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quarta-feira, 12 de maio de 2010

JURID - Tributário. Certidão negativa de débitos. Arquivamento. [12/05/10] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Tributário. Certidão negativa de débitos. Arquivamento de distrato na junta comercial.

Tribunal Regional Federal - TRF 5ªR

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.001977-8/SC

RELATOR: Des. Federal Joel Ilan Paciornik

APELANTE: AGROPECUARIA SELEME LTDA/

ADVOGADO: Dalton Luiz Dallazem

APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 01A VARA FEDERAL DE FLORIANÓPOLIS

EMENTA

TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS. ARQUIVAMENTO DE DISTRATO NA JUNTA COMERCIAL.

1. O art. 47 da Lei n.º 8.212/91 prevê a exigência de Certidão Negativa de Débito da empresa, nos casos de registro ou arquivamento de ato relativo a transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e de incorporação que resultará na extinção da empresa incorporada.

2. Logo, torna-se imprescindível e obrigatória a apresentação de CND, para atos de registro de atos relativos à sociedade ou de arquivamento de distrato na Junta Comercial.

3. Por conseguinte, a exigibilidade de apresentação de certidão negativa junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e Procuradoria da Fazenda Nacional, bem como junto ao INSS, está amparada no art. 1º, III, da Lei 7.711/88 e art. 47, I, "d", da Lei 8.212/91, não sendo possível falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade da exigência.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de abril de 2010.

Des. Federal Joel Ilan Paciornik
Relator

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.001977-8/SC

RELATOR: JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

APELANTE: AGROPECUARIA SELEME LTDA/

ADVOGADO: Dalton Luiz Dallazem

APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 01A VARA FEDERAL DE FLORIANÓPOLIS

RELATÓRIO

Trata-se de ação mandamental que impugna ato de responsabilidade da autoridade coatora, consistente na exigência de certificado de regularidade fiscal para o arquivamento de distrato social na Junta Comercial de Santa Catarina.

Regularmente processado o feito, o MM. juízo singular concedeu parcialmente a segurança (fls. 109/113), para determinar ao impetrado o arquivamento do distrato social da impetrante, independentemente da apresentação de certificado de regularidade fiscal municipal, estadual ou federal, com exceção do relativo a débitos previdenciários.

Recorre a impetrante (fls. 118/136), sustentando a inconstitucionalidade do art. 47, inc. I, "d", da Lei 8.212/91 e do art. 27, "e" da Lei 8.036/90, bem como o incabimento da exigência de apresentação de qualquer tipo de certidão de regularidade fiscal de débitos para arquivamento do distrato na Junta Comercial.

Sem contrarrazões, subiram os autos, ainda, por força do reexame necessário.

Nesta Corte, o MPF opina pelo improvimento do apelo (fls. 156/159).

É o relatório.

Peço dia.

JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Relator

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.001977-8/SC

RELATOR: JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

APELANTE: AGROPECUARIA SELEME LTDA/

ADVOGADO: Dalton Luiz Dallazem

APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 01A VARA FEDERAL DE FLORIANÓPOLIS

VOTO

O Decreto n.º 1.800/96, regulamentador da Lei n.º 8.934/94, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins dispõe, em seu artigo 34, sobre os documentos que deverão ser apresentados, obrigatoriamente, para os pedidos de arquivamento na Junta Comercial, in verbis:

Art. 34. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento:

I - instrumento original, particular, certidão ou publicação de autorização legal, de constituição, alteração , dissolução ou extinção de firma mercantil individual, e sociedade mercantil, de cooperativa, de ato de consórcio e de grupo de sociedades, bem como de declaração de microempresa e de empresa de pequeno porte, datado e assinado, quando for o caso, pelo titular, sócios, administradores, consorciados ou seus procuradores e testemunhas;

II - certidão negativa de condenação por crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil, para administradores, expedida pelo Distribuidor Judiciário da Comarca da jurisdição de sua residência, nos atos de constituição ou de alterações, que impliquem ingresso de administrador de sociedades mercantis, excluídas as anônimas;

III - ficha do Cadastro Nacional de Empresas Mercantis - CNE, segundo modelo aprovado pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC;

IV - comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes;

V - prova de identidade do titular da firma mercantil individual e do administrador de sociedade mercantil e de cooperativa:

( )

Parágrafo único. Nenhum outro documento, além dos referidos neste Regulamento, será exigido das firmas mercantis individuais e sociedades mercantis, salvo expressa determinação legal, reputando-se como verdadeiras, até prova em contrário, as declarações feitas perante os órgãos do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. (Grifei)

Contudo, ainda que o parágrafo único retro transcrito preveja a impossibilidade de exigência de outros documento para pedidos de arquivamento, além dos previstos no art. 34 da Lei n.º 8.934/94 e em seu regulamento (art. 37 do Decreto n.º 1.800/96), essa regra não é absoluta, posto que pode sofrer ressalva, em caso de expressa determinação legal. E isso é exatamente o que ocorre no caso em comento.

