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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

JURID - Ofensa ao princípio da identidade física do juiz. [02/08/10] - Jurisprudência


Danos morais. Ofensa ao princípio da identidade física do juiz. Criança que apresenta perigo de morte.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Cível n. 2006.035745-7, de Chapecó

Relator: Juiz Saul Steil

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. AFASTADO. CRIANÇA QUE APRESENTA PERIGO DE MORTE. ATENDIMENTO POR ESPECIALISTA NÃO OFERECIDO PELA ENTIDADE HOSPITALAR E COOPERATIVA MÉDICA CONTRATADA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEFEITUOSO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. FIXAÇÃO DO QUANTUM. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. VALOR FIXADO ADEQUADAMENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz quando o magistrado que prolatou a sentença é diverso do que instruiu o feito se não houver prejuízo algum as partes e o magistrado que presidiu a audiência de instrução e julgamento fora promovido para outra comarca.

Sabe-se a imensurável angústia e sofrimento que os pais sofrem a ver seu filho correndo risco de morte sem que a entidade hospitalar e cooperativa médica por si contratada tomem as providências necessárias para o atendimento urgente da criança por médico especialista a fim de remover o objeto que dificulta a respiração da criança. Sem contar a fragilidade emocional que acomete os pais da criança em razão a incerteza de atendimento apto a afastar o perigo de morte por aqueles que possuíam o dever de buscar rapidamente solucionar o problema ao invés de se ater a meras questões administrativas.

É entendimento corrente que na condenação a título de danos morais, cumpre ao julgador sopesar a proporcionalidade e a razoabilidade dos valores fixados, para garantir que a reparação não se constitua motivo de enriquecimento indevido, mas, ao mesmo tempo, seja elemento de desestímulo à repetição do ato ilícito.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.035745-7, da comarca de Chapecó (3ª Vara Cível), em que são apelantes Unimed de Chapecó - Cooperativa de Trabalho Médico da Região Oeste Catarinense Ltda.e outro, e apelados Ronaldo Matte e outro:

ACORDAM, em Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Ronald Matte e Valdirene Salete Ribeiro ajuizaram Ação de Indenização por Danos Morais contra Unimed de Chapecó - Cooperativa de Trabalho Médico da Região Oeste Catarinense Ltda e Hospital Uniclinicas, já qualificados nos autos, alegando, resumidamente, que contrataram para si e para seus dois filhos plano de saúde com a primeira requerida em 01/10/98. Aduz que em 20/09/02, por volta das 21:30 horas, seu filho Eduardo, de três anos de idade, engoliu uma moeda, impedindo sua respiração por ter ficado alojada na região do esôfago. Aventa que assustados e por possuir seu filho plano de saúde da primeira ré, dirigiram-se ao hospital requerido, ocasião em que foram atendidos pelo médico de plantão, o qual realizou exame de raio-X e verificou que o objeto estava no esôfago da criança e que necessitaria urgentemente ser retirada por um especialista. Alega que horas se passaram sem que fosse encontrado um especialista credenciado para atendimento do menor. Falam que enquanto aguardavam atendimento, adentrou no hospital o Dr. Paulo Benites, o qual mesmo não sendo credenciado ao plano de saúde que possuíam, prontificou-se a realizar o procedimento cirúrgico em virtude da gravidade do caso. Aduzem que o recepcionista do nosocômio réu telefonou para o Diretor Clínico do Hospital, solicitando autorização para que fosse realizado o procedimento cirúrgico, o qual, todavia, foi negado. Alega que mesmo sem a autorização para realização da cirurgia, dirigiram-se com o Dr. Paulo Benites ao Hospital Regional de Chapecó para que fosse retirada a moeda alojada no esôfago de seu filho. Aventam que o Dr. Paulo ainda necessitou telefonar ao Dr. Waldir Savi Jr, este credenciado pela requerida, solicitando que levasse a entidade hospitalar o equipamento necessário para proceder com a cirurgia, a qual, após mais de três horas foi realizada com sucesso. Falam que as requeridas agiram com negligência ao não encontrar especialista para proceder a negativa, bem como com descaso ao não permitir que o Dr. Paulo realizasse a cirurgia, sofrendo em decorrência dos fatos evidentes danos morais, os quais pugnam indenização. Requereram a citação das rés com a final procedência dos pedidos formulados para condenar as requeridas ao pagamento de indenização por danos morais, pugnando ainda pelo benefício da assistência judiciária gratuita.

