTADO - SENTENÇA MANTIDA - APELO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.061736-9, da comarca de Itajaí (Fazenda Pública, Ex Fiscais, Ac Trabalho e Reg Púb), em que é apelante Município de Itajaí, e apelado Venício Abel Rodrigues:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Público, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Venício Abel Rodrigues ajuizou ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada contra o Município de Itajaí, visando à realização de cirurgia gástrica, por ser portador de obesidade mórbida, agravada por cardiopatia hipertensiva, moléstias estas que o impedem de exercer suas atividades habituais e laborativas (fls. 02/05). Juntou documentos às fls. 06/14.
O MM. Juiz a quo concedeu a liminar pretendida e determinou a realização imediata do tratamento solicitado, consoante fl. 25.
Citado, o Município de Itajaí apresentou contestação às fls. 28/44, alegando, em sede preliminar, a ilegitimidade passiva, uma vez que não possui prestador de serviço credenciado para a realização de cirurgia bariátrica, e a carência de ação, por ausência de pretensão resistida, o que configura falta do interesse de agir do autor. No mérito, aduziu que o tratamento solicitado encontra-se abrangido pela Programação Pactuada Integrada - PPI, de modo que os seus recursos financeiros encontram-se dirigidos ao Município de Blumenau, local apto a realizar a cirurgia auferida. Desta forma, o deferimento do provimento jurisdicional incorre em violação dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da isonomia, da legalidade, da eficiência, da moralidade e da impessoalidade. Ao final, requereu a extinção do processo sem julgamento de mérito ou, no caso de inacolhimento das preliminares, a improcedência da pretensão inicial. Trouxe documentos às fls. 45/154.
O Ministério Público, através da 6ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itajaí, manifestou-se a favor da procedência da demanda (fls. 155/158).
À fl. 169, o autor comunicou que a cirurgia pleiteada já fora devidamente realizada, razão pela qual o réu declinou da produção de novas provas (fl. 171).
Instruído o feito, o Magistrado singular julgou antecipadamente a lide e confirmou a tutela deferida, para dar total procedência ao pedido exordial (fls. 172/183) e, ainda, condenou o réu, tão somente, ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixou em R$ 300,00 (trezentos reais).
Irresignado, o réu apelou da decisão, repisando, para tanto, os argumentos anteriormente expostos (fls. 186/194).
Contrarrazões às fls. 197/207.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 214/219).
VOTO
Trata-se de apelação cível interposta pelo Município de Itajaí, que busca a reforma da sentença que julgou procedente a ação de obrigação de fazer e o condenou a tomar as providências para a imediata realização da cirurgia bariátrica de que necessita o autor.
Em suas razões recursais, aduziu, em sede preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido e a carência de ação. No mérito, asseverou que o tratamento solicitado encontra-se abrangido pela Programação Pactuada Integrada - PPI, de modo que os seus recursos encontram-se dirigidos ao Município de Blumenau, local apto a realizar a cirurgia pleiteada. Desta forma, o deferimento do provimento jurisdicional incorreu em violação da Constituição.
Da análise dos autos, verifica-se que razão não lhe assiste.
Inicialmente, o apelante asseverou que o Estado Democrático de Direito pauta-se por uma estreita divisão de poderes, independentes e harmônicos entre si e que, deste princípio, decorre o fato de que ao Poder Executivo foi dada a direção do Sistema Único de Saúde (SUS), competindo-lhe gerenciar os recursos financeiros existentes para atender a toda população necessitada.
Como os recursos são parcos diante do grande rol de interesses que permeiam a concretização dos direitos sociais, a doutrina chamou a restrição orçamentária de "reserva do possível".
Deste modo, o Poder Judiciário, ao acolher demandas que individualizam beneficiados, está invadindo a competência administrativa do Poder Executivo e ferindo o princípio da isonomia entre os destinatários dos serviços prestados pelo SUS, além de descumprir as determinações constitucionais relativas à despesa pública e ao prévio procedimento licitatório, razão pela qual a pretensão do apelado mostra-se juridicamente impossível.
Inobstante, alegou que não houve prova de pretensão resistida, ou seja, da recusa no tratamento solicitado pelo apelado que, por conseguinte, tornaram-o carecedor da ação.
Contudo, tais prefaciais merecem ser rechaçadas.
O direito a saúde encontra-se consagrado no rol de direitos e garantias fundamentais do homem da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Ao comentar o dispositivo, Alexandre de Morais explica:
Direitos sociais são direitos do home, que se caracterizam como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. (In: Constituição do Brasil interpretada. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 428)
Com vistas a implementá-lo, a própria Carta, em seu art. 196, no que diz respeito ao fornecimento de tratamento de saúde de forma gratuita pelo Estado, preconizou:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
E, em seu art. 198, § 1º determina, que "O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes".
