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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Da estrutura morfossintática dos tipos penais

Da estrutura morfossintática dos tipos penais

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Da estrutura morfossintática dos tipos penais

Jus Navigandi

Jus Navigandi

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http://jus.com.br/revista/texto/5147

Publicado em 05/2004

Através de um estudo sistemático dos tipos do Código Penal, procurou-se traçar um paralelo entre conceitos da teoria do delito (conduta, elementos descritivos e normativos, sujeito ativo e passivo etc.) e conceitos gramaticais tanto da morfologia quanto da sintaxe.

RESUMO

A análise da estrutura gramatical dos tipos penais é o objeto deste trabalho. Através de um estudo sistemático dos tipos do Código Penal, procurou-se traçar um paralelo entre conceitos da teoria do delito (conduta, elementos descritivos e normativos, sujeito ativo e passivo, etc) e conceitos gramaticais tanto da morfologia (verbo, adjunto adverbial, etc) quanto da sintaxe (sujeito, predicado, orações coordenadas e subordinadas, etc).

SUMÁRIO: 1.Pressupostos metodológicos; 2.Pressupostos Conceituais; 3.Breves considerações gramaticais; 4.Análise morfossintática de um tipo penal; 5.Comentários sobre a oração principal; 6.Comentários sobre a oração subordinada adjetiva restritiva; 7.Comentários sobre a oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo, 7.1.Dos aspectos do verbo típico, 7.2.Dos complementos do verbo típico, 7.4.Da formação dos tipos complexos, 7.5.Do sujeito do verbo típico; 8. Conclusão; 9. Bibliografia.

PALAVRAS-CHAVES: teoria do delito; tipos penais; teoria geral da parte especial do Código Penal; morfossintaxe; língua portuguesa; interpretação literal; técnica legislativa.

1.Pressupostos Metodológicos

Este é um trabalho interdisciplinar. Procuramos aqui, aplicando a técnica da análise sintática, fornecer subsídios para uma correta interpretação gramatical dos tipos penais. Para tanto, buscou-se uma análise dos elementos comuns aos tipos penais da Parte Especial do Código Penal de 1940. Todavia, as conclusões aqui apresentadas servirão perfeitamente para a análise dos tipos penais extravagantes, dadas as semelhanças das redações empregadas pelos legisladores.

Não se deve olvidar, entretanto, que o processo de interpretação gramatical é apenas um dentre tantos outros existentes. Nosso objetivo aqui é fornecer elementos para este processo de interpretação, mas cumpre frisar que o uso isolado deste método possivelmente não levará ao intérprete conclusões satisfatórias.

2.Pressupostos Conceituais

Assim como a doutrina jurídica, os gramáticos, muitas vezes, divergem sobre conceitos fundamentais de sua ciência. Inicialmente cabe-nos um posicionamento em relação aos conceitos gramaticais adotados.

Para Luiz Antonio Sacconi, "frase é qualquer comunicação feita por meio de palavras. (..) Não tem, necessariamente, sentido completo, já que se dissermos apenas SIM ou NÃO, isolados de um contexto, nada representarão" [1].

Para esse mesmo autor, "oração é todo e qualquer enunciado que contém verbo ou expressão verbal" [2]. Para Napoleão Mendes de Almeida, todavia, "oração é a reunião de palavras ou a palavra com que manifestamos aos nossos semelhantes, de maneira completa, um pensamento". [3]

Há dois pontos de discordância entre os dois autores. A presença do verbo, que é obrigatória para Sacconi, e o pensamento completo, que para Almeida é imprescindível.

Adotaremos neste trabalho um conceito pelo qual "oração é todo e qualquer enunciado que contém verbo ou expressão verbal capaz de manifestar um pensamento completo".

Esse conceito melhor se adapta às particularidades da frase típica. A presença do verbo na oração típica é uma característica ontológica dentro das legislações que adotam o Direito Penal da Ação em detrimento do Direito Penal de Autor. Por outro lado, não se pode conceber uma oração típica vazia de significado. Não seria lógico admitir que o tipo penal possa ser considerado uma oração sem integridade semântica. Assim, neste trabalho analisaremos orações perfeitas do ponto de vista sintático e semântico.

3.Breves Considerações Gramaticais

A gramática tradicional possui inúmeras divisões. Dentre elas podemos destacar a Fonética, que estuda os sons e suas representações, a Semântica, que estuda o significado das palavras (e conseqüentemente os sinônimos, antônimos, homônimos, parônimos, etc), a Morfologia, que estuda a palavra isolada do contexto da frase, e a Sintaxe, que estuda a estrutura lógica da oração.

A nós, neste trabalho, interessará principalmente o estudo da Sintaxe e, subsidiariamente, o da Morfologia.

A classificação morfológica das palavras pode ser encontrada em qualquer dicionário naquelas famigeradas abreviaturas que antecedem a definição do vocábulo e que a maioria das pessoas simplesmente desprezam. Isso é possível, pois tal classificação independe de contexto.

