Transporte de mercadorias. Ocorrência de roubo, inexistente seguro. Cláusula de não indenizar.
Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP
Transporte de mercadorias. Ocorrência de roubo, inexistente seguro. Cláusula de não indenizar, porém, cuja validade se admite, na hipótese, já que inexistente hipossuficiência ou vulnerabilidade na proprietária das mercadorias, previamente comunicada de que deveria providenciar o seguro da carga. Compensação com o transporte de outras mercadorias inadmissível, mantida a higidez das duplicatas de prestação de serviços então emitidas. Apelo improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 991.05.007965-5, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CDI BRASIL COML LTDA sendo apelado ENTREGADORA SANTANA S/C LTDA.
ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente sem VOto), GIL COELHO E RENATO RANGEL DESINANO.
São Paulo, 04 de fevereiro de 2010.
SOARES LEVADA - RELATOR
COMARCA DE SÃO PAULO - 1ª VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL DE SANTANA
APELANTE: CDI BRASIL COML LTDA
APELADO: ENTREGADORA SANTANA S/C LTDA
VOTO Nº 13131
1. A r. sentença lançada monocraticamente considerou imprópria cumulação entre pedidos de inexigibilidade de títulos e indenização relativa a mercadorias roubadas, julgando improcedente a demanda. Apela a autora, insistindo em que, tendo-se valido dos serviços de entrega da ré, e tendo tido roubadas suas mercadorias, tem direito a ser indenizada no valor respectivo, já que a ré não segurou a carga; defende a possibilidade de cumulação desse pedido com o de compensação com o valor de outros serviços de transporte realizados pela ré, de montante menor - e que levaram à emissão de duplicatas enviadas a protesto pela ré. Preparo regular. Contrarrazões pelo improvimento.
É o relatório.
Fundamento e decido.
2. Muito mais importante do que verificar o suposto conteúdo impróprio da cumulação pretendida era resolver desde logo as duas questões postas nos autos e que se confundem, sim, com o devido respeito: o transporte de mercadorias no valor de R$ 13.102,25, em face das quais ocorreu o roubo, e o protesto que se quer indevido em razão do anterior roubou, relativo a duplicatas no valor total de R$ 871,02. Busca-se a compensação entre tais valores, o das mercadorias roubadas - e para as quais a ré não providenciou seguro, nada obstante sua atividade de risco - e o referente a outras mercadorias transportadas que, inadimplidas, levaram ao encaminhamento dos títulos correspondentes a protesto.
Do modo com que decidido o pleito, haveria necessidade de duas demandas, uma para a apelante indenizar-se da carga roubada, outra para discutir a prestação de serviços posteriores. Mas não há essa necessidade, nada obstando que se pretenda a compensação obrigacional entre valores líquidos, certos e exigíveis, cabendo apenas examinar, meritoriamente, se a ré se houve mesmo com culpa, no transporte das mercadorias roubadas, a justificar a compensação e a conseqüente inexigibilidade dos títulos emitidos para outros serviços de entrega. Não há dificuldade nenhuma em tal cumulação, nenhuma surpresa para a parte adversa, nenhum rito diverso entre as demandas a dificultar a defesa ou a prova pertinente no tocante a ambas as situações, de fato e de direito. Homenageiam-se também o princípio da instrumentalização das formas, a economia e a celeridade processuais, além do princípio constitucional da duração razoável do processo.
Mas o apelo improcede, no mérito. Em sua defesa, a ré admite como incontroversos o transporte das mercadorias e o roubo ocorrido, limitando-se a dizer que somente transporta, sem se responsabilizar por nada: roubo, avaria, seguro etc, tudo é por conta e intermédio do cliente. Para alicerçar o que alega, junta as ordens de serviço de fl. 50/53, em que efetivamente está estipulado que "A entregadora Santana não tem responsabilidade quanto à roubo (sic), quebra ou avaria. Seguro total da carga por conta e intermédio do cliente". Cláusula de não indenizar claríssima, cabendo examinar a sua validade na hipótese dos autos.
Para a hipótese de culpa, poder-se-ia até admitir a responsabilidade da ré, a prevalecer sobre a excludente contratual. Mas não houve essa culpa e sim o roubo da carga, como provado nos autos (B.O., fl. 47/49); por se tratar de responsabilidade contratual objetiva, haveria então o dever indenizatório por parte da ré, se não existisse a excludente de evidente conhecimento da autora - já que firmados os embarques por funcionários seus, como se verifica nas antes citadas ordens de serviço.
Ora, a autora não é nenhuma hipossuficiente, a necessitar de proteção jurisdicional diferenciada ou que possa defender vulnerabilidade por ocasião da contratação. Verifica-se por seu contrato social ser composta por empresa estrangeira, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas (fl. 13), bem como definir-se como "uma das maiores distribuidoras de informática do país, trabalhando com os melhores parceiros do mercado" (fl. 22).
Sendo assim, pode a autora escolher livremente as transportadoras de seus produtos, bem como negociar com elas em absoluta igualdade de condições - e se há essa igualdade, que é palpável, não há como defender que a cláusula de não responsabilidade não seja lícita - ou seja, cabia à autora proteger sua carga por meio de seguro, não à ré fazê-lo, já que previamente comunicou a autora que não o faria (e o relacionamento comercial entre as partes já datava de quatro anos, portanto inexistindo surpresa na postura da ré).
Ou seja, havia compatibilidade, sim, na cumulação pretendida, que se admite, mas no mérito fica mantida a improcedência da demanda, pois lícita a ressalva contida nas ordens de serviço emitidas pela ré, o que implica a impossibilidade de compensação entre os valores das cargas e a conseqüente exigibilidade das duplicatas emitidas e relativas à entrega posterior de mercadorias. Lavrem-se os protestos.
3. Pelo exposto, nega-se provimento ao apelo
SOARES LEVADA - Relator
JURID - Transporte de mercadorias. Ocorrência de roubo. [15/03/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário