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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Informativo STF 662 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 16 a 20 de abril de 2012 - Nº 662.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO



Plenário
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 1
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 2
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 3
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 4
Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 5
1ª Turma
Receptação de bens da ECT e majoração da pena
Imunidade tributária e obrigação acessória
Precatório: ação plúrima e art. 87 do ADCT
2ª Turma
Registro de aposentadoria e justificação judicial
Quebra de sigilo bancário e TCU
Clipping do DJ
Transcrições
Súmula Vinculante nº 14 – Advogados – Acessos aos Autos – Regime de Sigilo – Possibilidade (Rcl 12810 MC/BA)
Outras Informações


PLENÁRIO


Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 1

O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pelo Partido Democrata - DEM, contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do ADCT (“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”). O Min. Cezar Peluso, Presidente e relator, preliminarmente, conheceu da demanda. Rememorou jurisprudência da Corte, segundo a qual a aferição de constitucionalidade dos decretos, na via da ação direta, só seria vedada quando estes se adstringissem ao papel secundário de regulamentar normas legais, cuja inobservância ensejasse apenas conflito resolúvel no campo da legalidade. Ocorre que o caso cuidaria de decreto autônomo, de maneira que o ato normativo credenciar-se-ia ao controle concentrado de constitucionalidade. Observou que o decreto impugnado não extrairia fundamento de validade das Leis 7.668/88 e 9.649/98, motivo pelo qual não lhe seria aplicável o art. 84, VI, da CF [“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: ... VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”]. Demonstrou que a primeira lei autorizaria o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares e determinaria apenas o que a esta competiria. A segunda, por sua vez, estabeleceria as atribuições do Ministério da Cultura, dentre elas a de aprovar a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como fixar suas demarcações, a serem homologadas mediante decreto. Concluiu, no ponto, que ambas as leis limitar-se-iam à mera indicação dos órgãos encarregados das medidas indispensáveis à execução do art. 68 do ADCT. Ademais, registrou que, a despeito de diversos pedidos para realização de audiência pública, não identificara razões que a justificassem, visto que a causa encerraria matéria de direito. Além disso, os autos estariam suficientemente instruídos e não haveria tema a envolver complexidade técnica.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012.(ADI-3239) Audio

Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 2

No mérito, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do decreto em discussão. Aduziu que, independentemente de o art. 68 do ADCT constituir norma de eficácia limitada, contida ou plena, deveria ser complementado por lei em sentido formal. Acrescentou que a Administração não poderia, sem lei, impor obrigações a terceiros ou restringir-lhes direitos. Ressurtiu, assim, que o Chefe do Executivo não estaria autorizado a integrar normativamente os comandos do referido art. 68 mediante regulamento, como o fizera. Frisou que o Decreto 4.887/2003 revogara o Decreto 3.239/2001 o qual, sob pretexto de reger a matéria, padeceria do mesmo vício formal. Desse modo, não concedeu efeitos repristinatórios à norma revogada. Consignou que, embora louvável o ideal de proteção aos descendentes dos quilombolas, não se poderia ignorar o crescimento dos conflitos agrários e o incitamento à revolta que a usurpação de direitos, decorrente do decreto discutido, poderia trazer.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)

Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 3

Discorreu acerca da evolução do quadro normativo ulterior ao art. 68 do ADCT, nos âmbitos federal, estadual, municipal e internacional. Estabeleceu, também, as premissas extraídas do mesmo artigo. Quanto aos destinatários da norma, afirmou serem os que subsistiriam nos locais tradicionalmente conhecidos como quilombos, na sua acepção histórica, em 5 de outubro de 1988, ou seja, aqueles que, tendo buscado abrigo nesses locais, antes ou logo após a abolição, lá permaneceram até a promulgação da CF/88. Anotou não se dever emprestar rigor às situações que se constituíram depois do mês da abolição, dadas as dificuldades de comunicação que marcavam aquele século. No tocante à expressão “quilombos”, avaliou que o termo admitiria muitos significados, determinados por diversos fatores. Entretanto, elucidou que, identificados os requisitos temporais, o constituinte optara pela concepção histórica, conhecida por todos. Assim, afirmou que respeitáveis trabalhos desenvolvidos por juristas e antropólogos, na tentativa de ampliar e modernizar o conceito, teriam natureza metajurídica. Por isso, não seriam comprometidos com o sentido apreendido do texto constitucional. Ocorre que não estariam contidos por limitações de nenhuma sorte, impostas, por outro lado, pelo legislador constituinte. Enfatizou que, por esta razão, o art. 68 alcançaria apenas determinada categoria de pessoas, identificadas como “quilombolas”. Dessumiu que os destinatários da norma não seriam, necessariamente, as comunidades, tendo em conta debate a respeito da sua redação, se referente a “comunidades negras remanescentes dos quilombos” ou “aos remanescentes das comunidades dos quilombos”, como prevalecera. Concluiu, no ponto, que a preterição de um texto e a eleição de outro firmariam o sentido individual, de modo que não se justificaria gravar a propriedade com os atributos da impenhorabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade. A partir dessa análise, reputou inconstitucionais os dispositivos da norma adversada que estabeleceriam: a) o critério da auto-atribuição e autodefinição, para caracterizar quem seriam os remanescentes das comunidades de quilombolas; b) a fixação de que seriam as terras ocupadas por remanescentes todas aquelas utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural (ocupação presumida); e c) a outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades de remanescentes, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)

Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 4

Relativamente à posse de que cuida o art. 68 do ADCT, asseverou ser reconhecida aos remanescentes das comunidades de quilombolas, de forma contínua, prolongada, centenária, exercida com ânimo de dono e qualificada. No que concerne à propriedade, declarou definitiva aos remanescentes dessas comunidades, com base em direito subjetivo preexistente, com o objetivo de conferir-lhes a segurança jurídica que antes não possuíam. Ao Estado caberia, apenas, a emissão dos títulos respectivos, para posterior registro em cartório. Reconheceu que essa forma de aquisição seria próxima do instituto da usucapião, cujas singularidades seriam: a) característica não prospectiva, no que respeita ao termo inicial da posse, necessariamente anterior à promulgação da CF/88; b) autorização especial do constituinte originário para que os destinatários da norma pudessem usucapir imóveis públicos, espécie vedada pelos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, que tratariam da usucapião constitucional urbana e rural, e que confeririam ao particular o ônus de provar que o bem usucapido seria privado; e c) desnecessidade de decreto judicial que declarasse a situação jurídica preexistente, exigível nas outras quatro modalidades de usucapião (ordinária, extraordinária, constitucional urbana e rural).
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)

Comunidades dos quilombos e decreto autônomo - 5

Destacou a inconstitucionalidade da desapropriação prevista no diploma adversado. Aclarou que os remanescentes subsistiriam em terras públicas, devolutas, ou, se eventualmente em terras particulares, já as teriam, em razão do prazo, como usucapidas. Não caberia, portanto, excogitar desapropriação, instituto desnecessário no caso. Assentou que, não obstante, o decreto previra a desapropriação de imóveis privados que, além de não disciplinada em lei, nos termos da Constituição (art. 5º, XXIV), não se amoldaria às hipóteses previstas, de necessidade ou utilidade pública e de interesse social. Assinalou que aos terceiros interessados, prestes a serem destituídos de seus bens, sem lei específica, sequer fora garantido o devido processo legal, a provocar quadro de desestabilização social, que deveria ser contido nos limites constitucionais. Por fim, sublinhou que a legislação vigente seria demasiado onerosa e burocrática para os interessados em registrar seus títulos em cartório. Apontou que sequer as organizações que defenderiam os direitos dos quilombolas estariam satisfeitas com o atual estado das coisas e arrematou que a atuação do legislativo, como seria de rigor, teria trazido menos insatisfação e mais justiça em menos tempo. Em respeito ao princípio da segurança jurídica e aos cidadãos que, de boa fé, confiaram na legislação posta e percorreram longo caminho para obterem a titulação de suas terras, desde 1988, determinou fossem considerados bons, firmes e valiosos os títulos até aqui emitidos. Em seguida, pediu vista dos autos a Min. Rosa Weber.
ADI 3239/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.4.2012. (ADI-3239)