Com efeito, o art. 47 da Lei n.º 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, prevê a exigência de Certidão Negativa de Débito, da empresa, nos casos de registro ou arquivamento de ato relativo a transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e de incorporação que resultará na extinção da empresa incorporada.

Assim dispõe o dispositivo citado:

Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito - CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (Redação dada pela Lei n.º 9.032, de 28.4.95)

I - da empresa:

(...)

d) no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada; (Redação dada pela Lei n.º 9.528, de 10.12.97) - grifei

Logo, em decorrência desse dispositivo e de expressa determinação legal, torna-se imprescindível e obrigatória a apresentação de CND, para atos de registro de atos relativos à sociedade ou de arquivamento de distrato na Junta Comercial.

Nesse sentido, já se manifestou este Tribunal:

"Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido liminar de concessão da ordem postulada em autos de mandado de segurança interposto para que a autoridade impetrada efetue o arquivamento da incorporação das empresas Alo Curitiba Ferro e Materiais de Construção Ltda. EPP, sem a exigência de certidão negativa de débitos federais, inscritos ou não em dívida ativa (Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional) e de contribuições previdenciárias (INSS). Sem honorários. Não houve interposição de recurso voluntário. É o relatório. A questão posta nos autos resume-se à verificação da legalidade ou não da exigência de apresentação de CND negativas de débitos fiscais es por parte da empresa incorporada. A Lei 8.212/91, no seu art. 47, I, "d", prevê expressamente a apresentação de Certidão Negativa de Débito na hipótese dos autos: "Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito - CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (Redação dada pela Lei n.º 9.032, de 28.4.95: I - da empresa: (...: d) no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada; (Redação dada pela Lei n.º 9.528, de 10.12.97): Assim, ao menos nesse momento inicial de deliberação, não se configura ilegal o ato da autoridade impetrada que exigiu a apresentação do referido documento para fins de arquivamento da incorporação das empresas, pois a autoridade apontada como coatora somente agiu de acordo com a lei preservando, assim, o princípio da legalidade. A jurisprudência abaixo transcrita é no mesmo sentido: "TRIBUTÁRIO, ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE ALTERAÇÃO CONTRATUAL. EXIGÊNCIA DE CND LEGALIDADE. 1. O art. 47 da Lei n.º 8.212/91, com a nova redação dada pela Lei n.º 9.528/97, determina a necessidade de apresentação de CND para fins de arquivamento de alteração contratual na Junta Comercial. Dessa exigência não ressai ofensa à CF/88 posto que a exigência configura obrigação acessória formulada no interesse da arrecadação estribada no art. 113, caput, e par. 2º do CTN. 2 Remessa oficial provida.: (RREO - REMESSA EX OFFICIO 200004011297244/PR, Relator(a) JUIZ ALCIDES VETTORAZZI, DJU 18/07/2001: "MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ATO COATOR. AUSÊNCIA. ARTIGO 47 DA LEI N.º 8.212/91. 1. Consoante dispõe o artigo 47 da Lei n.º 8.212/91, é devida a apresentação pela empresa, na Junta Comercial, de Certidão Negativa de Débito - CND, fornecida pelo órgão competente, no registro ou arquivamento, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada. 2. Não se configura ilegal o ato da autoridade impetrada que exigiu a apresentação do referido documento, uma vez que inequívoco que houve transferência de quotas e retirada de sócio da empresa impetrante. 3. Não tem a impetrante direito líquido e certo a ensejar a utilização de ação mandamental e sequer há ilegalidade no ato apontado como coator, se impondo a denegação da segurança.: (AMS 200304010259352/PR, Relator(a) Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, DJU 26/05/2004: Diante do exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo. Intime-se. Vista à parte contrária para resposta. Porto Alegre, 30 de janeiro de 2007. (TRF4, AG 2007.04.00.001948-9, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 05/02/2007).

No caso em testilha, a impetrante pede arquivamento dos atos relativos ao seu distrato, junto à Junta Comercial do Estado de Santa Catarina, sem a exigência de qualquer tipo de certificado de regularidade fiscal.

