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segunda-feira, 31 de maio de 2010

JURID - Direito civil. Posse. Morte do autor da herança. Saisine. [31/05/10] - Jurisprudência


Direito civil. Posse. Morte do autor da herança. Saisine. Aquisição ex lege. Proteção possessória independente.

Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 537.363 - RS (2003/0051147-7)

RELATOR: MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)

RECORRENTE: ANTÔNIO CURTINAZ ALVES E CÔNJUGE

ADVOGADO: PAULO ANTÔNIO MONTENEGRO BARBOSA

RECORRIDO: ORLANDO POOCH E OUTROS

ADVOGADO: ANGELINO GARAVELLO

EMENTA

DIREITO CIVIL. POSSE. MORTE DO AUTOR DA HERANÇA. SAISINE. AQUISIÇÃO EX LEGE. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA INDEPENDENTE DO EXERCÍCIO FÁTICO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Modos de aquisição da posse. Forma ex lege: Morte do autor da herança. Não obstante a caracterização da posse como poder fático sobre a coisa, o ordenamento jurídico reconhece, também, a obtenção deste direito na forma do art. 1.572 do Código Civil de 1916, em virtude do princípio da saisine, que confere a transmissão da posse, ainda que indireta, aos herdeiros, independentemente de qualquer outra circunstância.

2. A proteção possessória não reclama qualificação especial para o seu exercício, uma vez que a posse civil - decorrente da sucessão -, tem as mesma garantias que a posse oriunda do art. 485 do Código Civil de 1916, pois, embora, desprovida de elementos marcantes do conceito tradicional, é tida como posse, e a sua proteção é, indubitavelmente, reclamada.

3. A transmissão da posse ao herdeiro se dá ex lege. O exercício fático da posse não é requisito essencial, para que este tenha direito à proteção possessória contra eventuais atos de turbação ou esbulho, tendo em vista que a transmissão da posse (seja ela direta ou indireta) dos bens da herança se dá ope legis, independentemente da prática de qualquer outro ato.

4. Recurso especial a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 20 de abril de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 537.363 - RS (2003/0051147-7)

RELATOR: MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)

RECORRENTE: ANTÔNIO CURTINAZ ALVES E CÔNJUGE

ADVOGADO: PAULO ANTÔNIO MONTENEGRO BARBOSA

RECORRIDO: ORLANDO POOCH E OUTROS

ADVOGADO: ANGELINO GARAVELLO

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) (RELATOR): Trata-se de recurso especial interposto por ANTÔNIO CURTINAZ ALVES e CÔNJUGE, com arrimo na alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Alçada Estado do Rio Grande do Sul (Rel. Doutor Luiz Otávio Mazeron Coimbra), assim ementado:

DISPUTA POSSESSÓRIA. PRETENSÃO REINTEGRATÓRIA.

Concorrendo autores e réus com títulos paritários, que em tese lhes assegura igual direito possessório, improcedente a pretensão reintegratória deduzida para desalojar do imóvel aquele que primeiramente passou a exercer, de fato, a posse do imóvel. (fls. 121)

Opostos aclaratórios (fls. 125 a 130), foram rejeitados (fls. 180 a 185).

Sustentam os recorrentes violação do art. 515 do Código de Processo Civil, porquanto houve reformatio in pejus, tendo em vista que a sentença de primeiro grau julgou extinto o processo por carência de ação, ao passo que a Corte originária, alterando o dispositivo, em desfavor dos autores da demanda, julgou improcedente a ação de reintegração de posse.

Alegam infringência aos arts. 488, 493, III, 495 e 1572, todos do Código Civil de 1916, pois têm direito a proteção possessória, uma vez que receberam a posse do imóvel em razão da morte do autor da herança. Acrescentam que o compossuidor, o qual adquire a posse pela saisine, tem direito a proteção possessória contra os demais possuidores, sendo despiciendo a posse como estado de fato para o manejo dos interditos possessórios.

Requerem que a ação de reintegração de posse seja julgada procedente.

Contrarrazões não apresentadas (fls. 200).

A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento parcial do inconformismo (fls. 208 a 211).

