Apelação criminal. Crimes de estelionato cometidos em continuidade delitiva. Uso de cheques de origem ilícita.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDF.
Órgão 2ª Turma Criminal
Processo N. Apelação Criminal 20040710186187APR
Apelante(s): ANTÔNIO EVANDRO DE OLIVEIRA LIMA
Apelado(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
Relator: Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
Revisor: Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS
Acórdão Nº: 414.712
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ESTELIONATO COMETIDOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. USO DE CHEQUES DE ORIGEM ILÍCITA EM POSTO DE GASOLINA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO E A EXCLUSÃO DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DAS CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO IMPROCEDENTE. PREJUÍZO SOFRIDO PELA VÍTIMA. ELEMENTO ÍNSITO AO TIPO PENAL. EXCLUSÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A autoria e a materialidade dos treze crimes de estelionato, cometidos em continuidade delitiva, restaram devidamente comprovadas pelo depoimento da vítima, na delegacia (fls. 52/54) e em juízo (fls. 167/168), pelos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 25/26; 27/28 e 32), pelo Laudo de Exame Grafoscópico (fls. 65/69) e pela oitiva de testemunhas (fls. 166 e 169/170), devendo ser mantida a condenação do apelante.
2. A circunstância judicial das conseqüências do crime somente deve ser sopesada em desfavor do réu quando ultrapassa as conseqüências já inerentes ao modelo descritivo que individualizou a conduta penalmente relevante.
3. No crime de estelionato, o prejuízo sofrido pela vítima se exaure na própria elementar do tipo, estando nele previsto e, assim, não pode ser valorado negativamente quando da análise da circunstância judicial das conseqüências do crime, na primeira fase da dosagem penalógica, sob pena de incorrer bis in idem, mormente no caso dos autos, em que as condições da vítima - posto de gasolina - não indicam ter sido o prejuízo de valor considerável, que tenha o condão de extrapolar a elementar do tipo penal.
4. Recurso conhecido e parcialmente provido apenas para excluir a avaliação desfavorável da circunstância judicial das conseqüências do crime, reduzindo a pena para 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal. Mantidas as demais disposições da sentença.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator, SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Revisor, ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, em proferir a seguinte decisão: DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 25 de março de 2010
Certificado nº: 7B 29 08 E6 00 04 00 00 0C 9D
30/03/2010 - 17:52
Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por Antônio Evandro de Oliveira Lima contra sentença da douta Juíza da Primeira Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Taguatinga, que, nos autos nº 2004.07.1.018618-7, o condenou pela prática do crime de estelionato (treze vezes), em continuidade delitiva (artigo 171, caput, c/c artigo 71, ambos do Código Penal).
Assim narra a denúncia, igualmente ofertada contra José Nazareno da Rocha e José Luiz dos Santos Meira:
"[...] No período compreendido entre 10.12.2000 a 07.02.2001 os denunciados obtiveram, para todos, vantagem ilícita, em prejuízo da empresa FUJICHINA COMÉRCIO DE DERIVADOS DE PETRÓLEO LTDA, induzindo e mantendo seus prepostos em erro, mediante artifício.
Exsurge dos autos que os denunciados JOSÉ NAZARENO e ANTÔNIO, este ex funcionário da empresa vítima, depois de travar amizade com o denunciado JOSÉ LUIZ, frentista da empresa vítima, por várias vezes dirigiram-se até o estabelecimento comercial e trocaram, com ele, cártulas de cheques que traziam, todas provenientes de ilícito, pelos valores correspondentes, mediante o pagamento de R$ 10,00 (dez reais) por cada uma. Para que a transação não levantasse suspeita no funcionário responsável pelo recebimento dos pagamentos do dia, o denunciado JOSÉ LUIZ, pré datava as cártulas para 15 (quinze) dias em algumas delas, e o denunciado ANTÔNIO, em outras, fazia constar o número da placa de um veículo qualquer, fazendo-o crer que se tratava de cheques oriundos de abastecimentos.
Por terem retornado da compensação vários cheques por serem produtos de furto, o engodo foi descoberto pelo proprietário da empresa e, no dia 07.02.2001, quando os denunciados ANTÔNIO e JOSÉ NAZARENO esperavam o troco de um cheque no valor de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) dado para pagar o abastecimento do veículo em que estavam, foram abordados pela PM e conduzidos até a Delegacia para registro de ocorrência e prestar esclarecimentos. [...]" (fls. 02/03).
