Responsabilidade civil. Ação indenização por danos morais.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.
Apelação Cível n° 2009.010250-7.
Origem: 8ª Vara Cível da Comarca de Natal.
Apelante: Telemar Norte Leste S. A.
Advogados: Victor Hugo R. Fernandes de Oliveira e outros
Apelado: Carlos Frederico Medeiros Fernandes.
Advogado: Francisco Eloilson Saldanha de Paiva
Relator: Desembargador VIVALDO PINHEIRO
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSFERÊNCIA DE LINHA TELEFÔNICA PARA OUTRA PESSOA SEM QUALQUER SOLICITAÇÃO OU PERMISSÃO POR PARTE DO TÍTULAR. DEFEITO NO SERVIÇO QUE ACARRETOU A NÃO ACEITAÇÃO DO CHEQUE DO DEMANDANTE EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. CONSTRANGIMENTO CONSTATADO. DANO MORAL CONFIGURADO. PRETENSÃO DE MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. QUANTIA ARBITRADA QUE DEVE SER REDUZIDA PARA ATENDER OS PRECEDENTES DESTA CORTE. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n° 2009.010250-7, em que são partes as acima identificadas:
ACORDAM os eminentes Desembargadores da 3ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao presente recurso, nos termos do voto do Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta pela Telemar Norte Leste S. A. contra a sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Natal, acostada às fls. 64/71, que, nos autos da Ação Indenizatória de nº 001.99.010699-9, condenou-a, a título de danos morais, a R$ 7.000,00 (sete mil reais), e ao pagamento de 40% (quarenta por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes à base de 10% (dez por cento) do valor da condenação, em razão de ter transferido indevidamente linha telefônica pertencente ao apelado Carlos Frederico Medeiros Fernandes para outra residência, o que teria resultado na não liberação do cheque deste ao efetuar compras no supermercado Carrefour.
Em suas razões, sustenta que não concorreu para o dano causado ao recorrido, na medida em que regularizou a situação da linha objeto da presente lide tão logo soube do problema, configurando, tal atitude, uma excludente de sua responsabilidade.
Enfatiza que há nos autos diversas incontrovérsias do apelado que tornam duvidosas suas alegações, além disso, considera ser inverídico o relato do procedimento dos caixas do Carrefour, de efetuar ligações para as residências dos clientes no momento da efetivação de suas compras, quando, o que se sabe, é que tal procedimento só é realizado pelo setor financeiro das empresas e somente após o cheque ser devolvido sem o pagamento devido.
Questiona, ainda, se o número do telefone informado pelo recorrido, no verso do cheque em questão, era mesmo o que lhe lhe pertencia.
Aduz que não cometeu qualquer ilícito, vez que o que ocorreu foi que a linha telefônica do apelado, por falhas técnicas, ficou inativa por um período, não tendo sido transferida para outra pessoa, como afirmado.
Ante o que expôs, considerando que não estão presentes os requisitos necessários para resultar no dever de indenizar, pugna pela reforma do julgado, no sentido de escusar a recorrente dos pagamentos que lhes foram impostos. Alternativamente, requer a redução do encargo.
O apelado, apesar de devidamente intimado através do seu causídico, deixou transcorrer o prazo para contrarrazoar sem manifestação.
Instada a se pronunciar, a 18ª Procuradoria de Justiça se absteve de emitir parecer, por entender que inexiste interesse público capaz de exigir a intervenção ministerial.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso.
A pretensão inicial do Telemar Norte Leste S. A. é excluir sua responsabilidade civil relativamente ao fato de ter transferido para outrem, indevidamente, linha telefônica pertencente ao apelado, ato este que teria causado a recusa do seu cheque quando fazia compras no Carrefour.
Com efeito, por a empresa apelante estar inserida no conceito de prestadora de serviço, nos termos em que disciplina o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, sua responsabilidade é objetiva relativamente aos danos causados aos seus consumidores, desta feita, basta que reste demonstrado o nexo causal entre a conduta do ofensor e o dano dela resultante, para que surja o dever de indenizar, a não ser que consiga provar alguma excludente de responsabilidade, o que não é o caso.
Isso porque, a partir das provas colacionadas aos autos (fls. 09, 10 e 46/49), principalmente as testemunhais (43/45), restou provado o constrangimento por que passou o apelado, ao lhe ter sido negado o direito de levar as compras que tinha separado, em virtude do número telefônico, que informou no cheque dado para pagamento, ter sido atendido por outra pessoa que se indentificou como real proprietário da linha, fato este que foi relatado com idênticos detalhes tanto pela vítima como pelo então responsável pela liberação do cheque em comento e por um outro cliente que a tudo presenciou, é o que se pode depreender dos trechos abaixo transcritos:
"(...) que ao chegar de viagem em uma sexta-feira, ele autor ao perceber que o telefone estava mudo ligou para o número 104 da TELEMAR para saber o que estava acontecendo; que a TELEMAR informou que logo solucionaria o problema, mas não foi isso que aconteceu, a solução demorou de nove a dez dias; que na mesma sexta-feira que ligou para o nº 104 da TELEMAR, foi ao Carrefour e ao tentar efetuar uma compra em cheque em valor acima de R$ 300,00 (trezentos reais) anotou o número do seu telefone no verso do cheque, e como é de praxe o supermercado ligou para residência para checar dados do titular do cheque; que do outro lado da linha atendeu uma pessoa que não conhecia ele autor e disse que tinha comprado essa linha telefônica à TELEMAR; que o autor nessa hora ficou surpreso, porque não sabia que sua linha tinha sido vendida, achava que sua linha estava com defeito; que essa situação do supermercado Carrefour lhe causou constrangimento, porque todos na fila do caixa lhe observavam e sua compra não foi liberada;(...)". (fl. 41).
"(...) que a época dos fatos era praxe do supermercado Carrefour quando as compras eram feitas para pagamento através de cheque, dependendo do valor, fazer uma consulta ao SPC, SERASA e ligar para o telefone do titular da conta, além de confirmar com o número 102 da TELEMAR o nome do proprietário da linha telefônica, para ver se coincidia o número ou não com o número constante no verso do cheque; que ele testemunha na qualidade de funcionário do Carrefour, encarregado da liberação dos cheques do caixa central, foi quem efetuou a ligação para o endereço do autor; que esse telefonema é dado para a residência do titular do cheque em um telefone do caixa central; que no caso do autor, do outro lado da linha, atendeu uma pessoa que se identificou como proprietário da linha telefônica, a qual disse que tinha comprado o telefone a TELEMAR e o telefone não era do autor; que ele testemunha chamou o autor até o caixa central, explicou o que estava acontecendo, fez nova ligação para o endereço do autor, obteve a mesma resposta, colocou o autor na linha e o autor obteve a mesma reposta; que o caixa parou para esperar a consulta do cheque para só após liberar as compras; que as compras não foram liberadas justamente porque o número do telefone não era do autor, segundo a pessoa que atendeu do outro lado da linha;(...) que a consulta ao SPC e SERASA resultou negativa, estava tudo bem; que o único motivo da não liberação das compras foi o telefone.". (fl. 43).
"que estava no supermercado carrefour, fazendo compras e se encontrava na mesma fila onde estava o autor; que o autor foi ao supermercado carrefour fazer compras e pagar com cheque; que na hora de passar no caixa as compras, houve uma consulta sobre o cheque e o número constante no verso do cheque foi atendido por uma pessoa em outra residência; que a pessoa se dizia proprietária da linha telefônica e afirmava que tinha comprado referida linha a TELEMAR; que o autor em razão desse fato foi visto na ocasião como uma pessoa que queria enganar o supermercado carrefour; que foi essa a impressão que ficou para as pessoas que estavam presentes no local; (...)". (fl. 45).
Diante desses relatos, não há como ainda se questionar a veracidade do procedimento do Carrefour e, do mesmo modo, não se pode acatar a tese da recorrente de que a linha, em verdade, teria ficado inativa por um tempo, vez que, conforme se infere dos relatos acima transcritos, uma pessoa atendeu o telefone, o que não aconteceria se o problema fosse só a inatividade. Circunstância esta que igualmente é suficiente a dirimir a dúvida posta pela apelante de que o número informado poderia não ser o do apelado, já que a existência de um problema na linha não foi negada, sendo muita coincidência acontecer o constrangimento relatado justo quando a linha apresentava defeito.
De igual forma, não há como excluir a responsabilidade da apelante tão só pelo fato de ter regularizado a situação assim que foi informada, na medida em que o dano resultou da transferência indevida da linha para outro titular e não de uma eventual demora para a regularização do problema.