É o breve relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 537.363 - RS (2003/0051147-7)

RELATOR: MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)

RECORRENTE: ANTÔNIO CURTINAZ ALVES E CÔNJUGE

ADVOGADO: PAULO ANTÔNIO MONTENEGRO BARBOSA

RECORRIDO: ORLANDO POOCH E OUTROS

ADVOGADO: ANGELINO GARAVELLO

VOTO

O SENHOR MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) (RELATOR): Cinge-se a controvérsia a saber se o compossuidor, que recebe a posse em razão do princípio da saisine, tem direito a proteção possessória contra outro compossuidor. Impõe-se, também, pronunciamento sobre a ocorrência de reformatio in pejus no julgamento da apelação.

Preliminarmente, no que tange à violação do art. 515 do Código de Processo Civil, nota-se que a Corte originária, adstrita às circunstâncias fáticas trazidas aos autos, aplicou o direito com fundamento diverso apresentado pelos recorrentes, não se vislumbrando, portanto, qualquer ilegalidade a ser reparada.

Quanto ao mérito, o Tribunal de origem, instado a se manifestar, asseverou que, para o manejo da ação de reintegração de posse, não é suficiente a posse advinda do art. 1.572 do Código Civil de 1916, visto que o exercício fático da posse é imprescindível à proteção possessória, verbis:

[...]

2. Data venia do bem articulado enunciado recursal, estou em improver, mantendo a sentença por próprios e jurídicos fundamentos, incorporados e adotados como razões suficientes para decidir e improver, alterando apenas o preceito conclusivo, porquanto entendo não ser hipótese de carência, mas de improcedência da ação.

Com efeito, autores e réus ostentaram títulos equivalentes, da mesma natureza, de efeitos paritários, que, em tese, lhe confere igual direito possessório sobre a área litigiosa.

Os demandados, inobstante, de fato tomaram posse efetiva, com a apreensão do imóvel, passando ao exercício da posse.

E os outros não chegaram a concretizar sua posse, pelo que contexto probatório mostrou.

Nessa conjuntura, não restou provada a posse invocada pelos autores, como situação de fato que é, tampouco o esbulho cometido pelos demandados.

Improcede, de conseguinte, a pretensão reintegratória.

Assim, correto se denota o equacionamento sentencial, não respaldando a pretensão de natureza possessória, embora a meu sentir o pronunciamento seja mesmo de improcedência da ação.

Nego, pois, provimento, alterando o pronunciamento conclusivo para improcedência da ação reintegratória. (fls. 122 a 123)



Inexiste dúvida que o art. 1.572, C. Civil, e o princípio da saisina nele traduzido, implica na transmissão de direito e posse aos herdeiros, ipso iure.

Com isso, não há negar-se a configuração de compossuidores, decorrência óbvia da comunhão hereditária.

E, igualmente, é manifesto que o compossuidor bem pode usar interditos possessórios, seja em relação a ataques à posse comum decorrentes da atuação de terceiros, assim como quanto a negativas à sua posse emergentes da atuação de outro compossuidor, que passe a desrespeitar a comunhão possessória.

O que parece ter sido o entendimento do julgado embargado é de que a transmissão possessória, decorrente do art. 1.572, C. Civil, reclamaria, à concessão de tutela interdital, a conjugação com a posse faticamente exercida pelos herdeiros.

[...]

É na expressão, "concretizar sua posse" que, penso, está evidenciado o raciocínio do julgado, reclamado a conjugação do exercício de fato para que se implemente, em face do herdeiro, a titularidade de ações possessórias.

Se esta a melhor interpretação dos dispositivos em referência, notadamente do art. 1.572 do C. Civil, que quedou restrito a simples possibilitação, na expressão crítica de Pontes de Miranda ( "Tratado de Direito Privado" 10/224), trata-se de temática estranha ao âmbito da aclaratória.

Não me parece, no mais, que se possa ter presente erro clamoroso do julgado, a justificar infringência excepcional. Pode-se, até, aceitar que a decisão não ajustou-se com melhor exegese do dispositivo em referência. Mas, daí a rotulá-la como teratológica ou algo equivalente, vai imensa distância.

