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terça-feira, 30 de março de 2010

JURID - ACP: HIV e esclarecimentos [30/03/10] - Jurisprudência


Globo terá de esclarecer em Reality Show como se pega HIV.



JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO
Subseção Judiciária de São Paulo


Autos n° 0006642-51.2010.403.6100
Autor(es): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Réu(s): GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A e UNIÃO FEDERAL


DECISÃO

Trata-se de ação cautelar preparatória de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o escopo de obter o autor provimento jurisdicional "inaudita altera parte" que, em apertada síntese, determine às rés que cumpram as seguintes obrigações de fazer:

1) Globo Comunicações e Participações S/A - "exiba durante a 10ª edição do reality show Big Brother Brasil um quadro de esclarecimento a população acerca das formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, com duração de, no mínimo, o dobro de tempo utilizado para exibição das informações equivocadas no dia 09 de fevereiro ultimo";

2) União - "por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, proceda a fiscalização da referida exibição".

Fundamentando sua pretensão, alega a parte autora, em síntese, que:

- no dia 02 de fevereiro de 2010, no Programa "Big Brother Brasil 10", reality show produzido pela primeira co-ré, um participante de nome Marcelo Dourado teria declarado que outro homem portador do vírus da AIDS "em algum momento teve relação com outro homem"; disse ainda referido participante o seguinte: "hetero não pega AIDS, isso eu digo porque eu conversei com médicos e eles me disseram isso. Um homem transmite para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem";

- tais declarações foram incluídas na edição dos melhores momentos do programa na semana exibida no dia 09/02/2010;

- ao veicular as declarações mencionadas, a emissora ré teria deixado de fornecer informações corretas sobre as formas de transmissão do vírus HIV, "atentando contra os programas de prevenção de doenças adotados pelos Poderes Públicos" (fls. 03);

- não obstante a garantia constitucional de liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da Constituição Federal, dispõe seu artigo 221 que toda a produção de programa de rádio e televisão deve se submeter a preservação dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, o que teria sido descumprido pela emissora e não devidamente fiscalizado pela União.

Pleiteia a concessão de medida liminar para que seja determinado as rés o cumprimento das obrigações de fazer até o próximo dia 30 de março quando deve acontecer o encerramento do programa televisivo em questão.

Indica que será proposta ação civil pública em face das rés, "visando coibir prática de exibir informações, declarações e opiniões que contrariem as orientações do Programa de Prevenção e Tratamento DST/AIDS".

Com a inicial, foram apresentados documentos (fls. 09-63), incluindo resposta da primeira co-ré ao questionamento recebido do Ministério Público Federal no inquérito civil público de n° 1.34.001.001748/2010-66 a respeito dos fatos narrados na inicial (fls. 61-62).

A Globo Comunicação e Paricipações S/A sustentou o seguinte na referida resposta:

1- que "o programa Big Brother Brasil é um reality show, gênero caracterizado pela espontaneidade e imprevisibilidade nas atitudes dos participantes", não tendo roteiro preestabelecido;

2- que "diante da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão conferidas aos participantes do programa, qualquer declaração por eles prestada sobre os mais variados temas em nada espelha a opinião e/ou orientação da TV Globo ou de seus funcionários sobre estes", sendo que tal fato ficaria claro para o público em geral;

3- que a TV Globo preocupa-se com sua função social, motivo pelo qual veicula diversas "campanhas sociais próprias ou em parcerias com ONGs, diferentes instituições e órgãos federais, com o objetivo de levar conhecimento e informação a população", inclusive quanto a formas de controle de doenças;

4- que "qualquer manifestação preconceituosa ou equivocada sobre forma de contágio da AIDS, feita pelo participante do BBB10 Marcelo Dourado ou qualquer outro, não reflete o posicionamento da TV Globo sobre o tema";

5- que, "por liberalidade, em razão do seu compromisso com as causas socialmente relevantes", a TV Globo pelo apresentador do programa disse após a exibição das gravações em questão que "as opiniões e batatadas emitidas pelos participantes deste programa são de responsabilidade exclusiva dos participantes deste programa. Para ter acesso a informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV, acesse o site do Ministério da Saúde".

