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quinta-feira, 25 de março de 2010

JURID - Não recebimento da denúncia. Furto de cento e dez reais. [25/03/10] - Jurisprudência


Recurso em sentido estrito. Não recebimento da denúncia. Furto de cento e dez reais. Princípio da insignificância.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 105636/2009 - CLASSE CNJ - 426 -

COMARCA DE NOBRES

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

RECORRIDO: JOSÉ CARLOS DA COSTA

Número do Protocolo: 105636/2009

Data de Julgamento: 10-02-2010

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - FURTO DE CENTO E DEZ REAIS - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PEQUENO VALOR - ANÁLISE DA CONDIÇÃO ECONÔMICA DA VÍTIMA - DESVALOR DO RESULTADO - INAPLICABILIDADE DO PRECEITO - RECURSO PROVIDO.

Para a aplicação do princípio da insignificância é necessário que reste comprovado o desvalor da ação e do resultado.

Necessidade de verificação da situação econômica da vítima, pois um bem de pequeno valor não é o mesmo que um bem de valor insignificante.

RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA

Egrégia Câmara:

Versam os autos, recurso em sentido estrito, aforado pelo Ministério Público Estadual, anelando ver reformada a decisão do juízo a quo que rejeitou a denúncia ofertada contra José Carlos da Costa pela prática do delito descrito no art. 155, caput, do Código Penal, visto que a douta Magistrada não vislumbrou na hipótese a adequação típica penal, pois, a seu sentir, ausente lesão ao bem jurídico tutelado pelo direito penal.

À guisa de suporte à pretensão recursal, o recorrente, em substância, sustenta que, in casu, o princípio da insignificância não deve ser aplicado. Propugna, pois, pelo recebimento da denúncia e posterior seguimento da ação penal.

Contrarrazões ilidindo as razões postas no apelo, dando pelo acerto da decisão combatida.

A Ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

PARECER (ORAL)

O SR. DR. ÉLIO AMÉRICO

Ratifico o parecer escrito.

VOTO

EXMO. SR. DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Ressumam os autos que o recorrido foi denunciado pela prática do delito de furto simples tipificado no artigo 155, caput, do Código Penal, visto que no dia 03 de novembro de 2005, por volta das 12h10mim, próximo a uma mercearia, na cidade de Nobres, subtraiu para si a quantia de R$110,00 (cento e dez reais), retirando-a do bolso da camisa da vítima Anízio Martins do Carmo, e, em seguida, evadiu-se para um matagal. A denúncia ofertada pelo Ministério Público não foi recebida, pois, entendeu a douta magistrada que a quantia em pecúnia é insignificante para promover a persecução criminal.

Empós detido exame do material posto a revisão, estamos que vem de colher as expensões deitadas na irresignação do Ministério Público e, pois, afigura-se-nos imperativo a emenda do decisum conforme reclamado.

Com efeito, o princípio da insignificância ou bagatela, originário do Direito Romano, funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor, introduzido no sistema penal atual por Claus Roxin (Política Criminal y sistema del Derecho Penal) tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal que se mostra antagônico frente ao direito penal formalista e literalista do século passado. No que se relaciona com a admissibilidade do princípio da insignificância no direito penal já não há o que se discutir. Dos fatos mínimos não deve cuidar o juiz.

Ora, não cabe ao Direito Penal preocupar-se com bagatelas, idéia consubstanciada no chamado princípio da intervenção mínima, não devendo ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o bem jurídico.

Largando desta premissa, se a finalidade do tipo penal é assegurar a proteção de um bem jurídico de valor expressivo, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de ofender o interesse tutelado, não haverá adequação típica configurando excludente supra legal da tipicidade.

Percebe-se que o princípio da insignificância constitui um relevante instrumento que possibilita ao operador do direito avaliar se determinada ação prevista como crime revestiu-se, no caso concreto, de conteúdo ontológico que a possa descaracterizar como tal, permitindo, em princípio, excluir da análise jurisdicional os danos de pouca importância.

