Apelação cível. Responsabilidade civil de concessionário de serviço público. Supervia. Atropelamento em linha férrea.
Tribunal de Justiça do Rio do Janeiro - TJRJ
Proc nº 200900150108
Publicado em 31.05.2010
QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.001.50108
42ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL
APELANTE 1: DANIEL DE OLIVEIRA E OUTROS
APELANTE 2: SUPERVIA CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTES
FERROVIÁRIO S.A.
APELADO: OS MESMOS
RELATOR: DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE CONCESSIONÁRIO DE SERVIÇO PÚBLICO. SUPERVIA. ATROPELAMENTO EM LINHA FÉRREA. OMISSÃO ESPECÍFICA DA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO. FALTA NO DEVER FISCALIZATÓRIO E DE CUIDADO. BEM AFETADO À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO, QUE DEVERIA SER INSPECIONADO PELOS AGENTES DO ESTADO RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DANO MATERIAL. DOCUMENTOS QUE DEMONSTRAM SUFICIENTEMENTE O DANO E O NEXO CAUSAL. DANO MORAL IN RE IPSA, CUJO ARBITRAMENTO NÃO OBSERVOU PRECEDENTES DESTE COLEGIADO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DOS AUTORES. NEGADO PROVIMENTO AO APELO DO RÉU. VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 2009.001.50108, em que são apelantes Daniel de Oliveira e outros e Supervia Concessionária de Transportes Ferroviário S.A. e são apelados os mesmos.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, voto no sentido dar parcial provimento ao recurso dos autores para afastar a sucumbência recíproca, porquanto decaiu em parte mínima do pedido, fixando os honorários em 10% do valor da condenação e majorar a reparação do dano moral para R$ 50.000,00 para cada filho e R$ 30.000,00 para o pai do de cujus.
Desprovimento do recurso do réu.
RELATÓRIO
Trata-se de ação de reparação de danos materiais e morais proposta por filhos e pai de Robson Pinheiro de Oliveira em face da SUPERVIA CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTES FERROVIÁRIO S.A., alegando que seu parente foi atropelado por um trem da ré, causa de sua morte, quando tentava atravessar a linha férrea.
Assim, requereram a responsabilização do réu, com sua condenação em danos materiais, incluindo pensão aos filhos, gastos com funeral e despesas referentes ao luto, bem como compensação econômica por danos morais.
Contestação, às fls. 42/52, suscitando em síntese ausência de nexo causal para o evento. Apontou que a vítima foi assinada ou de forma alternativa que tenha ocorrido o atropelamento pelo trem, em razão da vítima transitar em local proibido, o que acarretaria a exclusão de sua responsabilidade.
Decisão de saneamento do processo, às fls. 61/62, que ensejou a interposição de agravo retido, às fls. 85/87.
Laudo pericial, às fls. 104/110, complementado às fls. 123/127.
Sentença às fls.197/208, que julgou procedente o pedido para condenar o réu a pagar ao primeiro autor a quantia de R$ 30,61 (trinta reais e sessenta e um centavos), acrescida de correção monetária e juros legais desde 20/05/2006, bem assim ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), na proporção de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada autor, acrescido de correção monetária a partir desta sentença e juros legais desde o óbito.
Sucumbência recíproca, na forma do artigo 21 do CPC.
Apelação interposta pelos os autores, às fls. 215/225, pugnando pela reforma do julgado em relação à condenação de auxílio funeral, compensação econômica por dano moral e arbitramento de verba honorária.
Apelação do réu, ás fls. 233/251, ratificando a ausência de nexo causal para o evento e subsidiariamente que seja reduzida a verba fixada a título de compensação econômica por dano moral.
Contra-razões do réu, às fls. 230/232.
Contra-razões dos autores, às fls. 254/275.
É O RELATÓRIO.
Rio de Janeiro, de de 2010.
DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RELATOR
VOTO
Cuida-se de ação de reparação de danos materiais e morais proposta por filhos e pai de Robson Pinheiro de Oliveira em face da SUPERVIA CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTES FERROVIÁRIOS S.A., alegando que seu parente foi atropelado por um trem da ré, causa de sua morte, quando tentava atravessar a linha férrea.
As partes, inconformadas com a sentença, interpuseram suas apelações.
Passo a analisar a apelação manejada pelos autores.