Pelo despacho de fls. 45 foi concedido aos autos o benefício da gratuidade de justiça e determinada a citação das rés.

Devidamente citadas, as requeridas apresentam reposta na forma de contestação, aduzindo que o filho dos autores foi atendido pelo médico de plantão que encontrava-se no hospital,o qual determinou que fosse realizado exame de raio-X. Aventa que realizado o exame, foi constado que a moeda ficara alojada no esôfago da criança, não trazendo qualquer perigo de morte a criança, devendo o paciente apenas ficar em observação até a chegada de um especialista. Aduzem que o médico plantonista solicitou as atendentes que fosse chamado um especialista para atendimento do menor e antes que este chegasse ao local os autores deliberadamente se retiraram do local, acompanhados do Dr. Benittes, não podendo concluir o atendimento iniciado. Fala que não praticaram ilícito algum, bem como que os autores não sofreram danos de ordem extrapatrimonial. Ao final, requereram a improcedência dos pedidos formulados na inicial.

Réplica às fls. 126/130.

Foi designado dia e hora para a realização de audiência de conciliação, instrução e julgamento (fls. 132), oportunidade em que foi proposta a conciliação, a qual, todavia, restou inexitosa. Em seguida, foram tomados os depoimentos pessoais das partes e inquiridas duas testemunhas, tendo sido encerrada a instrução do feito (fls. 141).

Alegações finais às fls.162/165 e 166/174.

Sobreveio a sentença de fls. 176/191, a qual julgou procedente os pedidos formulados pelos autores, condenando as requeridas ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização por danos morais, além de custas processuais e honorários advocatícios, este fixado em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação).

Insatisfeitas com a prestação jurisdicional apresentada, as requeridas apresentaram recurso de apelação, arguindo em preliminar a nulidade da sentença por ofensa ao princípio da identidade física do juiz. No mérito, alegam que sua responsabilidade é subjetiva, sendo imprescindível a prova de sua culpa. Aventa que não agiram com culpa, tendo efetuado o atendimento do filho dos autores e custeado todas as despesas que lhe competiam, e não tendo praticado ilícito algum, não há o que indenizar. Falam que não foi negado que o Sr. Paulo Benites efetuasse o atendimento do paciente, mas sim que nenhum pedido foi realizado. Alegam que não possuem o dever de indenizar, ressaltando que os autores não sofreram danos de ordem extrapatrimonial, mas tão somente meros dissabores e aborrecimentos. Argui a inexistência de nexo de causalidade por decorrer a dor dos autores do estado em que se encontrava seu filho, e não do atendimento por si realizado. Aduzem, caso o órgão julgador entenda que os autores sofreram danos morais, que os valor da indenização deve ser minorado, porquanto fixado em quantia elevada. Por fim, requereram seja o recurso conhecido e provido para acolher a preliminar arguida e reformar o decisium aquo ou, ainda, julgar improcedente os pedidos formulados na inicial, ou, sucessivamente, minorar a indenização por danos morais.

Contrarrazões às fls. 233/238

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

Insurgem-se as apelantes/rés contra a sentença de primeiro grau que julgou procedente os pedidos formulados pelos apelados/autores, condenando-as ao pagamento de indenização por danos morais sob o fundamento que

Preliminarmente, alegam as apelantes/requeridas que houve ofensa ao princípio da identidade física do juiz, sob o argumento que o magistrado que instruiu o feito e o que julgou o processo são diversos.

Razão não assiste às apelantes.

É que, mesmo o juiz prolator da sentença sendo diverso do que instruiu o feito, a ofensa ao princípio da identidade física do juiz só resta caracterizada quando há manifesto prejuízo as partes, uma vez que sua aplicação tem sido atenuada pelo tribunais superiores, senão vejamos:

"Ação de despejo; retomada, para uso próprio, de prédio não residencial. - irrelevância da menção do dispositivo legal , quando resultar certo, da inicial, o fundamento do pedido. - Desnecessidade de dar-se ciência aos hóspedes de hotel, qu não são sublocatários. - Rejeição de argüição de nulidades, por ausência de prejuízo. Não se reveste de caráter absoluto o princípio da identidade física do juiz. - Prazo para a desocupação fixado pela lei. - Inexistência de ofensa à lei federal. - Dissídio jurisprudencial não demonstrado na forma da súmula 291. - Julgado que não pode ser considerado, em face da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal. - Recurso extraordinário não conhecido" (RE n. 85.615, de Goiás, rel. Mim. Eloy da Rocha, Julgado em 04/04/1975).

