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quarta-feira, 3 de março de 2010

JURID - Devedor não encontrado no local que lhe serve de domicílio. [03/03/10] - Jurisprudência


Execução. Citação por oficial de justiça. Devedor não encontrado no local que lhe serve de domicílio.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Agravo de Instrumento n. 2008.062441-9, de Gaspar

Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta

EXECUÇÃO. CITAÇÃO POR OFICIAL DE JUSTIÇA. DEVEDOR NÃO ENCONTRADO NO LOCAL QUE LHE SERVE DE DOMICÍLIO. SITUAÇÃO QUE, NOS TERMOS DO ARTIGO 653, CAPUT, DO CPC, AUTORIZA, À GUISA DE ARRESTO, VERDADEIRA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA PENHORA (PRÉ-PENHORA) INDEPENDENTEMENTE DE FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA. ARTIGO 653, CAPUT, DO CPC. ALCANCE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E EXTENSIVA. POSSIBILIDADE DE QUE O ARRESTO CONCENTRE-SE ASSIM NOS BENS PERCEPTÍVEIS PRIMUS ICTUS OCULI PELO OFICIAL DE JUSTIÇA POR OCASIÃO DA DILIGÊNCIA CITATÓRIA, COMO TAMBÉM EM QUALQUER OUTRO QUE INTEGRE O PATRIMÔNIO DO EXECUTADO, ENTRE ELES O DINHEIRO NA FORMA DE DEPÓSITO BANCÁRIO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA (ART. 655, I). PENHORA ELETRÔNICA, NESSE QUADRO, PERMITIDA INDEPENDENTEMENTE DE INVESTIGAÇÃO PRÉVIA E EXAUSTIVA DE OUTROS BENS PASSÍVEIS DE CONSTRIÇÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE, QUE, NA ESPÉCIE, NÃO DESAUTORIZA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA. RECURSO PROVIDO.

1. A situação material (ausência do devedor no domicílio) que autoriza o Oficial de Justiça a arrestar os bens que lhe apareçam à vista não pode deixar de servir de fundamento a que o exequente formule ao magistrado pedido de penhora on line. Não parece razoável supor que a ausência do réu de seu domicílio permita o arresto de bens visíveis, entre eles o próprio dinheiro em espécie, mas que o dinheiro convertido na forma de depósito ou de aplicação financeira, equiparado àquele (em espécie) pela Lei 11.382/2006 (art. 655, I, CPC), se veja livre de idêntica medida. Cumpre não perder de vista que permitir-se o arresto de dinheiro em espécie pelo Oficial de Justiça, mas não o de dinheiro que está depositado em conta bancária, significa colocar a norma contra a realidade, contra aquilo que ordinariamente sucede no seio social (eo quod plerumque fit), porque certamente ninguém colocará em dúvida o franco desuso do avelhantado costume de acomodar-se dinheiro "embaixo do colchão".

2. Caso em que a norma inscrita na cabeça do artigo 653 deve ser apreendida não somente pelo que textualmente diz, mas sobretudo também pelo que o seu texto substancialmente permite em prol da efetividade da execução: a antecipação da penhora diante da só ausência do devedor de seu domicílio.

3. "Conquanto este Tribunal já tenha decidido que o deferimento da penhora on line de quantias depositadas em instituição financeira esteja condicionado à comprovação do exaurimento da busca por outros bens livres e desembaraçados sobre os quais possa recair a constrição, a Lei n. 11.382/2006 deu nova conotação ao instituto e, a partir de então, equiparou, para fins do estabelecimento na ordem preferencial da penhora o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação financeira (artigo 655, I, do CPC), a qual pode ser deferida por meio eletrônico (artigo 655-A, do CPC). Da interpretação dos artigos 655, I, e 655-A, ambos do CPC, a conclusão a que se chega é no sentido de não mais se exigir que o credor comprove que procurou outros bens penhoráveis para, só então, requerer a penhora on line [...]" (REsp 1033820, Rel. Min. Massami Uyeda).

