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segunda-feira, 1 de março de 2010

JURID - Mandado de segurança. Licitação. Vinculação ao edital. [01/03/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Mandado de segurança. Licitação. Vinculação ao edital. Relatividade.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.

QUARTA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 101848/2009 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA CAPITAL

INTERESSADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE CUIABÁ

INTERESSADA/APELADA: QUALIX SERVICOS AMBIENTAIS LTDA.

Número do Protocolo: 101848/2009

Data de Julgamento: 9-2-2009

EMENTA

ADMINISTRATIVO - APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - VINCULAÇÃO AO EDITAL - RELATIVIDADE - NORMA QUE LIMITA A PARTICIPAÇÃO DO MAIOR NÚMERO DE PARTICIPANTES - ILEGALIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA RATIFICADA.

O edital de licitação, embora seja norma fundamental da concorrência, não impede o Judiciário de interpretar e relativizar cláusulas, cujo excessivo rigor possa transformá-lo, de instrumento de defesa do interesse público, em um conjunto de regras prejudiciais à sociedade.

A existência de cláusula que impeça a participação de concorrente no processo licitatório configura violação a seu direito líquido e certo.

INTERESSADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE CUIABÁ

INTERESSADA/APELADA: QUALIX SERVICOS AMBIENTAIS LTDA.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL

Egrégia Câmara:

Trata-se de Reexame Necessário de Sentença com Recurso de Apelação Cível, interposto pelo Município de Cuiabá, contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca desta Capital, que julgou procedente o pedido formulado nos autos do Mandado de Segurança, impetrado pela empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda., para vedar o afastamento da Recorrida do certame, com fundamento no item 14.3, "f" do Edital n. 004/2007 (fls. 416 a 420-TJ).

O Recorrente pretende a reforma do ato sentencial, argumentando que:

1) de acordo com o art. 41 da Lei n. 8.883/93, não poderia a Impetrante se insurgir contra o Edital depois de esgotado o prazo previsto neste dispositivo, qual seja, dois dias úteis antes da abertura dos envelopes; 2) a Apelada não cumpriu os termos do edital e, por isso, não há direito líquido e certo violado.

A parte apelada deixou de apresentar contrarrazões ao recurso.

A Procuradoria-Geral de Justiça, às fls. 445 a 448-TJ, opina pelo desprovimento do Apelo e a ratificação da sentença, em reexame.

É a síntese.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. ASTÚRIO FERREIRA DA SILVA FILHO

Ratifico o parecer escrito.

QUARTA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 101848/2009 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA CAPITAL

V O T O

EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Como explicitado na síntese, trata-se de Reexame Necessário de Sentença com Recurso de Apelação Cível, interposto pelo Município de Cuiabá, contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado nos autos do Mandado de Segurança impetrado pela empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda., para vedar o afastamento da Recorrida do certame, com fundamento no item 14.3, "f" do Edital n. 004/2007 (fls. 416 a 420- TJ).

O fato jurídico processual revela que, em 6-7-2007, a empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda. impetrou Mandado de Segurança contra o Município de Cuiabá, argumentando, em síntese, que o Edital de abertura de licitação, modalidade de concorrência, para contratação de empresa para execução dos serviços de limpeza e manutenção de vias e logradouros públicos, é ilegal, já que condiciona a participação das empresas interessadas à apresentação de alvará de funcionamento do estabelecimento na sede do licitante. Aduz também que a lei da licitação (8.666/93) não exige, para habilitação, a entrega de alvará ou de licença, o que demonstra ter havido violação ao direito líquido e certo.

Ao analisar o pedido, o Juiz singular julgou-o procedente, proibindo, de consequência, o Impetrado de afastar a pessoa jurídica impetrante do processo licitatório, com o fundamento no Edital.

DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL

O Município de Cuiabá sustenta a legalidade do Edital combatido pela Recorrida, afirmando que as formalidades legais não foram por ela atendidas.

Infere-se dos autos que o objeto do recurso se cinge à análise da legalidade, ou não, do item n. 14.3, alínea "f" do Edital n. 004/2007.

Sabe-se que o mandado de segurança é remédio de natureza constitucional, disposto à proteção de direito líquido e certo, exigindo-se para tanto a constatação, de plano, do direito alegado, em virtude de ter rito processual célere e não comportar instrução probatória.

Em outras palavras, para ser viável a impetração do writ, é imperativo que estejam comprovados os fatos alegados na inicial, porque, para a concessão de liminar, a situação fática e jurídica não pode gerar dúvida e, muito menos, depender a narrativa de dilação probatória.

Dessarte, por exigir que os fatos sejam comprovados de plano, é que o mandado de segurança impossibilita a produção da prova necessária para a comprovação da ilegalidade do ato administrativo.

