Trabalhador rural. Contrato de safra e entressafra. Sucessivas contratações. Ofensa ao art. 9º da CLT.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR
PROCESSO TRT 15ª REGIÃO Nº. 01079-2007-029-15-00-0
RECURSO ORDINÁRIO - RITO ORDINÁRIO
1ª VARA DO TRABALHO DE JABOTICABAL
RECORRENTE: AGRO-PECUÁRIA GINO BELLODI LTDA.
RECORRIDO: JURACY ALVES MARTINS
JUIZ SENTENCIANTE: ISMAR CABRAL MENEZES
GAB.DES.JAP-JP/MJCS/jp
TRABALHADOR RURAL - CONTRATO DE SAFRA E ENTRESSAFRA - SUCESSIVAS CONTRATAÇÕES - OFENSA AO ART. 9º DA CLT - UNICIDADE CONTRATUAL RECONHECIDA. São nulas as sucessivas contratações para se trabalhar nas safras e/ou entressafras, com pequenos e exíguos períodos temporais entre um contrato e outro. Não se desconhece a previsão legal do chamado "contrato de safra", cuja duração depende de variações estacionais da atividade agrária, prevista no art. 14, parágrafo único, da Lei Nº. 5.889/73. Contudo, no presente caso, restou flagrantemente demonstrado que a empregadora pretendeu contar com a mão-de-obra dos empregados de forma permanente, em todo o ciclo produtivo da cana-de-açúcar, visto que a reclamada contratou os reclamantes por prazo determinado por diversos períodos, entre os quais houve pequenos intervalos de tempo. Tal prática da reclamada esbarra no art. 9º da CLT, eis que visa fraudar, impedir e desvirtuar a aplicação da regra geral e legal, consistente na regular contratação por prazo indeterminado. Recurso ordinário da reclamada conhecido e não provido.
INTERVALO INTRAJORNADA - APLICAÇÃO DO ARTIGO 71, § 4º, DA CLT, AO TRABALHADOR RURAL. Não há dúvida de que as relações de trabalho rural são regidas por normas específicas e que a obrigação patronal quanto ao intervalo intrajornada deve seguir os usos e costumes da região (art. 5º da Lei nº. 5.889/73). O Decreto nº. 73.626/74 fixou a duração mínima de tal intervalo em 01h00min, observados os usos e costumes da região (para permitir o seu fracionamento). Depreende-se que a previsão mínima de duração do intervalo para os rurícolas é a mesma do trabalhador urbano, porque a finalidade é uma só: a concessão de descanso para repouso e alimentação. Destarte, a par da previsão do decreto regulamentar, não há nada que impeça a aplicação ao rurícola da regra do § 4º do art. 71 da CLT, que visa a inibir a supressão, ainda que de forma parcial, do intervalo para alimentação e descanso. Some-se que a CF/88 passou a garantir, através do art. 7º, igualdade de direitos entre trabalhadores urbanos e rurais, não se admitindo tratamento diferenciado. Recurso Ordinário a que se nega provimento.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - REQUISITOS NECESSÁRIOS. Os honorários advocatícios, nas reclamações trabalhistas típicas, são devidos se presentes os requisitos de artigo 14 da Lei n.º 5.584/70. Consoante a jurisprudência do TST, os arts. 791 da CLT e 14 da Lei nº 5.584/70 foram recepcionados pela nova ordem constitucional, conforme a sua Súmula nº 329, que manteve o entendimento expresso anteriormente na Súmula nº 219 daquela Alta Corte. Na hipótese, ausentes os requisitos previstos pelo artigo 14 da Lei n.º 5.584/70, pois o reclamante não está assistido pelo sindicato da categoria, embora junte aos autos uma declaração de pobreza. Recurso Ordinário da reclamada conhecido e provido no particular.