Por esta razão, conforme já me pronunciei (a exemplo dos autos de Apelação Cível, n. 2008.012026-5, de Quilombo), a responsabilidade solidária do Poder Executivo decorre da clara exegese da Carta Política, que coloca o Sistema Único de Saúde - SUS como um "todo" a ser administrado com os respectivos recursos de cada um dos entes da Federação: União, Estados e Municípios.
Aliás, a questão do direito à saúde está pacificada tanto em nosso Tribunal, quanto no Superior Tribunal de Justiça, consoante se infere dos julgados seguintes:
I) A CF/1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda (AgRg no Ag 858899/RS. Relator Min. José Delgado, j. 26/06/2007).
II) ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - MATÉRIA FÁTICA DEPENDENTE DE PROVA.
1. Esta Corte tem reconhecido aos portadores de moléstias graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade.
Precedentes.
2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I).
3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198).
4. O direito assim reconhecido não alcança a possibilidade de escolher o paciente o medicamento que mais se adeqüe ao seu tratamento.
5. In casu, oferecido pelo SUS uma segunda opção de medicamento substitutivo, pleiteia o impetrante fornecimento de medicamento de que não dispõe o SUS, sem descartar em prova circunstanciada a imprestabilidade da opção ofertada.
6. Recurso ordinário improvido. (RMS n. 28338/MG, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 02.06.2009, DJ 17.06.2009)
III) CONSTITUCIONAL - FORNECIMENTO DE FÁRMACOS - TUTELA
ANTECIPADA - PRESSUPOSTOS DEMONSTRADOS - RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
[...]
2. 'O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional' (AgRgRE nº 271.286, Min. Celso de Mello; RE nº 195.192, Min. Marco Aurélio)' (AI nº 2008.006645-9, Des. Newton Trisotto).
3. 'O medicamento, ainda que não padronizado, deve ser fornecido gratuitamente pelo Estado, se comprovada a necessidade do paciente. (AC nº 03.028469-9, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 24.2.04)' (MS nº 2003.025751-9, Des. Pedro Manoel Abreu)' (AC nº 2008.049625-0, Des. Newton Trisotto). Contudo, ao ente estatal a quem se atribui o dever de prestar a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, deve ser permitido produzir prova - pericial, se necessária - para demonstrar que não há comprovação científica da eficácia do medicamento requisitado para o tratamento da doença do requisitante ou que há sucedâneo aceitável entre aqueles disponibilizados pelo SUS. Pairando dúvidas quanto à eficácia do medicamento, é recomendável que se exija do paciente prova periódica de que subsiste a necessidade do uso (AI nº 2008.005617-3, Des. Newton Trisotto).
4. 'Só o fato de o medicamento ter sido receitado conduz à presunção de ser necessário ao tratamento do paciente; apenas prova ou fortes indícios poderiam elidi-la' (AI nº 2007.060614-0, Des. Newton Trisotto).
5. 'A ausência de prévia dotação orçamentária não constitui fundamento de magnitude para o Poder Público subtrair-se ao dever de assegurar o direito à saúde'
(AI nº 2004.035711-4, Des. Newton Janke)' (AC nº 2007.061421-9, Des. Newton Trisotto)" (AI nº 2009.047192-1, de Chapecó, rel. Des. Newton Trisotto, j. em 09.04.2010).
Apreende-se dos autos, que o autor é portador de "obesidade mórbida e cardiopatia hipertensiva, com aumento da área cardíaca ao ECG confirmando ICC" (fl. 12) e, por esse motivo, necessitava de cirurgia bariátrica com urgência. Contudo, não tinha condições de esperar, pois se encontrava em iminente risco de morte, tamanha era a gravidade da sua situação, uma vez que a médica atestou que estava inapto, até mesmo, para realizar as suas atividades habituais e laborativas (fl. 12).
Agora, mesmo após a realização da cirurgia, conforme atestou o requerente à fl. 169, vem o apelante aduzir que a obrigação de fornecer tratamento de saúde não é absoluta nem irrestrita, em virtude da limitada eficácia das normas constitucionais acerca da matéria, além de ser inviável a interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas efetuadas pelo Poder Executivo, o que se mostra, no mínimo contraditório, na medida em que já cumpriu a obrigação de fazer objeto da presente lide.