A morfologia classifica as palavras em: substantivos (os seres, as coisas), verbos (ação, estado, fenômeno), adjetivos (características dos substantivos), advérbios (características de verbos, adjetivos e outros advérbios), artigo (individualizador ou generalizador do substantivo), pronomes (substitutos dos substantivos ou dos adjetivos), preposições (conectivo de palavras), conjunções (conectivo de orações ou termos de mesma função sintática) e interjeições (emoção ou sentimento repentino).

A sintaxe classifica os elementos das orações em: sujeito (sobre quem se declara algo) e predicado (a declaração).

Os elementos do sujeito são: núcleo (substantivo ou pronome substantivo), adjunto adnominal (termo não preposicionado que caracteriza nomes ou, se preposicionado, que caracteriza substantivos concretos) e complemento nominal (termo sempre preposicionado que caracteriza substantivos abstratos, adjetivos e advérbios).

Os elementos do predicado são: núcleo (nos predicados verbais e verbo-nominais, um verbo com significado e, nos predicados nominais, o predicativo), objeto direto (termo não preposicionado que sofre a ação verbal), objeto indireto (termo preposicionado que sofre a ação verbal), adjunto adverbial (circunstância da ação verbal, podendo ser de tempo, lugar, modo, etc), predicativo (adjetivo ou termo de valor adjetivo unido a um substantivo por um verbo) e também o adjunto adnominal e complemento nominal.

Por fim, vale lembrar que cada um desses elementos da oração pode aparecer na forma de uma única palavra ou como outra oração. Verbi gratia:

Direito Penal é importante (sujeito Direito Penal); É importante que você estude Direito Penal (sujeito que você estude Direito Penal).

O juiz julgou a causa (objeto direto a causa); O juiz julgou que o réu era inocente (objeto direto que o réu era inocente).

Este tipo de oração que funciona como um termo sintático de outra oração recebe o nome de oração subordinada (que será subjetiva, se for sujeito, objetiva direta, se objeto direto e assim sucessivamente). A oração que possui outra oração como seu termo sintático, por sua vez, recebe o nome de oração principal.

As orações subordinadas, podem ser desenvolvidas ou reduzidas (com o verbo em uma de suas formas nominais). Verbi gratia:

Quando disse isto, saiu. (oração subordinada adverbial temporal desenvolvida: quando disse isto; oração principal: saiu).

Dizendo isto, saiu. (oração subordinada adverbial temporal reduzida de gerúndio: dizendo isto; oração principal: saiu).

As orações subordinadas não possuem integridade semântica (sentido completo) e só possuem existência perfeita como termo sintático da oração principal.

Analisemos a seguinte oração: Convencer alguém.

Obviamente, esta oração não possui sentido completo. Faltam-lhe dois elementos que completem-lhe o significado. O primeiro deles é o objeto indireto, pois quem convence, convence alguém a algo ou de algo. Melhor ficaria a oração então: Convencer alguém a cantar.

A oração continua sem sentido completo. Imaginemos alguém chegando para um amigo e falando: Convencer alguém a cantar.

Naturalmente este amigo indagaria o que ele deseja dizer com esta oração que pode ser interpretada de várias formas: Gostaria de convencer alguém a cantar; não descansarei até convencer alguém a cantar; é necessário convencer alguém a cantar (convencer alguém a cantar é necessário).

Em todas as frases acima, a oração convencer alguém a cantar é parte de uma oração maior com sentido completo.

No primeiro exemplo a oração funciona como objeto indireto da oração principal. No segundo, como adjunto adverbial de tempo. E, no último, como sujeito.

A oração convencer alguém a cantar é uma oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo. É subordinada, pois não tem existência (nem sintática, nem semântica) isolada da oração principal. É substantiva, pois poderia ser perfeitamente substituída por um substantivo ou pronome substantivo (v.g. isso). É subjetiva, pois funciona como sujeito da oração principal. E, por fim, é reduzida de infinitivo, pois em vez de possuir uma estrutura típica de SUJEITO + VERBO CONJUGADO (ex: ele convença) traz tão somente o verbo no infinitivo. Se desenvolvermos as subordinadas teremos:

Gostaria que eu (ele) convencesse alguém a cantar.

Não descansarei até que eu (ele) convença alguém a cantar.

É necessário que eu (ele) convença alguém a cantar.

4.Análise Morfossintática de um Tipo Penal

Iniciaremos nosso estudo analisando o tipo do art. 121 do Código Penal, que estabelece em seu caput:

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Conforme visto, a simples oração Matar alguém não significa nada isoladamente. Portanto a leitura do tipo do artigo 121 do Código Penal deve ser:

Matar alguém é fato típico cuja pena varia de seis a vinte anos de reclusão.

Acrescentando-se simplesmente a expressão é fato típico completou-se o sentido da oração tornando possível sua análise morfossintática. Temos, pois, uma oração principal e duas orações subordinadas:

Oração principal: é fato típico

Oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo: matar alguém

Oração subordinada adjetiva restritiva: cuja pena varia de seis a vinte anos de reclusão.