Para apreciação do pedido liminar, observou-se o disposto no art. 2º da Lei nº 8.437/92.

Nesse diapasão, manifestou-se a União (fls. 70-84), aduzindo, em resumo, já ter providenciado a fiscalização pretendida pelo Ministério Público Federal, concordando com o pedido apresentado e requerendo integrar o pólo ativo da lide, nos termos do art. 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/85.

Decido.

Preliminarmente

De início, considerando a conduta da União de providenciar de imediato a fiscalização pretendida e o interesse jurídico demonstrado para integrar o polo ativo da lide, defiro seu requerimento. Anote-se.

No mais, observo que o Ministério Público possui legitimidade ativa "ad causam".

Isso porque, no caso, discute-se suposta lesão ou ameaça de lesão ao direito constitucional a saúde (art. 196 da Constituição Federal de 1988), bem como ao direito também de cunho constitucional ao serviço público de rádio e televisão de qualidade (artigo 21, XI; artigo 220 e seus parágrafos; artigo 221, todos da Constituição Federal de 1988).

Tais direitos são evidentemente difusos e de alto relevo social, havendo, portanto, legitimidade do Ministério Público para sua tutela por meio de ação civil publica nos termos do art. 129, II e III da Constituição Federal.

Como acima visto, tratando-se de serviço público de titularidade da União, cuja fiscalização é questionada, correta sua inclusão na lide, atraindo, assim, a competência para processo e julgamento do feito para a Justiça Federal (art. 109, I da Constituição Federal).

Considerando-se, ainda, o interesse jurídico da União a integrar a lide na condição de litisconsorte ativa, corrobora-se a competência da Justiça Federal.

Superadas essas análises, passo a apreciação do pedido de medida liminar.

Medida liminar

Assim, cumpre examinar a presença ou não dos requisitos necessários à concessão da liminar pretendida (art. 12 da Lei nº 7.347/85).

Nesse diapasão, verifico que, excepcionalmente, a decisão proferida neste momento esgotará o provimento jurisdicional no caso, haja vista que, com o encerramento do programa, a tutela, deferida ou indeferida, não poderá ser revertida, ficando seus efeitos consolidados no tempo.

Isso porque o universo de telespectadores que tiveram contato com as declarações do participante do programa mencionado na petição inicial certamente não será o mesmo nem semelhante ao daquele que será alcançado por transmissão de outro programa televisivo da emissora ainda que nos mesmos dias e horários em que o chamado "Big Brother Brasil 10" fora transmitido.

De outro lado, caso deferida a medida liminar, será irreversível o cumprimento da obrigação de fazer determinada na decisão.

Por tais motivos, constato que estamos diante de hipótese de incompatibilidade entre o tempo necessário para o transcurso de todas as fases processuais legalmente previstas até final decisão judicial e aquele necessário para que a decisão seja proferida de forma útil.

Com efeito, nas palavras do E. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Professor de Processo Civil TEORI ALBINO ZAVASCKI: "casos haverá, e esses certamente são casos extremos, em que o conflito entre segurança e efetividade é tão profundo que apenas um deles poderá sobreviver, já que a manutenção de um importará o sacrifício completo do outro". Nesses casos, continua, "caberá ao juiz, com redobrada prudência, ponderar adequadamente os bens e valores colidentes e tomar a decisão em favor dos que, em cada caso, puderem ser considerados prevalentes a luz do direito. A decisão que tomar, em tais circunstâncias, e, no plano dos fatos, mais que antecipação provisória: é concessão ou denegação da tutela em caráter definitivo" ("Antecipação da tutela". São Paulo: Saraiva, 1997, p. 98).

É o que passo a fazer.

No caso, tem-se, de um lado, a prestação do serviço público de telecomunicações (art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988 (CF/88)) diretamente relacionado com o direito a livre manifestação do pensamento, a criação e a expressão (art. 5º, IX e art. 220, todos da CF/88) e, de outro, o direito a programação televisiva de boa qualidade (arts. 220 e 221 da CF/88), bem como o direito a saúde (art. 196 da CF/88), especialmente quanto ao aspecto da prevenção e da informação sobre doenças.

A Constituição Federal de 1988 conferiu a União a competência exclusiva para explorar o serviço público de radiodifusão de sons e imagens, podendo fazê-lo diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão (art. 21, XI).

A prestação de tal serviço público direta ou indiretamente pela União ocorre em consonância com o direito a livre manifestação do pensamento, a criação e a expressão (art. 220 da CF/88), que integra a chamada liberdade de comunicação, assim definida por JOSÉ AFONSO DA SILVA:

"A liberdade de comunicação consiste em um conjunto de direitos, formas, processos e veículos que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. 5º da CF, combinados com os artigos 220 a 224. Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação e a organização dos meios de comunicação - esta sujeita a regime jurídico especial, de que daremos noticia no final deste tópico" ("Comentário Contextual a Constituição". 2.a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 823).

Nesse passo, as diversas formas de comunicação são regidas por princípios básicos, assim elencados pelo ilustre mestre das Arcadas:

"(a) observado o disposto na Constituição, a manifestação do pensamento não sofrerá qualquer restrição, qualquer que seja o processo ou veículo por que se exprima; (b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço a plena liberdade de informação jornalística; (c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; (d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade; (e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens dependem de concessão, permissão e autorização do Poder Executivo Federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional, a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, §§ 2° e 4° (45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); (f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio" (op. cit., p. 823).

Interessa analisar a restrição admitida pela própria Constituição Federal à liberdade de comunicação, ou seja, aquela prevista em seu art. 220, que dispõe:

"a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição" (destaques nossos).

A análise sistemática da Constituição Federal impõe, portanto, que a liberdade de comunicação seja limitada pelo exercício de outros direitos fundamentais nela previstos, dentre eles o direito a saúde.

Por sua vez, a saúde e um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado, nos termos do art. 196 da CF/88, prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, que vão desde informação e medidas de prevenção até o fornecimento universal de serviço médico e hospitalar.

A Lei nº 8.080/90 diz claramente que é dever do Estado garantir a saúde por meio da formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doenças, sendo que tal dever "não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade" (art 2º, §§ 1ºe 2º).

Ademais, como apontam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito a saúde possui duas vertentes:

"uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito as medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas" ("Constituição da República Portuguesa Anotada". 3ª ed., vol. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 342).

Assim, evidentemente, o direito à saúde na sua vertente negativa é um dos limitadores à liberdade de comunicação, tanto quando exercida pelo Poder Público quanto pela iniciativa privada, na medida em que o exercício desta não pode ir de encontro ao trabalho do Estado de prevenção e divulgação de informações a população sobre formas de evitar doenças contagiosas.

Nesse sentido, aliás, prevê expressamente a Lei nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações no Brasil:

"Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas as telecomunicações, a ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir:

III - o respeito aos direitos dos usuários;

VIII - o cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo, bem como dos encargos dela decorrentes;"

Fixadas tais premissas, cumpre, então, examinar se, no caso, procedem as alegações do Ministério Público Federal quanto aos fatos narrados.

As declarações feitas pelo participante do programa Marcelo Dourado existiram realmente, tal como comprova a gravação apresentada com a petição inicial.

Em verdade, trata-se de fato amplamente noticiado pela imprensa (v.g.: Folha de São Paulo - Ilustrada 09/02/2010) e que tampouco fora contestado pela emissora em sua resposta apresentada ao Ministério Publico nos autos do inquérito civil nº 1.34.001.001748/2010-66.