Inconformadas com a r. sentença de fls. 206/217, que julgou os pedidos iniciais procedentes em parte, recorre a reclamada. Inicialmente, argúi nulidade processual, sob o argumento de que o juízo 'a quo', ao indeferir a produção da prova testemunhal, através da qual pretendia comprovar a regularidade da concessão e do gozo do intervalo intrajornada, cerceou-lhe o direito de produção de prova e de defesa, pois ficou impossibilitada de elidir a jornada de trabalho retratada na petição inicial. Assim, requer seja decretada a nulidade da sentença, com baixa dos autos à origem e conseqüente reabertura da instrução processual, para que seja possibilitada a oitiva das testemunhas. Diz ainda que há julgamento 'extra petita' em relação ao intervalo intrajornada e quanto ao FGTS e que deve ser declarada a prescrição bienal. No mérito, aduz que não são devidas horas extras, intervalo intrajornada e em relação aos honorários advocatícios (fls. 219/233).
Contrarrazões às fls. 236/242.
Não houve remessa ao MPT (cf. regimento interno deste TRT).
É O RELATÓRIO.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
Recurso tempestivo (fls. 218 e 219) e representação regular (fl. 58).
Custas e depósito recursal a contento (fls.234/235).
Conheço, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
PRELIMINARMENTE
DA NULIDADE PROCESSUAL - CERCEAMENTO AO DIREITO DE PRODUÇÃO DE PROVA
Argúi a reclamada nulidade processual, sob o argumento de que o juízo 'a quo', ao indeferir a produção da prova testemunhal, através da qual pretendia comprovar a regularidade da concessão e do gozo do intervalo intrajornada, cerceou-lhe o direito de produção de prova e de defesa, pois ficou impossibilitada de elidir a jornada de trabalho retratada na petição inicial. Assim, requer seja decretada a nulidade da sentença, com baixa dos autos à origem e conseqüente reabertura da instrução processual, para que seja possibilitada a oitiva das testemunhas.
NÃO PROCEDE A ARGUIÇÃO.
A alegação da recorrente é no sentido de que o fato de o labor ser na lavoura torna praticamente impossível a confecção mecânica ou computadorizada de cartões de ponto, pois não há como fixar relógios de ponto em cada setor da lavoura. Diz, nessa linha de raciocínio, que pelas peculiaridades e condições de trabalho, não existem cartões de ponto, sendo que em períodos anteriores foram elaborados cartões manuais, cuja operação foi suspensa justamente em virtude da fragilidade como prova documental e sua constante impugnação, resolvendo-se sempre pela produção da prova oral para suprir a ausência dos cartões de ponto. Assim, insiste que a prova oral era necessária para o deslinde da questão, pois pretendia confirmar a regularidade da fruição do período intervalar.
Por ocasião da audiência de instrução, o juízo 'a quo', após ser confirmado pela ré que embora contasse com mais de 10 (dez) empregados não possuía controles de jornada, indeferiu a pretensão da demandada de produção de prova oral para comprovação do regular gozo do período do intervalo intrajornada, com fundamento no art. 74, § 2º, da CLT (vide ata de audiência - fls. 194).
Pois bem!
O art. 7º, 'caput', da CF/88 estabeleceu a identidade de tratamento aos trabalhadores urbanos e rurais, sendo que o ordenamento infraconstitucional também caminha nesta mesma diretriz.
O art. 5º da Lei nº 5.889/73 determina a concessão do intervalo para refeição em toda jornada com duração superior a 06 horas, "observando-se os usos e costumes da região", enquanto o art. 1º da referida lei prevê a aplicação das normas da CLT que não colidirem com o que estabelece, e o art. 5º § 1º do Decr. 73.626/74 se refere à concessão do intervalo intrajornada com a duração de 1 hora, de modo que não há incompatibilidade para aplicação do preceituado no art. 71 da CLT.
Por fim, o art. 74, § 2º, da CLT, sem qualquer distinção, fixa a obrigatoriedade da anotação dos horários de trabalho para os estabelecimentos com mais de 10 (dez) empregados, conforme instruções do TEM.
Portanto, a confissão da ré de que possui mais de 10 empregados e de que não há cartões em relação ao reclamante, é relevante para o deslinde da questão, pois se trata de inequívoco descumprimento de obrigação legal e inescusável, por se tratar de norma de ordem pública que envolve a saúde e a segurança no trabalho, que dispensa, portanto, maiores delongas, pois a injustificada ausência de juntada dos controles de jornada, no caso, quanto ao período intervalar, gera presunção de veracidade em proveito do autor.
Correto, pois, o indeferimento da pretensão por parte do juízo 'a quo', pois a prova testemunhal não se fazia necessária.
Destarte, entendo que o MM. juízo "a quo" analisou de forma correta as questões de fato e de direito submetidas à sua apreciação, solucionando a lide frente às provas produzidas e ao direito material aplicável ao caso concreto, sem mácula ou violação ao artigo 832 da CLT, atendendo às formalidades do artigo 458 do CPC e às exigências expressas no artigo 93, IX, da CRFB/88.
Neste sentido, há o seguinte posicionamento jurisprudencial:
"Não se anula o processo quando o indeferimento da prova requerida é desnecessário, já contendo os autos os elementos necessários para a sentença. A anulação do processo com o retorno á instância é medida radical que só deve ser usada em casos extremos onde havia evidente prejuízo à parte que a requer. O processo deve ser encarado por qualquer juiz de primeira ou de Segunda instância, como um meio de solucionar, não de procrastinar os conflitos sociais." (TRT 3ª Reg.-RO-04352/92 - 3ªT- Rel. Juiz Antonio Alvares da Silva).
Logo, não ocorreu o alegado cerceamento de defesa. Rejeita-se.
DO JULGAMENTO 'EXTRA PETITA'
Ainda que cometa a sentença de eventual julgamento extra-petita, se o juízo "a quo", como in casu, não se omitiu, nem deixou de apreciar a causa de pedir e o pedido originários, não enseja decreto de nulidade da sentença guerreada. Isto porque, o Eg. Tribunal pode se pronunciar sobre o pedido correto, sem supressão de grau de jurisdição, adequando a solução da lide aos limites da litiscontestatio (artigos 128 e 460 do CPC), o que afasta, em definitivo, qualquer prejuízo.
No caso, a ré alega que não há pedido de condenação de pagamento de remuneração pela supressão do intervalo intrajornada (vide recurso - fl. 223).
O § 1º do artigo 840 da CLT apregoa que a petição inicial deve conter uma breve exposição dos fatos que fundamentaram o pedido, não havendo necessidade de o reclamante expor pormenorizadamente tais fatos, desde que não prejudique o direito de defesa da parte contrária.
Por sua feita, determina o artigo 286 do CPC que o pedido deve ser certo ou determinado, segundo fatos e fundamentos jurídicos que o sustentem. Assim, atualmente, há o dever processual de exposição clara, precisa e corretamente dos fatos em juízo. Adicionando-se ao quanto exposto o princípio da eventualidade, é salutar que toda matéria discutida na lide seja colocada na petição inicial, sob pena de ofensa ao contraditório e à ampla defesa e, portanto, ao devido processo legal.
Decorre daí que o pronunciamento judicial deve se restringir aos limites processuais expendidos na petição inicial, sob pena de romper o órgão judicante com a sua institucional inércia e imparcialidade, garantias constitucionais ao legítimo exercício da jurisdição, agora a teor dos artigos 128 e 460 do CPC.
Aqui, 'data venia' denota-se que o autor ajuizou a presente reclamatória objetivando a condenação da reclamada, dentre outros pleitos, ao pagamento de horas extras e reflexos, inclusive em decorrência da supressão do intervalo intrajornada (vide petição inicial - fls. 08/09 - item '9').
Logo, há expressa pretensão autoral na peça vestibular em relação ao pleito principal de horas extras, de sorte que pode-se perfeitamente condenar a ré ao pagamento do período destinado à alimentação e descanso, pois, reitere-se, as horas extras foram originalmente pretendidas.
Trata-se de adequação dos fatos à determinado diploma legal específico, em face da máxima 'juria novit curia', pois é perfeitamente possível o reconhecimento do fato e do fundamento jurídico do pedido feito pelo reclamante, sem, portanto, que se implique em 'mutatio libelli', situação esta última, sim, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Portanto, fica rejeitada a argüição de julgamento 'extra petita'.
NO MÉRITO
DA PRESCRIÇÃO BIENAL - DA UNICIDADE CONTRATUAL
Redargúi a reclamada prescrição bienal, insistindo na assertiva de que houve consideráveis intervalos entre os contratos, em especial aquele findado em 26.11.2004, exclusivo de safra, sendo que o sucessivo foi abrangendo períodos de plantio e colheita, em atenção ao termo de ajustamento de conduta firmado com a Procuradoria do Trabalho desta Região. No mérito, sustenta que a unicidade contratual não pode ser reconhecida, uma vez que por ocasião dos respectivos términos dos contratos o autor recebeu todas as verbas que lhe eram devidas, na forma da legislação vigente.
SEM RAZÃO, CONTUDO.
A prova dos autos confirma que o reclamante manteve com a reclamada os seguintes contratos de trabalho (vide CTPS´s - fls. 24/32):
- De 17.02.1997 a 30.04.1997;
- De 05.05.1997 a 06.12.1997;
- De 02.03.1998 a 24.04.1998;
- De 27.04.1998 a 30.11.1998;
- De 19.04.1999 a 05.11.1999;
- De 21.02.2000 a 14.04.2000;
- De 05.05.2000 a 06.11.2000;
- De 01.03.2001 a 12.04.2001;
- De 02.05.2001 a 13.11.2001;
- De 04.03.2002 a 13.04.2002;
- De 22.04.2002 a 11.11.2002;
- De 10.02.2003 a 13.04.2003;
- De 14.04.2003 a 10.11.2003;
- De 16.02.2004 a 14.04.2004;
- De 19.04.2004 a 26.11.2004;
- De 01.02.2005 a 24.11.2005.
É prevalente nesta 5ª Turma e 10ª Câmara, o entendimento no sentido de que se o lapso de tempo decorrido entre as contratações for igual ou inferior a seis (06) meses, deverá ser reconhecida a unicidade contratual.
No caso, entre os términos e os inícios dos contratos decorreram apenas alguns dias, ou poucos meses, sendo nulas, portanto, as sucessivas e recorrentes contratações para se trabalhar nas safras e/ou entressafras, com pequenos e exíguos períodos temporais entre um contrato e outro, inclusive em relação aquele contrato de trabalho findado em 26.11.2004.
Não se desconhece a previsão legal do chamado "contrato de safra", cuja duração depende de variações estacionais da atividade agrária, prevista no artigo 14, parágrafo único, da Lei nº 5.889/73.
O conceito de safra, para se aquilatar a validade ou não do contrato de safrista celebrado pelas partes, deve-se orientar pelo disposto no parágrafo único do art. 19 do Decreto nº 73.626/74, a safra abrange desde o preparo do solo, plantio, tratos culturais e colheita. Esta noção, contudo, não se coaduna com as "culturas permanentes", de longo ciclo produtivo, eis que não ocorrem anualmente estas etapas para se alcançar a produção (vide art. 14 do Decreto 55.891, que regulamenta vários capítulos da Lei nº 4.504/64). Por definição legal, a produção de cana é "lavoura permanente", coincidindo, então, a safra com o período da colheita, apenas.
É fato público e notório que a colheita de cana no Estado de São Paulo e toda região Sudeste do Brasil se inicia por volta de abril/maio e se encerra entre novembro/dezembro de cada ano.
A autorização legal de contratação a prazo certo, por ser restritiva de direito, deve sofrer interpretação não ampliada, nunca dando-se-lhe a elasticidade que quer dar a reclamada. Eis aí, a rígida disciplina do artigo 443 da CLT, traçando normas gerais sobre o tema, entre as quais se encaixa a contratação por safra, sem prejuízo do artigo 14 da Lei nº 5.889/73.