Analisando isoladamente cada uma das orações, temos:

Oração principal com predicado nominal. Verbo de ligação ser na terceira pessoa do singular do presente do indicativo (é). O predicativo do sujeito (matar alguém) é a expressão fato típico. O núcleo do predicativo é o substantivo fato.

A oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo tem como núcleo do predicado verbal o verbo matar que é transitivo direto. Alguém é um pronome indefinido que funciona na frase como objeto direto do verbo matar.

A oração subordinada adjetiva restritiva tem como sujeito a expressão cuja pena. O núcleo do sujeito é o substantivo pena que tem como adjunto adnominal o pronome relativo cujo. O núcleo do predicado é o verbo intransitivo variar na terceira pessoa do singular do presente do indicativo (varia) e tem como adjunto adverbial de limitação a expressão de seis a vinte anos. A expressão de reclusão é complemento nominal do adjunto adverbial de limitação.

5.Comentários sobre a Oração Principal

A oração principal é fato típico não aparece expressamente nos tipos penais e quanto a ela cabem algumas observações importantes.

Primeiramente há que se justificar o uso dessa expressão como integrante dos tipos penais, já que ela não aparece expressamente redigida. Ocorre nos tipos penais uma figura de linguagem denominada elipse. Elipse [Do gr. élleipsis, ''omissão'', pelo lat. ellipse.] é a omissão deliberada de palavra(s) que se subentende(m), com o intuito de assegurar a economia da expressão [4]. Um exemplo claro deste fenômeno é o adjetivo catedral que é tomado muitas vezes por substantivo pela presença da elipse do substantivo igreja. Assim na frase A catedral estava cheia o que se diz é A (igreja) catedral estava cheia. Do contrário estaríamos admitindo um adjetivo como núcleo do sujeito, hipótese impossível no vernáculo.

Nos tipos penais ocorre fenômeno análogo. O enunciado Matar alguém, por si só, é vazio de conteúdo e não diz nada. Imaginemos a figura de uma pessoa que chega para um grupo de amigos e diz Matar alguém. Os amigos perguntarão: Você quer matar alguém? Você precisa matar alguém? Você quer que nós matemos alguém? A mesma cena tornar-se-ia, no entanto, cristalina se a pessoa dissesse: Matar alguém é crime.

Pelo exposto, está claro que todos os tipos penais possuem uma oração elíptica. Note-se ainda que a oração elíptica é a oração principal do período. Menos pacífica, no entanto, é a redação ideal desta oração subentendida.

A maioria da doutrina nacional, que defende a tricotomia do delito em ação típica, antijurídica e culpável, há de concordar conosco que a melhor redação a ser dada a essa oração seria é fato típico, pois aqui só há referência ao primeiro elemento do delito.

Todavia, para os defensores da Teoria do Tipo Total do Injusto a redação do período elíptico é um pouco mais complexa devendo ficar assim: é fato típico, se o agente não estiver agindo em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal.

Para estes doutrinadores o tipo possui além dos elementos cognoscitivo e volitivo, o elemento axiológico. Assim, o fato só será típico, se não estiver acobertado por uma das causas de exclusão da antijuridicidade. Daí a inclusão da oração subordinada adverbial condicional no período elíptico comum aos tipos penais.

Como corolário desta tese, a consagrada tricotomia do crime em fato típico, antijurídico e culpável seria substituída pela dicotomia em fato típico (e, com a presença da subordinada adverbial condicional subentendida, conseqüentemente antijurídico) e culpável. O tipo do caput do art. 121 do CP assim deveria ser lido: Matar alguém é um fato típico, se o agente não estiver agindo em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal, cuja pena varia de seis a vinte anos de reclusão.

Não há como negar que do ponto de vista morfossintático é perfeitamente admissível essa tese. O problema é que do ponto de vista gramatical também seria admissível dizer que o período elíptico deveria ter a seguinte redação: é fato típico, se o agente não estiver agindo em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal e for imputável, puder conhecer a ilicitude de seu ato e dele for exigível conduta diversa.

A oração subordinada adverbial condicional passaria então a ser um período composto por coordenadas sindéticas aditivas. A primeira: se o agente não estiver agindo em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal, a conjunção aditiva e e a segunda coordenada: for imputável, puder conhecer a ilicitude de seu ato e dele for exigível conduta diversa (que também seria uma subordinada adverbial condicional). Por esta redação, o fato típico seria então necessariamente ilícito e culpável.

Foge aos objetivos deste trabalho considerações mais profundas a respeito da Teoria do Delito. Só desejamos demonstrar aqui que efetivamente há um período elíptico nos tipos penais. Queremos deixar claro que, do ponto de vista morfossintático, há inúmeras variantes de redação perfeitamente possíveis desta oração. Não cabe à gramática, mas aos doutrinadores que estudam a Teoria do Delito, esclarecer qual a redação dessa oração subentendida. Certo é que, sejam quais forem suas opções, sempre encontraram sustentáculo na língua para suas teses.