Nesse andar, ressai claro que, embora a Lei 8.934/94 não exija a apresentação de certidão negativa de débito de tributos para que se proceda ao arquivamento de atos comerciais na Junta Comercial, existem preceitos legais específicos que acabam fazendo tal exigência.

Dessa forma, não se configura ilegal o ato da autoridade impetrada que exigiu a apresentação do referido documento, vez que somente agiu de acordo com a lei, preservando, assim, o princípio da legalidade.

Ademais, não podemos olvidar que a exigência de prova de inexistência de débitos tem como objetivo principal a proibição da empresa, caso não esteja em situação regular com as obrigações fiscais, de dissolver regularmente a sociedade comercial. Portanto, amparando tal lógica, resta perfeitamente claro o motivo da exigência disposta no art. 47, alínea "d" da Lei nº 8.212/91.

Nesse sentido, os julgados a seguir transcritos:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ARQUIVAMENTO DE ALTERAÇÃO CONTRATUAL NA JUNTA COMERCIAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. CONSTITUCIONALIDADE.

1. A impetrante afirma inconstitucionalidade e ilegalidade da exigência de certidão negativa de débito fornecida pelo INSS para arquivamento de alteração contratual na Junta Comercial.

2. Sentença negou a segurança, considerando legal a exigência.

3. A exigência de apresentação das certidões negativas de débito junto ao INSS para fins de arquivamento de alteração contratual na Junta Comercial não é inconstitucional (Lei 8.934/94, art. 35, I; Lei 8.212/91, art. 47, I, "d").

4. Apelação não provida.

(Acordão Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO; Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 200001000501125; Processo: 200001000501125 UF: MG Órgão Julgador: QUINTA TURMA; Data da decisão: 7/6/2006 Documento: TRF100231047; Fonte DJ DATA: 29/6/2006 PAGINA: 74; Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA)"

"ARQUIVAMENTO DE ALTERAÇÃO CONTRATUAL NA JUNTA COMERCIAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. CONSTITUCIONALIDADE.

1. Improcedência da preliminar de ilegitimidade da autoridade impetrada, uma vez que a exigência de apresentação da certidão negativa de débitos para com o INSS foi feita por ela, bem como porque compete a ela proceder ao arquivamento da alteração contratual da impetrante (C.P.C., art. 267, VI).

2. A exigência de apresentação das certidões negativas de débito fiscal (Receita Federal e INSS) para o arquivamento de alteração contratual na Junta Comercial (Lei 8.934/94, art. 35, I; Lei 8.212/91, art. 47, I, "d"; e Decreto-Lei 1.715/79, art. 1º, VI) não é inconstitucional. Precedentes do TRF - 4ª Região.

3. Apelação e remessa a que se dá provimento.

(Acordão Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO; Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 199901000371441; Processo: 199901000371441 UF: DF Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR; Data da decisão: 11/12/2003 Documento: TRF100158736; Fonte DJ DATA: 29/1/2004 PAGINA: 107; Relator: JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES (CONV.))."

Por conseguinte, a exigibilidade de apresentação de certidão negativa junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e Procuradoria da Fazenda Nacional, bem como junto ao INSS, está amparada no art. 1º, III, da Lei 7.711/88 e art. 47, I, "d", da Lei 8.212/91, não sendo possível falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade da exigência.

Portanto, não se configura ilegal o ato da autoridade impetrada que exigiu a apresentação da certidão negativa em comento, para fins de arquivamento de atos nos órgãos competentes, já que agiu de acordo com a lei.

Prequestionamento:

Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação e à remessa oficial.

JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Relator

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.001977-8/SC

RELATOR: Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK

APELANTE: AGROPECUARIA SELEME LTDA/

ADVOGADO: Dalton Luiz Dallazem

APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 01A VARA FEDERAL DE FLORIANÓPOLIS

VOTO-VISTA

Ouso e lamentos divergir do eminente relator.

Não desconheço o posicionamento de diversos julgados desta Corte em relação à matéria em debater - exigência de apresentação de certidão negativa de débitos tributários por ocasião do registro de distrato em junta comercial, inclusive de minha lavra, declinado no parecer do Ministério Público Federal, em segundo grau (fls. 156 e ss.).

Entretanto, muito embora os precedentes do Supremo Tribunal Federal cogitados não digam respeito especificamente à exigência do art. 27 da Lei nº 8.036/90 ou art. 47 da Lei nº 8.212/91, e sim afastam a aplicação do art. 1º, III, da Lei nº 7.711/88, o certo e insofismável é a similitude na imposição, verdadeira sanção política execrada em diversos julgamentos do Guardião Constitucional, a exemplo dos invocados nas ADIs 173 e 394.