Se interpretado diversamente, com todo respeito, nas atividades agrícolas de lavoura temporária ou permanente, não haverá contratação de mão-de-obra permanente, pois só haveria safra!!! É de se perguntar, então, qual a razão da disciplina pela Lei nº 5.889/73 do contrato a prazo incerto na lavoura?
Se a Lei nº 5889/73 permite a contratação por safra e com isso, a possibilidade de as partes celebrarem sucessivos contratos por safra, não legitima, entretanto, que após o período da safra o empregado seja recontratado, de imediato, para o período de entressafra. Não há previsão legal de contratação por prazo certo no período de entressafra.
Desse modo, a sucessão de contrato por safra e entressafra fere frontalmente o artigo 452 da CLT, aplicável ao trabalhador rural, pelo que se observa do Decreto nº 73626/74, que regulamenta a Lei nº 5889/73.
Nessa linha, neste Regional, já se decidiu que:
"Com efeito, nos termos do parágrafo único do art. 14 da Lei nº. 5.889, de 8 de junho de 1973, contrato de safra é aquele cuja "(...) duração dependente de variações estacionais da atividade agrária". A cultura de cana-de-açúcar, no entanto, exige atividade constante, pois a renovação dos canaviais não se dá anualmente, mas permite ao produtor 4 (quatro) ou mais cortes. O labor nessa atividade, portanto, não pode ser considerado sazonal. Na verdade, apenas a colheita tem essa característica, já que é feita uma vez ao ano, em períodos determinados (de maio a novembro). Desse modo, o trabalhador contratado para a capina, o corte, o plantio e os serviços de manutenção da lavoura canavieira não se qualifica como safrista, mas como empregado permanente nas atividades do empregador." (Proc. TRT 15ª Região Nº.13.401/2000-ROS-0 - Juiz Relator Luiz Antonio Lazarim).
No presente caso, reitere-se, restou flagrantemente demonstrado que a empregadora pretendeu contar com a mão-de-obra do empregado de forma permanente, em todo o ciclo produtivo da cana-de-açúcar, visto que contratou o reclamante por prazo determinado por 16 (dezesseis) períodos, entre os quais, houve intervalos temporais de três meses, no máximo.
É certo que durante este longo período, houve ano em que se identifica contrato somente de safra, porém, em período anteriores e posteriores detecta-se a contratos seguidos de recontratação que ensejam a soma de períodos descontínuos.
Tal prática da reclamada esbarra no artigo 9º da CLT, eis que visa fraudar, impedir e desvirtuar a aplicação da regra geral e legal, consistente na regular contratação por prazo indeterminado.
Registro ainda que é totalmente ineficaz cláusula de norma coletiva que estipula acerca da contratação prazo certo para entressafra, em lavouras de cana-de-açúcar, porque se cuida de cultura de trato permanente, já que a substituição da lavoura se dá pelo replantio a cada quatro ou cinco anos. Cláusula normativa nesse sentido viola o artigo 14 da Lei 5.889/73 e o inciso XXVI do artigo 7º da CF/88.
Aqui tem pertinência o entendimento da Súmula nº 153 do TST:
"Da extinção do último contrato começa a fluir o prazo prescricional do direito de ação em que se objetiva a soma dos períodos descontínuos de trabalho (ex-prejulgado nº 31)".
Correta, portanto, a r. sentença que reconheceu a soma dos períodos descontínuos que resultam, os períodos somados, em um único contrato, não havendo que se falar, portanto, em prescrição bienal, nem em reforma da condenação ao pagamento de aviso prévio e da multa de 40% do FGTS.
Nego provimento.
DAS HORAS EXTRAS (DOMINGOS E FERIADOS)
Em relação às horas extras, argumenta a ré que não são devidas quaisquer extraordinárias ao reclamante, assim como que também todos os domingos e feriados, quando laborados e não folgados, foram corretamente pagos em dobro, conforme atestam os respectivos recibos de pagamento.
SEM RAZÃO A RECLAMADA.
Por ocasião da audiência de instrução, a reclamada confessou que embora contasse com mais de 10 (dez) empregados não possuía os controles de jornada do reclamante (vide ata de audiência - fls. 194).
