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terça-feira, 3 de agosto de 2010

JURID - Obrigação de Fazer. Condenação [03/08/10] - Jurisprudência


Seguro de saúde que não garantiu reembolso é condenado pela Justiça.



Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT

Circunscrição: BRASÍLIA
Processo: 2010.01.1.063905-8
Vara: 5° JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Processo: 2010.01.1.063905-8
Ação: OBRIGAÇÃO DE FAZER
Requerente: RAFAEL MORAES LACERDA
Requerido: BRADESCO SAÚDE



Sentença

Dispensado o relatório, na forma do artigo 38 da lei 9.099/95.

DECIDO.

Ao que se depreende dos autos, o autor argumenta que firmou contrato de seguro saúde com a ré no ano de 2.001 e, em 10/06/2009, precisou se submeter a um exame genético, denominado "SEQUENCIAMENTO DOS GENS KCNQ1, KCNH2, SCN5A, KCNEI e KCNE2 - SIGLA PQT - análise molecular de DNA para doenças genéticas", cuja cobertura foi recusada pela ré, sob o argumento de que não estava previsto no contrato. Em razão da recusa da ré e, devido à urgência do procedimento, desembolsou a quantia de R$ 11.815,00 para a realização do referido exame, cujo valor lhe foi negada a restituição, haja vista a resposta contida no documento de fls. 36. Pede a condenação da ré ao pagamento deste valor, cujo comprovante de pagamento está acostado às fls. 34 dos autos.

Em contestação, a ré argumenta que o exame não tem previsão de cobertura contratual, conforme cláusula 4, alínea "r", do contrato de prestação de serviços de saúde firmado entre as partes. Além disso, argumenta que a cobertura é limitada aos riscos previstos no contrato.

O pedido do autor deve ser acolhido na íntegra pelas mais diversas razões.

O contrato de prestação de serviços firmado entre as partes tem por objeto a preservação da saúde e da integridade física do autor consumidor. A saúde é um bem de relevante interessado, razão pela qual está atrelada ao princípio da dignidade da pessoa humana. O contrato de prestação de serviço de saúde somente atinge o seu objetivo e a sua necessária função social quando a cobertura de exames e procedimentos é suficiente para garantir ao consumidor deste serviço diferenciado a necessária dignidade, princípio fundamental para a própria existência da República. No caso, o exame solicitado pelo autor era indispensável para a preservação da sua saúde, objeto do contrato firmado entre as partes. Ainda que houvesse qualquer restrição contratual, esta não poderia prevalecer diante destes princípios basilares contratuais, uma vez que o contrato só terá legitimidade e tutela se for adequada para resguardar a saúde de um dos contratantes.

O óbice imposto pela ré é abusivo por violar a necessária boa-fé objetiva e principalmente a função social e econômica destes tipos de contratos. Tais contratos somente atenderão a esta função social se puderem garantir vida digna ao consumidor. Se a dignidade do consumidor dependia do exame, não há norma administrativa que possa ser oposta a tais princípios fundamentais do cidadão, em especial daquele que firma um contrato desta natureza. As cláusulas contratuais que restringem um atendimento adequado para fins de exames clínicos, internações ou pós-operatórios são nulas de pleno direito diante da legislação do consumidor. Segundo dispõe o artigo 51 do CDC, são nulas de pleno direito as cláusulas que impliquem renúncia de direitos (inciso I) ou que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé objetiva e a equidade (justiça. - inciso IV). A nulidade de uma cláusula não invalida o contrato de consumo, nos termos do § 2º do artigo 51 do CDC. Portanto, a cláusula que venha a excluir um procedimento essencial para o resguardo da vida digna é nula de pleno direito, pois o objetivo principal de um contrato de seguro saúde ou planos de saúde é a preservação da vida, da forma mais adequada possível.

Se não bastassem tais considerações, as despesas do autor com o referido exame não estão excluídas expressamente pela cláusula 4. A ré se apega a uma exclusão genérica e arbitrária constante no item "t" da referida cláusula. Segundo esta cláusula: Também estariam excluídos os procedimentos não constantes do ROL de Procedimentos Médicos previsto na Regulamentação editada pela ANS. No entanto, o consumidor não pode ser submetido a cláusula desta natureza. Aliás, a finalidade desta cláusula é excluir tratamentos inovadores ou experimentais, que já estariam vedados pela alínea "a" e não excluir tratamentos necessários e adequados às normas médicas para o tratamento e um diagnóstico preciso.

A resolução n.º 67 da ANS que altera o Rol de Procedimentos Médicos prevê exames genéticos, embora não seja específica. Diante da complexidade atual dos procedimentos médicos, fica praticamente impossível listar todos os possíveis exames, os quais recebem as mais diversas denominações no âmbito médico. Não há um padrão semântico para alguns exames e isso não pode conflitar com os direitos fundamentais da pessoa humana em ter um tratamento de saúde adequado e eficiente. A ré se vale do Rol de Procedimentos Médicos e suas omissões para não cobrir exames de alto custo, essenciais para o resguardo da vida de seus consumidores. Isso implica violação do dever ético de lealdade que deve

existir em contratos desta natureza.

E mais: A própria lei 9.656/98 exige que os planos de saúde de todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos e exames necessários para o resguardo da saúde dos clientes destes planos e seguros. Não pode, sob qualquer pretexto, a ré invocar normas administrativas, ainda que seja da ANS, para negar cobertura a exames essenciais. A recusa em cobrir tais exames viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e os princípios sociais contratuais da função social e boa-fé objetiva, bem como a lei do consumidor e dos planos e seguro saúde. Essa tática de se prender a normas administrativas para negar cobertura de qualquer tipo procedimento é um atentado contra os direitos fundamentais e, por isso, não merece qualquer tipo de tutela. A ré é inadimplente com suas obrigações contratuais e, por isso, deve suportar as conseqüências da sua mora.

Por todos estes motivos, deve a ré restituir ao autor o valor que o mesmo foi obrigado a pagar para realizar o exame.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido e o faço para condenar a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 11.815,00 (onze mil oitocentos e quinze reais), cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos encargos desde 30/06/2009, tudo nos termos da fundamentação. Não há que cogitar em multa diária no caso de inadimplemento de obrigação de dar dinheiro, mas apenas no caso de descumprimento de obrigação de fazer, o que não é o caso neste momento. Julgo o processo, com resolução do mérito, com fundamento no artigo 269, I, do CPC. Sem custas e sem honorários, na forma do artigo 55 da lei 9.099/95.

Transitado em julgado, arquivem-se os autos.

Brasília - DF, quarta-feira, 21/07/2010.


Daniel Eduardo Branco Carnacchioni
Juiz de Direito Substituto



JURID - Obrigação de Fazer. Condenação [03/08/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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