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terça-feira, 23 de março de 2010

JURID - Utilização de cooperativa com finalidade de desvirtuar. [23/03/10] - Jurisprudência


Utilização de cooperativa com finalidade de desvirtuar relação empregatícia. Lesão aos direitos do trabalhador.

Tribunal Regional do Trabalho - TRT 5ªR

2ª. TURMA

RECURSO ORDINÁRIO Nº 0075400-65.2008.5.05.0037RecOrd

RECORRENTE: Cooperativa de Profissionais da Área de Saúde - Coopro e Outros (1)

RECORRIDO: Carina do Rosario Morais

RELATOR: Desembargador CLÁUDIO BRANDÃO

UTILIZAÇÃO DE COOPERATIVA COM FINALIDADE DE DESVIRTUAR RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. LESÃO AOS DIREITOS DO TRABALHADOR. DANO MORAL CONFIGURADO. A constatação de fraude na admissão de empregado, que, dada a sua posição de hipossuficiente, vê-se obrigado a aceitar a condição imposta pelo empregador, de filiar-se à cooperativa, com o único propósito de lesar os seus direitos trabalhistas, deixando de anotar a sua CTPS, recolher a contribuição previdenciária e proceder aos depósitos de FGTS, entre outras parcelas inerentes à relação empregatícia faz presumir o dano moral, por atentado à dignidade do trabalhador.

COOPERATIVA DE PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE - COOPRO E OUTROS (1), nos autos da ação em que litiga com CARINA DO ROSARIO MORAIS, inconformada com a decisão proferida pelo MM. Juiz Titular da 37ª Vara do Trabalho de Salvador, interpôs RECURSO ORDINÁRIO.

Apelo tempestivo e regularmente contrariado.

Os autos não foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho.

É O RELATÓRIO.

VOTO

MULTAS DOS ARTS. 467 E 477 DA CLT

Busca a Recorrente a exclusão das multas dos arts. 467 e 477, ambos da CLT, em razão da controvérsia gerada em torno da existência ou não de vínculo empregatício.

Sem razão, contudo.

A manutenção da condenação atinente à multa do art. 477 da CLT é medida que se impõe, diante do reconhecimento da existência de relação empregatícia e da inobservância do prazo legal para pagamento das parcelas decorrentes da extinção do contrato.

A única exceção para a cominação dessa penalidade é a hipótese comprovada de o trabalhador propiciar a mora na quitação (art. 477, § 8º, da CLT), o que não ocorreu no presente caso.

Na verdade, a controvérsia acerca do vínculo empregatício somente poderia gerar efeitos em relação ao acréscimo previsto no art. 467 da CLT, desde que fosse legítima, fundada em razões plausíveis e discutíveis no mundo jurídico. Não basta, portanto, sua mera alegação, como na hipótese dos autos, diante da natureza da própria alegação contida na defesa, razão pela qual deve ser, igualmente, mantida.

CONFIRMO.

DANOS MORAIS

Pretende, também, seja extirpada da condenação a indenização de R$ 10.000,00 a título de danos morais, ao argumento de que não há prova da sua configuração, mas, apenas, alegação de ato ilícito.

Pede, ainda, caso seja mantida tal parcela, seja reduzido o seu valor.

Não merece prosperar a sua irresignação, todavia.

Ao contrário do quanto defende, entendo configurado o dano extrapatrimonial, em razão da constatação de fraude na admissão da Recorrida, que, dada a sua posição de hipossuficiente, viu-se obrigada a aceitar a condição imposta pela empregadora, de filiar-se à cooperativa, com o único propósito de lesar os seus direitos trabalhistas, deixando de anotar a sua CTPS, recolher a contribuição previdenciária e proceder aos depósitos de FGTS, entre outras parcelas inerentes à relação empregatícia.

Por conta disso, ao ser despedida, deixou de perceber os créditos rescisórios, e não teve, sequer, a liberação de depósitos de FGTS com o acréscimo de 40%, o que, certamente, a deixou em situação humilhante diante de credores e de familiares e faz presumir o dano ao patrimônio imaterial da empregada.

Basta que se exemplifique com o constrangimento, facilmente presumível, relacionado com o não-cumprimento das obrigações regulares da própria vida, o que atinge em cheio a dignidade do trabalhador, que faz do seu salário a fonte de subsistência, não raras vezes única, inclusive de sua própria família.

Caberia ao Recorrente, além de tentar justificar o injustificável - inadimplemento das principais obrigações decorrentes do contrato de trabalho - demonstrar que não ocorreu o fato cuja existência é presumida: a ausência de danos ao empregado. É decorrente da violação do que a doutrina denomina de dignidade constitucional, representativa dos atributos inerentes à personalidade humana, reconhecidos a todos, independentemente do que sejam ou do que fazem ou, como diz Sérgio Cavalieri Filho, "nada mais é do que violação do direito à dignidade". (1)

Entrementes, quando não há nos autos elementos materiais que levem a afastar a existência de danos dessa natureza, entendo que se afigura razoável a condenação.

Situação semelhante contra a mesma empresa já foi decidida por esta e. Turma, em acórdão relatado pela e. Des. Luíza Lomba, cujo trecho do voto peço vênia para transcrever:

Entendo que está sim configurado o dano extrapatrimonial. Isto porque o reconhecimento do vínculo empregatício com a ordem de pagamento das parcelas rescisórias e demais decorrentes da relação de emprego indeniza tão somente o dano material sofrido pela trabalhadora em decorrência da fraude reconhecida em primeiro grau.