4. Além disso, "a penhora on line não implica quebra de sigilo bancário, nem é medida excepcional. Não se buscam informações sobre a movimentação financeira do executado. Pede-se ao Banco Central o bloqueio de dinheiro ou aplicação financeira do porventura existente, sem qualquer preocupação com a origem dos recursos" (JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Processo Civil - Execução. PODVM: Bahia, 2009, p. 606).

5. O STJ "firmou entendimento no sentido de que é possível a penhora do dinheiro existente em conta-corrente, sem que isso configure ofensa ao princípio previsto no art. 620 do CPC, segundo o qual a execução deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor. Precedentes: AgRg no Ag nº 702.913/RJ, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 19/06/2006; REsp nº 728.484/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 07/11/2005 e AgRg na MC nº 9.138/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 14/03/2005" (AgRg no REsp 1066784, Rel. Ministro Francisco Falcão).

6. Recurso provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.062441-9, da comarca de Gaspar (2ª Vara), em que é agravante Isocley Bossi, e agravado Marco Antônio dos Santos:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Isocley Bossi interpõe agravo de instrumento contra a decisão que, em ação de execução, negou pedido de que fosse arrestado, nos termos do artigo 653 do CPC, (I) dinheiro em depósito ou (II) aplicação em instituição financeira (art. 655, I, CPC) (penhora on line) existentes em nome do executado.

Alega que, frustrada a citação do réu, que não fora encontrado pelo Oficial de Justiça no endereço que sempre lhe serviu de domicílio (fl. 15), a leitura conjugada dos artigos 653, 655, I, e 655 - A, todos do CPC, aliada ao princípio de que a execução se faz no interesse do credor (art. 612, CPC), permite que o juízo da execução, pela via eletrônica, determine que o Banco Central bloqueie depósitos e aplicações financeiras.

Negada a concessão de antecipação de tutela recursal (fls. 44/45), a parte agravada, apesar de regularmente intimada (fl. 50), não apresentou contrarrazões.

VOTO

1. A decisão recorrida vem vazada nos seguintes termos:

[...].

Consoante asseverado por este Juízo em reiteradas decisões, a utilização do sistema BACEN-JUD se justifica quando o credor efetivamente tomou providências concretas visando à localização de bens penhoráveis, tais como pesquisas junto aos departamentos de trânsito e cartórios de registros de imóveis sem lograr êxito.

E no caso dos autos afigura-se prematuro o deferimento da providência requisitada pelo credor pois, segundo consta da certidão de fl. 13, sequer foi citado para pagar o débito.

É que além de não exauridas as tentativas normais de localização de bens, no momento do ato citatório pode o devedor pagar o débito, mostrando-se a medida deveras antecipada.

[...] (fl. 31, sem destaque no original).

Por sua vez, a decisão negatória de tutela recursal está assim fundamentada:

[...].

Apesar da previsão do art. 612 do CPC, de que a execução dar-se-á no interesse do credor à luz dos princípios da utilidade e eficácia, deve, também, ser respeitado o disposto no art. 620 do CPC (a ação executiva deve ser promovida pelo modo menos gravoso para o devedor).

Reconheço a efetividade do sistema da penhora on line, sendo forma aceita de se efetuar a constrição sobre dinheiro (art. 655, I). Porém, neste caso, a medida é prematura; o devedor sequer foi citado, quando poderá quitar o débito no prazo que a lei concede.

Indefiro a liminar (fl. 44, sem destaque no original).

2. Peço vênia para diverjir dessas premissas.

2.1 É certo que a jurisprudência desta Corte (AI 2008.019026-2) e do STJ (AgRg no Ag 1012644) vinculavam a viabilidade da penhora on line ao esgotamento de todos os meios aptos à localização de bens passíveis de constrição.

Esse entendimento, porém, foi superado pela edição da Lei 11.382/2006, que equiparou 'dinheiro em espécie' a 'dinheiro em depósito' e a 'aplicações financeiras'(art. 655, I, CPC), e permitiu que o juiz, a requerimento do exequente, requisite à autoridade supervisora do sistema bancário informações sobre a existência de ativos em nome do executado (art. 655-A, CPC) (cf: STJ: AgRg no Ag 1050772; STJ - REsp 1101288; STJ - REsp 1085180; STJ - AgRg no Ag 1138725; TJSC - AI 2007.036544-0).