Assim, uma vez constatado o liame necessário para imputar a responsabilidade civil ao ofensor, ora apelante, passemos à análise do seu pleito de redução do quantum indenizatório.
Consoante a abalizada doutrina e jurisprudência dominante, para se aferir o valor mais justo à indenização devida, o julgador deve primeiro mensurar o prejuízo sofrido pela vítima do dano, se ela contribuiu de alguma forma para sua ocorrência e a gravidade da conduta do agente causador, depois averiguar a situação econômica de cada uma das partes, de modo a, respeitando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aplicar uma penalidade que, ao mesmo tempo, seja suficiente a minorar a dor sofrida pela pessoa prejudicada (cunho reparatório da medida) e a desestimular a reincidência do ato danoso por parte do ofensor (cunho punitivo/pedagógico), sem causar, no entanto, enriquecimento ilícito.
Nesse sentido, bem pontuam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao tecerem o seguinte comentário sobre o valor da indenização por dano moral:
"O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atendo à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso (STJ, 4ª T., Resp 240.441, rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j. 25.4.2000)." (Código Civil Comentado, 4ª edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2006. Pág. 641).
Na hipótese dos autos, verifica-se que de fato a apelante foi negligente ao transferir para outrem a linha do apelado, sem sua autorização, no entanto, em respeito ao princípio da razoabilidade, considero que a quantia estabelecida deve ser reduzida para R$ 3.000,00 (três mil reais), valor este que já é equivalente a 10 (dez) vezes o valor da compra negada, também para se manter próximo ao patamar que vem sendo definido nesta Corte, a exemplo dos seguintes julgados, em que a condenação foi minorada para o mesmo valor aqui aplicado, in verbis:
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS CUMULADA COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO SUSCITADA PELA APELADA, ANTE A FALTA DE PREPARO RECURSAL. REJEIÇÃO. MÉRITO: SENTENÇA QUE CONDENOU A EMPRESA APELANTE AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. DEVER DE INDENIZAR. VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO EM DESACORDO COM OS PRECEDENTES DESTA CORTE. REDUÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO." (Apelação Cível n° 2009.008889-8. 1ª Câmara Cível. Relator Juiz Ibanez Monteiro (Convocado). Julgado, à unanimidade, em 27/10/2009).
"EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ALEGAÇÃO DE FRAUDE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PELA CONCESSIONÁRIA DA AUTORIA DA IRREGULARIDADE. VANTAGEM ILÍCITA NÃO CONFIGURADA. COBRANÇA DE DÉBITO E SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA INDEVIDOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR. REDUÇÃO DO QUANTUM. ADEQUAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO A PATAMAR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO VÁLIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO." (Apelação Cível n° 2007.006696-8. 3ª Câmara Cível. Relator Juiz NILSON CAVALCANTI (convocado). Julgado, à unanimidade, em 27/10/2009).
"EMENTA: CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C LUCROS CESSANTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA EXORDIAL PARA CONDENAR MÉDICO EM DANO MORAL. PEDIDO DE EXCLUSÃO OU MINORAÇÃO DA CONDENAÇÃO. CULPA DO MÉDICO DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. NEGLIGÊNCIA CONFIGURADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ART. 14, § 4º, DO CDC. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. QUANTIA QUE DEVE FIXADA EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO." (Apelação Cível n° 2009.008994-8. 3ª Câmara Cível. Relator Desembargador Amaury Moura Sobrinho. Julgado, à unanimidade, em 01/10/2009).
Certo é que a apelante, como renomada prestadora de serviços que é, tem plenas condições de arcar com o valor arbitrado na primeira instância, contudo, entendo que os Tribunais devem agir com moderação ao estabelecer o quantum indenizatório, não só como forma de evitar o enriquecimento ilícito, mas também para não causar estímulo na busca de indenizações homéricas, cada dia mais frequentes.
Ante o exposto, em respeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dou provimento, em parte, ao presente recurso, tão-somente, para reduzir o valor da indenização devida para R$ 3.000,00 (três mil reais), mantendo a sentença em todos os demais termos.
É como voto.
Natal, 11 de fevereiro de 2010.
Desembargador VIVALDO PINHEIRO
Presidente/Relator
Doutora HELOÍSA MARIA SÁ DOS SANTOS
6ª Procuradora de Justiça
JURID - Responsabilidade civil. Ação indenização por danos morais. [01/03/10] - Jurisprudência
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