Não vejo como deixar de estender o posicionamento externado naqueles julgamentos à hipótese vertente. Aliás, não tenho como deixar de adotar os fundamentos, premissas básicas da conclusão externada pela Corte.

Reproduzo decisões monocráticas de membros da Corte Superior (sem grifos no original):

SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ 173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE - "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

DECISÃO: O litígio em causa envolve discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminam, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita.

Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro - e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).

Esse entendimento - cumpre enfatizar - tem sido observado em sucessivos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte, quer sob a égide do anterior regime constitucional, quer em face da vigente Constituição da República (RTJ 33/99, Rel. Min. EVANDRO LINS - RTJ 45/859, Rel. Min. THOMPSON FLORES - RTJ 47/327, Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO - RTJ 73/821, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU - RTJ 100/1091, Rel. Min. DJACI FALCÃO - RTJ 111/1307, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 115/1439, Rel. Min. OSCAR CORREA - RTJ 138/847, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RTJ 177/961, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 111.042/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, v.g.):

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS: REGIME ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE DE TRABALHO. CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII.

I. - Regime especial de ICM, autorizado em lei estadual: restrições e limitações, nele constantes, à atividade comercial do contribuinte, ofensivas à garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu (Súmulas nºs 70, 323 e 547).

II. - Precedente do STF: ERE 115.452-SP, Velloso, Plenário, 04.l0.90, 'DJ' de 16.11.90.

III. - RE não admitido. Agravo não provido."

(RE 216.983-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

É certo - consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal - que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias impregnados de caráter absoluto:

"OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros."

(RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam.

O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles - e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional - constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.

Esse comportamento estatal - porque arbitrário e inadmissível - também tem sido igualmente censurado por autorizado magistério doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO, "Sanções Políticas no Direito Tributário", "in" Revista Dialética de Direito Tributário nº 30, p. 46/47):

"Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.

Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.

.......................................................

São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal." (grifei)

Cabe referir, a propósito da controvérsia suscitada no recurso extraordinário em questão - recusa de autorização estatal para impressão de notas fiscais -, a lição de EDISON FREITAS DE SIQUEIRA, em obra monográfica que versou o tema das chamadas "sanções políticas" impostas ao contribuinte inadimplente ("Débito Fiscal - análise crítica e sanções políticas", p. 61/62, item 2.3, 2001, Sulina):

"Portanto, emerge incontroverso o fato de que uma empresa, para que possa exercer suas atividades, necessita de sua inscrição estadual, bem como de permanente autorização da expedição de notas fiscais, sendo necessário obter nas Secretarias da Fazenda de cada estado da federação onde vendam seus produtos, o respectivo reconhecimento de direito à utilização de sistemas especiais de arrecadação, bem como na transferência de créditos acumulados, além da obtenção da respectiva Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF), em paralelo às notas fiscais.

Salienta-se que qualquer ação contrária do Estado, quanto à concessão e reconhecimento dos direitos inerentes às questões no parágrafo anterior referendadas, constitui 'sanção política', medida despótica e própria de ditadores, porque subverte o sistema legal vigente.

Nesse sentido, vale tecer algumas considerações do efetivo SIGNIFICADO DA NOTA FISCAL para uma empresa ou profissional que mantenha a atividade lícita 'trabalho', até porque, o instrumento alternativo posto à disposição do contribuinte, notas fiscais avulsas, é situação equivalente à marginalidade, além de tratar-se de meio absolutamente inviável a uma atividade econômica significativa (volumosa).

A importância da nota fiscal ou AIDF para o desenvolvimento das atividades comerciais de uma empresa seja ela de indústria ou comércio, decorre do fato de que somente por meio destas é que se torna possível oficializar e documentar operações de circulação de mercadorias, a ponto de que sem essas, a circulação de mercadoria é atividade ilícita, punível, inclusive, com a respectiva apreensão das mesmas.

Neste sentido, revela-se, pois, totalmente imprópria à figura da nota fiscal avulsa, solução muito justificada por fiscais de ICMS e Procuradores de Estado em audiências que solicitam ao Poder Judiciário, mas que, na prática, constitui artimanha muito maliciosa que só serve para prejudicar o contribuinte, em circunstância totalmente defesa em lei, como adiante ficará elucidado.