À guisa de ilustração, cito da jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA - EMBARGOS INTEMPESTIVOS - MANDADO INJUNTIVO CONVERTIDO EM TÍTULO EXECUTIVO - PROSSEGUIMENTO PELO PROCEDIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - PENHORA ELETRÔNICA - COMPROVAÇÃO DO EXAURIMENTO DA BUSCA POR OUTROS BENS - PRESCINDIBILIDADE, APÓS O ADVENTO DA LEI N. 11.382/2006 - EXEGESE DOS ARTIGOS 655, I, E 655-A, DO CPC - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. [...].

2. Conquanto este Tribunal já tenha decidido que o deferimento da penhora on line de quantias depositadas em instituição financeira esteja condicionado à comprovação do exaurimento da busca por outros bens livres e desembaraçados sobre os quais possa recair a constrição, a Lei n. 11.382/2006 deu nova conotação ao instituto e, a partir de então, equiparou, para fins do estabelecimento na ordem preferencial da penhora o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação financeira (artigo 655, I, do CPC), a qual pode ser deferida por meio eletrônico (artigo 655-A, do CPC).

3. Da interpretação dos artigos 655, I, e 655-A, ambos do CPC, a conclusão a que se chega é no sentido de não mais se exigir que o credor comprove que procurou outros bens penhoráveis para, só então, requerer a penhora on line [...] (REsp 1033820, Rel. Min. Massami Uyeda, sem destaque no original).

No mesmo sentido o seguinte precedente deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DETERMINOU A PENHORA ON LINE, PELO "SISTEMA BACEN JUD". INSURGÊNCIA DA EXECUTADA.

[...].

FALTA DE ESGOTAMENTO DA VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE OUTROS BENS PASSÍVEIS DE SOFRER A CONSTRIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 655, INCISO I, E 655-A, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUERIMENTO EXECUTIVO ULTERIOR AO ADVENTO DA REDAÇÃO ATUAL DOS REFERIDOS DISPOSITIVOS LEGAIS. EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL [...] (AI 2009.026354-4, Rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, sem destaque no original).

Portanto, a chamada penhora on line não pressupõe investigação prévia e exaustiva da existência de outros bens em nome do executado e, por isso, esse fundamento não poderia servir de óbice ao acolhimento do pedido formulado pelo agravado no juízo a quo.

2.2. Para a decisão recorrida, a ausência de citação do devedor, por si só, está como a demonstrar o açodamento do decreto de penhora on line. Argumenta que, citado, remanesce ao devedor o direito de promover o pagamento no espaço de três dias, o que ilidiria a deflagração da penhora eletrônica.

Penso, porém, que a questão não se põe como aí formulada. Na espécie, a citação viu-se frustrada porque o executado não foi encontrado no local que até então lhe servia de domicílio (fl. 15). Essa circunstância, nos termos do artigo 653, caput, do CPC, permite que o Oficial de Justiça arreste, de imediato e sem ordem judicial, tantos bens quantos bastem para garantir a execução (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil - Execução. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2007, v. 3, p. 442).

O arresto aí figurado não possui índole cautelar, mas executiva (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008, 11ª ed., p. 585). Por isso que chamado de pré-penhora, viabiliza a "antecipação dos efeitos de uma futura penhora", dentre eles "a atribuição, ao exequente, do direito de preferência na participação do produto da expropriação do bem constrito" (JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Processo Civil - Execução. PODVM: Bahia, 2009, p. 509).

O deferimento da medida não supõe fumus boni juris nem periculum in mora, bastanto a "simples não localização do executado para a citação" (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz, op cit., p. 442).

Com efeito: o delineamento do arresto previsto no caput do artigo 563 do CPC indica a perfeita compatibilidade entre a (I) ausência de citação e possibilidade de pagamento voluntário no prazo tríduo com a (II) viabilidade de instituição de pré-penhora, é dizer, de antecipação dos efeitos de uma futura penhora.