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ (ART. 132 DO CPC). REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 07/STJ. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

4. Não basta invocar nulidade do ato processual, tornando-se imperioso ventilar qual o prejuízo efetivamente havido, inexistente, in casu. Em face do princípio da finalidade e ausência de prejuízo, resta descaracterizada a ofensa ao art. 132 do CPC. A simples alegação de afronta ao texto legal não tem o condão de acarretar a nulidade da sentença, uma vez que o Princípio da Identidade Física do Juiz não tem caráter absoluto, podendo ceder frente ao Princípio da Instrumentalidade.

5. "Nos termos da nova redação dada ao art. 132, CPC, que veio ratificar anterior inclinação da jurisprudência, o afastamento do juiz que concluiu a audiência de instrução, colhendo a prova oral, não impede que seja a sentença proferida pelo seu sucessor, o qual, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. Não se reveste de caráter absoluto o princípio da identidade física do juiz. As substituições do titular por substituto designado pela Corregedoria em regime de cooperação tem por intuito a agilização da prestação jurisdicional" (REsp nº 149366/SC, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 09/08/1999).

(...)" (AgRg no Ag 654298 / RS, Rel. Min. José Delgado, T1 - Primeira Turma, STJ, Julgado em 24/05/05).

Na mesma direção vem julgando esta Corte de Justiça:

"PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - REGRA DE CARÁTER RELATIVO QUE VEM SENDO MITIGADA A BEM DA CELERIDADE E EFETIVIDADE REQUERIDAS AO PROCESSO VIGENTE.

Para que seja reconhecida nulidade por conta do princípio da identidade física do juiz, não basta a simples alegação, é necessário seja evidenciado o prejuízo suportado pela parte com a realização dos atos em desconformidade com o preceito invocado.

O princípio da identidade física do juiz vem sendo mitigado pelo Judiciário, não só a bem da celeridade e efetividade requeridas ao processo vigente, mas também em razão da realidade prática procedimental dos dias atuais" (Apelação Cível n. 2001.011483-6, de Tubarão, Rel. Des. Subst. Jaime Luiz Vicari. Segunda Câmara de Direito Civil, Julgado em 15/10/2008).

"Hodiernamente os tribunais têm atenuado o princípio da identidade física do juiz em prol dos da efetividade e celeridade processuais no sentido de não nulificar a sentença proferida por magistrado diverso do que presidiu a audiência de instrução e julgamento quando evidenciada a inexistência de prejuízo às partes" (Apelação Cível n. 2008.039605-3, de Porto Belo, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, Julgado em 31/03/2009).

No caso em análise, observa-se que realmente a sentença fora proferida por magistrado diverso do que aquele que tomou os depoimentos pessoais das partes e inquiriu as duas testemunhas, todavia tal fato não trouxe prejuízo algum as partes.

Ademais, necessário enfatizar que os autos restaram conclusos à magistrada que instruiu o feito em abril de 2005. Todavia, referida magistrada foi promovida para a Comarca da Capital como 8ª Juíza Especial em meados de julho daquele ano, fato este que impossibilitou o julgamento da demanda em razão do disposto na parte final do artigo 132, do Código de Processo Civil, que assim disciplina:

"Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor".

Destarte, não há falar em nulidade da sentença de primeiro grau por ofensa a identidade física do juiz, primeiro porque não houve prejuízo algum as partes e, segundo, por ter sido a magistrada que instruiu o feito promovida para outra comarca, aplicando, portanto, a parte final do artigo 132, do CPC.

No mérito, aduzem as apelantes/requeridas que sua responsabilidade é objetiva, sendo imprescindível a prova de sua conduta culposa.

Razão não lhes assiste.

Primeiramente, necessário enfatizar que as partes enquadram-se na condição de consumidor e fornecedor, de acordo com o disposto nos artigos 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável ao caso, portanto, as normas consumeristas.

E, desse modo, imperioso mencionar que a responsabilidade civil das entidades hospitalares e cooperativas de saúde funda-se na teoria objetiva prevista no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa".