Não raro, a fiscalização aponta, como recurso em situações de desagrado ao contribuinte, o uso das chamadas 'notas fiscais avulsas'. Fazem-no, por certo, por desconhecimento de toda a gama de obtusa burocracia que envolve a sua expedição, ou pretendendo iludir os órgãos do Poder Judiciário, caso esses sejam chamados a impor 'poder de controle' contra exacerbação do exercício do poder de tributar, por parte do Poder Executivo." (grifei)

Cumpre assinalar, por oportuno, que essa percepção do tema, prestigiada pelo saudoso e eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO ("Direito Tributário Brasileiro", p. 878/880, item n. 2, 11ª ed., atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, Forense), é também compartilhada por autorizado magistério doutrinário que põe em destaque, no exame dessa matéria, o direito do contribuinte ao livre exercício de sua atividade profissional ou econômica, cuja prática legítima - qualificando-se como limitação material ao poder do Estado - inibe a Administração Tributária, em face do postulado que consagra a proibição de excesso (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de impor, ao contribuinte inadimplente, restrições que configurem meios gravosos e irrazoáveis destinados a constranger, de modo indireto, o devedor a satisfazer o crédito tributário (HUMBERTO BERGMANN ÁVILA, "Sistema Constitucional Tributário", p. 324 e 326, 2004, Saraiva; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, "Infração Tributária e Sanção", "in" "Sanções Administrativas Tributárias", p. 420/444, 432, 2004, Dialética/ICET; HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, "Processo Tributário", p. 93/95, item n. 2.7, 2004, Atlas; RICARDO LOBO TORRES, "Curso de Direito Financeiro e Tributário", p. 270, item n. 7.1, 1995, Renovar, v.g.).

A censura a esse comportamento inconstitucional, quando adotado pelo Poder Público em sede tributária, foi registrada, com extrema propriedade, em precisa lição, por HELENILSON CUNHA PONTES ("O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário", p. 141/143, item n. 2.3, 2000, Dialética):

"O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.

O Estado brasileiro, talvez em exemplo único em todo o mundo ocidental, exerce, de forma cada vez mais criativa, o seu poder de estabelecer sanções políticas (ou indiretas), objetivando compelir o sujeito passivo a cumprir o seu dever tributário. Tantas foram as sanções tributárias indiretas criadas pelo Estado brasileiro que deram origem a três Súmulas do Supremo Tribunal Federal.

Enfim, sempre que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto necessidade.

.......................................................

As sanções tributárias podem revelar-se inconstitucionais, por desatendimento à proporcionalidade em sentido estrito (...), quando a limitação imposta à esfera jurídica dos indivíduos, embora arrimada na busca do alcance de um objetivo protegido pela ordem jurídica, assume uma dimensão que inviabiliza o exercício de outros direitos e garantias individuais, igualmente assegurados pela ordem constitucional.

.......................................................

Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade econômica.

Neste sentido, revelam-se flagrantemente inconstitucionais as medidas aplicadas, no âmbito federal, em conseqüência da decretação do chamado 'regime especial de fiscalização'. Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária. Esta Corte, aliás, rotineiramente afasta os regimes especiais de fiscalização, por considerá-los verdadeiras sanções indiretas, que se chocam frontalmente com outros princípios constitucionais, notadamente com a liberdade de iniciativa econômica." (grifei)

É por essa razão que EDUARDO FORTUNATO BIM, em excelente trabalho dedicado ao tema ora em análise ("A Inconstitucionalidade das Sanções Políticas Tributárias no Estado de Direito: Violação ao 'Substantive Due Process of Law' (Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade)" "in" "Grandes Questões Atuais do Direito Tributário", vol. 8/67-92, 83, 2004, Dialética), conclui, com indiscutível acerto, "que as sanções indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por violarem não somente este, mais ainda o 'substantive due process of law'" (grifei).

Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutrinárias que venho de expor, a clássica advertência de OROSIMBO NONATO, consubstanciada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em acórdão no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particularmente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice JOHN MARSHALL, quando do julgamento, em 1819, do célebre caso "McCulloch v. Maryland", que "o poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir" (RF 145/164 - RDA 34/132), eis que - como relembra BILAC PINTO, em conhecida conferência sobre "Os Limites do Poder Fiscal do Estado" (RF 82/547-562, 552) - essa extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, "um poder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade" (grifei).

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um "estatuto constitucional do contribuinte", consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "in" Informativo/STF nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ("The power to tax is not the power to destroy while this Court sits"), em "dictum" segundo o qual, em livre tradução, "o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema", proferidas, ainda que como "dissenting opinion", no julgamento, em 1928, do caso "Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox" (277 U.S. 218).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 - RTJ 178/22-24, v.g.):

"O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.