Nesse norte, cumpre-me trazer à baila lições do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, em sua obra Mandado de Segurança, 18ª Edição, Malheiros Editores, 1997, pag. 34 e 35:

"(...) Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.

Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança.

Por se exigir situações e fatos comprovados de plano é que não há instrução probatória no mandado de segurança. Há apenas, uma dilação para informações do impetrado sobre as alegações e provas oferecidas pelo impetrante, com subseqüente manifestação do Ministério Público sobre a pretensão do postulante. Fixada a lide nestes termos, advirá a sentença considerando unicamente o direito e os fatos comprovados com a inicial e as informações."

Sabe-se que a Administração Pública exerce atividades complexas voltadas para os interesses públicos, os quais serão atendidos, muitas vezes, por meio de bens e serviços prestados por terceiros, sendo mister a pactuação de contratos administrativos para a execução de obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Nessa esteira, a lei criou a licitação, procedimento que precede o contrato administrativo, e tem por objetivo permitir a apresentação de propostas por todas as pessoas interessadas, possibilitando, consequentemente, a escolha daquela que será mais vantajosa pela Administração.

O edital, no sistema jurídico brasileiro, constitui lei entre as partes, é norma fundamental da concorrência, cujo objetivo é determinar o objeto da licitação, discriminar os direitos e obrigações dos intervenientes e o poder público e disciplinar o procedimento adequado ao estudo e julgamento das propostas.

Contudo, o princípio da vinculação ao edital não é absoluto, de tal forma que impeça o Judiciário de analisar as cláusulas cujo excessivo rigor possa afastar do certame possíveis concorrentes.

Com efeito, o artigo 37, XXI, da Constituição da República Federativa, que trata do Princípio da Obrigatoriedade da Licitação, dispõe que:

"Art. 37 - (...).

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."

Denota-se que a igualdade de condições a todos os concorrentes, garantida constitucionalmente, permite a competitividade entre os interessados, imprescindível na licitação, além de abarcar os princípios da impessoalidade e igualdade (isonomia), que devem ser observados pelo administrador público.

Diante disso, é certo que o formalismo exacerbado não pode ser privilegiado em detrimento da finalidade da licitação pública, que visa à seleção da proposta mais vantajosa.

Nesse sentido, perfilo o seguinte julgado:

"DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CONCORRÊNCIA. EDITAL. RESTRIÇÕES. Tendo o processo licitatório como finalidade buscar a proposta mais vantajosa ao interesse público, no caso exigência editalícia prevista aparentemente refoge dos princípios que norteiam o certame, em especial o da isonomia, o que termina por restringir a participação de concorrentes, pelo que deve ser reformada a decisão agravada que manteve a restrição às pessoas jurídicas para prestação de serviço de transporte coletivo urbano de ¨microônibus ¨. DECISÃO: Preliminar rejeitada. Recurso provido. Unânime." (TJ/RS - Agravo de Instrumento n. 70024746166 - Segunda Câmara Cível - Rel. Des. Roque Joaquim Volkweiss - Julgado em 8-4-2009).

No caso em questão, o objetivo da licitação, na modalidade de concorrência pública, foi, segundo o item 3 do Edital n. 004/2007, "a execução, sob o regime de empreitada a preço global, dos serviços necessários à LIMPEZA E MANUTENÇÃO DE VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS NO MUNICÍPIO DE CUIABÁ" (fl. 44-TJ).

O referido Edital determina, em seu item 14.3, "f", a apresentação de alvará de funcionamento e localização, como indispensável para a participação no certame, uma vez que provaria a regularidade fiscal municipal da empresa concorrente.

Entrementes, a alínea "c" do item 14.3 do mencionado Edital havia estabelecido, de forma genérica, que a prova da regularidade fiscal com o Município seria feita na forma da lei e por apresentação de certidões negativas de dívida ativa. Veja-se (fl. 50):

"14.3 - Regularidade Fiscal

a) (...);

c) prova de regularidade com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede da Licitante, ou outra equivalente, na forma da lei e as respectivas Certidões Negativas da Dívida Ativa."

Tem-se, assim, a existência de conflito entre as normas editalícias citadas, porque a apresentação do alvará de funcionamento e de localização objetiva comprovar a regularidade fiscal municipal (alínea "f") que poderá ser feito por outros meios (alínea "c").

Logo, deve-se optar pela regra que permita a maior participação das empresas interessadas, dado que se busca no processo licitatório a seleção da proposta mais vantajosa.

Por essa razão, entendo que a alínea "f" do item 14.3 do Edital n. 004/2007 não pode servir de sustentáculo para que a empresa apelada seja excluída do processo licitatório.

Desse modo, o improvimento do Apelo é medida que se impõe.