Ademais, tais declarações não correspondem à realidade, o que se pode verificar no sítio do Ministério da Saúde na internet (www.aids.gov.br), onde se lê:

"O HIV pode ser transmitido pelo sangue, sêmen, secreção vaginal e pelo leite materno


Assim pega

sexo vaginal sem camisinha

sexo anal sem camisinha

sexo oral sem camisinha

uso da mesma seringa ou agulha por mais de uma pessoa

transmissão de sangue contaminado

mãe infectada pode passar o HIV para o filho durante a gravidez, o parto e a amamentação

Instrumentos que furam ou cortam, não esterilizados


Assim não pega

sexo, desde que se use corretamente a camisinha

masturbação a dois

beijo no rosto ou na boca

suor e lágrima

picada de inseto

aperto de mão ou abraço

talheres / copos

assento de ônibus

piscina, banheiros, pelo ar

doação de sangue

sabonete / toalha / lençóis


Aliás, como destaca a União em sua manifestação, seguindo as informações prestadas pelo Ministério da Saúde, "e significamente maior no Brasil o número de casos de homens infectados com o HIV por mulheres em relação ao número de casos de homens infectados por outros homens. Além disso, a epidemia está estabilizada entre os homossexuais e vem crescendo entre os heterossexuais" (fls. 74).

O impacto da informação equivocada sobre a saúde pública brasileira é certamente muito elevado, tendo em vista a notória grande audiência do programa em questão.

Há que se considerar, ainda, a condição de verdadeiras celebridades a que são alçados os participantes dos chamados "reality shows", sendo, por isso, de grande peso suas declarações sobre boa parte da sociedade.

Por isso, o fato das declarações equivocadas terem partido de participante do programa que não é especialista no assunto e nem se apresentou como tal não afastam sua lesividade a saúde pública porque a grande audiência do programa alcança pessoas de diversas condições sociais, econômicas e etárias, que podem recebê-las como corretas.

Além disso, destaque-se que o declarante diz ter obtido as informações com médicos, o que aumenta seu potencial de convencimento.

Não bastasse, sabe-se que opiniões de ídolos, celebridades ou famosos tem grande penetração nas sociedades.

Nem se alegue inexistir responsabilidade da ré no caso, uma vez que as declarações em comento foram por ela selecionadas na edição das imagens apresentadas no dia 09/02/2010, devendo ter sido adequadas as normas constitucionais e legais regentes de tal atividade.

Destaque-se que o questionado nesta ação é justamente a edição feita pela ré Globo, que incluiu declarações feitas pelo participante do programa sobre a forma de se contrair o vírus HIV.

Sabe-se que a chamada Liberdade de Programação constitui uma das dimensões essenciais da liberdade de expressão, que, por essência e como regra, não aceita limitações.

Como bem esclarecem os doutrinadores Portugueses CANOTILHO e MACHADO em excelente trabalho acerca do tema "Reality Shows" e Liberdade de Programação":

"A liberdade de programação preclude todas as interferências estaduais, directas ou indirectas, ostensivas e subtis, oficiais e não oficiais, na selecção e conformação do conteúdo da programação em geral ou de um programa em particular. No que diz directamente respeito a programação no seio dos operadores privados de radiodifusão, a doutrina sublinha que a acividade em análise deve permanecer uma tarefa essencialmente autónoma e livre de interferências" (Canotilho, J. J. Gomes; Machado, Jonatas E. M. "Reality Shows" e Liberdade de Programação". Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 29)

Certamente, a liberdade de expressão deve ser interpretada de forma ampla a garantir a criação, expressão e difusão do pensamento e da informação sem interferências. Disso não se discrepa.

No entanto, como já visto acima, não há liberdade pública absoluta, que se sobreponha as demais.

Nas palavras dos já mencionados doutrinadores Portugueses, "a liberdade de programação não é incompatível com o estabelecimento de algumas restrições, a semelhança do que sucede com todos os direitos, liberdades e garantias" (op. cit., p. 32).

Devem, portanto, ser harmonizados os direitos fundamentais envolvidos no conflito instaurado, sendo o princípio da proporcionalidade o instrumento adequado para tanto.

Não há o que se falar em censura porque disso não se trata no caso, uma vez que respeitada a liberdade de programação, mas apenas de verdadeira aplicação das limitações previstas na própria Constituição Federal (art. 220), como acima explicitado.

De fato, não se busca nesta ação coibir qualquer manifestação de pensamento, mas apenas garantir, juntamente com este, o direito fundamental a correta informação envolvendo a saúde pública.