Noutras palavras, a falta de citação e o consequente direito que remanesce ao executado de pagar no tempus iudicati não retira a possibilidade de que se antecipem os efeitos da penhora quando ele não for encontrado no local que lhe serve de domicílio. Tanto que, formalizado o auto de pré-penhora, o Oficial de Justiça, nos dez dias seguintes, procurará o devedor três vezes em dias distintos e, não o encontrando para a citação, certificará o ocorrido (art. 653, parágrafo único, CPC), após o que o credor deverá ser intimado para requerer a citação editalícia do devedor (art. 654, CPC). Logo, a falta de citação não impede a pré penhora; antes pelo contrário, a viabilidade dessa é que supõe aquela ausência.

3. Esse o quadro, a questão está no alcance da norma prevista na cabeça do artigo 653, ou seja, em saber se a pré-penhora aí figurada abrange apenas os bens perceptíveis primus ictus oculi pelo Oficial de Justiça por ocasião do ato citatório ou se, ao revés, abarca todos os bens do executado, entre eles o dinheiro na forma de depósito ou de aplicação em instituição financeira.

Meditando sobre o tema, estou em que a situação material (ausência do devedor no domicílio) que autoriza o Oficial de Justiça a arrestar os bens que lhe apareçam à vista não pode deixar de servir de fundamento a que o exequente formule ao magistrado pedido de penhora on line.

Entendo que a norma inscrita no artigo 653, caput, deve ser apreendida não somente pelo que textualmente diz, mas sobretudo também pelo que o seu texto permite em prol da efetividade da execução: a antecipação da penhora diante da só ausência do devedor de seu domicílio.

Não parece razoável supor que a ausência do réu de seu domicílio permita o arresto de bens visíveis, entre eles o próprio dinheiro em espécie, mas que o dinheiro convertido na forma de depósito ou de aplicação financeira, equiparado àquele (em espécie) pela Lei 11.382/2006 (art. 655, I, CPC), se veja livre de idêntica medida. Cumpre não perder de vista que permitir-se o arresto de dinheiro em espécie pelo Oficial de Justiça, mas não o de dinheiro que está depositado em conta bancária, agora por ato privativo do juízo, significa colocar a norma contra a realidade, contra aquilo que ordinariamente sucede no seio social (eo quod plerumque fit), porque certamente ninguém colocará em dúvida o franco desuso do avelhantado costume de acomodar-se dinheiro "embaixo do colchão".

Por isso, repito, a mesma situação que autoriza o Oficial de Justiça a arrestar bens dentro das possibilidades da natureza de suas atribuições (entre as quais não figura a requisição de penhora eletrônica) também deve permitir que o magistrado - igualmente no raio dos poderes que a lei lhe confere (art. 655 - A, CPC) - leve a efeito o arresto (na forma de pré-penhora on line) de dinheiro depositado em instituição financeira, medida rápida, barata, efetiva, que não viola nenhuma garantia constitucional do executado e que contribui para que esse saia do esconderijo em que eventualmente se encontre.

De resto, ubi eadem est ratio, ibi idem este jus, ou, em vernáculo, a mesma razão (ausência do devedor) autoriza a aplicação do mesmo direito (decretação da pré-penhora).

Sobre a penhora on line e algumas de suas particularidades, peço vênia para transcrever os seguintes magistérios da doutrina:

A penhora de dinheiro é a melhor forma de viabilizar a realização do direito de crédito, já que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e adequada transformação de bem penhorado - como o imóvel - em dinheiro, eliminando a demora e o custo de atos como avaliação e alienação do bem a terceiro.

Além disso, tal espécie de penhora dá ao exequente a oportunidade de penhorar a quantia necessária ao seu pagamento, o que é difícil em se tratando de bens imóveis ou móveis, os quais possuem valores 'relativos' e, por isto mesmo, são objeto de leilão público, ocasião em que a arrematação pode ocorrer por preço inferior ao de mercado.

[...].

O acesso a este sistema confere ao juiz a possibilidade de obter informações sobre depósitos bancários - em conta-corrente ou aplicação financeira - do executado, realizados em qualquer instituição financeira e localidade do país. Com isto, o magistrado também fica com o poder de determinar o bloqueio do valor do crédito executado, concretizando o direito do exequente à penhora de dinheiro.