Nos autos principais (nº 2001.07.1.007530-9), o acusado JOSÉ LUIZ foi condenado na forma da denúncia e JOSÉ NAZARENO absolvido (fls. 215/220), tendo havido desmembramento em relação ao acusado ANTÔNIO EVANDRO, eis que, citado por edital, não comparecera nem constituíra advogado (fl. 231). Acrescente-se, ainda, que a sentença condenatória em relação a JOSÉ LUIZ foi confirmada por este egrégio Tribunal de Justiça, tendo transitado em julgado em 15/12/2008.
Posteriormente, o acusado ANTÔNIO EVANDRO foi preso (fl. 238), o que levou ao prosseguimento do presente feito, por meio de traslado.
A douta Juíza a quo julgou procedente a pretensão punitiva estatal e condenou o acusado pela prática do crime previsto no artigo 171, caput, c/c artigo 71 (treze vezes), ambos do Código Penal, aplicando-lhe a pena de 02 (dois) anos e 03 (três) meses, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, no valor mínimo legal. Foi, ainda, assegurado ao réu o direito de recorrer em liberdade, bem como substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, na modalidade de prestação de serviços à comunidade (fls. 266/274).
Intimada (fl. 277), a Defesa Técnica interpôs apelação (fl. 278). Em suas razões recursais (fls. 284/291), pugna pela absolvição do acusado, aduzindo que este "desconhecia e não tinha consciência que os cheques foram emitidos sem terem fundos ou que eram produtos de furto" (fl. 289). Sustenta que o apelante apenas "estava trocando cheques oriundos das vendas das mercadorias do comércio ambulante que trabalhava com o Sr. Souza" (fl. 288). Alega que não restou comprovada a participação do réu nos fatos narrados na denúncia.
Subsidiariamente, requer a fixação da pena no mínimo legal, em razão de serem as circunstâncias judiciais amplamente favoráveis.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios apresentou contrarrazões ao recurso de apelação, pugnando pelo seu conhecimento e não provimento, repisando os argumentos expendidos na sentença condenatória (fls. 296/304).
O ilustre Procurador de Justiça, Dr. João Alberto Ramos, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso de apelação, por entender que a "MMª Juíza examinou exaustivamente o conjunto probatório, com o cuidado e a competência de sempre, demonstrando, sem qualquer resquício de dúvida, que a acusação restou comprovada, dando ensejo à procedência da ação e a consequente condenação do réu" (fls. 306/308)
Os autos foram distribuídos, inicialmente, a eminente Desembargadora Aparecida Fernandes (fl. 281), sendo redistribuídos ao eminente Desembargador Vaz de Mello (fl. 311).
Posteriormente, foram a mim redistribuídos (fl. 313).
Às fls. 315/317, determinei a remessa dos autos ao juízo a quo, para que fosse realizada a intimação do réu, o qual deixou transcorrer in albis o prazo para recurso (fl. 323).
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO
O pedido de absolvição formulado pela Defesa do apelante não merece prosperar.
Observa-se dos autos que a autoria e a materialidade dos treze crimes de estelionato, cometidos em continuidade delitiva, restaram devidamente comprovadas pelo depoimento da vítima, na delegacia (fls. 52/54) e em juízo (fls. 167/168), pelos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 25/26; 27/28 e 32), pelo Laudo de Exame Grafoscópico (fls. 65/69) e pela oitiva de testemunhas (fls. 166 e 169/170).
Com efeito, comprovam os crimes os boletins de ocorrência (fls. 08/11 e 12/17), os Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 25/26; 27/28 e 32) e o Laudo de Exame Grafoscópico (fls. 65/69).
Outrossim, o depoimento da vítima, tanto na fase inquisitorial como em juízo, narrou com detalhes os fatos delituosos e o modus operandi empreendidos pelos autores.
Com efeito, observa-se das declarações prestadas pela vítima Fábio Kasuo Fujichina, proprietário do posto de gasolina, que José Luiz (condenado nos autos principais) e Antônio Evandro, ora réu, agiam em concurso, com o objetivo de obter vantagem ilícita, causando prejuízo alheio, passando cheques à empresa, que sabiam serem objetos de furtos e roubos.