[...] (fls. 182 a 184)

Da análise do contexto da lide, nota-se que o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias merece ser revisto.

Entre os modos de aquisição da posse, encontra-se o ex lege, visto que, não obstante a caracterização da posse como poder fático sobre a coisa, o ordenamento jurídico reconhece, também, a obtenção deste direito pela ocorrência de fato jurídico - a morte do autor da herança -, em virtude do princípio da saisine, que confere a transmissão da posse, ainda que indireta, aos herdeiros, independentemente de qualquer outra circunstância.

Sobre o tema, destaca-se a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

Droit de saisine. Na Idade Média, institui-se a praxe de ser devolvida a posse de bens, por morte do servo, ao seu senhor, que exigia dos herdeiros dele um pagamento, para autorizar a sua imissão. No propósito de defendê-lo dessa imposição, a jurisprudência no velho direito constumeiro francês, especialmente no Costume de Paris, veio a consagrar a transferência imediata dos haveres do servo aos seus herdeiros, assentada a fórmula: Le serf mort saisit le vif, son hoir de plus proche. Daí ter a doutrina fixado por volta do século XIII, diversamente do sistema romano, o chamado droit de saisine, que traduz precisamente este imediatismo da transmissão dos bens, cuja propriedade e posse passam diretamente da pessoa do morto aos seus herdeiros: le mort saisit le vif. Com efeito, no século XIII a saisine era referida num Aviso do Parlement de Paris como instituição vigentee os établissements de St. Louis lhe apontam a origem nos Costumes de Orleans.

Não foi, porém, uma peculiaridade do antigo direito francês. Sua origem germânica é proclamada, ou ao menos admitida, pois que fórmula idêntica era ali enunciada com a mesma finalidade: Der Tote erbt den Lebenden.

[...]

Sistema atual. Com a promulgação do Código Civil de 1916, ficou assentada a doutrina da transmissão imediata da posse e propriedade: "Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" (Código Civil, art. 1.572). O mesmo princípio predominou no Projeto do Código Civil de 1965 e no Projeto de 1975, e se viu conservado no novo Código Civil, conquanto neste eliminada a referência a "domínio e posse" (art. 1.784). É o conceito de droit de saisine que ainda vigora na sua essência, e do qual podem ser extraídos os necessários efeitos:

[...]

2. Não é o fato de ser conhecido, ou de estar próximo que atribui ao herdeiro a posse e a propriedade dos bens. É a sucessão. Não há mister um ato do herdeiro. Não precisa requerer ao juiz o imita na posse. Esta lhe advém do fato mesmo do óbito e é reconhecida aos herdeiros que por direito devem suceder, tal como em o direito anterior se proclamava, adquirindo eles a posse civil com todos os efeitos da natural, e sem que seja necessário que esta se tome (Alvará de 1954 citado).

3. O herdeiro que tem a legitimatio ad causam para intentar ou continuar as ações contra quem quer traga moléstia à posse, ou pretenda impedir que os herdeiros nela se invistam. Esta legitimação envolve a faculdade de defender a herança contra as investidas de terceiros, não valendo ao esbulhador ou qualquer possuidor ilegítimo a alegação de que o herdeiro somente cabe uma fração do monte e não a totalidade do acervo. Quer dizer: ao herdeiro, embora somente tenha direito a uma fração da herança, é reconhecido o poder defensivo de todo o acervo. No Código Civil de 2002, semelhante legitimação deflui do parágrafo único do art. 1.791, segundo o qual o direito dos co-herdeiros, durante a fase de indivisão, "regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio". (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, vol. VI, pág. 19 a 22)

Desse modo, pelo princípio da saisine, verifica-se a transmissão da posse (seja ela direta ou indireta) aos autores e aos réus da demanda, caracterizando, assim, a titularidade do direito possessório a ambas as partes. No caso em tela, há composse do bem em litígio, motivo pelo qual a posse de qualquer um deles pode ser defendida todas as vezes em que for molestada por estranhos à relação possessória, ou, ainda, contra ataques advindo de outros compossuidores.