Contudo, posições sociais não interessadas nesta forma de penhora já alardeiam a tese de que a penhora on line viola o direito à intimidade do executado. Este argumento, que chega a ser risível, sequer mereceria análise, não fosse o estrago que pode provocar no sistema executivo de tutela dos direitos.

Antes de tudo, é preciso deixar claro que o exequente tem o direito de saber se o executado possui dinheiro depositado em instituição financeira pela mesma razão que possui o direito de saber se o executado é proprietário de bem imóvel ou móvel. Ou seja, tal direito é consequencia do direito à penhora, que é corolário do direito de crédito e do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, da CF). De modo que a requisição de informações ao Banco Central objetiva apenas permitir a penhora, que é inquestionável direito daquele que tem direito de crédito reconhecido em título executivo, particularmente em sentença condenatória não adimplida, nada tendo a ver com alguma intenção de violar o direito à intimidade.

Como é óbvio, não há qualquer violação de intimidade ao se obter informações a respeito da existência de conta corrente ou aplicação financeira. Ora, se o exequente não tivesse direito de saber se o executado possui conta corrente ou aplicação financeira, o executado certamente não teria dever de indicar à penhora dinheiro depositado ou aplicado em instituição financeira.

[...].

O exequente necessita saber se existe depósito ou aplicação em valor suficiente para garantir a execução, sem ter a necessidade de conhecer os valores dos últimos movimentos bancários, como tais valores forem empregados ou quais foram os seus beneficiários (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz, op cit., p. 272).

Nesse sentido, como leciona Didier Júnior a propósito da inexistência de quebra de sigilo bancário por efeito da penhora on line:

[...] é preciso realçar um ponto da mais alta relevância: a penhora on line não implica quebra de sigilo bancário, nem é medida excepcional. Não se buscam informações sobre a movimentação financeira do executado. Pede-se ao Banco Central o bloqueio de dinheiro ou aplicação financeira do porventura existente, sem qualquer preocupação com a origem dos recursos. [...].

A penhora on line não pressupõe a existência de perigo ou de esgotamento da busca por outros bens, conforme já se disse no item sobre a ordem legal de preferência para a penhora. É medida simples e barata, que merece ser estimulada e que, a despeito da ausência de dados mais precisos, se tem revelado muito eficaz na praxe forense. A penhora on line é meio executivo que está em conformidade com o princípio da adequação, constituindo-se na 'principal modalidade executiva destinada à execução pecuniária, razão pela qual não se pode negá-la ao exequente, argumentando-se, por exemplo, não ter o órgão judiciário como proceder a tal forma de penhora ou não possuir o juiz da causa senha imprescindível para tanto (op cit. fl. 606).

Na mesma direção, Humberto Theodoro Júnior, após demonstrar que a penhora on line não é novidade no nosso ordenamento, rebate as conhecidas objeções a sua adoção:

A penhora de dinheiro em depósito bancário ou aplicação financeira não é novidade no direito processual civil brasileiro. Inquestionavelmente, quando o antigo texto do artigo 655 do CPC colocava o dinheiro no primeiro grau de preferencia da penhora, na expressão legal tanto se incluía o dinheiro em caixa como o dinheiro recolhido em conta bancária.

O ue fez a Lei 11.382/2006 - a par de clarear o enunciado do inc. I do art. 655 - foi apenas disciplinar em texto legal o que já se praticava no foro, em matéria de penhora de saldos bancários do executado. A dificuldade prática situava-se na busca desses saldos, embaraço esse que a Justiça Federal procurou contornar mediante convênio com o Banco Central para propriciar, por via eletrônica, a informação de que o juízo da execução dependia para formalizar a penhora do numerário mantido pelo executado em custódia ou aplicação junto a alguma instituição financeira.

Como essa prática, embora não fosse ilegítima, ensejava resultados às vezes inconvenientes e lesivos aos executados, a lei 11.382/2006 cuidou de traçar um procedimento específico que, a um tempo, assegurasse a via expedita e eficiente da penhora eletrônica em favor dos credores, e, em contrapartida, evitasse ônus e excessos desnecessários e prejudiciais aos devedores.