A respeito da eficácia limitada das normas constitucionais relativas à saúde, não há o que ser mencionado sobre programaticidade, tendo em vista que, ao se tratar de direitos fundamentais, como ocorre in casu, a sua aplicação dever ser imediata, sob pena de violação ao regramento consagrado na CRFB.
O eminente Des. Jaime Ramos, ao julgar caso semelhante, deixou assentado: "A falta de dotação orçamentária específica não pode servir de obstáculo à aquisição e ao fornecimento de medicamentos e suplementos alimentares ao doente necessitado, sobretudo quando a vida é o bem maior a ser protegido pelo Estado, genericamente falando." (AC n. 2008.006525-1, de Palhoça, j. em: 28.2.2008).
De igual forma, não há como falar em violação ao princípio da separação de poderes, nem em indevida interferência de um nas funções de outro, quando o Judiciário intervém a pedido daquele que é o próprio titular do direito, cujo escopo é, tão somente, obrigar o Poder Executivo, seja de que esfera for, a cumprir o seu dever constitucional de garantir saúde às pessoas.
Desse modo, não se trata de intervenção do Poder Judiciário nas funções típicas do Poder Executivo, mas de efetivação da norma suprema.
De outro lado, também não merece prosperar a alegação de que ante a inexistência de comprovação da negativa do ente público para a realização do procedimento cirúrgico, incorreu o apelado em ausência de interesse processual, porque a CRFB determina que "a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV), motivo pelo qual não pode existir obrigatoriedade da prova de recusa em fornecer o tratamento pleiteado, porque esta não tem o condão de afastar a responsabilidade do ente público, ainda mas quando se trata iminente risco de morte.
NÉLSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY ensinam que "existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático" (In: Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 629).
E, comprovada a necessidade do uso do medicamento requerido para o equilíbrio da saúde do apelado, e em havendo a inércia do Estado diante da urgência em que se pautava a sua situação, não há como negar-lhe o interesse processual em buscar a tutela jurisdicional.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO ESTADO - PORTADOR DA MOLÉSTIA DE ALZHEIMER E PARKINSON - PRELIMINAR - ALEGADA CARÊNCIA DE AÇÃO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR - INOCORRÊNCIA - REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO - DESNECESSIDADE - PREFACIAL REJEITADA - MÉRITO - REMÉDIO DE ALTO CUSTO - PARCAS CONDIÇÕES FINANCEIRAS - DIREITO CONSTITUCIONAL SOCIAL E FUNDAMENTAL - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 153 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MANUTENÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO.
A afirmação de que inexiste prova de recusa em fornecer o medicamento pleiteado não tem o condão de afastar a responsabilidade pelo fornecimento da medicação, pois não é necessário esgotar as vias administrativas como condição para propositura da ação judicial.
Sendo a saúde direito de todos e dever do Estado, comprovada a moléstia e a impossibilidade do enfermo custear o medicamento que necessita, não pode o ente público deixar de prestar a integral assistência devida. (AC n. 2009.029847-5, de Laguna, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. em 17.11.2009)
Por fim, quanto ao mérito, é inegável a prova do direito do apelado e inarredável a obrigação do apelante, conforme já declinado nos fundamentos anteriores. Ainda assim, não se pode olvidar que, entre proteger o direito à vida, expressamente insculpido no caput do art. 5º, da CRFB, e um interesse financeiro do Estado, o primeiro deve prevalecer.
A propósito, o Ministro Luiz Fux, ao enfrentar a matéria, salientou:
[...] A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da 'reserva do possível'. Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (Resp 811608/RS, DJ 04/06/2007 p. 314).
Nesse norte, comprovado que o tratamento cirúrgico prescrito é adequado ao caso concreto, e que a sua não realização traria risco à saúde do paciente, foi totalmente adequada a sentença monocrática, porque confirmou os efeitos da tutela deferida, e reconheceu o direito de o apelado ser submetido a cirurgia, imediatamente, às custas do Estado.
Por todo o exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, a Quarta Câmara de Direito Público, a unanimidade, conheceu do recurso para negar-lhe provimento.
Conforme disposto no Ato Regimental n. 80/2007-TJ, publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 07.08.2007, registra-se que do julgamento realizado em 13 de maio de 2010, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Cláudio Barreto Dutra (sem voto) e dele participaram, com voto, além do Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jaime Ramos e Jânio Machado.
Florianópolis, 14 de maio de 2010.
José Volpato de Souza
RELATOR
Gabinete Des. José Volpato de Souza
JURID - Apelação cível. Ação de obrigação de fazer. Tratamento. [19/05/10] - Jurisprudência
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