Assim, vale transcrever o referido depoimento:
"[...] é proprietário do Posto de Gasolina mencionado na denúncia.; que em data que não sabe precisar observou que vários cheques que havia sido recebidos pelo seu então funcionário JOSÉ LUIZ haviam sido devolvidos; que indagado ao mesmo a respeito dos fatos, ele não soube responder o motivo da devolução das cártulas; que em data posterior, ao fazer a conferência dos cheques, o declarante verificou que os mesmos haviam sido devolvidos pelo banco sacado em razão de furto/roubo; que o declarante novamente conversou com o acusado JOSÉ LUIZ, oportunidade em que o mesmo relatou-lhe que recebeu os cheques do co-réu ANTÔNIO EVANDRO e por cada cártula que ele descontava no posto de gasolina, recebia R$ 10,00, à 'título de comissão'; que o acusado JOSÉ LUIZ foi demitido por justa causa, sendo certo que os respectivos valores de alguns dos cheques foram cobrados dele, não sabendo precisar o valor total; que posteriormente, no período noturno, outro funcionário do declarante de nome OSNIR ligou dizendo que ANTÔNIO EVANDRO e JOSÉ NAZARENO se encontravam no posto de gasolina pedindo-lhe para descontar um cheque no valor de R$ 150,00; que o declarante orientou OSNIR a 'enrolar' os dois pois iria contactar com a polícia a fim de levá-los ao posto, o que foi feito; que de lá todos seguiram para a 17ª Delegacia de Polícia, oportunidade em que o acusado JOSÉ NAZARENO disse que havia recebido o cheque em questão em uma venda que fizera na feira [...]; que em Delegacia de Polícia verificou-se que praticamente todas as cártulas foram preenchidas pelo punho do acusado ANTÔNIO EVANDRO [...]". (fls. 167/168).
Por sua vez, a testemunha Osnir Queiroz dos Santos confirmou a versão apresentada pela vítima, aduzindo que:
"[...] desde à época dos fatos o depoente trabalha no posto de gasolina mencionado na denúncia como chefe de pista; que o depoente se recorda que o proprietário do posto o alertou para o fato de que o acusado ANTÔNIO EVANDRO teria trocado alguns cheques naquele estabelecimento comercial com o ex-frentista JOSÉ LUIZ e que os cheques haviam sido devolvidos pelo banco sacado por motivo de furto/roubo; que o proprietário do posto disse ainda que caso o acusado ANTÔNIO EVANDRO retornasse ao posto ele devia ser informado; que em data que não sabe precisar, os acusados ANTÔNIO EVANDRO e JOSÉ NAZARENO compareceram no posto de gasolina e lá quiseram trocar com o depoente uma cártula de cheque do Banco Itaú, agência de Luziânia/GO, no valor de R$ 150,00; que a referida cártula é aquela que está acostada a fl. 33, dos autos e que foi exibida para o depoente na presente data, o qual a reconheceu; que o depoente avisou o proprietário do posto de gasolina, o qual compareceu ao posto juntamente com a polícia militar e de lá todos foram encaminhados para a 17ª Delegacia de Polícia; que o depoente presenciou quando o acusado JOSÉ LUIZ admitiu perante o proprietário do posto que recebia R$ 10,00 de ANTÔNIO EVANDRO por cada cártula que trocava para ele; que ANTÔNIO EVANDRO já havia trabalhado no posto de combustíveis como lavador de veículos; que o depoente não conhece o acusado JOSÉ NAZARENO; que quem apresentou o cheque acima referido e pediu para trocá-lo foi o acusado ANTÔNIO EVANDRO [...]". (fls. 169/170).
Ademais, o Laudo de Exame Grafoscópico confirmou que os grafismos apostos nos trezes cheques foram oriundos do punho de Antônio Evandro.