O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV).

Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador."

(RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados.

A análise dos autos evidencia que o acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul diverge da orientação prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, reafirmada em julgamentos recentes emanados desta Suprema Corte (RE 413.782/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno - RE 374.981/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 409.956/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 409.958/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 414.714/RS, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - RE 424.061/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 434.987/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

Sendo assim, e considerando as razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º - A), em ordem a conceder o mandado de segurança impetrado pela parte ora recorrente. No que concerne à verba honorária, revela-se aplicável a Súmula 512/STF.

(RE 529154; STF; Relator Ministro Celso de Mello; DJ de 16/08/2007)

SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ 173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE - "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.

DECISÃO: Suscitou-se, na causa de que se originou o presente agravo de instrumento, controvérsia impregnada do mais alto relevo jurídico.

Refiro-me à discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminam, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita.

No caso ora em análise, põe-se em destaque o exame da legitimidade constitucional de exigência estatal que erigiu a prévia satisfação de débito tributário em requisito necessário à outorga, pelo Poder Público, de autorização para a impressão de documentos fiscais.

Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro - e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).

Esse entendimento - cumpre enfatizar - tem sido observado em sucessivos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte, quer sob a égide do anterior regime constitucional, quer em face da vigente Constituição da República (RTJ 33/99, Rel. Min. EVANDRO LINS - RTJ 45/859, Rel. Min. THOMPSON FLORES - RTJ 47/327, Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO - RTJ 73/821, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU - RTJ 100/1091, Rel. Min. DJACI FALCÃO - RTJ 111/1307, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 115/1439, Rel. Min. OSCAR CORREA - RTJ 138/847, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RTJ 177/961, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 111.042/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, v.g.):

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS: REGIME ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE DE TRABALHO. CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII.

I. - Regime especial de ICM, autorizado em lei estadual: restrições e limitações, nele constantes, à atividade comercial do contribuinte, ofensivas à garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu (Súmulas nºs 70, 323 e 547).

II. - Precedente do STF: ERE 115.452-SP, Velloso, Plenário, 04.l0.90, 'DJ' de 16.11.90.

III. - RE não admitido. Agravo não provido."

(RE 216.983-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

É certo - consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal - que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias impregnados de caráter absoluto:

"OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros."

(RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam.

O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles - e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional - constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.

Esse comportamento estatal - porque arbitrário e inadmissível - também tem sido igualmente censurado por autorizado magistério doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO, "Sanções Políticas no Direito Tributário", in Revista Dialética de Direito Tributário nº 30, p. 46/47):

"Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.

Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.

.......................................................

São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal." (grifei)

Cabe referir, a propósito da controvérsia suscitada no recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento - recusa de autorização estatal para impressão de documentos fiscais -, a lição de EDISON FREITAS DE SIQUEIRA, em obra monográfica que versou o tema das chamadas "sanções políticas" impostas ao contribuinte inadimplente ("Débito Fiscal - análise crítica e sanções políticas", p. 61/62, item 2.3, 2001, Sulina):

"Portanto, emerge incontroverso o fato de que uma empresa, para que possa exercer suas atividades, necessita de sua inscrição estadual, bem como de permanente autorização da expedição de notas fiscais, sendo necessário obter nas Secretarias da Fazenda de cada estado da federação onde vendam seus produtos, o respectivo reconhecimento de direito à utilização de sistemas especiais de arrecadação, bem como na transferência de créditos acumulados, além da obtenção da respectiva Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF), em paralelo às notas fiscais.

Salienta-se que qualquer ação contrária do Estado, quanto à concessão e reconhecimento dos direitos inerentes às questões no parágrafo anterior referendadas, constitui 'sanção política', medida despótica e própria de ditadores, porque subverte o sistema legal vigente.

Nesse sentido, vale tecer algumas considerações do efetivo SIGNIFICADO DA NOTA FISCAL para uma empresa ou profissional que mantenha a atividade lícita 'trabalho', até porque, o instrumento alternativo posto à disposição do contribuinte, notas fiscais avulsas, é situação equivalente à marginalidade, além de tratar-se de meio absolutamente inviável a uma atividade econômica significativa (volumosa).

A importância da nota fiscal ou AIDF para o desenvolvimento das atividades comerciais de uma empresa seja ela de indústria ou comércio, decorre do fato de que somente por meio destas é que se torna possível oficializar e documentar operações de circulação de mercadorias, a ponto de que sem essas, a circulação de mercadoria é atividade ilícita, punível, inclusive, com a respectiva apreensão das mesmas.