Cumpre destacar que, in casu, a posse transmitida é a civil (art. 1.572 do CC de 1916), e, não, a posse natural (art. 485 do CC de 1916), diferença esclarecida pelo Ministro do Pretório Excelso José Carlos Moreira Alves, com a argúcia que lhe é própria:

Que dizer, porém, dos elementos da posse no tocante à dos bens hereditários que se transmite automaticamente aos herdeiros, muitas vezes sem conhecimento destes, no instante da morte do de cuius? Onde, aí, o corpus? Onde o animus?

A essa posse se refere o art. 1.572 do Código Civil, verbis:

"Art. 1.572. Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários."

[...]

A posse do herdeiro decorrente da saisine não apresenta os elementos objetivo e subjetivo que resultam da concepção de posse adotada pelo art. 485 do Código Civil brasileiro. É uma situação puramente jurídica, que, para existir, não exige qualquer desses elementos de fato. Biermann, com razão, observa que nesse caso o herdeiro é possuidor antes de obter o poder de fato sobre a coisa, possuindo coisas da quais ele nada sabe.

[...]

Em verdade, a posse ex lege do herdeiro é uma anomalia que não se ajusta ao conceito de posse extraído do mencionado art. 485. Trata-se de situação exclusivamente jurídica, sem fundamento em qualquer elemento de fato, e que foi adotada, no direito moderno, por motivos de conveniência. (ALVES, José Carlos Moreira. Posse. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, vol. II, t. I, pág. 48 a 56)

Não obstante as adjetivações dadas à posse, a sua proteção não reclama qualificação especial para o seu exercício, como faz crer o acórdão objurgado, uma vez que a posse civil - decorrente da sucessão -, tem as mesma garantias que a posse oriunda do art. 485 do Código Civil de 1916, pois, embora desprovida de elementos marcantes do conceito tradicional, é tida como posse, e a sua proteção é, indubitavelmente, reclamada.

Defendendo a proteção possessória independente da qualificação especial, sobressaem os ensinamentos de Cláudia Aparecida Cimardi:

A posse civil (possessio civilis) é aquela fundamentada em uma causa que tenha originado, isto é, em um título decorrente de direito real ou pessoal. Por exemplo, são possuidores civis o proprietário de imóvel que tenha realizado contrato formal válido (escritura pública), o locatário assim considerado em função de contrato de locação válido e em vigor.

A posse natural (possessio naturalis) é a decorrente do simples e puro estado de fato do exercício de poder sobre a coisa. Não se exige para a posse natural título algum.

Essa classificação, encontrada nos textos romanos, não tem importância para fins de proteção possessória, posto que tanto o possuidor civil como possuidor natural, segundo nossa sistemática normativa, podem utilizar-se dos meios de defesa da posse, quando esta for fundamento da tutela pleiteada. (CIMARDI, Cláudia Aparecida. Proteção processual da posse. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 42 a 43)

Oportuna é a opinião de Nelson Nery Junior, que advogada a proteção possessória independente de sua natureza:

Pode promover a ação possessória aquele que tem posse (manutenção ou interdito proibitório) e aquele que foi privado da posse (reitegração). Irrelevante se se trata de posse natural ou posse civil: ambos os possuidores têm o direito à proteção por intermédio dos interditos possessórios (v. RT 5047/161: RSTJ 106/357). O CC reiterou esse posicionamento, como já o havia feito o CC1916, admitindo como formas de aquisição da posse, por exemplo, a sucessão legal ( CC 1784; CC 1916 1572) e o constituto possessório(CC 1196, 1205, 1267 par. ún.; CC/ 1916 494 IV), ambos caracterizadores de posse civil (Nery, RP 52/170; Nery, RDPriv 7/104). Podem ajuizar ação possessória o possuidor direto e o indireto. V. Nery-Nery, CC Comentado., coments. CC 1196, 1205 e 1267). (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribuanis, 2006, pág. 989)

A par disso, existindo composse sobre o bem litigioso, em razão do droit de saisine, como já apontado acima, é direito do compossuidor esbulhado, o manejo de ação de reintegração de posse, uma vez que a proteção à posse molestada não exige o efetivo exercício do poder fático, como assinalado pelo Tribunal de origem.