A pretensão para ressarcimento integral de despesas de funeral não pode prosperar, tendo em vista que os apelantes não apresentaram documentos que comprovam os gastos.
Desta forma, não se mostra razoável condenar o réu a título de danos materiais sem comprovar substancialmente suas despesas.
Nesse sentido:
INDENIZATÓRIA. SUPERVIA. ATROPELAMENTO EM VIA FÉRREA CAUSANDO O FALECIMENTO DA VÍTIMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA. NÃO OBSERVÂNCIA DOS DEVERES DE FISCALIZAÇÃO E VIGILÂNCIA INERENTES AO CONTRATO DE CONCESSÃO. DEVER DE INDENIZAR PELOS DANOS MORAIS. PENSIONAMENTO EM FAVOR DA EXCOMPANHEIRA. VÍTIMA QUE ATRAVESSOU A VIA EM PASSAGEM CLANDESTINA. CONCORRÊNCIA DE CAUSAS. REDUÇÃO PROPORCIONAL DAS VERBAS INDENIZATÓRIAS. 1- A responsabilidade da empresa-ré é objetiva, ante a delegação pela Administração Pública da prestação do serviço público de transporte ferroviário coletivo. Atropelamento de vítima que utilizou passagem clandestina. A prestadora do serviço faltou com seus deveres de fiscalização e vigilância, sendo que estes configuram obrigações contratuais em virtude do contrato de concessão celebrado com o Poder Público. A atividade deve ser exercida por conta e risco da concessionária, cabendo-lhe a manutenção da via e obstrução de passagens que permitam o livre acesso de pedestres à linha férrea. Teoria do risco proveito - a prestadora do serviço que tem vantagens com a atividade desenvolvida deve responder pelos efeitos prejudiciais que dela decorrem.2- Ausência de comprovação de culpa exclusiva de terceiro a afastar o dever de indenizar. Não obstante, os elementos dos autos demonstram que há passarela próxima ao local da passagem clandestina. A conduta da vítima, ao atravessar a linha férrea em local impróprio para tanto, mesmo havendo passarela a poucos metros, também contribuiu para o evento. Causas concorrentes que ensejam a redução das verbas indenizatórias proporcionalmente, na forma do art. 945 do Código Civil. Precedentes do E.TJ/RJ.3- Ausência de comprovação quanto às despesas de luto e funeral.
Pensionamento devido em razão da dependência financeira, de acordo com os valores que constam de comprovante de ganhos do falecido acostado nos autos, até o momento em que a vítima completaria 70 (setenta) anos, sendo esta a expectativa de vida razoável da população. Precedentes desta Corte. Redução à metade da pensão em razão da conclusão pela concorrência de causas. Vítima que deixou, além da autora - ex-companheira - uma filha menor que não se habilitou nos autos. Divisão do valor do pensionamento. Desnecessidade de constituição de capital garantidor. Art. 475-Q do Código de Processo Civil que permite a inclusão da beneficiária em folha de pagamento da ré. Danos morais inequivocamente presentes, em razão do passamento de pessoa próxima. Fixação da verba conforme os parâmetros da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao enriquecimento sem causa. Circunstâncias do evento que devem ser consideradas. Redução do quantum em razão da causa concorrente. Juros contados a partir da data do evento, em observância à Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.
Correção monetária da data do julgado. 5- Modificação dos ônus sucumbenciais. Parte autora que restou vencedora em maior parcela de seu pedido. Custas e honorários pela parte ré.
A demanda versa sobre responsabilidade civil da Administração Pública e de concessionário de serviço público. Os fatos aduzidos e comprovados ilustram a responsabilidade civil por omissão, esta específica, conforme doutrina e jurisprudência majoritária, na modalidade objetiva.
Como leciona Sérgio Cavalieri Filho, "A atividade administrativa a que alude o art. 37, § 6º, da Constituição, engloba não só a conduta comissiva como também a omissiva,[...]". (Programa de Responsabilidade Civil; 4º ed., Malheiros).
Neste ponto é preciso distinguir omissão genérica do Estado e omissão específica.
E prossegue o ilustre Desembargador, "Os nossos Tribunais tem reconhecido a omissão específica do Estado quando a inércia administrativa é a causa direita e imediata do não impedimento do evento, [...]"(Programa de Responsabilidade Civil; 4º ed., Malheiros).
Registra-se que o Estado, ao transferir ao particular a prestação do serviço público, mantem o dever de fiscalizar e controlar acompanhar a prestação do serviço com maior eficiência. Ademais, a responsabilidade do Estado está também configurada, tendo em vista que o particular sofreu lesões que levaram ao óbito, no interior de bem público afetado à prestação do serviço público.
A concessionária do serviço, ao longo da instrução, não conseguiu afastar o nexo causal de sua responsabilidade.
Nesse sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. MORTE EM LINHA FÉRREA. ATROPELAMENTO. NEXO CAUSAL COMPROVADO. CULPA EXCLUSIVA NÃO RECONHECIDA. DANOS MORAIS. PENSÃO MENSAL.
Restou comprovado que, no dia 22 de janeiro de 1988, o genitor da autora foi vítima de acidente em linha férrea, atropelado por composição de propriedade da ré, vindo a falecer. O conjunto probatório dos autos demonstra que a travessia pela via férrea era habitualmente utilizada pela população local pela inexistência de passarela nas redondezas.Os danos morais são oriundos do sofrimento e angústia experimentados pela Autora que perdeu, de forma brutal e inesperada, um ente querido, devendo ser ressarcida.O pagamento de pensão mensal à Autora é devido, pois se presume a dependência econômica dos filhos menores com seus genitores. Não restando comprovada a culpa exclusiva da vítima responde a Ré pelos danos causados com a sua morte. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 0123477-14.2007.8.19.0001 (2009.001.58625) - APELAÇÃO - 1ª Ementa, DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 07/10/2009 - SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
O nexo causal foi devidamente analisada na bem lançada sentença, sopesando os documentos carreados aos autos e notadamente o depoimentos prestados pelas testemunhas da Audiência de Instrução e Julgamento, em especial, a resposta do membro do corpo de bombeiro que removeu o cadáver de Robson, que assim afirmou:
" Que indagado a respeito da sua experiência profissional, no sentido da possibilidade de uma pessoa ser atropelada e não ter danos exteriores evidentes, respondeu que é possível, na medida em que o trem batendo na pessoa o desloca para o lado, sem que fique na reta da composição;
(...). Que o depoente já fez remoções de vítimas atropeladas que não tinham danos exteriores visíveis" - fls. 158.
Desta forma, comprovado o dano, o nexo causal e o resultado danoso, correta a sentença que reconheceu a responsabilidade civil da empresa ré no evento danoso.
Em relação ao pleito de majoração do valor do dano moral formulado pelos autores, o réu, ora segundo apelante formulou pretensão no sentido de redução do dano moral.
Inquestionável que a dinâmica dos fatos traduziu em inegável abalo à própria estrutura psicológica dos autores, a demandar a conseqüente reparação.
Não obstante o caráter reparatório, aliado ao caráter punitivo/pedagógico, que devem nortear tais condenações, o valor da indenização deve preservar proporcionalidade a extensão e repercussão do fato danoso.
Assim, há que se ajustar o valor da compensação econômica por danos morais, observando o princípio da razoabilidade, capaz de atender ao caráter compensatório e punitivo/pedagógico, de acordo com a extensão e repercussão do fato danoso.
Desta forma, entendo que a verba do dano moral deve majorada para R$ 50.000,00 para cada filho e R$ 30.000,00 para o pai do de cujus.
Por fim, os autores ora apelantes buscam o reconhecimento do percentual de honorários advocatícios a ser fixado em 20% sobre o valor da condenação.
No caso em exame, não houve sucumbência recíproca, porquanto os autores decaíram em parte mínima do pedido, devendo as custas e honorários serem suportados pelo réu.
No que tange a pretensão recursal formulada pelo réu, esta merece ser afastada, diante dos argumentos acima.
Por todo exposto, voto no sentido dar parcial provimento ao recurso dos autores para afastar a sucumbência recíproca, fixando os honorários em 10% do valor da condenação e majorar a reparação do dano moral para R$ 50.000,00 para cada filho e R$ 30.000,00 para o pai do de cujus, mantendo-se os demais termos da sentença e negar provimento ao recurso do réu.
Rio de Janeiro, 11 de maio de 2010.
Des. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RELATOR
Certificado por DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 25/05/2010 17:46:21Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0124508-06.2006.8.19.0001 (2009.001.50108) - Tot. Pag.: 8
JURID - Responsabilidade civil de concessionário de serviço público. [02/06/10] - Jurisprudência
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