Por outro lado, o apelante negou a autoria dos fatos, afirmando, em seu interrogatório que somente ajudou um conhecido seu, de alcunha Souza, a trocar alguns cheques no posto, todos de origem lícita. Confira:
"[...] a Denúncia não é verdadeira; que o interrogando já trabalhou para a empresa vítima como lavador de carros, não se recordando ao certo o motivo pelo qual foi demitido; que alega que na ocasião dos fatos estava trabalhando com uma pessoa de nome SOUZA o qual era vendedor ambulante de bijuterias, dentre outros; que SOUZA possuía uma banca na Praça do Bicalho, que lá alguns clientes que compravam mercadorias dele pagavam com cheque; que não sabe explicar porque, mas os referidos clientes se limitavam a assinar as cártulas, as quais eram preenchidas pelo interrogando no valor das mercadorias adquiridas de SOUZA; que em certa ocasião SOUZA perguntou ao interrogando se o mesmo conhecia algum local onde ele pudesse trocar os cheques, ocasião em que se recordou do posto de combustíveis mencionado na Denúncia; que seguiram para o referido posto e, mais de uma vez, conseguiram junto ao co-réu JOSÉ LUIZ a troca dos valores correspondentes ao cheques, da seguinte foram: JOSÉ LUIZ abastecia o veículo no qual o interrogando e SOUZA se encontravam, ocasião em que ambos entregavam para JOSÉ LUIZ uma das cártulas de cheque recebidas do cliente de SOUZA; que a sobra do valor total, constante da folha de cheque, resultante do abatimento do valor gasto em combustível, era entregue para o interrogando e para SOUZA, os quais deixaram com JOSÉ LUIZ, a título de gratificação, a quantia d e R$ 10,00; que não sabe explicar porque JOSÉ LUIZ lançava no verso do cheque números de placas de veículos diversos;que da última vez que esteve no posto de gasolina para a referida prática, o co-réu JOSÉ NAZARENO estava na companhia do interrogando; que este nada sabia a respeito dos fatos; que não se lembra de ter falsificado a assinatura dos proprietários das folhas de cheques que utilizou junto com SOUZA e JOSÉ LUIZ; que nunca foi preso ou processado antes dos fatos deste processo; que não conhece a prova dos autos; que das testemunhas arroladas na denúncia conhece a segunda, nada tendo a alegar quanto às mesmas; que trabalha como instalador de persianas, na empresa denominada Asa Sul Persianas, localizada na 313, Sul; que reside com a esposa e uma filha [...]". (fls. 242/244).
Todavia, a versão apresentada pelo réu apresenta-se totalmente dissociada dos elementos de convicção trazidos aos autos, até mesmo porque não se desincumbiu do encargo de fazer prova das suas alegações, na forma preconizada no artigo 156 do Código de Processo Penal, que dispõe que o ônus da prova incumbe a quem a alega.
Nesse contexto, pertinentes as lições de Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado, volume I. 9. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 484/485):
"A regra concernente ao ônus probandi, ao encargo de provar, é regida pelo princípio actori incumbit probatio, vale dizer, deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. [...]
Já à Defesa incumbe provar eventual alegação de exclusão de antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, excludentes da antijuridicidade, causas justificativas ou descriminantes) ou excludentes de culpabilidade. Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu. [...] Se alegar e não provar, a decepção também será sua. [...]"
Ademais, conforme bem salientado na sentença condenatória, "verifica-se, facilmente, que não existia a pessoa alcunhada por Souza, a que o acusado ANTÔNIO EVANDRO se refere, sendo que este, em Juízo, sequer soube declinar o nome completo da mesma ou mesmo como encontrá-la, fatos que são um claro indicativo de que o acusado falseia a verdade para se esquivar da punição de seus atos" (fl. 270).
Diante de tais considerações, não há que se falar em absolvição do apelante, uma vez que a materialidade e a autoria dos crimes de estelionato (treze vezes), cometidos em continuidade delitva, restaram devidamente comprovadas nos autos.
PENA-BASE - CONSEQUÊNCIAS DO CRIME
Pleiteia a Defesa do apelante a redução da pena-base, a fim de que seja fixada no mínimo legal. Assiste-lhe razão neste ponto.
In casu, a MMª Juíza a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 01 (um) ano e 06 (seis) meses, aduzindo que:
"[...] O acusado agiu com culpabilidade normal a crimes dessa natureza, sendo que sua conduta merece reprovação e censura. A pena base, a meu ver deve ultrapassar o mínimo legal, pois as demais circunstâncias não lhe são totalmente favoráveis. Nada foi apurado acerca da sua conduta social. O acusado é primário e não ostenta outras anotações em sua folha penal, sendo que nada foi apurado no sentido de que tenha personalidade voltada para a prática de crimes. Os motivos e as circunstâncias são as do tipo penal em que o mesmo se acha incurso. No entanto, as conseqüências foram relevantes uma vez que a empresa vítima arcou prejuízo considerável com a prática do ilícito e os prepostos da empresa vítima, com seus comportamentos em nada colaboraram para o crime, de forma que considero justo fixar a pena base em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão [...]." (fl. 273).