Na verdade, embora na linguagem corrente do foro se fale em penhora on line, dando a impressão de que o ato executivo se efetive instantaneamente por meio puramente eletrônico, o que o juíz da execução faz é apenas obter, por meio da Internet, uma informação acerca de saldo do devedor que possa garantir a execução. Comprovada tal existência, poderá o montante necessário ser bloqueado para que, posteriormente, e dentro do processo, sobre ele venha a recair a penhora, a ser no momento certo formalizada segundo as regras normais do Código de Processo Civil.

[...].

Entre juízes, principalmente, surgiram resistências à penhora on line ao argumento de que sua rapidez e unilateralidade ofenderiam o princípio do contraditório, privando o devedor de oportunidade de defesa preventiva contra sua efetivação. Ora, as liminares e as medida preventivas sempre encontraram em nosso direito processual possibilidade de efetivação inaudita altera parte.

Na própria execução por quantia certa há previsão de medida cautelar de arresto realizável de ofício, antes mesmo da citação do devedor (art. 653, CPC), ou a requerimento do credor, formulado desde logo na petição inicial (art. 615, III, CPC). O bloqueio de saldo bancário, por suas características, e pelo propósito evidente de impedir o desvio do numerário antes da formalização da penhora, tem nítido feitio de medida cautelar, cuja extrema urgência justifica a prática inaudita altera parte.

Em situações como essa não se viola o contraditório, já que não se priva a contraparte de se defender logo após a medida constritiva urgente. Há tão-somente uma inversão cronológica imposta pela natureza da medida: para assegurar a eficiência do provimento, primeiro se executa, para depois permitir a discussão sobre usa manutenção ou rejeição. É o princípio do acesso pleno e efetivo á tutela da jurisdição que exige que assim se proceda nos juízos de urgência e outros que a eles se assemelhem, dentro da técnica do moderno processo justo (In Revista de Processo. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 34 - outubro - 2009. N. 176, fls. 18-19/21-22).

E, quanto à inexistência de lesão ao sigilo bancário, prossegue o jurista:

Outra objeção que se levantou contra o mecanismo da penhora on line, no plano constitucional, seria a violação da garantia da intimidade prevista no art. 5º, X, da CF, a qual incluiria em seu âmbito o sigilo bancário.

De fato, não se permite ao credor, nem ao juiz, proceder a uma devassa nas contas bancárias do devedor, sem limites e justificativas, já que isto, realmente, quebraria o sigilo bancário, que a lei quer assegurar aos clientes do sistema financeiro. Mas não é isso que o atual art. 655 - A do CPC, ao regular a penhora on line, autoriza.

A justificativa da quebra do sigilo, representada pelo direito do credor de penhorar o dinheiro do executado mantido em poder do banco prevalece até o limite de descobrir a existência de soma suficiente para a efetivação da penhora. Nada mais do que isto é lícito ao juiz requisitar do sistema bancário, segundo a regra muito clara do novo art. 655 - A.

Portanto, se o Banco Central e o juiz, a pretexto de preparar a penhora, franqueia ao exequente informações acerca dos depósitos e aplicações financeiras do devedor em termos e dimensões que vão além da existência do valor indicado na execução", cometem induvidosa ofensa á garantia da intimidade, na feição do sigilo bancário. Se isto está acontecendo não é por permissão da lei processual, mas por evidente e inaceitável abuso de autoridade (op cit fl. 22).

A propósito, veja-se que o Conselho Nacional de Justiça, manifestando-se no Pedido de Providências 2007.10.00.001581-8, instaurado por conta da insurreição de um magistrado vinculado ao TJMG em aceitar norma baixada pela Corregedoria da Corte tornando obrigatório o cadastramento dos juízes no Sistema Bacen Jud, teceu os seguintes e importantes comentários sobre a penhora on line:

Qualquer instrumento de agilização, comprovadamente eficaz, que venha a desembaraçar e simplificar o andamento das ações deve ser compulsório ao magistrado.

Meios ultrapassados e ineficientes à solução do crédito exequendo devem, necessariamente, ceder a novas práticas administrativas que permitam a entrega célere e eficaz da prestação jurisdicional.

E na ementa, inscreveu-se:

Juiz de Direito do TJMG. Pedido de Providências.

Obrigatoriedade do cadastramento do magistrado que atue em processo de execução de quantia certa contra devedor solvente no sistema 'Bacen Jud', também conhecido como 'penhora on line'.