Nos limites deste texto seguiremos a orientação da doutrina nacional majoritária e tomaremos como pressuposto que a oração principal elíptica dos tipos penais é tão somente é fato típico.

Os delitos subsidiários, que devem ser absorvidos por outro crime mais grave, quando constituem elemento deste, vêm, muitas vezes, acompanhados de orações subordinadas adverbiais condicionais como: se o fato não constitui crime mais grave (art. 132, art. 238, art. 239, art. 314, art. 325, art. 337), se o fato não constitui elemento de outro crime (art. 249), se o fato não constitui elemento de crime mais grave (art. 307), se o fato não constitui crime contra a economia popular (art. 177 § 1º).

As orações subordinadas adverbiais condicionais também são freqüentemente usadas para indicar as formas culposas (v.g. art. 121 § 3º, art. 129 § 6º, etc.), os delitos qualificados (v.g. art. 121 § 2º, art. 129 § 1º e 2º, etc.), as causas de aumento (v.g. art. 122, parágrafo único, art. 129 § 7, etc.) e de diminuição de pena (v.g. art. 121 § 1º, art. 129 § 4º, etc.).

6.Comentários sobre a Oração Subordinada Adjetiva Restritiva

A oração subordinada adjetiva restritiva (cuja pena varia de x a y de reclusão/detenção), assim como a oração principal (é fato típico), também é comum a todos os tipos da parte especial do Código Penal, só variando o adjunto adverbial de limitação.

A subordinada adjetiva restritiva pode, no entanto, vir acrescida de uma coordenada aditiva (e multa) ou de uma coordenada alternativa (ou multa). No primeiro caso, a pena de multa é aplicada cumulativamente com a pena privativa de liberdade, enquanto que, no segundo, a multa é aplicada alternativamente nos casos em que a sanção do tipo permite ao juiz escolher entre a pena privativa de liberdade e a pena pecuniária. [5]

No art. 180º § 1º o legislador acrescenta uma segunda oração coordenada alternativa (ou ambas as penas) dando ao magistrado a possibilidade de aplicar qualquer das penas isoladamente ou ainda aplicá-las em conjunto.

O concurso de crimes é previsto expressamente no Código Penal com o uso do adjunto adverbial de acréscimo além da pena correspondente à violência (art. 140, § 2º, art. 150 § 1º, art. 163 parágrafo único, IV e art. 197, I e II, art. 198, art. 199, art. 200, art. 203, art. 204, art. 227, § 2º, art. 228 § 2º, art. 230 § 2º, art. 335, art. 344, art. 345, art. 352, art. 353, art. 354 e art. 358).

Os delitos subsidiários, que devem ser absorvidos por outro crime mais grave, quando constitui elemento deste, vêm, muitas vezes, acompanhados de orações subordinadas adverbiais condicionais como: se o fato não constitui crime mais grave (art. 132, art. 238, art. 239, art. 314, art. 325, art. 337), se o fato não constitui elemento de outro crime (art. 249), se o fato não constitui elemento de crime mais grave (art. 307), se o fato não constitui crime contra a economia popular (art. 177 § 1º).

As orações subordinadas adverbiais condicionais também são freqüentemente usadas para indicar as formas culposas (v.g. art. 121 § 3º, art. 129 § 6º, etc.), os delitos qualificados (v.g. art. 121 § 2º, art. 129 § 1º e 2º, etc.), as causas de aumento (v.g. art. 122, parágrafo único, art. 129 § 7, etc.) e de diminuição de pena (v.g. art. 121 § 1º, art. 129 § 4º, etc.).

7.Comentários sobre a Oração Subordinada Substantiva Subjetiva Reduzida de Infinitivo

Não há nada mais característico na frase típica penal do que o verbo no infinitivo. Nela, o legislador brasileiro fez uma clara opção pelo direito penal da ação em detrimento de um direito penal de autor. O princípio do nullum crimen sine conducta é uma garantia jurídica elementar e o verbo típico é a manifestação clara e inequívoca desta garantia.

7.1.Dos aspectos do verbo típico

Um interessante tópico da gramática, muitas vezes negligenciado em nossos liceus, é o que trata dos aspectos verbais.

Aspecto é a duração do processo verbal. Ao aspecto interessa a noção de início, curso, fim ou mesmo um instante da ação verbal. Há verbos que exprimem ação de longa duração (viajar, viver, trabalhar) e verbos que exprimem ação de curta duração (explodir, estourar, acordar). [6]

Por outro lado, no estudo do Direito Penal faz-se a distinção entre crimes instantâneos e crimes permanentes.

Crimes instantâneos são os que se completam num só momento. A consumação se dá num determinado instante, sem continuidade temporal.

Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo. O momento consumativo se protrai no tempo.