Busca-se, como mencionado, a harmonização dos direitos fundamentais envolvidos.

Nesse sentido, "mutatis mutandis", já decidiu o C. Supremo Tribunal Federal, como muito bem destacado pelo ilustre Advogado da União:

"O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo a liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludencia, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, as segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional 'observado o disposto nesta Constituição' (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da 'plena liberdade de informação jornalística' (§ 1° do mesmo art 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação." (ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 30-4-09, Plenário, DJE de 6-11-09)

Por fim, a conduta da emissora assumida por "liberalidade", conforme manifestação de fls. 61-62, não é suficiente para cumprir seu dever de não afrontar o direito fundamental de informação e prevenção de doenças, já que incapaz de atingir igualmente os telespectadores que assistiram as declarações equivocadas, tendo em vista a diferença entre meios de comunicação em que fora realizada a declaração equivocada (televisão) e aquele em que seria obtida a correta informação (internet), sendo diferentes os níveis sociais, econômicos e de instrução necessários para que as pessoas tenham acesso a tais meios.

Portanto, presente o "fumus boni iuris".

O "periculum in mora" também existe no caso, tendo em vista que, como acima registrado, para atingir suas finalidades, a informação correta deve chegar aos telespectadores pelos mesmos meios utilizados para a transmissão daquela equivocada, sendo que a data prevista para encerramento do programa é 30/03/2010 (http://bbb.globo.com/BBB10/Sobre/0,,GEN1306-17413.00.html, verificado no dia 27/03/2010, às 22h).

Preenchidos, portanto, os requisitos para a medida liminar pretendida, devendo ser aplicado o chamado princípio da proporcionalidade para definir seu alcance.

Para tanto, a tutela do direito à correta informação de saúde deve ser feita de forma a lhe conferir a maior efetividade possível com a menor interferência sobre a liberdade de programação.

Nessa linha, deve ser determinado à emissora que faça no mesmo programa um esclarecimento à população acerca das formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, especialmente quanto às equivocadas declarações acima consideradas, com duração de, no mínimo, o mesmo tempo utilizado para exibição dessas no dia 09/02/2010.

Por tais motivos, a medida liminar, na extensão pretendida pelo Ministério Público Federal, acabaria por interferir desnecessariamente e, portanto, indevidamente na liberdade de programação da ré, uma vez que seria imposta a exibição de um quadro amplo de esclarecimento à população quanto às formas de contração do vírus HIV e pelo dobro do tempo utilizado na exibição das informações equivocadas no programa.

Para restabelecer a verdade na informação neste caso, respeitando o direito a saúde e o direito a livre programação, basta a correção pontual do que foi equivocadamente transmitido, sendo a emissora livre para fazer mais, se assim desejar.

Pelo exposto, defiro parcialmente a medida liminar pleiteada para determinar a GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A que exiba durante a 10ª edição do programa "Big Brother Brasil" um esclarecimento a população acerca das formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, especialmente quanto aquelas objeto das declarações descritas na petição inicial, com duração de, no mínimo, o mesmo tempo utilizado para exibição das informações equivocadas no dia 09/02/2010, sob pena de multa fixada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) atualizados conforme critérios da Resolução nº 561/2007 do Eg. Conselho da Justiça Federal.

O valor da multa é fixado razoavelmente, considerando cerca de 1,5% do valor obtido pela ré apenas com a comercialização das cotas de patrocínio iniciais para a 10ª edição do programa "Big Brother Brasil" (R$ 67,5 milhões), conforme ampla divulgação na imprensa. (v.g.: http://www.mmonline.com.br/noticias.mm?url=Uma_decada_de_Big_Brother_Brasil&origem=ultima, verificado no dia 28/03/2010, às 22h39min).

Cite-se e intime-se a ré, com urgência.

Intimem-se o Ministério Público Federal e a União.

Oportunamente, encaminhem-se os autos à SEDI para retificação da autuação de forma a constar a União no pólo ativo ao invés do passivo.

São Paulo, 29 de março de 2010.


PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
Juiz Federal Substituto no exercício da Titularidade




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