I - A penhora on line é um instrumento que não pode ser desconsiderado pelo magistrado e decorre de inegável avanço tecnológico que traz maior celeridade e efetividade ao processo de execução, aumentando o prestígio e a confiabilidade das decisões judiciais.

II - A obrigatoriedade do cadastramento no sistema não retira do julgador a possibilidade de avaliação e do método em conformidade com as características singulares do processo e a legislação em vigor (CNJ - Pedido de Providencias 2007.10.00.001581-8, Rel. Cons. Felipe Locke Cavalcanti).

4. Convém fazer algumas considerações sobre o chamado princípio da 'menor onerosidade da execução', extraído no artigo 620 do CPC, à luz do qual "Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor".

Certo, como anota Barbosa Moreira, "[...] a opção pelo meio menos gravoso pressupõe que os diversos meios considerados sejam igualmente eficazes" (in Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. Temas de Direito Processual - quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 221).

De fato, havendo pluralidade de meios igualmente eficazes, escolher o mais gravoso deles constitui não apenas abuso de direito, que se convola em ato ilícito (art. 187, CC/02), mas também agressão ao princípio da proporcionalidade e até mesmo conduta impregnada do mais puro e injustificável sadismo com relação à figura já sofrida do devedor.

Já isso não se dá quando o que existe não é a diversidade de "meios" igualmente eficazes, de modais de execução similares, mas sim a diversidade de tutelas, de finalidades a ser alcançadas pela execução.

Por isso, na linha de sadia doutrina, referido princípio não autoriza "a interpretação de que o valor da execução deve ser reduzido, para que o executado possa cumprir a obrigação, ou de que se deve tirar o direito do credor de escolher a prestação na obrigação alternativa, muito menos permite que se crie um direito ao parcelamento da dívida, ou direito ao abatimento dos juros e da correção monetária, etc" (JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Processo Civil - Execução. PODVM: Bahia, 2009, p. 57).

E, principalmente, como acentua o autor baiano, não é correta "a interpretação que pretende extrair do texto normativo a impossibilidade de penhora de dinheiro, porque é sempre mais oneroso ao executado: a penhora em dinheiro é sempre mais favorável ao exequente, não existindo outro meio tão eficaz quanto ele" (op. cit. p. 57, sem destaque no original).

Essa é a orientação do STJ:

[...] esta Corte firmou entendimento no sentido de que é possível a penhora do dinheiro existente em conta-corrente, sem que isso configure ofensa ao princípio previsto no art. 620 do CPC, segundo o qual a execução deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor. Precedentes: AgRg no Ag nº 702.913/RJ, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 19/06/2006; REsp nº 728.484/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 07/11/2005 e AgRg na MC nº 9.138/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 14/03/2005 (AgRg no REsp 1066784, Rel. Min. Francisco Falcão).

E ainda:

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA ON LINE. POSSIBILIDADE. MENOR ONEROSIDADE PARA O DEVEDOR. ARTS. 620 E 655 DO CPC.

1 - Conforme a pacífica jurisprudência desta Corte, a determinação de penhora on line não ofende a gradação prevista no art. 655 do CPC e nem o princípio da menor onerosidade da execução disposto no art. 620 do CPC. Precedentes.

2 - Agravo regimental desprovido (AgRg no Ag 935.082/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves).

E deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO DECRETANDO A PENHORA ON LINE. NÃO ESGOTAMENTO DE OUTROS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE CONSTRIÇÃO. DESNECESSIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 655-A DO CPC. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA: DEPÓSITO EM DINHEIRO POR FIANÇA BANCÁRIA. NÃO ACEITAÇÃO. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE SUBORDINADO AO DA UTILIDADE DA EXECUÇÃO. RECURSO NEGADO (AI 2007.036544-0, Rel. Des. Cesar Abreu, sem destaque no original).

5. Isso posto, voto pelo provimento do recurso.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decide, por unanimidade, dar provimento ao recurso.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato.

Florianópolis, 09 de fevereiro de 2010.

MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA - RELATORA




JURID - Devedor não encontrado no local que lhe serve de domicílio. [03/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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