A não-apresentação dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual, portanto, por ser 'juris tantum', pode ser elidida por prova em sentido contrário.
Assim sendo, dessume-se a obrigatoriedade da juntada dos controles de ponto pela reclamada, sob pena de presumirem-se verdadeiros os horários alegados pelo autor, conforme disposição contida no item I da Súmula nº. 338 do TST:
" ...... I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. ......"
À teor do § 2° do artigo 74 da CLT, o empregador que conta com mais de 10 funcionários está obrigado a anotar, em registro manual, mecânico ou eletrônico, os horários de entrada e saída. O dispositivo legal tem caráter de norma de ordem pública e seu descumprimento invariavelmente dificulta ao empregado a prova do serviço complementar, haja vista que o deixa à mercê da disponibilidade de eventuais depoimentos testemunhais.
Assim, é expressamente determinado pela CLT a obrigatoriedade do empregador de pré-constituir esse tipo de prova. Para complementar, o CPC, em face do princípio da concentração da prova, fixa seu momento de apresentação:
Art. 396 - Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.
Em arremate, ensina Christovão Piragibe Tostes Malta, " ... o ônus da prova é invertido quando há uma presunção em favor de quem normalmente estaria incumbido do encargo de comprovar o fato controvertido ... " (Prática do Processo Trabalhista, 33º edição, LTr, pág. 459).
Aqui, reitere-se, a ré e confessa quanto ao fato de não existir cartões de ponto em relação ao reclamante. A presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho que daí decorreu, não foi elidida por prova em contrário.
Logo, correta a r. sentença ao reconhecer que são devidas horas extras ao reclamante, decorrentes da extrapolação da normal jornada de trabalho, tanto a diária como a semanal, assim como pelo trabalho em domingos e feriados.
Nego provimento.
DO INTERVALO INTRAJORNADA - APLICAÇÃO DO ART. 71, § 4º, DA CLT, AO TRABALHADOR RURAL
Quanto ao intervalo intrajornada, assevera a demandada que pelos próprios argumentos da petição inicial é presumível que o reclamante dispunha de intervalo para alimentação e descanso, pois apenas não tinha horário específico para realizá-lo, mas que poderia ser as 10, 11 ou 12 horas, por exemplo. De todo modo, o art. 71, § 4º, da CLT, é inaplicável ao trabalhador rural, pois prevalece os usos e costumes da região, nos termos da legislação específica que rege a matéria.
SEM RAZÃO.
Com todo respeito às abalizadas opiniões em sentido contrário, entendo que o disposto no artigo 5º da Lei nº. 5.889/73 não exclui, por si só, a aplicação do artigo 71 da CLT. Com efeito, a legislação que regula o trabalho rural, Lei nº. 5.589/73, já em seu § 1º assevera que é aplicável ao rurícola os termos da Consolidação das Leis do Trabalho. O artigo 5º de tal legislação assevera que, ao trabalho contínuo com duração superior a seis horas, será obrigatória a concessão de intervalo para repouso e alimentação, observado os usos e costumes da região, intervalo este que deve ser de no mínimo 01 hora, na forma do Decreto nº. 73.626, de 12.02.74, que aprovou a regulamentação da Lei nº. 5.589/73 e que, em seu artigo 5º, § 1º, assevera que é obrigatória a concessão de no mínimo uma hora de intervalo para repouso e alimentação, observados os usos e costumes da região, para todo trabalho contínuo cuja duração seja superior a seis horas.