Crimes instantâneos de efeitos permanentes são os crimes em que a permanência dos efeitos não depende do agente. São crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas conseqüências. [7]

Vejamos então os principais aspectos do processo verbal e sua relação com a classificação supra dos delitos:

1.pontual ou momentâneo: O processo é instantâneo, súbito. Não se analisa aqui seu resultado. Ex.: espirrar, olhar, sair, etc. É o aspecto verbal dos crimes instantâneos (mais especificamente dos delitos formais e delitos de mera conduta). Ex.: caluniar (art. 138) e ameaçar (art. 147) – delitos formais – entrar (art. 150) e desobedecer (art. 330) – ambos delitos de mera conduta.

2.durativo, cursivo ou progressivo: O processo está em desenvolvimento, isto é, continua depois que inicia. Ex: dormir, existir, morar, saber, etc. É o aspecto verbal dos crimes permanentes. Ex.: permanecer (art. 150) e manter (art. 229).

3.permansivo: O processo terminou, mas seus resultados continuam por determinado tempo. Ex.: adoecer, aprender, castigar, etc. É o aspecto verbal dos crimes instantâneos de efeitos permanentes. Ex.: matar (arts. 121 e 123), destruir (arts. 163, 165, 211, 255, 305 e 346) e apropriar (arts. 168, 169, 312 e 313).

Vale analisar ainda mais dois aspectos nos quais encontramos interessantes relações com o Direito Penal:

4.incoativo ou inceptivo (o processo começa). Ex.: brotar, decolar, nascer. É o aspecto de todos os tipos cujo núcleo é o verbo induzir (arts. 122, 216, 227, 228 e 248).

5. conclusivo ou cessativo (o processo termina). Ex.: acabar, acordar, chegar, etc. É o aspecto dos tipos penais omissivos. Ex.: abandonar (arts. 133 e 323) e deixar (arts. 135, 164, 243, 244, 246, 269 e 320).

Estudado o núcleo do tipo, analisemos agora seus complementos.

7.2.Dos complementos do verbo típico

Denomina-se objeto o termo que complementa o sentido do verbo. Na verdade, o objeto é o ser que sofre a ação verbal. Será ele direto se estiver unido ao verbo diretamente (sem necessidade de preposição) e será ele indireto se estiver unido ao verbo por uma preposição.

O estudo da relação dos verbos com seus complementos denomina-se Regência Verbal. Assim temos verbos intransitivos (não exigem complemento), transitivos diretos (exigem um complemento não preposicionado), transitivos indiretos (exigem um complemento preposicionado) e bitransitivos (exigem dois complementos: um preposicionado e outro não).

Os verbos típicos são em sua grande maioria transitivos diretos: destruir (arts. 163, 165, 211, 255, 305, 346), falsificar (arts. 289, 293, 296, 297, 298, 306), subtrair (arts. 155, 156, 157, 211, 249, 257, 337), inutilizar (arts. 163, 165, 255, 257, 336, 337, 356).

Em seguida aparecem os bitransitivos: constranger (arts. 146, 158, 197, 198, 199, 213, 214), ameaçar (arts. 147), privar (arts. 148), oferecer (arts. 333, 343).

Raros são os casos de transitivos indiretos: abusar (arts. 152, 173, 174) e não há verbo típico intransitivo em nosso Código Penal.

Os objetos do verbo típico referem-se principalmente ao objeto material (coisa alheia móvel, art. 155) ou ao sujeito passivo do delito (alguém, art. 121).

Freqüentemente o objeto indireto dos verbos típicos bitransitivos é uma oração subordinada reduzida de infinitivo: constranger a: não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda (art. 146), fazer, tolerar... (art. 158), exercer ou não exercer... (art. 197), celebrar contrato... (art. 198), participar ou deixar de participar... (art. 199), (manter) conjunção carnal... (art.213), a praticar ou permitir... (art. 214); induzir a: suicidar-se... (art. 122), a praticar ou permitir que... (art. 216), a satisfazer a lascívia de outrem (art. 227), a fugir... (art. 248).

Por sua vez, os complementos verbais freqüentemente vêm acompanhados de adjuntos adnominais, que são adjetivos ou termos de valor adjetivo que funcionam em geral como elementos normativos do tipo penal: ato libidinoso (arts. 214, 216), mulher honesta (arts. 215, 216, 219), vantagem indevida (arts. 316, 317, 333), documento público (arts. 297, 299, 305), documento particular (arts. 298, 299, 305).

Um mesmo substantivo pode ser caracterizado por diversos adjuntos adnominais, gerando, pois, elementos normativos diversos. Tomemos o exemplo do substantivo coisa: coisa alheia móvel (arts. 155, 157, 168), coisa comum (art. 156), coisa imóvel alheia (art. 161), coisa alheia (arts. 163, 169), coisa tombada pela autoridade competente (art. 165).

7.3.Dos adjuntos adverbiais do verbo típico

Vimos que todo tipo penal possui ao menos um núcleo constituído de um verbo. Porém, nem sempre a conduta em si é crime. Muitas vezes são as circunstâncias (de modo, meio, finalidade, tempo, lugar, etc) que tornam a conduta penalmente punível.

Recrutar trabalhadores é uma conduta humana atípica. Porém, se realizada mediante fraude (circunstância de meio) e com o fim de levá-los para território estrangeiro (circunstância de fim) torna-se típica.

Estas circunstâncias da conduta típica são seus adjuntos adverbiais que podem ser classificados como:

ADJUNTO ADVERBIAL DE MODO: o mais freqüentemente presente nos tipos penais: clandestina ou astuciosamente (art. 150), indevidamente (art. 151), falsamente (art. 185), publicamente (arts. 208, 286, 287).

São também de modo aqueles nos quais aparece a preposição sem: sem o consentimento da gestante (art. 125), sem consentimento de quem de direito (art. 164), sem dispor de recursos para efetuar o pagamento (art. 176), sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites (art. 282), sem autorização (art. 324), sem as formalidades legais ou com abuso de poder (art. 350).

A maioria das circunstâncias adverbiais de modo, no entanto, são representadas em nosso Código Penal por orações subordinadas adverbiais modais reduzidas de gerúndio: imputando-lhe falsamente fato definido como crime (art. 138), imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (art. 139), ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (art. 140), abusando da situação de alguém (art. 160), induzindo ou mantendo alguém em erro (art. 171), alienando desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas (art. 179), praticando violência contra a pessoa ou contra a coisa (art. 200), provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo (art. 201), aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança (art. 217), praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo (art. 218), induzindo em erro essencial o outro contratante (art. 236), expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem (arts. 250, 254, 255, 256), perturbando a ordem ou disciplina da prisão (art. 354).

ADJUNTO ADVERBIAL DE MEIO: também são bastante freqüentes em nosso Código Penal, em especial os precedidos pela preposição mediante: mediante violência ou grave ameaça (arts. 146, 158, 197, 198, 199, 213, 214), mediante violência ou ameaça (art. 329), mediante grave ameaça ou violência a pessoa (art. 157), mediante violência, grave ameaça ou fraude (art. 219), mediante fraude ou violência (arts. 203, 204), mediante fraude (arts. 206, 216), mediante engano de outra pessoa (art. 239), mediante seqüestro ou cárcere privado (art. 148), mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento (art. 171), mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos (art. 251).

São também de meio: por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso (art. 130), por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico (art. 147), usando de violência contra a pessoa (art. 352).

ADJUNTO ADVERBIAL DE FINALIDADE: aparece em nossos tipos penais principalmente precedido pela preposição para: para ocultar desonra própria (art. 134), para fim libidinoso (art. 219), para fim de comércio (art. 234), para o fim de cometer crimes (art. 288), para causar dano a outrem (art. 307), para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (art. 319) e pela locução prepositiva com o fim de: com o fim de transmitir a outrem (art. 131), com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional (art. 207), com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (art. 299).

ADJUNTO ADVERBIAL DE FAVOR: pouco conhecido de nossos estudantes secundaristas, aparece em nosso Código Penal marcado principalmente por duas expressões: para si ou para outrem (arts. 155, 156, 158, 159, 171, 316, 317, 332), em proveito próprio ou alheio (arts. 173, 174, 180, 307, 312).

Inúmeras outras circunstâncias adverbiais estão presentes em nossos tipos penais, dentre as quais destacamos:

ADJUNTO ADVERBIAL DE TEMPO: durante o parto ou logo após (art. 123), depois de havê-la reduzido à impossibilidade de resistência (art. 157), quando possível fazê-lo sem risco pessoal (art. 135).

ADJUNTO ADVERBIAL DE SIMULTANEIDADE: no exercício da atividade comercial (art. 175), no exercício da função (arts. 322, 331), no exercício do cargo (art. 313).

ADJUNTO ADVERBIAL DE OPOSIÇÃO: contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito (art. 150), em desacordo com disposição legal (art. 178).

ADJUNTO ADVERBIAL DE CONFORMIDADE: com o consentimento da gestante (art. 126).

ADJUNTO ADVERBIAL DE LUGAR: no território nacional (art. 231).

Interessante observar que, do ponto de vista morfossintático, um crime culposo pode ser descrito como um tipo penal cujo núcleo seria um adjunto adverbial de modo. Algo como: Agir com imprudência, negligência ou imperícia, em que a palavra agir seria substituída por qualquer das condutas para as quais há expressa previsão legal da modalidade culposa.

Por fim, vale ressaltar que as circunstâncias adverbiais são as bases dos tipos qualificados e privilegiados.

7.4.Da formação dos tipos complexos

Há o delito complexo em sentido amplo quando um crime, em todas ou algumas das hipóteses contempladas na norma incriminadora, contém em si outro delito menos grave, necessariamente. O legislador acrescenta à definição de um crime fatos que, por si mesmos, não constituem delitos.