Logo, observa-se, da leitura supra, que as apelantes/fornecedoras respondem objetivamente pelos danos causados aos autores/consumidores pelo defeito do serviço por si prestado, salvo se comprovarem que o defeito na prestação do serviço inexiste ou, ainda, a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:

"A responsabilidade das clínicas por defeito na prestação do seu serviço é o previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), adotada a teoria da responsabilidade objetiva" (Apelação Cível n. 2006.001565-2, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. em 13/07/2009).

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. A responsabilidade do hospital é evidenciada na medida em que os estabelecimentos hospitalares passaram a ser considerados fornecedores de serviços com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Tal responsabilidade é objetiva e se baseia no chamado fato ou defeito do serviço (art. 14, § 1º do CDC), constituindo-se ônus do fornecedor que, para vê-la afastada, deve provar que o acidente não teve como causa um defeito do serviço, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Dessarte, não há que se perquirir, no presente feito, a culpa do preposto do nosocômio. A existência do direito perseguido, repita-se, subordina-se ao advento do dano e a presença do nexo de causalidade, levando-se em consideração, para tanto, a estrutura empresarial com a qual o apelado presta os serviços médicos-hospitalares, ou seja, as condições hospitalares que geraram as eventuais falhas do serviço prestado pelo hospital. E, analisando-se as provas constantes nos autos, verifica-se a ausência de conduta do réu, eis que a cirurgia não foi realizada no nosocômio, não havendo, com efeito que se falar em dever de reparar, ainda que se considere a responsabilidade objetiva. Recurso improvido. (TJ-RJ; APL 2009.001.23811; Décima Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Otavio Rodrigues; Julg. 15/07/2009; DORJ 05/08/2009; Pág. 139)

"Defeito na prestação do serviço hospitalar. Art. 14 do CDC. É cediço que os hospitais, na qualidade de prestadores de serviços, respondem independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ao consumidor. Responsabilidade objetiva que somente é afastada quando comprovada a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, nos termos do art. 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor. Dever de indenizar reconhecido" (TJ-CE; AC 2000.0119.0133-1/1; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Lincoln Tavares Dantas; DJCE 02/03/2009; Pág. 100) CDC, art. 14 CPC, art. 475

Desta forma, necessário analisar se restou comprovado nos autos que o defeito do serviço inexiste ou, ainda, que os eventuais danos sofridos pelos apelados/autores decorreram por culpa exclusiva destes.

Compulsando os autos, verifica-se que, muita embora tenha o paciente sido atendido incialmente por um médico plantonista, com a realização de exame de raio-X, não fora disponibilizado ao filho dos apelados/autores todos os meios necessários para solucionar o problema por este apresentado, qual seja, moeda alojada no esôfago, uma vez que os prepostos das apelantes/requeridas não disponibilizaram um especialista para o atendimento da criança, conforme solicitado pelo médico plantonista, ficando os pais do menor sujeitos a sorte e, no caso em apreço, a benevolência do médico que chegou naquele recinto ao acaso e se dispôs a solucionar o problema que acometia a criança.

As declarações da testemunha Paulo Roberto Benites convergem nesse sentido:

"(...) eu fui até o Uniclinicas para fazer um procedimento particular e ali me deparei com um casal em desespero e uma criança com sofrimento respiratório. Pelo que eu me recordo eu cheguei a falar com o Dr. Luiz Inoue, que era o médico plantonista, pediatra, e ele me disse que estaria tentando resolver o problema. Eu me coloquei a disposição para, se necessário, fazer o atendimento. Após o atendimento que eu fiz ao meu paciente, atendimento este que deve ter demorado em torno de 30 minutos, eu retornei e encontrei o casal e a criança. Eu não tenho lembrança se eu solicitou ao Luiz que ele se dirigisse ao diretor clínico para pedir autorização para fazer o procedimento no Uniclínicas ou se foi ele quem fez esse pedido, tomando a iniciativa. O resultado da solicitação eu não soube, mas, considerando que pelo raio-X dava para observar se observar um corpo estranho na região de traquéia e esôfago, e, dado o sofrimento respiratório, tal situação pode ser considerada de urgência, podendo se tornar de emergência e que, em Chapecó só existiria um aparelho próprio, broncoscópio rígido pediátrico, que o aparelho indicado para retirada de corpo estranho intra-bronquico, e pode ser usado no esôfago também, que tal aparelho só havia no hospital Regional, eu tomei as providências para que o casal e a criança se dirigissem ao hospital Regional onde lá foi realizado o procedimento. Durante o procedimento eu percebi que a moeda desceu um pouco mais, até porque a criança foi anestesiada e relaxou mais, razão pela qual eu entendi que precisava de um auxílio através do endoscópio flexível, o qual iria facilitar a retirada. Eu então chamei o Dr. Waldir Savi, que possuía um endoscópio flexível, com pinças para retirada de corpo estranho e ele então me auxiliou com o procedimento com a criança. Eu penso que a Uniclinicas possui um endoscópio flexível. (...) O procedimento que foi realizado na criança é bastante complexo haja vista que é necessária anestesia geral, a criança precisa ficar sem respirar, por alguns segundos, pois a gente tem que trabalhar na traquéia, com um tubo rígido, o que dificulta a respiração. Eu percebi que o Dr. Luiz estava bastante preocupado quando eu cheguei no hospital, e esse foi o motivopelo qual me prontifiquei a atender. (...) Eu penso que o Dr. Waldir Savi poderia ter feito o atendimento da criança no próprio Uniclinicas se ele tivesse sido chamado. Que eu sabia, o Dr. Waldir não chegou a ser contactado naquela oportunidade antes de eu chamá-lo. (...) Eu constatei que a moeda estava no esôfago, após a criança estar anestesiada e ter iniciado o procedimento com o aparelho rígido. Em havendo o sofrimento respiratório, tratando-se de uma criança de dois anos e meio, o procedimento tem que ser feito com urgência, ou seja, a retirada do corpo estranho. (...) Eu entendi que havia risco de vida no caso do Eduardo, e foi por isso que eu me mexi. (...)" (fls. 157/158).

Ademais, as declarações da testemunha Luiz Tsuyoshi Inoue não comprovam a ausência de defeito no serviço prestado pelas apelantes/ré, tampouco a culpa exclusiva dos consumidores ou terceiros, senão vejamos:

"(...) Eu estava de plantão e atendi a criança, verificando através do raio-X que ele estava com um corpo estranho na região cervical. Eu passei a fazer contatos com os especialistas e devo ter contactado uns três os quais me disseram que não podiam fazer o atendimento pois não possuíam o equipamento necessário e nenhum dos três veio ao hospital. (...) Enquanto eu procurava o especialista chegou ao hospital no Dr. Benites e eu então relatei a ele o que estava acontecendo e entreguei o caso para ele, pois ele disse que iria assumir o caso. (...) Era o especialista quem deveria fazer o atendimento a criança, enfim, qual era a conduta a ser adotada com a criança. A minha conduta, quando é o caso que exige especialista é contactá-lo e eu não sei se isso é norma do hospital. Se o Dr. Paulo não tivesse passado pelo hospital eu continuaria a tentar chamar um especialista. (...) Era o especialista quem iria determinar a conduta (...)" (fls. 152/153).

Além do mais, não fora produzida mais nenhuma outra prova pelas apelantes/requeridas capaz de comprovar que o defeito na prestação e serviço inexistiu, ou, ainda, que os eventuais danos sofridos pelos apelados/autores decorrem de sua própria culpa, restando configurado, portanto, o defeito na prestação de serviços pelas apelantes/requeridas.

Ressalta-se que a reparação dos danos ocasionados ao consumidor reclama a configuração dos seguintes requisitos: ato lesivo (causa), dano (conseqüência) e nexo causal entre o primeiro e o último e, comprovado o defeito na prestação de serviços pelas apelantes/requeridas, ou seja, o ato lesivo, passa-se a análise dos alegados danos morais sofridos e, por fim, ao nexo de causalidade.

No que concerne ao dano moral, a nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, determina: "que a todo o cidadão é assegurado o direito de resposta, proporcionalmente ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem" (inc.V). Do mesmo modo também o inc. X dispõe: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

Na mesma linha o art. 186 do Código Civil descreve: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

No mesmo sentido o inc. VI do artigo 6º da Lei 8.078/90, que trata das relações de consumo ordena: "São direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos, patrimoniais e morais, individuais coletivos e difusos."

No caso dos autos, percebe-se que os apelados/autores sofreram evidentes danos morais.