1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo




PRIMEIRA TURMA


Receptação de bens da ECT e majoração da pena

No delito de receptação, os bens de empresa pública recebem o mesmo tratamento que os da União e, por isso, cabível a majoração da pena ao crime contra ela praticado. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de denunciado pela suposta prática do crime de receptação dolosa de bem de propriedade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Asseverou-se que, nos termos da jurisprudência do STF, a mencionada empresa pública — prestadora de serviços públicos — equiparar-se-ia à fazenda pública e seus bens sujeitar-se-iam às mesmas regras estabelecidas aos da União. Destacou-se que o § 6º do art. 180 do CP (“Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro”) disporia sobre a incidência de majorante ao crime de estelionato e, nesse rol, estaria incluída a ECT. Por isso, não houvera interpretação extensiva da norma, tampouco qualquer exacerbação a desafiar o writ.
HC 105542/RS, rel. Min. Rosa Weber, 17.4.2012. (HC-105542)

Imunidade tributária e obrigação acessória

A 1ª Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que arguida a desnecessidade de manutenção de livros fiscais por parte de entidade imune (CF, art. 150, VI, c). O Min. Marco Aurélio, relator, deu provimento ao recurso extraordinário para assentar que o recorrente estaria desobrigado da manutenção dos livros fiscais, porquanto devidamente comprovada sua imunidade tributária. Ressaltou que a obrigação acessória deveria seguir a principal, porém, na ausência desta, não caberia pretender a existência dos referidos livros, como determinado pela autoridade fiscal. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.
RE 250844/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 17.4.2012. (RE-250844)

Precatório: ação plúrima e art. 87 do ADCT

A 1ª Turma negou provimento a recurso extraordinário no qual a fazenda pública sustentava a necessidade de expedição de precatório ao argumento de que a soma dos créditos dos litisconsortes ativos facultativos ultrapassaria o limite previsto no art. 87 do ADCT. Reputou-se não caber a junção dos créditos de pessoas diferentes contemplados no título para expedir-se o precatório, sob pena de desestimular-se a propositura de ação plúrima, o que sobrecarregaria, ainda mais, o Poder Judiciário. Ademais, asseverou-se que cada obrigação contida no título judicial, considerada individualmente, não ultrapassaria o aludido limite.
RE 634707/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 17.4.2012. (RE-634707)



SEGUNDA TURMA

Registro de aposentadoria e justificação judicial

Em face das especificidades da causa e da necessidade de se garantir a segurança jurídica, a 2ª Turma concedeu mandado de segurança para declarar nula decisão do TCU que negara registro à aposentadoria da impetrante, com o consequente direito de permanecer em inatividade. No caso, a servidora pública federal requerera sua aposentadoria e apresentara certidões de tempo de serviço e justificação judicial referente ao período em que trabalhara como professora municipal. Considerou-se o fato de a impetrante receber os proventos há mais de vinte anos, por força de liminar anteriormente concedida neste writ. Frisou-se que o TCU estaria autorizado a proceder ao registro da aposentadoria com base na validade da justificação referente ao período em que ela trabalhara como professora. Consignou-se que, enquanto não desautorizada em sede judiciária pelos meios processuais adequados, a justificação estaria apta a produzir os efeitos a que se destinaria.
MS 22315/MA, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.4.2012. (MS-22315)