Observa-se da fundamentação expendida que a magistrada de primeiro grau valorou negativamente a circunstância judicial das consequências do crime, o que implicou no aumento da pena-base em 06 (seis) meses, porque a vítima experimentou um prejuízo em torno de R$ 3.000,00 (três mil reais), valorando as demais circunstâncias como favoráveis.
De início, insta salientar que a circunstância judicial das conseqüências do crime deverá ser medida pelo Julgador, a fim de justificar o aumento da pena-base nos limites previstos pelo preceito secundário do tipo penal incriminador.
Acresça-se, e neste ponto reside a controvérsia recursal, que a circunstância judicial das conseqüências do crime somente deve ser sopesada em desfavor do réu quando ultrapassa as conseqüências já inerentes ao modelo descritivo que individualizou a conduta penalmente relevante. Com efeito, ao assim proceder, evita-se o bis in idem, pois o legislador, ao definir o limite mínimo e o máximo da pena abstratamente cominada ao delito, já considerou as conseqüências do resultado típico deste e, considerá-las novamente na primeira fase da dosimetria da pena implicaria outro aumento com base no mesmo substrato, configurando a dupla majoração pelo mesmo fato, procedimento vedado no ordenamento penal pátrio.
Desse modo, para a valoração negativa dessa circunstância judicial é necessário que as conseqüências do crime extrapolem àquelas já previstas pelo legislador no tipo incriminador.
No autorizado magistério de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 205), verbis:
"O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a conseqüência a ser considerada na fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a conseqüência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma conseqüência não natural do delito.
No alerta de David Teixeira de Azevedo, observa-se a relevância da cautela de evitar a dupla punição pelo mesmo fato: 'É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade da lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima."
Nessa linha de análise, no caso dos autos, mister analisar os elementos que integram o tipo penal do crime de estelionato, a fim de verificar o resultado típico.
Assim dispõe o dispositivo legal do crime de estelionato, verbis:
"Estelionato
Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa."
Consoante se depreende do tipo incriminador, no crime de estelionato, o prejuízo sofrido pela vítima se exaure na própria elementar do tipo, estando nele previsto e, assim, não pode ser valorado negativamente quando da análise da circunstância judicial das conseqüências do crime, na primeira fase da dosagem penalógica, sob pena de incorrer bis in idem.
Na esteira desse entendimento, insta colacionar os seguintes precedentes desta Corte, verbis:
" [...] 3. A pena base-base merece ser reduzida, uma vez que o prejuízo da vítima de estelionato é elementar do tipo, mas a sentença o considerou negativamente como conseqüência do crime. [...]" (APR 20050310007986, Relator GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, julgado em 13/10/2008, DJ 19/11/2008 p. 148)
"[...] No crime de estelionato, o prejuízo para a vítima é conseqüência do delito e não constitui circunstância judicial desfavorável quando decorrente da conduta do agente. [...]" (APR 20010910087632, Relator JOÃO EGMONT, 1ª Turma Criminal, julgado em 28/02/2008, DJ 21/07/2008, p. 51)
Dessa forma, neste ponto, o pleito recursal encontra viabilidade, devendo ser excluída a análise desfavorável da circunstância judicial das conseqüências do crime, mormente, no caso dos autos, em que as condições da vítima - posto de gasolina - não indicam ter sido o prejuízo de valor considerável, que tenha o condão de extrapolar a elementar do tipo penal.
DOSIMETRIA DA PENA
Passa-se, pois, à análise da dosimetria da pena do apelante Antônio Evandro de Oliveira.
Na primeira fase, reduzo a pena-base fixada em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa para o mínimo legal de 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em razão da exclusão da avaliação desfavorável da circunstância das conseqüências do crime.
Na segunda fase, ausentes atenuantes e agravantes.
Na terceira fase, em razão da continuidade delitiva, prevista no artigo 71 do Código Penal, mantém-se a majoração de uma das penas idênticas em 1/2 (metade), considerado o número de infrações (treze) praticadas, de modo que torno a pena definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.
Reduzo a pena pecuniária para 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal.
Mantenho o regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, conforme estabelecido pela sentença.
Diante do exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento apenas para excluir a avaliação desfavorável da circunstância judicial das conseqüências do crime, reduzindo a pena para 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal. Mantidas as demais disposições da sentença.
É como voto.
O Senhor Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Revisor
Com o Relator
O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogal
Com o Relator.
DECISÃO
DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.
DJ-e: 14/04/2010
JURID - Crimes de estelionato cometidos em continuidade delitiva. [23/04/10] - Jurisprudência
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