Notícias STFQuarta-feira, 18 de abril de 2012DEM afirma que decreto de terras quilombolas distorce texto constitucional
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta tarde (18) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239) proposta em 2004 pelo DEM (então PFL) contra o Decreto 4.887/2003, que regulamentou o reconhecimento, demarcação e titulação das terras de comunidades quilombolas, que são os descendentes de escravos. Primeiro a falar aos ministros da Corte, o representante do DEM, Carlos Bastide Horbach, afirmou que o decreto “distorce o texto constitucional”.
O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) dispõe que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. O decreto questionado foi editado exatamente para regulamentar o ADCT, que, para o advogado do DEM, já “é de uma clareza evidente”.
Ele explicou que, pelo ADCT, a data da promulgação da Constituição, ou seja, o dia 5 de outubro de 1988, passou a ser o marco para se reconhecer os locais de ocupação de comunidades quilombolas. Ou seja, o requisito fixado pelo texto constitucional para se reconhecer uma terra como de propriedade de quilombo se resumiria à expressão “estar ocupando (a terra)” a partir da data de promulgação da Constituição. De acordo com Horbach, o conceito de ocupação de terra previsto no ADCT é “geográfico”, e não “antropológico”, como determinado o decreto.
Assim, concluiu o advogado do DEM, o texto legal contestado cria uma nova modalidade de desapropriação. “Se o texto [ADCT] é de uma clareza evidente, deviam cessar todas as interpretações, por mais criativas e engenhosas que possam ser”, disse Horbach ao ser referir ao decreto.
De acordo com ele, a norma invade a competência reservada à lei e não se enquadra nas permissões constitucionais para o Executivo Federal editar decretos (inciso VI do artigo 84). “Assim, um decreto que deveria ser subordinado à lei assume a estatura de lei para regular a Constituição Federal”, disse.
Amici Curiae
Além das sustentações contrárias e favoráveis ao decreto, feitas pelo advogado do DEM, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), foram permitidas manifestações de amici curiae [amigos da Corte]. Esse precedente foi aberto pelo Supremo no julgamento da ADI 2777, em 26 de novembro de 2003.
Ao todo, duas entidades se manifestaram favoravelmente ao processo de autoria do DEM. A primeira foi a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), representada pelo advogado Gastão Alves de Toledo. Ele afirmou que o artigo 68 do ADCT não é de aplicabilidade plena, requerendo, portanto, a edição de uma lei emanada pelo Congresso Nacional. “O decreto quis fazer as vezes da lei”, ressaltou. “Não se pode permitir que nossa Constituição seja vilipendiada”, acrescentou.
Para o representante da Bracelpa, “não se pode imaginar que o presidente da República, no exercício de sua competência regulamentar, possa alçar-se ao patamar do Congresso Nacional para editar regras que criam direitos e obrigações, estabelecem novos procedimentos para a desapropriação e que não definem o que sejam remanescentes dos quilombos, o que sejam os quilombolas, o que sejam as áreas (dessas comunidades)”.
Em seguida, o representante da Sociedade Rural Brasileira, Francisco de Godoy Bueno, acrescentou que o decreto não é somente inconstitucional sob o ponto de vista formal, mas também sob o ponto de vista jurídico. “É manifesta a inovação jurídica do Decreto 4.887/2003 em relação às próprias normas constitucionais”, disse.
Como os demais advogados que falaram contra a constitucionalidade do decreto, ele reafirmou que a norma cria nova modalidade de desapropriação de propriedades privadas para beneficiar pessoas que se autodeclaram descendentes de quilombos. Isso porque o decreto prevê que qualquer propriedade identificada por autodeclaração de uma comunidade em região de quilombos poderá ser demarcada como sendo de posse de remanescentes de escravos.
“A autodeclaração e o autoreconhecimento são critérios evidentemente discricionários e subjetivos, que não deveriam servir para a outorga de direitos pelo Estado”, disse, acrescentando que não é isso que consta do artigo 68 do ADCT. “Isso é um manifesto absurdo, que deverá se repudiado pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
Ele ponderou que o ADCT previu a regularização de situações consolidadas, acrescentando que não há amparo legal para a desapropriação de propriedades privadas já legitimamente tituladas e ocupadas com base na autodeclaração de comunidades quilombolas, beneficiárias da norma prevista no decreto. “Esse é o descalabro que não temos como não repudiar.”
De acordo com o representante da Sociedade Rural Brasileira, o decreto institui “irreparável insegurança jurídica” porque afronta a garantia da propriedade privada. “Qualquer imóvel rural no Brasil, produtivo ou não, com utilidade pública ou não, poderá ser desapropriado (se o decreto for considerado constitucional)”, concluiu.
RR/CG
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