Quebra de sigilo bancário e TCU

O TCU não detém legitimidade para requisitar diretamente informações que importem quebra de sigilo bancário. Ao reafirmar essa orientação, a 2ª Turma concedeu mandado de segurança a fim de cassar a decisão daquele órgão, que determinara à instituição bancária e ao seu presidente a apresentação de demonstrativos e registros contábeis relativos a aplicações em depósitos interfinanceiros. Entendeu-se que, por mais relevantes que fossem suas funções institucionais, o TCU não estaria incluído no rol dos que poderiam ordenar a quebra de sigilo bancário (Lei 4.595/64, art. 38 e LC 105/2001, art. 13). Aludiu-se que ambas as normas implicariam restrição a direito fundamental (CF, art. 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”), logo, deveriam ser interpretadas restritivamente. Precedente citado: MS 22801/DF (DJe de 14.3.2008).
MS 22934/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 17.4.2012. (MS-22934)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno18.4.20121
1ª Turma17.4.2012143
2ª Turma17.4.201263




C L I P P I N G  D O  DJ

16 a 20 de abril de 2012

HC N. 111.668-ES
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Revisão da pena-base estabelecida e de seu grau de redução, nos termos do que dispõe o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Impossibilidade. Alteração do regime prisional estabelecido e negativa de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Matérias não decididas pelo Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Writ conhecido em parte, e, nessa extensão, denegado. Substituição da pena corporal pela restritiva de direitos. Possibilidade. Ordem concedida de ofício.
1. Havendo a indicação de circunstâncias judiciais desfavoráveis pelas instâncias ordinárias, não é o habeas corpus a via adequada para ponderar, em concreto, a suficiência delas para a majoração da pena-base na via estreita do writ.
2. Ao contrário do que alegado na inicial, o juiz não está obrigado a aplicar o máximo da redução prevista quando presentes os requisitos para a concessão de tal benefício, tendo plena liberdade para aplicar a redução no patamar que considerar necessário e suficiente para reprovar e coibir o crime, segundo as peculiaridades de cada caso concreto. Do contrário, seria inócua a previsão legal de um patamar mínimo e um máximo.
3. A temática restante ventilada na impetração não foi conhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em vista de ausência da análise dos temas pelo Tribunal de origem, a obstar, de igual forma, conhecimento das matérias por esta Suprema Corte, sob pena de dupla supressão de instância.
4. Habeas corpus parcialmente conhecido, e, nessa medida, denegado.
5. Com o advento da nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), vedou-se, por efeito do que dispõe o seu art. 44, a possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade em penas restritivas de direitos precisamente em casos como o ora em exame, relativos à prática de tráfico ilícito de entorpecentes. Dita vedação, aplicável apenas aos delitos perpetrados na vigência do novo texto legal, todavia, foi recentemente afastada pelo Plenário desta Suprema Corte no HC nº 97.256/RS, da relatoria do Min. Ayres Britto (DJe de 16/12/10), com declaração incidental de inconstitucionalidade da proibição da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
6. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao Juízo responsável pela execução da pena que analise os requisitos necessários à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, ou pela conjugação dessa com a de multa, nos moldes do que alude o art. 44 do CP.

HC N. 107.777-RS
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 
1. As medidas de segurança se submetem ao regime ordinariamente normado da prescrição penal. Prescrição a ser calculada com base na pena máxima cominada ao tipo penal debitado ao agente (no caso da prescrição da pretensão punitiva) ou com base na duração máxima da medida de segurança, trinta anos (no caso da prescrição da pretensão executória). Prazos prescricionais, esses, aos quais se aplicam, por lógico, os termos iniciais e marcos interruptivos e suspensivos dispostos no Código Penal.
2. Não se pode falar em transcurso do prazo prescricional durante o período de cumprimento da medida de segurança. Prazo, a toda evidência, interrompido com o início da submissão do paciente ao “tratamento” psiquiátrico forense (inciso V do art. 117 do Código Penal).
3. No julgamento do HC 97.621, da relatoria do ministro Cezar Peluso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu cabível a adoção da desinternação progressiva de que trata a Lei 10.261/2001. Mesmo equacionamento jurídico dado pela Primeira Turma, ao julgar o HC 98.360, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, e, mais recentemente, o RHC 100.383, da relatoria do ministro Luiz Fux.
4. No caso, o paciente está submetido ao controle penal estatal desde 1984 (data da internação no Instituto Psiquiátrico Forense) e se acha no gozo da alta progressiva desde 1986. Pelo que não se pode desqualificar a ponderação do Juízo mais próximo à realidade da causa.
5. Ordem parcialmente concedida para assegurar ao paciente a desinternação progressiva, determinada pelo Juízo das Execuções Penais.