Denota-se, à toda evidência, que a previsão mínima de duração do intervalo para os rurícolas é a mesma do trabalhador urbano. Decorre daí que tendo o intervalo rural finalidade idêntica àquela prescrita para o trabalhador urbano, não há impedimento legal algum para que seja aplicada ao rurícola a regra insculpida no § 4º do artigo 71 da CLT, que visa a coibir a supressão, ainda que de forma parcial, do intervalo para alimentação e descanso.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:
"TRABALHADOR RURAL. INTERVALO INTRAJORNADA. ART. 71, § 4º, DA CLT. APLICAÇÃO. Nos termos do art. 5º, § 1º, do Decreto nº 73.626/74, que regulamenta a Lei nº 5.889, de 8.6.1973, será obrigatória, em qualquer trabalho contínuo de duração superior a 6 (seis) horas, a concessão de um intervalo mínimo de 1 (uma) hora para repouso ou alimentação, observados os usos e costumes da região . No vetor orientado pelo caput do art. 7º da Constituição Federal quando equipara os trabalhadores urbanos e rurais e não observada a interrupção mínima da jornada ou os usos e costumes, estende-se ao rurícola a previsão do art. 71, § 4º, da CLT. Evolução jurisprudencial. Precedentes. Recurso de revista conhecido e desprovido. (TST, 3ª T., RR 912/2001-049-15-00, Rel. Min. Alberto Bresciani, DJ 08/02/2008)
Destaque-se que questão foi recentemente pacificada através da edição da Orientação Jurisprudencial nº 381 da SBDI-1 do TST, do seguinte teor:
OJ 381. INTERVALO INTRAJORNADA. RURÍCOLA. LEI N.º 5.889, DE 08.06.1973. SUPRESSÃO TOTAL OU PARCIAL. DECRETO N.º 73.626, DE 12.02.1974. APLICAÇÃO DO ART. 71, § 4º, DA CLT. A não concessão total ou parcial do intervalo mínimo intrajornada de uma hora ao trabalhador rural, fixado no Decreto n.º 73.626, de 12.02.1974, que regulamentou a Lei n.º 5.889, de 08.06.1973, acarreta o pagamento do período total, acrescido do respectivo adicional, por aplicação subsidiária do art. 71, § 4º, da CLT.
Diante do exposto, ante a ausência da juntada dos cartões de ponto, conforme já acima exaustivamente relatado, tem-se que o período intervalar não foi regularmente concedido pela empregadora, devendo ser compelida ao pagamento do período correspondente, conforme já fixado em primeiro grau.
Nego provimento.
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Por fim, argumenta a a reclamada ser indevida a verba honorária.
COM RAZÃO.
Os honorários advocatícios, nas reclamações trabalhistas típicas, são devidos se presentes os requisitos de art. 14 da Lei nº. 5.584/70. Isto porque, consoante a jurisprudência do TST, os arts. 791 da CLT e 14 da Lei nº. 5.584/70 foram recepcionados pela nova ordem constitucional, conforme a sua Súmula nº. 329, que manteve o entendimento expresso anteriormente na Súmula nº. 219.
O art. 133 da CF/88 tão-somente reconhece o caráter de 'munus' público e da relevância da função de advogado para a prestação jurisdicional.
Ressalte-se que o inciso I, 'in fine', do art. 1º da Lei nº. 8.906/94, está suspenso pelo STF, em relação aos Juizados Especiais, à Justiça do Trabalho e de Paz, pela na ADIn nº. 1.127-8 DF, DJU, de 14.10.94, subsistindo o 'ius postulandi'.
As disposições dos arts. 389 e 404 do Código Civil, são inaplicáveis ao processo do trabalho, em razão de haver norma expressa disciplinando a matéria.
Na hipótese, ausentes os requisitos previstos pelo art. 14 da Lei nº. 5.584/70, pois o reclamante não está assistido pelo sindicato da categoria.
Portanto, sendo indevida a verba honorária, dou provimento ao apelo.
Por tais fundamentos, decide-se conhecer do recurso ordinário da reclamada, para rejeitar as questões preliminares e ainda a prejudicial de prescrição bienal e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, mas apenas para excluir da condenação o pagamento de honorários advocatícios, nos termos da fundamentação, integrante do presente dispositivo. Mantenho íntegra em seus demais aspectos a r. sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos.
DESEMBARGADOR JOSÉ ANTONIO PANCOTTI
RELATOR
JURID - Trabalhador rural. Contrato de safra e entressafra. [03/08/10] - Jurisprudência
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