O delito complexo em sentido estrito (ou composto) é formado da reunião de dois ou mais tipos penais. O legislador apanha a definição legal de crimes (sic) e as reúne, formando uma terceira unidade delituosa (subsidiariedade implícita). [8]

O verbo típico subtrair, núcleo do delito simples do art. 155, é um exemplo interessante de como, a partir de um único núcleo, podem surgir tão díspares tipos penais.

No art. 156 a presença do sujeito composto condômino, co-herdeiro ou sócio (para o Direito Penal, sujeito ativo da conduta) e do objeto direto a coisa comum (para o Direito Penal, o objeto material do tipo) gera o tipo complexo.

No art. 157 é o adjunto adverbial de modo mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência que gera o novo tipo penal.

Uma das modalidades do art. 211 também tem como núcleo o verbo subtrair. Aqui, no entanto, seu objeto direto é cadáver ou parte dele.

No art. 249 também o objeto direto do verbo é o que vai diferenciá-lo dos demais: menor de dezoito anos ou interdito.

O art. 257 traz um adjunto adverbial de tempo (por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou calamidade) e um objeto direto (aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento).

Por fim, o art. 337 CP também traz um objeto direto (objeto material do crime) que o singulariza: livro oficial, processo ou documento...

O verbo constranger, por sua vez, origina um delito simples (art. 146) e seis delitos complexos em sentido amplo.

No delito do art. 158 o verbo típico é modificado pelo adjunto adverbial de finalidade com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica (fim especial de agir).

Os demais tipos complexos em sentido lato são variações do objeto indireto do verbo o que dá origem aos tipos dos artigos 197 (constranger + exercer ou não exercer arte...), 198 (constranger + celebrar contrato de trabalho...), 199 (constranger + participar ou não participar em determinado sindicato...), 213 (constranger + [manter] conjunção carnal), 214 (constranger+ praticar ou permitir que com ele se pratique...).

O verbo inutilizar, um dos núcleos do delito simples do art. 163, também dá origem a vários delitos complexos.

No art. 165, modificado pelo objeto direto, (coisa tombada...); no art. 255, pelo adjunto adverbial de lugar (em prédio próprio ou alheio), adjunto adverbial de modo (expondo a perigo a vida...) e objeto direto (obstáculo natural ou obra...); no art.257, pelo adjunto adverbial de tempo (por ocasião de incêndio, ...) e objeto direto (aparelho, material,...); no art. 336 , pelos objetos diretos (edital afixado... e selo ou sinal...); no art. 337 pelo objeto direto (livro oficial...) e, no art. 356, também pelo objeto direto (objeto de valor probatório...).

Inúmeros outros exemplos podem ser extraídos da parte especial de nosso Código Penal, mas julgamos ser a exaustiva citação deles cansativa para o leitor e de pouca utilidade prática. Passemos, pois para o próximo ponto.

7.5.Do sujeito do verbo típico

Não nos cabe examinar, nos limites deste trabalho, o sujeito da frase típica, isto porque, em se tratando de orações subordinadas reduzidas de infinitivo, não há que se falar em sujeito. Na verdade, é a oração reduzida de infinitivo o sujeito da principal. No período matar alguém é fato típico, não há que se buscar o sujeito do verbo matar, mas tão somente o sujeito da oração principal é fato típico que no caso é a subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo matar alguém.

No entanto, necessário se faz, ante às inúmeras controvérsias surgidas em torno da redação de dispositivos legais que disciplinam a responsabilidade penal da Pessoa Jurídica, algumas breves considerações a respeito.

Destruir florestas, cortar árvores, provocar incêndio, poluir, caçar e tantos outros verbos típicos relacionados ao meio ambiente são ações. Não somos partidários da corrente gramatical simplista que define verbo como palavra que exprime ação. Morar e existir não são propriamente ações; todavia, são verbos. Preferimos defini-lo como sendo a palavra que pode sofrer as flexões de número, pessoa, tempo e modo. Porém, no caso específico dos verbos típicos está claro que todo verbo típico expressa uma ação.

No passado já se puniu penalmente os animais e hoje tal fato nos parece ridículo. Contudo, paradoxalmente, não nos parece ridículo punir penalmente uma empresa. E isto é um dos fenômenos mais interessantes no Direito Penal moderno.

Animais efetivamente realizam ações (obviamente não há culpabilidade neles, mas estamos tratando de ação). Animais andam, correm, matam... Empresas, no entanto, não têm como realizar ações, salvo por metonímia.

A palavra metonímia (do gr. metonymía, pelo lat. metonymia.) é um tropo que consiste em designar um objeto por palavra designativa doutro objeto que tem com o primeiro uma relação de causa e efeito (trabalho, por obra), de continente e conteúdo (copo, por bebida), lugar e produto (porto, por vinho do Porto), matéria e objeto (bronze, por estatueta de bronze), abstrato e concreto (bandeira, por pátria), autor e obra (um Camões, por um livro de Camões), a parte pelo todo (asa, por avião), etc. [9]

Dizer que uma empresa poluiu um rio é substituir o administrador pelo administrado. Na verdade, é o administrador da empresa quem poluiu o rio (quem realiza efetivamente a ação são seus funcionários, mas a responsabilidade de cada um só poderá ser mensurada caso a caso).