HC N. 109.116-RJ
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. RETROATIVIDADE DA LEI 12.433/2011. ORDEM CONCEDIDA.
1. O instituto da remição é de nítido caráter penal. Instituto que, para maior respeito à finalidade reeducativa da pena, constitui superlativo incentivo à aceitação daquilo que, discursivamente, nossa Lei de Execução Penal chama de “programa individualizador da pena privativa de liberdade” (art. 6º da Lei 7.210/1984). A remição premia o apenado que se revela capaz de disciplina e, nessa vertente, valoriza o trabalho. Trabalho que a Constituição Federal promoveu às categorias de princípio fundamental da República Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1º) e de pilar da ordem social brasileira (art. 193). Sendo certo que a ulterior redação do art. 127 da Lei de Execução Penal desvalorizava aquilo que a Constituição qualifica sobremaneira.
2. A resposta estatal à indisciplina carcerária é de incorporar um juízo de graduação da falta, mesmo grave, para, se for o caso, proporcionalizar as consequências dela advindas. Isso em homenagem à garantia da individualização da pena, já na fase intra-muros penitenciários.
3. O comando que se lê no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal faz da retroação da norma penal mais benéfica um direito que assiste a todo réu ou pessoa já penalmente condenada. Com o que a retroatividade benigna opera de pronto, por mérito da Constituição mesma. Constituição que se põe, então, como o único fundamento de validade da retroação penal da norma de maior teor benfazejo. É como dizer: se a benignidade está na regra penal, a retroação eficacial está na Constituição mesma.
4. Ordem parcialmente concedida.

Acórdãos Publicados: 481




T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Súmula Vinculante nº 14 – Advogados – Acesso aos Autos – Regime de Sigilo – Possibilidade. (Transcrições)


Rcl 12810 MC/BA*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: RECLAMAÇÃO. DESRESPEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PERSECUÇÃO PENAL AINDA NA FASE DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL) OU A ESTES REGULARMENTE APENSADOS. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou pelo réu), o direito
de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo
(necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente
incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias
ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes.
Doutrina.

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada contra ato emanado da MMª. Juíza de Direito da Vara de Tóxicos e Acidentes de Veículos da comarca de Feira de Santana/BA.
Sustenta-se, na presente causa, que o ato reclamado em questão teria transgredido o enunciado da Súmula Vinculante nº 14, que possui o seguinte teor:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” (grifei)

Busca-se, em síntese, na presente sede processual, o acesso da parte ora reclamante aos autos do procedimento penal nº 0014669-17.2011.805.0080, ainda em fase de investigação policial.
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de medida liminar.
E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos na presente sede reclamatória parecem evidenciar a ocorrência de transgressão ao enunciado da Súmula Vinculante nº 14/STF, revelando-se suficientes para justificar, na espécie, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pela parte ora reclamante.
Com efeito, e como tenho salientado em muitas decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, o presente caso põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídico-constitucional, consideradas as graves implicações que resultam de injustas restrições impostas ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, das prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).
O Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação penal, para que se possibilite a prática de direitos básicos de que também é titular aquele contra quem foi instaurada, pelo Poder Público, determinada persecução criminal.
Nem se diga, por absolutamente inaceitável, considerada a própria declaração constitucional de direitos, que a pessoa sob persecução penal (em juízo ou fora dele) mostrar-se-ia destituída de direitos e garantias. Esta Suprema Corte jamais poderia legitimar tal entendimento, pois a razão de ser do sistema de liberdades públicas vincula-se, em sua vocação protetiva, a amparar o cidadão contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal.
Não custa advertir, como já tive o ensejo de acentuar em decisão proferida no âmbito desta Suprema Corte (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária, pelo Ministério Público ou pelo próprio Poder Judiciário.
A pessoa contra quem se instaurou persecução penal – não importa se em juízo ou fora dele - não se despoja, mesmo que se cuide de simples indiciado, de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito só põe em evidência a censurável (e inaceitável) face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem conformar-se, necessariamente, ao que prescreve o ordenamento positivo da República.
Cabe relembrar, no ponto, por necessário, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matéria pertinente à posição jurídica que o indiciado – e, com maior razão, o próprio réu - ostenta em nosso sistema normativo, e que lhe reconhece direitos e garantias inteiramente oponíveis ao poder do Estado, por parte daquele que sofre a persecução penal:

“INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO.
- O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto ‘dominus litis’ - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária.
A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.
O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.”
(RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Esse entendimento - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal construída sob a égide da vigente Constituição - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio, enfatizam que, mesmo em procedimentos inquisitivos instaurados no plano da investigação policial, há direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente não podem ser ignorados pelo Estado.
Cabe referir, nesse sentido, o magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, “in” “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT), de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE (“O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, “in” “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal - Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60/61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial - Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros.
Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstância de o indiciado ser, ele próprio, sujeito de direitos, que os Advogados por ele regularmente constituídos (como sucede no caso) têm direito de acesso aos autos da investigação (ou do processo) penal, ainda que em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido - enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República - em perspectiva global e abrangente.
É certo, no entanto, em ocorrendo a hipótese excepcional de sigilo - e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução (a significar, portanto, que se trata de providências ainda não formalmente incorporadas ao procedimento de investigação) -, que o acusado (e, até mesmo, o mero indiciado), por meio de Advogado por ele constituído, tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (...)” (RTJ 191/547-548, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).
Vê-se, pois, que assiste, àquele sob persecução penal do Estado, o direito de acesso aos autos, por intermédio de seu Advogado, que poderá examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 90.232/AM, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Inq 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a persecução estatal esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do acusado, desde que por este constituído (como sucede na espécie), poderá ter acesso às peças que digam respeito à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 191/547-548):

“Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.
A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.
O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.” (grifei)

Esse mesmo entendimento foi por mim reiterado, quando do julgamento de pleito cautelar que apreciei em decisão assim ementada:

“INQUÉRITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO.DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO PENAL. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito. Precedentes. Doutrina.”
(HC 87.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2007)

Os eminentes Advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR, em valiosa obra - que versa, dentre outros temas, aquele ora em análise (“Prerrogativas Profissionais do Advogado”, p. 86, item n. 1, 2006, OAB Editora) -, examinaram, com precisão, a questão suscitada pela injusta recusa, ao Advogado investido de procuração (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIII), de acesso aos autos de inquérito policial ou de processo penal que tramitem, excepcionalmente, em regime de sigilo, valendo rememorar, a esse propósito, a seguinte passagem:

“No que concerne ao inquérito policial há regra clara no Estatuto do Advogado que assegura o direito aos advogados de, mesmo sem procuração, ter acesso aos autos (art. 7º, inc. XIV) e que não é excepcionada pela disposição constante do § 1º do mesmo artigo que trata dos casos de sigilo. Certo é que o inciso XIV do art. 7º não fala a respeito dos inquéritos marcados pelo sigilo. Todavia, quando o sigilo tenha sido decretado, basta que se exija o instrumento procuratório para se viabilizar a vista dos autos do procedimento investigatório. Sim, porque inquéritos secretos não se compatibilizam com a garantia de o cidadão ter ao seu lado um profissional para assisti-lo, quer para permanecer calado, quer para não se auto-incriminar (CF, art. 5º, LXIII). Portanto, a presença do advogado no inquérito e, sobretudo, no flagrante não é de caráter afetivo ou emocional. Tem caráter profissional, efetivo, e não meramente simbólico. Isso, porém, só ocorrerá se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, ‘blind lawyers’, poderão, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestar-se-ão, unicamente, a legitimar tudo o que no inquérito se fizer contra o indiciado.” (grifei)

