Recurso de revista reparação civil. Doença profissional responsabilidade subjetiva do empregador
Tribunal Superior do Trabalho - TST
publicado em 12/03/2010
RR- 139300-85.2004.5.05.0611
Acórdãos Inteiro Teor
NÚMERO ÚNICO: RR - 139300-85.2004.5.05.0611
PUBLICAÇÃO: DEJT - 12/03/2010
ACÓRDÃO
8ª TURMA
MCP/rs/rom
RECURSO DE REVISTA REPARAÇÃO CIVIL - DOENÇA PROFISSIONAL RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO EMPREGADOR
1. O constituinte, ao estabelecer os direitos dos trabalhadores, previu duas indenizações, autônomas e cumuláveis: a acidentária, a ser exigida do INSS, lastreada na responsabilidade objetiva; e a de natureza civil, a ser paga pelo empregador, se incorrer em dolo ou culpa.
2. No caso, a responsabilização do Reclamado depende da caracterização do elemento culpa, pois as atividades exercidas pela Reclamante em suas funções de bancária não implicam em risco profissional a ser suportado pelo empregador de forma objetiva. Aplica-se, portanto, a regra geral da responsabilidade subjetiva.
Recurso de Revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR- 139300-85.2004.5.05.0611 , em que é Recorrente BANCO BRADESCO S.A. e Recorrida AMÉLIA REGINA SANTANA MUNIZ.
O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, em acórdão de fls. 286/292, complementado às fls. 302/303, deu provimento parcial ao Recurso Ordinário da Reclamante e negou provimento ao apelo do Reclamado.
O Réu interpõe Recurso de Revista às fls. 303/314.
Despacho de admissibilidade às fls. 322/324.
Não foram apresentadas contra-razões, conforme certificado às fls. 326.
Os autos não foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, nos termos regimentais.
É o relatório.
VOTO
REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE
Atendidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade tempestividade (fls. 301 e 303), preparo (fls.211/214, 256/257, 291/292 e 306/307) e representação processual (fls. 305) -, passo ao exame do recurso.
I DOENÇA PROFISSIONAL RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO EMPREGADOR
a) Conhecimento
O Tribunal Regional reformou a sentença para condenar o Reclamado à reparação civil por danos materiais e morais. Para tanto, considerou que o Réu é, sob a ótica objetiva, responsável pelo dano sofrido pela Autora.
Eis os termos do acórdão regional:
DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL
Inconforma-se a reclamante com a decisão que indeferiu os pedidos de pagamento de indenização por danos morais e matérias, por entender que não se encontram configurados os pressupostos necessários à caracterização da responsabilidade civil, condição necessária a reparação de danos, na medida em que o empregador só tem obrigação de indenizar se ficar provada a sua culpa. Data venia, discordo deste entendimento.
Temos que a autora laborou ao longo de quase 20 anos (foi admitido pelo reclamado em 1985), tendo adquirido doença ocupacional (LER/DORT), conforme atesta o laudo médico acostado às fls.17/44 .
Temos que é incontroversa a ocorrência do evento danoso . O laudo do perito oficial do Juízo concluiu às fls. 140/142 que a reclamante apresenta quadro clínico compatível com o diagnóstico de LER/DORT relacionadas com as atividades laborativas realizadas pela mesma no banco reclamado . Discute-se, contudo, a culpabilidade e responsabilidade das partes. Confirmado o ato ilícito (omissão culposa), ensejador de um dano moral (lesão à integridade corporal do reclamante, incapacitando-o para o trabalho) e o nexo de causalidade entre o ato omissivo e o prejuízo sofrido, o banco reclamado está sujeito a reparar o dano causado, na forma do art. 186, do Código Civil.
Com efeito, é obrigação do empregador prover todos os meios adequados à realização das atividades com o máximo de segurança à vida e integridade física e mental dos seus empregados. Afinal, como afirma o mestre Pinho Pedreira, em sua matéria A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho, Ltr, vol, 55., maio/91, "enquanto nas contratações privadas se acham normalmente em jogo valores econômicos e como exceção podem ser afetados bens pessoais dos contratantes, geralmente de forma indireta, no contrato de trabalho o trabalhador, pela situação de dependência pessoal em que se encontra, arrisca permanentemente seus bens pessoais mais valiosos (vida, integridade física, honra, dignidade, etc.).
Insta salientar que pela teoria da reparação de danos morais a responsabilidade do agente se opera por força do simples fato da violação.
Assim, verificado o evento danoso, surge a necessidade de restauração com dispensa da análise da subjetividade do agente e a desnecessidade de prova do prejuízo concreto.
Nesse sentido, assegura Carlos Alberto Bittar que as lesões morais derivam imediata e diretamente do fato lesivo, muitas vezes deixando marcas indeléveis na mente e no físico da vítima; impressões internas, imperceptíveis às demais pessoas. São, de resto, as de maior amargor e de mais desagradáveis efeitos para o lesado, que assim pode, a qualquer tempo, reagir juridicamente. (Reparação Civil por Danos Morais, 3ª Edição, 1998, ERT, pág. 215).
Dentre as várias modalidades de risco de que trata o parágrafo único do art. 927 do Código de Processo Civil, Sérgio Cavalieri Filho elenca o risco profissional (Programa de Responsabilidade Civil, 3ª Edição, Malheiros), que, na dicção de Paulo Sérgio Gomes Alonso, cuida do risco pertinente à atividade laboral na relação jurídica de vínculo empregatício que se forma entre o empregador e o empregado. (Pressupostos da Responsabilidade Civil Objetiva, Saraiva, 2000, pág. 61).
Nesse diapasão, filio-me a tendência doutrinária que defende a responsabilidade objetiva da empresa pelos danos acidentários sofridos pelo obreiro. Trata-se de situações em que a própria atividade empresarial ou do tipo de dinâmica laborativa fixam riscos de lesão mais acentuados na prestação de serviços desenvolvidos pelo empregado, tornando objetiva a responsabilidade do empregador pelos danos acidentários causados , e fazendo incidir a exceção prevista no parágrafo único do art. 927 do CCB/2002:
Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem
Nesses casos, torna-se dispensável a existência de culpa por parte do empregador, bastando a ocorrência do evento danoso. Cumpre ressaltar, ainda, que essa reflexão jurídica somente tem pertinência nos casos de danos morais que tenha relação com a infortunística do trabalho .
Assim, deve ser reformado o decisum para deferir a reclamante a indenização a título de danos morais, pois o mesmo é presumível em decorrência da simples ofensa e dispensa prova quanto ao dano em si, como também por danos materiais, já que os danos materiais causados são facilmente constatáveis e decorrem das despesas com médicos, fisioterapeutas, remédios etc., que o reclamante vem tendo em decorrência das enfermidades que lhe acometem.
REFORMO a decisão recorrida, nestes pontos. (fls. 287/289, grifei)
Em seu Recurso de Revista, a Reclamada alega que a modalidade de responsabilidade civil a ser aplicada ao caso é a subjetiva, e não a objetiva. Assim, argumenta que apenas mediante prova de culpa ou dolo poderia ser condenado à reparação civil. Aponta violação aos artigos 7º, XXVIII, da Constituição da República; 2º e 3º da CLT; 333, I , do CPC, 186 e 927 do Código Civil. Traz arestos à divergência.
O acórdão regional consignou a responsabilidade objetiva do Reclamado em face do dano sofrido pela Autora, qual seja, doença profissional (DORT/LER), equiparada a acidente do trabalho.
Em se tratando de acidente do trabalho, emergem duas possibilidades de responsabilização: a primeira é a que se extrai do caput do artigo 927 do Código Civil, que contempla a responsabilidade subjetiva de quem comete ato ilícito; a segunda contempla a teoria do risco da atividade, cuja previsão está no parágrafo único do artigo supramencionado.
Ressalte-se que efeitos diversos resultam da opção por uma ou outra modalidade de responsabilidade civil na apuração do dever de indenizar. A teoria da responsabilidade objetiva, cujos elementos identificados são o dano, a conduta e o nexo causal , prescinde da comprovação da culpa.
Desse modo, a simples demonstração do nexo entre a conduta ilícita do empregador e o dano sofrido pelo empregado é suficiente para que surja o dever de indenizar.
Por sua vez, a teoria da responsabilidade subjetiva, além dos elementos inerentes à anterior, requer a comprovação da culpa negligência, imprudência ou imperícia na conduta causadora do eventus damni. Nessa hipótese, o acidente do trabalho apenas ensejaria a responsabilização se devidamente demonstrada conduta culposa do agente.
O constituinte, ao estabelecer os direitos dos trabalhadores, previu duas indenizações, autônomas e cumuláveis: a acidentária, a ser exigida do INSS, lastreada na responsabilidade objetiva; e a de natureza civil, a ser paga pelo empregador, se incorrer em dolo ou culpa. É o que se observa nos termos do art. 7º, inciso XXVIII, senão vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
(...) .
No caso em tela, a responsabilização do Reclamado depende, portanto, da caracterização do elemento culpa, ainda que a culpa leve ou a culpa por omissão no cumprimento de normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.
Vale destacar que esta Eg. Corte já decidiu pela aplicação da responsabilidade objetiva para acidentes de trabalho quando a atividade do trabalhador é de risco (E-RR-1538/2006-009-12-00.7, SBDI-1, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, DJ-13/02/2009; RR-850/2004-021-12-40.0, 6ª Turma, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, DJ-12/06/2009; RR-1018/2006-028-12-00.2, 7ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DJ-20/02/2009).
Mas essa não é a situação dos autos, pois as atividades exercidas pela Reclamante em suas funções de bancária não implicam em risco profissional a ser suportado pelo empregador independente de culpa.
Ao caso sob análise aplica-se, portanto, a regra geral da responsabilidade subjetiva. Nesse sentido, a reiterada jurisprudência dessa Corte representada nos seguintes precedentes:
RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - DEMONSTRAÇÃO DA CULPA DA EMPREGADORA. I -
É certo que para o reconhecimento do direito à indenização por dano moral ou material, é imprescindível, a teor do artigo 7º, XXVIII, da Constituição, prova de que o empregador concorrera, pelo menos, a título de culpa leve. Isso porque, diferentemente do próprio infortúnio do trabalho, cuja reparação está a cargo do Instituto de Previdência, a indenização suplementar dele proveniente assenta-se no princípio da responsabilidade subjetiva . II - Constata-se ter o Colegiado de origem extraído a culpa da empregadora da forma negligente com que procedera em relação à segurança do seu empregado, já que se omitira ao dever legal de lhe oferecer condições adequadas de trabalho, observando a NR 12 relativamente ao comando de acionamento da máquina rebitadeira e ao oferecimento de dispositivo de segurança de emergência, encontrando-se aí subjacente a aplicação do artigo 157 da CLT, pelo que se afasta qualquer indício de ofensa aos artigos 5º, II e X, e 7º, XXVIII, da Constituição Federal, 186 e 927 do CC/2002. III - Depara-se de outro lado com a ausência de higidez jurídica dos arestos apresentados, pois o foram aleatoriamente, em franca contravenção à Súmula nº 337, I, -b-, do TST, a qual preconiza ser imprescindível à validade da divergência jurisprudencial que a parte transcreva, nas razões recursais, as ementas e/ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, comprovando as teses que identifiquem os casos confrontados, ainda que os acórdãos já se encontrem nos autos ou venham a ser juntados com o recurso. IV -
Verifica-se, de qualquer modo, que os arestos trazidos à colação revelam-se inservíveis à demonstração de conflito pretoriano, visto que alguns são provenientes de Tribunais de Alçada ou de Tribunais de Justiça, em inobservância à alínea -a- do artigo 896 da CLT, outros não citam sequer o Tribunal de origem, e outros deixam de citar a fonte oficial ou o repositório autorizado em que foram publicados, em franca contravenção ao item I, -a-, da Súmula 337 do TST. Já os arestos válidos afiguram-se inespecíficos, a teor da Súmula 296 do TST. VI - Recurso não conhecido.
(...) (RR - 75000-92.2006.5.15.0150, 4ª Turma, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 04/12/2009)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DANO MORAL - DOENÇA PROFISSIONAL - INDENIZAÇÃO - TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA (ART. 7º, XXVIII, DA CF) - COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE E DA CULPA - LESÃO COM REPERCUSSÃO NA INTIMIDADE E NA VIDA PRIVADA DO TRABALHADOR. 1. O dano moral ocasionado por acidente do trabalho ou doença profissional tem sentido quando se verifica a repercussão da lesão do empregado na sua imagem, honra, intimidade ou vida privada. 2. Além disso, essa lesão deve ser passível de imputação ao empregador. Trata-se do estabelecimento do nexo causal entre lesão e conduta omissiva ou comissiva do empregador, sabendo-se que o direito trabalhista brasileiro alberga tão-somente a teoria da responsabilidade subjetiva, derivada de culpa ou dolo do agente da lesão (CF, art. 7º, XXVIII). 3. -In casu-, o Regional salientou que a Reclamante sofre de mesopatia laboral denominada de -síndrome dos túneis dos carpos dos punhos direito e esquerdo-, que acabou por afastá-la do labor por tempo indeterminado, tendo em vista a concessão do auxílio de doença por acidente de trabalho. Frisou, ainda, que a Reclamada tinha conhecimento das condições adversas em que o trabalho era realizado, uma vez que o médico do trabalho afirmou, no atestado de saúde ocupacional admissional da Reclamante, que ela estaria submetida a riscos ocupacionais ergonômicos decorrentes dos esforços repetitivos necessários ao desempenho da função de -operadora de acabamento-. Todavia, a Empresa não tomou providências para tentar prevenir o surgimento de doenças em face das condições de trabalho. Assim, restando demonstrado o dano experimentado pela ofendida, a omissão do causador, o nexo de causalidade e a culpa do agente, a Corte -a quo- considerou acertada a sentença que condenou a Reclamada ao pagamento de indenização por danos morais. 4. O entendimento adotado pelo Regional não viola o art. 7º, XXVIII, da CF, uma vez que a situação fática delineada no acórdão regional evidencia a existência de nexo causal entre a lesão sofrida e a conduta omissiva da Empregadora. Agravo de instrumento desprovido. (AIRR - 9340-61.2006.5.05.0464, 7ª Turma, Rel. Min. Maria Doralice Novaes, DJ 20/11/2009)
RECURSO DE REVISTA - ACIDENTE DE TRABALHO - CULPA DO EMPREGADOR - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA Demonstrados o dano, nexo de causalidade e culpa do empregador, é a empresa responsável pelos danos sofridos pelo empregado, sendo devida indenização a título de danos morais e materiais.
(...) Recurso de Revista não conhecido. (RR - 223500-15.2005.5.17.0010, 8ª Turma, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 06/11/2009)
Assim, ao aplicar ao caso a teoria da responsabilidade objetiva, o Tribunal Regional violou o artigo 927, caput , do Código Civil.
Conheço do Recurso de Revista por violação ao artigo 927, caput , do Código Civil.
b) Mérito
Uma vez conhecido o apelo por violação legal, nos termos da fundamentação supra, seu provimento é medida que se impõe. Ademais, tendo em vista a ausência de elementos fáticos para avaliar a configuração da culpa do empregador, é necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem para nova avaliação dos fatos e provas.
Assim, dou provimento ao Recurso de Revista para, no tema, anular o acórdão regional e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que aprecie o pedido de reparação civil sob a ótica da teoria da responsabilidade subjetiva.
Fica prejudicada a análise do segundo item do Recurso de Revista, qual seja, o questionamento do quantum debeatur.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista por violação ao artigo 927, caput , do Código Civil, e, no mérito, dar-lhe provimento para, no tema, anular o acórdão regional e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que aprecie o pedido de reparação civil sob a ótica da teoria da responsabilidade subjetiva.
Brasília, 10 de março de 2010.
MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI
Ministra Relatora
NIA: 5069642
DOCBLNK.fm
JURID - Recurso de revista reparação civil. Doença profissional. [06/04/10] - Jurisprudência
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