No entanto, exploração da mão de obra alheia sem o correspondente registro formal, sem recolhimento previdenciário e sem o pagamento das verbas inerentes a relação de emprego, à míngua inclusive, da quitação de verbas resilitórias, sem liberação de depósitos de FGTS com recolhimento da multa de 40%, não causam apenas dano material. Causam também danos extrapatrimoniais não apenas para o trabalhador, mas para toda a sua família. Sem a anotação da CTPS, bem como sem dinheiro e sem emprego, o trabalhador não tem como honrar as despesas habituais com a sua subsistência e de sua família, cria-se uma situação humilhante diante de credores e dos familiares a quem precisa recorrer, às vezes, até para sua subsistência. Penso que em situações tais, de empregados com registro formal sonegado, cujos salários apenas permitem a sobrevivência sem nenhuma condição de reserva, e com a despedida sem pagamento de verbas rescisórias, por si só, já faz presumir o dano extrapatrimonial do trabalhador (Processo 0085500-97.2008.5.05.0031 RecOrd, ac. nº 022789/2009, Relatora Desembargadora LUÍZA LOMBA, 2ª. TURMA, DJ 03/10/2009.).

Some-se, ainda, a forma discriminatória como era tratada, em relação aos demais empregados da Ré, devidamente registrados, como evidenciou o MM Julgador de primeiro grau:

A situação da autora, contratada de forma discriminatória e diferenciada dos demais oitenta empregados da reclamada, e através de uma cooperativa, que apenas intermediava a contratação, e lucrava em cima do trabalho da autora, provocou sem dúvida dor e sofrimento íntimo, ainda mais quando se leva em conta que ao final da relação irregular nada lhe foi pago a título de verbas rescisórias, e não foi depositado sequer o FGTS, pois nem a sua CTPS foi anotada.

Essa situação merece, data venia, ser rechaçada por esta especializada, para que sirva de exemplo, e coiba ao menos um pouco essa forma de exploração da mão de obra, coisa cada vez mais comum nesta terra (fls. 247).

Quanto ao valor fixado na decisão (R$ 10.000,00), não vejo razões para a reforma, ao contrário do que afirma a recorrente.

Com propriedade, Caio Mário da Silva Pereira, citado por Humberto Theodoro Júnior, ensina:

"A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva".(2)

A jurisprudência sobre o tema é vasta e ressalta que se deve levar em conta na fixação o prudente arbítrio do magistrado, como retratam os acórdãos a seguir:

"A indenização deve ser "suficientemente expressiva para compensar a vítima pelo sofrimento, tristeza ou vexame sofrido e penalizar o causador do dano, levando em conta ainda a intensidade da culpa e a capacidade econômica dos ofensores", isto, porém, "sem chegar ao extremo de caracterizar um enriquecimento sem causa".(3)

"Ao magistrado compete estimar o valor da reparação de ordem moral, adotando os critérios da prudência e do bom senso e levando em estima que o quantum arbitrado representa um valor simbólico que tem por escopo não o pagamento do ultraje - a honra não tem preço -, mas a compensação moral, a reparação satisfativa devida pelo ofensor ao ofendido".(4)

Há, também, registros na jurisprudência de fixação da indenização tendo com base a Lei de Imprensa e Lei de Telecomunicações, que, cuidando de ofensas morais (injúria, calúnia, etc.), determinam que as condenações se façam entre cinco e cem salários mínimos (Lei 4.117/62, art. 84) ou até duzentos salários mínimos (Lei nº 5.250/67, art. 52), muito embora, no caso destas, não vejo como possam ser aplicadas, diante do quanto previsto no art. 944, parágrafo único, do CC, que determina seja fixada levando-se em consideração, entre outros fatores, a intensidade da culpa.

Portanto, deve o julgador, na fixação do dano ater-se a parâmetros que busquem atingir a ação do ofensor, de maneira a também a provocar o efeito pedagógico, além de proporcionar à vítima uma condição de vida mais adequada, em virtude daquilo que o dinheiro pode minimizar o sofrimento. Não se fala em indenizar sofrimento, mas de possibilitar um "remédio" para amenizar a dor sofrida.

Entendo que o MM. Juiz agiu com acerto e analisou a controvérsia com acuidade, diante das circunstâncias do caso concreto, já examinadas.

NADA A REPARAR.

JUSTIÇA GRATUITA. ENTIDADE BENEFICENTE

Insurge-se contra o indeferimento da gratuidade judiciária. Sustenta que a condição de entidade filantrópica faz presumir os prejuízos que o eventual recolhimento de custas poderia causar.

Razão não lhe assiste.

Entendo indevida a pretensão por tudo quanto exposto acima, na medida em que se trata de entidade que desenvolvia atividade econômica regular e por isso mesmo, tem afastada a presunção de carência de recursos econômicos.

Embora o Tribunal já tenha julgado incidente de uniformização de jurisprudência sobre o tema (nº 00282-2005-131-05-00-7 IUJ), a hipótese versada nos autos é distinta.

MANTENHO.

NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

ISTO POSTO, acordam os Desembargadores da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.//

Salvador, 18 de março de 2010 (quinta-feira).

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1 - Responsabilidade civil constitucional.In Revista de Direito, v. 40, p. 56. [Voltar]

2 - Responsabilidade Civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 103. [Voltar]

3 - TJRJ, Ap. 4.789/93, Rel. Des. LAERSON MOURO, ac. 01.03.1994, COAD, bol. 31/94, pág. 490, nº 66.291. [Voltar]

4 - TJPR, Ap. 19.411-2, Rel. Des. OTO LUIZ SPONHOLZ, ac. 05.05.1992, in RT 66/206 [Voltar]







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