Impende registrar que, para Pontes de Miranda, a proteção possessória recai sobre eventuais agressões à posse dos compossuidores, mesmo que o atentado decorra de ato de outro compossuidor:

A proteção possessória pode ser de um ou de alguns possuidores contra o outro, ou os outros, ou algum ou alguns deles. No art. 488, diz-se que, se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, ou estiverem no gozo do mesmo direito, poderá cada uma exercer sobre o objeto comum atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores. Tal enunciado afirmativo é preferível ao § 866 do Código Civil alemão, negativo, que exclui a proteção possessória onde se trate de limitação de exercício. Cada compossuidor tem a tutela possessória até onde não se exclui o exercício possessório do outro, ou dos outros. Se há esbulho, parcial, ou total, a ação de esbulho cabe. Se A e B compossuem o terreno e A o planta todo, B foi esbulhado, totalmente, de sua posse; se A o planta em mais de metade, esbulha a B quanto à posse do excesso; idem, se B queria que só se plantasse o mesmo milho que ele plantava, para evitar hibridismo, e A planta, na verdade, na metade, milho inferior (se A tinha de discutir a exigência de B, devia fazê-lo antes, em questão petitória). O ato de A é ofensa possessória, porque B plantara antes e lhe comunicara qual o milho que ia plantar. Se A vira na plantação de B, com a comunicação, ofensa à sua posse, teria de exercer a legitima defesa, ou a justiça de mão própria (art. 502), ou não deixar que o esbulho se desse.

Quanto à turbação, tem-se discutido se o compossuidor pode ir contra o outro ou outros compossuidores, [...]. O argumento de que o exercício da posse pode ser regulado negocial ou judicialmente, em petitório, é fragílimo. Bem assim, aqueleoutro, de ser impraticável a defesa própria em assunto de exercício não-regulado da posse. O Código Civil não seguiu essa opinião sobre a natureza dos atos possessórios, razão por que concebeu afirmativamente o art. 488. Se está regulado o exercício, a ofensa é à regulação e à posse, se o compossuidor infringe o regulado. Há necessidade de se admitirem as ações possessórias, se não é de petitório que se trata. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2001, t. 10, pág. 339 e 340)

A propósito, confira-se o seguinte julgado:

COMPOSSE. AREA COMUM PRO INDIVISO. TURBAÇÃO. É CABÍVEL AÇÃO POSSESSORIA INTENTADA POR COMPOSSUIDORES PARA COMBATER TURBAÇÃO OU ESBULHO PRATICADO POR UM DELES, CERCANDO FRAÇÃO DA GLEBA COMUM. ADVOGADO. REGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO JULGADA A VISTA DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. RECURSO NÃO CONHECIDO. (REsp 136922/TO, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/1997, DJ 16/03/1998 p. 145)

Desse modo, o requisito exigido pela Corte originária - o exercício fático da posse - não encontra amparo no ordenamento jurídico, pois é indubitável que o herdeiro tem posse (mesmo que indireta) dos bens da herança, independentemente da prática de qualquer outro ato, visto que a transmissão da posse se dá ope legis, motivo pelo qual lhe assiste o direito à proteção possessória contra eventuais atos de turbação ou esbulho.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para julgar procedente a ação de reintegração de posse, a fim de restituir os autores da ação na composse da área recebida por herança, invertido os ônus da sucumbência.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2003/0051147-7 REsp 537363 / RS

Números Origem: 196070668 196719546 70001945872

PAUTA: 20/04/2010 JULGADO: 20/04/2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: ANTÔNIO CURTINAZ ALVES E CÔNJUGE

ADVOGADO: PAULO ANTÔNIO MONTENEGRO BARBOSA

RECORRIDO: ORLANDO POOCH E OUTROS

ADVOGADO: ANGELINO GARAVELLO

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 20 de abril de 2010

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

Documento: 964783 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 07/05/2010




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