É que sabe-se a imensurável angústia e sofrimento que os pais sofrem a ver seu filho correndo risco de morte sem que a entidade hospitalar e cooperativa médica por si contratada tomassem as providências necessárias para o atendimento urgente da criança por médico especialista a fim de remover o objeto que dificulta a respiração da criança.

Sem contar a fragilidade emocional que acomete os pais da criança em razão a incerteza de atendimento apto a afastar o perigo de morte por aqueles que possuíam o dever de buscar rapidamente solucionar o problema ao invés de se ater a meras questões administrativas.

E, muito embora tenha-se conhecimento que meros aborrecimentos decorrentes do cotidiano não devem ser erigidos ao "status" de danos morais, as peculiaridades do caso, conforme acima mencionado, comprovam o abalo moral sofrido pelos apelados/autores.

Por fim, resta caracterizado o nexo de causalidade, vez que sem o comportamento dos agentes causadores do dano não se verificaria o evento danoso, ou seja, é uma relação lógico jurídica de causa e efeito, devendo as apeladas/rés serem condenadas ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos em virtude do defeito do serviço por si prestados.

Definida a ocorrência do dano moral, a conduta ilícita do agente causador dos danos e o nexo de causalidade, necessário fixar o quantum da indenização a ser paga, mas não sem antes invocarmos os ensinamentos que se colhem do texto de José Raffaelli Santini:

"Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. (...) Melhor fora, evidentemente, que existisse em nossa legislação um sistema que concedesse ao juiz uma faixa de atuação, onde se pudesse graduar a reparação de acordo com o caso concreto. Entretanto, isso inexiste. O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz" (in Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática, Agá Júris, 2000, pg. 45).

Desta forma, a quantificação dos danos morais fica ao prudente arbítrio do juiz, que fundamentará sua decisão com os critérios de razoabilidade, condenando a parte ré a pagar valor que não importe enriquecimento ilícito sem causa para aquele que suporta o dano, mas uma efetiva reparação.

Assim, para uma decisão justa, deve-se analisar a culpa do causador do dano, o grau de sofrimento da vítima e a situação econômica de ambas as partes, para não ensejar a ruína ou a impunidade daquele.

Neste sentido, colhe-se do TJ/SC:

"(...) Deve ser mantido quantum reparatório baseado nos critérios de razoabilidade/proporcionalidade, fixando-se valor que não seja fonte de lucro à vítima e que não gere revolta ao patrimônio moral do ofendido". (Apelação Cível n. 2006.049201-2, de Caçador, Rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 08/09/2008).

"O valor fixado a título de danos morais deve ser apto a servir de advertência ao lesante para que seja mais diligente em seus serviços, bem como justo a compor o sofrimento da vítima. Se a indenização deferida em primeiro grau se mostrar incapaz de compensar os autores pelo sofrimento por qual passaram, deve ser majorada pelo Tribunal, para que atinja valor justo e razoável" (Apelação Cível n. 2006.007669-8, de Brusque, Rel. Des. Mazoni Ferreira, j. em 22/02/2008).

Traz mesmo posicionamento o Superior Tribunal de Justiça:

"Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima" (REsp n. 355392/RJ, Rel. Min. Castro Filho, j. em 26.3.2002).

Pelo que se extrai da sentença, a indenização ficou fixada no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). E, observando-se os parâmetros mencionados, a indenização por danos morais deve ser mantida na quantia em foi arbitrada em primeiro grau, uma vez que referido valor mostra-se adequado para oferecer aos apelados/autores uma compensação pelos prejuízos experimentados e reprimir a conduta ilícita das apelantes/requeridas.

Por oportuno, menciono que o juiz não está obrigado a pronunciar-se sobre a integralidade do pedido deduzido na pretensão judicial quando houver nos autos elementos suficientes à dicção do direito.

Neste sentido é a orientação da Jurisprudência:

"O Juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos" (RJTJESP 115/207, apud Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Theotonio Negrão, 33ª ed., Saraiva, comentários ao art. 535, verbete 117).

Diante da fundamentação acima exarada, é de se conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo-se a sentença de primeiro grau nos termos em que foi proferida.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento provimento.

O julgamento, realizado no dia 10 de junho de 2010, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jorge Luiz de Borba.

Chapecó, 11 de junho de 2010.

Saul Steil
Relator




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