DO REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA

Ao examinar o ato sentencial em sua plenitude, verifico que a empresa autora impetrou a presente ação mandamental, objetivando obter a declaração de nulidade da alínea "f" do item 14.3 do Edital da licitação n. 004/2007, para contratação de empresa que faria a limpeza e a manutenção de vias e de logradouros públicos no Município de Cuiabá e, de consequência, que não fosse excluída do certame, com fundamento em tal cláusula.

Ao examinar o pedido, o Magistrado singular decidiu julgá-lo procedente (fls. 416 a 420-TJ).

De início, impende destacar que, em se tratando de recurso de ofício, como é o caso dos autos, está o Tribunal autorizado a examinar integralmente a sentença, podendo modificá-la, total ou parcialmente, pois, no que tange ao reexame necessário, impera o efeito translativo pleno, que é manifestação decorrente do princípio inquisitivo.

Corroborando minha posição e clareando esta acirrada questão, trago à baila os ensinamentos do professor Nelson Nery Júnior que, em Teoria Geral dos Recursos, elucida:

"O exame das questões de ordem pública, ainda que não decididas pelo juízo 'a quo', fica transferido ao tribunal destinatário do recurso de apelação por força do CPC 515 §§ 1º a 3º Da mesma forma, ficam transferidas para o tribunal 'ad quem' as questões dispositivas que deixarem de ser apreciadas pelo juízo de 1º grau, nada obstante tenham sido suscitadas e discutidas no processo.

(...)

O poder dado pela lei ao juiz para, na instância recursal, examinar de ofício as questões de ordem pública não argüidas pelas partes não se insere no conceito de efeito devolutivo em sentido estrito, já que isso se dá pela atuação do princípio inquisitório e não pela sua antítese, que é o princípio dispositivo, de que é corolário o efeito devolutivo dos recursos. Mesmo porque, efeito devolutivo pressupõe ato comissivo de interposição do recurso, não podendo ser caracterizado quando há omissão da parte ou interessado sobre determinada questão não referida nas razões ou contra-razões do recurso." (In Teoria Geral dos Recursos, pgs. 482 e 484, 6ª ed., Ed. RT).

Relevo, outrossim, que o princípio da reformatio in pejus não se configura no reexame obrigatório. No que concerne ao tema, colaciono uma vez mais a lição daquele ilustre doutrinador:

"Nesse procedimento de remessa necessária é impertinente falar-se em 'reformatio in pejus', já que não atua o princípio dispositivo, mas o inquisitório.

Assim, não havendo recurso da parte ou interessado, pode o tribunal, v.g., modificar a sentença agravando a posição da Fazenda Pública, pois o reexame necessário não foi criado para proteger descomedidamente os entes públicos, mas para fazer com que a sentença que lhes fora adversa seja obrigatoriamente reexaminada por órgão de jurisdição hierarquicamente superior." (Op. cit, p. 486).

Superada esta etapa, passarei ao exame da matéria dos autos originários do Mandado de Segurança, cuja eficácia da sentença está submetida ao crivo da remessa necessária.

A controvérsia se cinge à análise da legalidade, ou não, da exigência expressa na alínea "f" do item 14.3 do Edital n. 004/2007.

Depreende-se dos autos que o Município de Cuiabá, visando à contratação de empresa que executasse, sob o regime de empreitada a preço global, os serviços necessários à limpeza e à manutenção de suas vias e de seus logradouros (fl. 44-TJ), fez a abertura do processo licitatório, por meio do Edital n. 004/2007 (fls. 42 a 77-TJ).

Analisando os autos, verifico que o Edital prevê no item 14.3, alínea "c", que a empresa interessada em participar do certame comprove a regularidade fiscal federal, estadual ou municipal do domicílio ou sede do licitante, por qualquer outro meio. Entrementes, na alínea "f" exige a apresentação de alvará de funcionamento e de localização como prova da regularidade fiscal.

Dessa forma, evidente a ocorrência de conflito entre as normas do edital, o que implica reconhecer a ilegalidade da exigência expressa na alínea "f", além do que sua exclusão possibilitará a participação de mais empresas e, logicamente, a Administração conseguirá menor preço.

Diante disso, entendo que a manutenção do ato judicial é medida impositiva.

Ante o exposto, nego provimento ao Apelo interposto pelo Município de Cuiabá e ratifico, em reexame, o ato sentencial.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. MÁRCIO VIDAL (Relator), DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES (Revisor) e DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA RATIFICADA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

DECISÃO UNÂNIME.

Cuiabá, 09 de fevereiro de 2010.

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DESEMBARGADOR JOSÉ SILVÉRIO GOMES - PRESIDENTE DA QUARTA CÂMARA CÍVEL

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DESEMBARGADOR MÁRCIO VIDAL - RELATOR

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PROCURADOR DE JUSTIÇA




JURID - Mandado de segurança. Licitação. Vinculação ao edital. [01/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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