Jurisprudência Tributária
Tributário. Pena de perdimento. Cabimento em processo administrativo fiscal. Ônibus. Transporte de mercadoria.
Tribunal Regional Federal - TRF4ªR
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.02.002415-1/PR
RELATOR : Des. Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA
APELANTE : JOBARA TURISMO LTDA/
ADVOGADO : Leila Lucia Teixeira da Silva
João Carlos Lindolfo Bartels
APELADO : UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
EMENTA
TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO. CABIMENTO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. ÔNIBUS. TRANSPORTE DE MERCADORIA DESCAMINHADA. POSSIBILIDADE DE APREENSÃO IN LIMINE. PROVA DA RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO BRASILEIRO.
1. Nos termos do art. 617 do R.A., é aplicável a pena de perdimento do veículo que estiver transportando mercadorias sujeitas a perdimento, se estiver configurada a responsabilidade do seu proprietário na prática da infração.
2. É legal o procedimento de fiscalização especial com retenção de mercadoria, bem como do veículo que a transporta.
3. Mesmo no caso das bagagens identificadas, isso não afasta a responsabilidade da proprietária do veículo, pois o contrato de arrendamento não vincula a autoridade aduaneira, que tem o poder-dever de agir ao depara-se com uma infração à legislação administrativa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de junho de 2010.
Desembargador Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que denegou a segurança em ação impetrada por Jobara Turismo Ltda. objetivando a desconstituição de ato administrativo consistente na apreensão de um ônibus Mercedes Benz, modelo Mpolo Parad GVR, placas GKO 3265, chassi 9BM 364, e aplicação da pena de perdimento.
Irresignada, apela a autora. Alega, em síntese, necessidade de relação de ligação entre o condutor do veículo e seu proprietário, porquanto com o arrendamento do bem a responsabilidade do proprietário resta excluída.
É o relatório.
VOTO
Do perdimento do veículo.
Dispõe o artigo 617 do Regulamento Aduaneiro:
"Art. 617. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei nº 37, de 1966, art. 104, e Decreto-lei nº 1.455, de 1976, art. 24):
(...)
V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; e
(...)
§2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese no inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito."
Entendo que a justaposição da situação fática ao supracitado dispositivo, com o intuito de aplicar a pena de perdimento, não pode se dissociar do elemento subjetivo, nem desconsiderar a boa-fé.
Assim, para imputar responsabilidade ao proprietário de veículo apreendido por estar transportando mercadorias irregularmente internadas no país e, frise-se, na maioria dos casos trazidos à apreciação judicial, em poder de terceiro, mister esteja evidenciado, apurado através de diligências administrativas, elementos indiciários palpáveis, concretos e reais - não meras suposições, indícios ou presunções - a atestar seu envolvimento, aquiescência ou participação nos atos destinados a burlar o Fisco. Nesse sentido:
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENA DE PERDIMENTO. BOA-FÉ.
- A pena de perdimento não pode se dissociar do elemento subjetivo nem desconsiderar a boa-fé. Precedentes desta Corte.
- Tendo o acórdão recorrido concluído que o adquirente agiu de boa-fé, conclusão diversa exigiria o reexame da moldura fático-probatória dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 07 do STJ.
- Agravo regimental improvido."
(STJ, AgRg no RESP 434495/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, j. 01/10/2002, DJU de 02/12/2002, p. 245)
Não posso olvidar também, é cediço, a sanção, mesmo administrativa, não pode alcançar senão o contribuinte infrator e, em matéria tributária, os responsáveis assim delineados em lei, inexistindo liame justificador a possibilitar a aplicação da lei ao transportador/proprietário sem perquirir da sua participação no ilícito tributário.
Diz o artigo 128 do CTN "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação". De conseguinte, a lei pode transferir a responsabilidade a terceiros por infrações, condicionada a vinculação deste ao fato gerador da obrigação tributária principal, no caso, o ingresso de mercadorias estrangeiras em território nacional com elisão dos tributos devidos.
Não há, por fim, falar em inconstitucionalidade da pena de perdimento do veículo utilizado no transporte de mercadorias contrabandeadas/descaminhadas previsto no art. 617 do Regulamento Aduaneiro, pois o direito de propriedade expresso na Constituição não é absoluto, podendo sofrer restrições visando à preservação do interesse público. Neste sentido é o entendimento desta Corte:
"TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO. CONSTITUCIONALIDADE. CABIMENTO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. CAMINHÃO. TRANSPORTE DE MERCADORIA DESCAMINHADA. PROVA DA RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA.