Neste sentido, revela-se, pois, totalmente imprópria à figura da nota fiscal avulsa, solução muito justificada por fiscais de ICMS e Procuradores de Estado em audiências que solicitam ao Poder Judiciário, mas que, na prática, constitui artimanha muito maliciosa que só serve para prejudicar o contribuinte, em circunstância totalmente defesa em lei, como adiante ficará elucidado.

Não raro, a fiscalização aponta, como recurso em situações de desagrado ao contribuinte, o uso das chamadas 'notas fiscais avulsas'. Fazem-no, por certo, por desconhecimento de toda a gama de obtusa burocracia que envolve a sua expedição, ou pretendendo iludir os órgãos do Poder Judiciário, caso esses sejam chamados a impor 'poder de controle' contra exacerbação do exercício do poder de tributar, por parte do Poder Executivo." (grifei)

Cumpre assinalar, por oportuno, que essa percepção do tema, prestigiada pelo saudoso e eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO ("Direito Tributário Brasileiro", p. 878/880, item n. 2, 11ª ed., atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, Forense), é também compartilhada por autorizado magistério doutrinário que põe em destaque, no exame dessa matéria, o direito do contribuinte ao livre exercício de sua atividade profissional ou econômica, cuja prática legítima - qualificando-se como limitação material ao poder do Estado - inibe a Administração Tributária, em face do postulado que consagra a proibição de excesso (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de impor, ao contribuinte inadimplente, restrições que configurem meios gravosos e irrazoáveis destinados a constranger, de modo indireto, o devedor a satisfazer o crédito tributário (HUMBERTO BERGMANN ÁVILA, "Sistema Constitucional Tributário", p. 324 e 326, 2004, Saraiva; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, "Infração Tributária e Sanção", in "Sanções Administrativas Tributárias", p. 420/444, 432, 2004, Dialética/ICET; HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, "Processo Tributário", p. 93/95, item n. 2.7, 2004, Atlas; RICARDO LOBO TORRES, "Curso de Direito Financeiro e Tributário", p. 270, item n. 7.1, 1995, Renovar, v.g.).

A censura a esse comportamento inconstitucional, quando adotado pelo Poder Público em sede tributária, foi registrada, com extrema propriedade, em precisa lição, por HELENILSON CUNHA PONTES ("O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário", p. 141/143, item n. 2.3, 2000, Dialética):

"O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.

O Estado brasileiro, talvez em exemplo único em todo o mundo ocidental, exerce, de forma cada vez mais criativa, o seu poder de estabelecer sanções políticas (ou indiretas), objetivando compelir o sujeito passivo a cumprir o seu dever tributário. Tantas foram as sanções tributárias indiretas criadas pelo Estado brasileiro que deram origem a três Súmulas do Supremo Tribunal Federal.

Enfim, sempre que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto necessidade.

.......................................................

As sanções tributárias podem revelar-se inconstitucionais, por desatendimento à proporcionalidade em sentido estrito (...), quando a limitação imposta à esfera jurídica dos indivíduos, embora arrimada na busca do alcance de um objetivo protegido pela ordem jurídica, assume uma dimensão que inviabiliza o exercício de outros direitos e garantias individuais, igualmente assegurados pela ordem constitucional.

.......................................................

Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade econômica.

Neste sentido, revelam-se flagrantemente inconstitucionais as medidas aplicadas, no âmbito federal, em conseqüência da decretação do chamado 'regime especial de fiscalização'. Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária. Esta Corte, aliás, rotineiramente afasta os regimes especiais de fiscalização, por considerá-los verdadeiras sanções indiretas, que se chocam frontalmente com outros princípios constitucionais, notadamente com a liberdade de iniciativa econômica." (grifei)

É por essa razão que EDUARDO FORTUNATO BIM, em excelente trabalho dedicado ao tema ora em análise ("A Inconstitucionalidade das Sanções Políticas Tributárias no Estado de Direito: Violação ao 'Substantive Due Process of Law' (Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade)" in "Grandes Questões Atuais do Direito Tributário", vol. 8/67-92, 83, 2004, Dialética), conclui, com indiscutível acerto, "que as sanções indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por violarem não somente este, mais ainda o 'substantive due process of law'" (grifei).

Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutrinárias que venho de expor, a clássica advertência de OROSIMBO NONATO, consubstanciada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em acórdão no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particularmente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice JOHN MARSHALL, quando do julgamento, em 1819, do célebre caso "McCulloch v. Maryland", que "o poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir" (RF 145/164 - RDA 34/132), eis que - como relembra BILAC PINTO, em conhecida conferência sobre "Os Limites do Poder Fiscal do Estado" (RF 82/547-562, 552) - essa extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, "um poder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade" (grifei).