O tema reveste-se de complexidade em virtude da falta de parâmetros específicos do que se entenderia por bagatela, destarte, referido preceito deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades, utilizando-se de bom senso.

Não há crime se o bem jurídico lesado não é relevante. É preciso, porém, que estejam comprovados o desvalor da ação e do resultado.

Fato que torna a aplicação do princípio da bagatela uma tarefa hercúlea é o de que nem sempre os autos são instruídos com elementos acerca do estado de necessidade do réu ou da comprovação da não-reincidência da infração quando se trata de delitos contra o patrimônio. Ressalte-se que a situação econômica da vítima é condição determinante para a aplicação do princípio da bagatela nos casos de crimes do jaez patrimonial, pois um bem de pequeno valor não é o mesmo que um bem de valor insignificante.

"De fato, quando se constata a existência do desvalor da ação e do desvalor do resultado, não é possível afastar sem mais nem menos a tipicidade da conduta com base em uma diretriz político criminal extremamente insegura como é o citado princípio. Daí que o furto de objetos de valor irrisório não se reveste de insignificância com relação ao aperfeiçoamento do resultado típico exigido para a configuração da conduta típica descrita no artigo 155 do Código Penal. Logo, não que se falar em exclusão da tipicidade." (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol. I, 6° Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2006, p. 149/150).

In casu, o caderno processual é exíguo, mas dele emanam evidências de que se trata de vítima hipossuficiente. Em declaração na fase policial afirmou "que trocou o cheque e colocou o dinheiro no bolso da camisa, pois o bolso da calça estava furado". Logo, necessário verificar se no caso concreto evidenciou-se o binômio desvalor da ação e desvalor do resultado para que seja aplicado o princípio da insignificância, ou seja, averiguar se a subtração de R$110,00 (cento e dez reais) foi irrelevante para vítima.

"EMENTA. RECURSO ESPECIAL. FURTO DE ALGUMAS PEÇAS DE ROUPA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. OBJETOS DE VALOR PEQUENO, PORÉM RELEVANTE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

1. A conduta perpetrada pela agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. O delito em tela - furto consumado de peças de roupa, avaliadas em R$ 100,00 -, muito embora não expresse intensa agressão ao patrimônio da vítima, não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela.

2. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a pequena gravidade da conduta.

3. A subtração de bens, cujo valor não pode ser considerado ínfimo, não pode ser tido como um indiferente penal, na medida em que a falta de repressão de tais condutas representaria verdadeiro incentivo a pequenos delitos que, no conjunto, trariam desordem social.

4. Recurso provido para, afastando a aplicação do princípio da insignificância, cassar o acórdão recorrido e a decisão de primeiro grau, e eterminar o recebimento da denúncia e o prosseguimento da ação penal." (STJ - REsp 686716 / RS - REsp. 2004/0141032-1 - Re.(a) Ministra Laurita Vaz - Quinta Turma - DJ. 14-6-2007).

Ressalte-se que há preocupação em relação à aplicação em concreto do princípio da bagatela exatamente pelo temor de vê-lo funcionar como um incentivo para a difusão de crimes por todo o tecido social, a par da obliteração da paz social.

Logo, inoculando ao decisum o luzidio parecer do Ministério Público, dou provimento ao recurso, para que o princípio da insignificância seja afastado e a denúncia seja recebida nos moldes requestados.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. GÉRSON FERREIRA PAES, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (Relator), DES. GÉRSON FERREIRA PAES (1º Vogal) e DR. CARLOS ROBERTO C. PINHEIRO (2º Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO

VOTO DO RELATOR.

Cuiabá, 10 de fevereiro de 2010.

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DESEMBARGADOR GÉRSON FERREIRA PAES - PRESIDENTE DA SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

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DESEMBARGADOR ALBERTO FERREIRA DE SOUZA - RELATOR

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PROCURADOR DE JUSTIÇA




JURID - Não recebimento da denúncia. Furto de cento e dez reais. [25/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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