Cumpre referir, ainda, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 88.190/RJ, Rel. Min.CEZAR PELUSO, reafirmou o entendimento anteriormente adotado por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 87.827/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), em julgamento que restou consubstanciado em acórdão assim ementado:

“ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76. Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte.” (grifei)

Cabe assinalar, neste ponto, um outro aspecto relevante do tema ora em análise, considerados os elementos probatórios alegadamente já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes já formalmente incorporados, como sucede, no caso ora em exame, com os autos referentes ao pedido de interceptação de comunicações telefônicas sob nº 0008464-69.2011.805.0080. Refiro-me ao postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes à “informatio delicti”, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais.
Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre persecução penal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica.
É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.
Essa compreensão do tema – cabe ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

“E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. (...).” (grifei)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

“A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles. (...).
O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos.
(...) Por conclusão, os princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.” (grifei)

É por tal razão que se impõe assegurar, aos Advogados, ora reclamantes, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal em causa, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a própria elaboração da defesa técnica por parte dos ora reclamantes.
É fundamental, no entanto, para o efeito referido nesta decisão, que os elementos probatórios já tenham sido formalmente produzidos nos autos da persecução penal.
O que não se revela constitucionalmente lícito, segundo entendo, é impedir que a indiciada tenha pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados ou a eles regularmente apensados), veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada (como no caso) ou processada pelo Estado, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a regime de sigilo.
Sendo assim, em face das razões expostas, e em juízo de estrita delibação, defiro o pedido de medida cautelar, em ordem a garantir, à parte reclamante, o direito de acesso aos autos do procedimento penal nº 0014669-17-2011.805.0080 (e aos documentos a eles já incorporados), em trâmite perante a Vara de Tóxicos e Acidentes de Veículos da comarca de Feira de Santana/BA.
Observo, por necessário, que este provimento jurisdicional assegura, à parte ora reclamante, o direito de acesso, exclusivamente, às informações, aos documentos, às decisões e às provas penais já formalmente introduzidos nos autos do procedimento investigatório em questão ou a estes já apensados, caso se ache concluído o respectivo procedimento probatório, como sucede com os autos referentes ao pedido de interceptação de comunicações telefônicas sob nº 0008464-69.2011.805.0080.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão, para cumprimento integral, à MMª. Juíza de Direito da Vara de Tóxicos e Acidentes de Veículos da comarca de Feira de Santana/BA.
2. Corrija-se a autuação, para que desta constem, como reclamantes, ** e **, excluindo-se a referência feita a **.
Publique-se.
Brasília, 28 de outubro de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJe de 7.11.2011
** nomes suprimidos pelo Informativo

OUTRAS INFORMAÇÕES
16 a 20 de abril de 2012

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Despesa Orçamentária - Cronograma (2012)
Portaria nº 44, de 13 de abril de 2012 - Torna público o Cronograma Anual de Desembolso Mensal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Publicada no DOU, Seção 1, p. 135 em 16/4/2012.

Regulamento - Estrutura Administrativa - Competência Administrativa - Atribuição - Alteração
Portaria nº 55, de 19 de abril de 2012 - Dispõe sobre a estrutura orgânica do Conselho Nacional de Justiça. Publicada no DOU, Seção 1, p. 219-220 em 20/04/2012.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Publicação - Valor - TV Justiça - Rádio Justiça
Portaria nº 120/STF, de 18/4/2012 - Determina os valores de venda das publicações editadas pelo Supremo Tribunal Federal e das reproduções dos programas exibidos pela TV Justiça e pela Rádio Justiça. Publicada no DOU, Seção 1, p. 93 em 19/4/2012.

Regulamento - Estrutura Administrativa - Competência Administrativa - Atribuição - Alteração
Ato Regulamentar nº 15/STF, de 18/4/2012 - Altera dispositivos do Regulamento da Secretaria. Publicado no DJE/STF, n. 77, p. 1-3, em 20/4/2012.

Posse de Ministro
Os Ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa tomaram posse, respectivamente, como Presidente e Vice-Presidente desta Corte no dia 19 de abril de 2012.



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