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um "estatuto constitucional do contribuinte", consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in "Informativo STF" nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ("The power to tax is not the power to destroy while this Court sits"), em "dictum" segundo o qual, em livre tradução, "o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema", proferidas, ainda que como "dissenting opinion", no julgamento, em 1928, do caso "Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox" (277 U.S. 218).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal repelida pelo E. Tribunal de Justiça local, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 - RTJ 178/22-24, v.g.):

"O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.

O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV).

Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador."

(RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados.

A análise dos autos evidencia que o acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ajusta-se à orientação prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, reafirmada em julgamentos recentes emanados desta Suprema Corte (RE 413.782/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno - RE 374.981/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 409.956/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 409.958/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 414.714/RS, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - RE 424.061/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 434.987/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.

(AI 683000; STF; Relator Ministro Celso de Mello; DJ de 23/11/2007)

Entretanto, é de reconhecer, na esteira do entendimento manifestado em decisão singular do eminente relator, há diversos diplomas legais exigindo a apresentação de CNDs relativas a débitos do FGTS e contribuições previdenciárias não atacados no contexto da inicial, limitada a impugnar o art. 1º, III, da Lei nº 7.711/88, este sim já declarado inconstitucional pelo STF em duas oportunidades - ADIs 173 e 394, afastando a necessidade do procedimento invocado pelo Ministério Público Federal, em parecer, com relação à imposição específica. De outro modo, com referência à particular exigência prevista no art. 47, d, da Lei nº 8.212/91, no art. 532 da IN/MPS/SRP nº 03/2005 e no art. 27 da Lei nº 8.036/90 (FGTS), indispensável é a aplicação do art. 97 da CF e verbete vinculante 10 do STF.

Nestes termos, voto por argüir incidente de inconstitucionalidade destes dispositivos legais e normativo, ao Plenário, para os devidos fins, com a devida vênia, e afastar a aplicação do art. 1º, III, da Lei nº 7.711/88 no caso concreto.

Desembargador Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/01/2010

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.001977-8/SC

ORIGEM: SC 200972000019778

RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

PRESIDENTE: ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA

PROCURADOR: Dr. MARCELO VEIGA BECKHAUSEN

SUSTENTAÇÃO ORAL: videoconferência pelo Dr. Guilherme Afonso Laskoski, representante de Agropecuária Seleme Ltda

APELANTE: AGROPECUARIA SELEME LTDA/

ADVOGADO: Dalton Luiz Dallazem

APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 01A VARA FEDERAL DE FLORIANÓPOLIS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/01/2010, na seqüência 139, disponibilizada no DE de 22/01/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 1ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS NEGANDO PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, PEDIU VISTA O DESEMBARGADOR ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, AGUARDA A DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÉRE.

PEDIDO DE VISTA: Des. Federal ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA

VOTANTE(S): Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

LEANDRO BRATKOWSKI ALVES
Diretor de Secretaria

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/04/2010

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.72.00.001977-8/SC

ORIGEM: SC 200972000019778

RELATOR: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

PRESIDENTE: ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA

PROCURADOR: DR. MARCELO VEIGA BECKHAUSEN

APELANTE: AGROPECUARIA SELEME LTDA/

ADVOGADO: Dalton Luiz Dallazem

APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

REMETENTE: JUÍZO FEDERAL DA 01A VARA FEDERAL DE FLORIANÓPOLIS

Certifico que o(a) 1ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO(A) DES. FEDERAL ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA NO SENTIDO DE ARGÜIR INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DESTES DISPOSITIVOS LEGAIS E NORMATIVO, AO PLENÁRIO, PARA OS DEVIDOS FINS, COM A DEVIDA VÊNIA, E AFASTAR A APLICAÇÃO DO ART. 1º, III, DA LEI Nº 7.711/88 NO CASO CONCRETO, SEGUIDO DO VOTO DA DES. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, QUE ACOMPANHOU O VOTO DO RELATOR, A TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL. VENCIDO O DES. FEDERAL ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA.

RELATOR ACÓRDÃO: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS

VOTO VISTA: Des. Federal ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA

VOTANTE(S): Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE

ROSANE PEIXOTO DOS SANTOS BRUM
Diretora Substituta de Secretaria




JURID - Tributário. Certidão negativa de débitos. Arquivamento. [12/05/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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