1. O Egrégio Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade da pena de perdimento por danos causados ao erário, por haver previsão expressa na CF de 1967 (RExt. n.º 95.693/RS, Rel. Min. Alfredo Buzaid). A falta de previsão expressa na CF/88 não importa concluir por sua inconstitucionalidade ou não-recepção. Através do devido processo legal, o direito de propriedade pode ser restringido, porque não-absoluto. A validade do perdimento é nossa própria tradição histórica de proteção do erário. A aplicação do perdimento obedece à razoabilidade, pois a sua não-aplicação implica aceitar que alguns se beneficiem às custas de toda a sociedade. 2. A pena de perdimento, após a CF/88, é plenamente aplicável também no processo administrativo fiscal. 3. Nos termos do art. 617 do R.A., é aplicável a pena de perdimento do veículo que estiver transportando mercadorias sujeitas a perdimento, se estiver configurada a responsabilidade do seu proprietário na prática da infração. 4. A responsabilidade da proprietária não foi demonstrada, diante das circunstâncias do caso concreto. (TRF4, AMS 2006.70.02.006015-8, Segunda Turma, Relator Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 18/07/2007)
Na hipótese dos autos, todavia, não vislumbro a propalada condição de terceira de boa-fé da recorrente. Senão vejamos:
a) analisando os Autos de Infração com Apreensão de Mercadorias de fls. 45 exsurge claramente a destinação comercial da mercadorias transportadas, mormente porque, dentre os inúmeros produtos encontrados havia medicamentos, CDs gravados, eletrônicos, equipamentos de informática, brinquedos, vestuário, etc., totalizando a quantia US$ 32.671,22 (trinta e dois mil, seiscentos e setenta e um dólares e vinte e dois centavos), o que afasta o caráter turístico da viagem;
b) as fotos das fls. 64 à 67, onde se pode visualizar estarem lotados de mercadorias os compartimentos inferiores destinados ao transporte de bagagens, bem como o corredor do ônibus e sob poltronas o que caracteriza serem volumes típicos de "sacoleiros";
Este é o entendimento já pacificado nesta Corte:
TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO. CONSTITUCIONALIDADE. CABIMENTO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. ÔNIBUS. TRANSPORTE DE MERCADORIA DESCAMINHADA. POSSIBILIDADE DE APREENSÃO IN LIMINE. PROVA DA RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO BRASILEIRO.
(...)
3. Nos termos do art. 617 do R.A., é aplicável a pena de perdimento do veículo que estiver transportando mercadorias sujeitas a perdimento, se estiver configurada a responsabilidade do seu proprietário na prática da infração.
4. Esta Turma já se manifestou no sentido de que, além de ser legal o procedimento de fiscalização especial com retenção de mercadoria (bem como do veículo que a transporta), a falta de regular processo administrativo não implicaria violação ao princípio do devido processo legal e do direito à ampla defesa (Agravo de instrumento n.º 2003.04.01.003644-2, j. 29.04.2003, Rel. Des. Federal João Surreaux Chagas).
5. A responsabilidade da proprietária demonstrou-se, diante das circunstâncias do caso concreto, quais sejam, o contrato de fretamento não a exime, primeiro, de fiscalizar o fretador e, segundo, da solidariedade fiscal imposta pelo CTN; mesmo se admitisse o fato das bagagens estarem identificadas, isso não afasta seu conhecimento sobre a mercadoria ilícita que transportava, uma vez que as fotos juntadas aos autos demonstram o grande volume ocupado pelos produtos e a disposição deles no interior do ônibus, de notória presença.
6. Não é irregular o procedimento da autoridade aduaneira ao reter o ônibus para posterior identificação e valoração da mercadoria. Isso é comum nos casos em que o veículo condutor é abordado em zona secundária, distante de um posto administrativo do Fisco. A lacração e encaminhamento para lugar diverso é razoável. O que importa verificar é a possibilidade de acompanhamento e ampla defesa do proprietário/condutor. No caso dos autos, foi disponibilizado amplo acompanhamento na lacração do veículo e formalmente intimada a parte proprietária/condutor para os trabalhos de posterior identificação. Também cabe o registro de ter o Fisco requerido a apresentação de documentos complementares, isso para franquiar a ampla defesa da parte autora. Ainda vale salientar ser lógico e razoável a autoridade fiscal ter "embarcado" a mercadoria que ainda estava próxima ao veículo na iminência de sê-lo. Não produziu a parte autora prova concreta que afastasse tal vínculo presumido. (...)
(AC - 200570020012160/PR, SEGUNDA TURMA, Relator(a) VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 26/03/2008).
O proprietário participou do ilícito ao fornecer o veículo para o transporte das mercadorias e, mais ainda por ser este o condutor do veículo, estando inclusive no momento da apreensão.
Em vista de toda a explanação alhures, deve ser afastada a alegação do autor, porquanto existem indícios veementes a evidenciar o uso do veículo para fins ilícitos, mormente se considerarmos as inúmeras passagens na Região da Tríplice Fronteira (fls. 69 à 72).
Frente ao exposto, voto por negar provimento à apelação.
Desembargador Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA
Relator
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 09/06/2010
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.02.002415-1/PR
ORIGEM: PR 200870020024151
RELATOR : Des. Federal ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA
PRESIDENTE : ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA
PROCURADOR : Dr. Waldir Alves
APELANTE : JOBARA TURISMO LTDA/
ADVOGADO : Leila Lucia Teixeira da Silva
João Carlos Lindolfo Bartels
APELADO : UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 09/06/2010, na seqüência 200, disponibilizada no DE de 27/05/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 1ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO : Des. Federal ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA
VOTANTE(S) : Des. Federal ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA
Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK
Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
LEANDRO BRATKOWSKI ALVES
Diretor de Secretaria
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Documento eletrônico assinado digitalmente por LEANDRO BRATKOWSKI ALVES, Diretor de Secretaria, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3520678v1 e, se solicitado, do código CRC E5659A0E.
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Signatário (a): LEANDRO BRATKOWSKI ALVES:11368
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Data e Hora: 09/06/2010 18:54:11
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JURID - Tributário. Pena de perdimento. Cabimento em processo adm. [16/06/10] - Jurisprudência
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