De forma didática pode-se identificar a presença da metonímia simplesmente imaginando-se o desenrolar da cena como descrita. Assim, na frase Ler Machado de Assis, imaginamos alguém ao lado do festejado escritor, lendo frases tatuadas em seu corpo. Claro está que substituiu-se a obra pelo autor.

De forma análoga, na frase a empresa poluiu o rio não é crível imaginarmos todos os funcionários desta empresa, incluindo aí seus administradores, munidos de todo o ativo e passivo dessa pessoa jurídica exercendo a ação de poluir o rio. Quem polui não é a empresa, mas sim seus funcionários, executando ordens de um administrador.

Do ponto de vista gramatical é mais fácil admitir que um cão poluiu um rio do que uma empresa. Um cão pode perfeitamente carregar um objeto em sua boca e jogá-lo no rio, mas uma empresa, salvo por metonímia, jamais poderia praticar uma ação destas.

Se admitíssemos a responsabilidade penal da pessoa jurídica estaríamos nos afastando do princípio do nullum crimen sine conducta, pois pessoa jurídica não realiza conduta alguma. Num estado democrático de direito não se pode admitir tal hipótese. O que pode haver é responsabilidade civil ou administrativa, jamais penal.

Argumentam os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica que a Constituição Federal de 1988 expressamente previu tal possibilidade em seu art. 225 § 3º ao estabelecer que

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Simplificando a frase para melhor análise, temos:

As condutas sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas.

Pessoas físicas ou jurídicas é um aposto explicativo do objeto direto infratores e pode ser retirado da frase sem alterar-lhe o sentido. Sua única função na frase é explicitar quem pode ser infrator, mas o objeto indireto a sanções penais e administrativas não lhe tem qualquer relação.

A conjunção e é aditiva e indica que os infratores deverão sofrer ambas as sanções constantes do objeto indireto: penal e administrativa.

Realmente, pela simples interpretação gramatical do dispositivo constitucional, chega-se à conclusão de que a Constituição admite a possibilidade teórica de uma sanção penal de uma pessoa jurídica.

Da mesma forma, poderia a Carta Magna ter admitido a responsabilidade penal das armas utilizadas em homicídios. Só há um porém. Empresas, assim como armas, não realizam ações típicas; não são sujeitos.

Na frase A espada matou Tício está clara a metonímia. Substituiu-se a causa ativa pelo instrumento. Melhor seria dizer Mévio matou Tício com sua espada. Em que espada seria adjunto adverbial de instrumento.

Da mesma forma na frase A empresa poluiu o rio, melhor seria dizer Caio poluiu o rio com sua empresa. Empresa é, pois, adjunto adverbial de instrumento, jamais sujeito.

Querer punir a empresa de Caio é o mesmo que querer punir a espada de Mévio. É querer punir o instrumento do crime e não seu sujeito.

A previsão teórica da Constituição admitindo a responsabilidade penal da pessoa jurídica é dispositivo sem qualquer aplicação prática, pois pessoa jurídica alguma jamais praticará efetivamente qualquer ação típica.

8.Conclusão

Procuramos demonstrar neste trabalho a existência de uma relação lógica bem determinada entre institutos do Direito Penal e determinadas funções morfossintáticas da frase típica.

Nunca foi nosso objetivo esgotar o assunto aqui abordado. Buscamos principalmente despertar o interesse pelo estudo interdisciplinar do Direito Penal e da Língua Portuguesa, tão negligenciado pela doutrina pátria.

Reconhecemos os limites do processo de interpretação gramatical das leis, mas vislumbramos nele um método subsidiário indispensável à perfeita interpretação não só das leis penais, mas de todo o ordenamento jurídico.

Se o uso isolado de tal método constitui anacronismo impensável na moderna hermenêutica jurídica, negligenciá-lo como método propedêutico à interpretação dos dispositivos legais é, sem dúvida alguma, querer compreender um texto em língua estrangeira sem conhecer seu idioma.

Bibliografia

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. 888 p.


NOTAS

1 SACCONI (1990), p.280

2 SACCONI (1990), p.283

3 ALMEIDA(1995), p.407

4 FERREIRA (1999).

5 DELMANTO (1998), p.91

6 SACCONI (1990), p. 201

7 JESUS (1985), p. 171

8 JESUS (1985), p.174

9 FERREIRA (1999).

Autor

Túlio Lima Vianna

professor de Direito da PUC Minas, doutor em Direito pela UFPR, mestre em Direito pela UFMG

http://www.tuliovianna.org

Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

VIANNA, Túlio Lima. Da estrutura morfossintática dos tipos penais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 299, 2 maio 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5147>. Acesso em: 8 set. 2011.

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