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terça-feira, 20 de abril de 2010

JURID - Penal. Processual penal. Ex-prefeito. Delito cometido. [20/04/10] - Jurisprudência


Penal. Processual penal. Ex-prefeito. Delito cometido no exercício do cargo. Aplicação do decreto-lei 201/67.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal Regional Federal - TRF 5ªR

Poder Judiciário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO

Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 6922-PB

(2001.82.00.007794-1)

APTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APDO: ANTONIO JOSE DA SILVA

DEF. DATIVO: ANDRE LUIZ DE FARIAS COSTA E OUTROS

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EX-PREFEITO. DELITO COMETIDO NO EXERCÍCIO DO CARGO. APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI 201/67. CONVÊNIO COM O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. ATRASO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESEORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE DOLO. EXECUÇÃO DO CONVÊNIO. CONTAS APROVADAS PELO TCU. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Ex-Prefeito do Município de Mulungu/PB que prestou contas em atraso dos valores recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento -FNDE, nos exercícios de 1999 e 2000, relativos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar -PNAE, destinados à merenda escolar do Município.

2. Para a configuração do ilícito previsto no art. 1º, inc. VI, do Decreto-Lei nº 201/67, como crime omissivo, não basta o simples atraso na prestação de contas, exigindo-se ainda outros elementos constitutivos da ação penal, em especial o dolo genérico, ou seja, a vontade do agente em deixar de cumprir o dever legal de prestar as contas.

3. O Apelado que apresentou as contas, ainda que a destempo, em face da habitual realidade da desorganização administrativa. Essa circunstância pode conduzir à perda dos prazos, e ao atraso na entrega das contas, não se devendo submeter o administrador, especialmente aquele de pequenos Municípios do interior dos Estados, a um processo criminal ou a um procedimento administrativo em face de deslizes na Administração e/ou de equívocos funcionais.

4. Ausência de prova de que o ex-Prefeito atrasou a entrega da prestação de contas referente ao FNDE de forma dolosa, não se presumindo que o referido atraso signifique a consumação do ilícito previsto no art. 1º, inc. VI, do Decreto-Lei nº 201/67. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas.

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à Apelação, nos termos do relatório, voto do

Desembargador Relator e notas taquigráficas constantes nos autos, que passam a integrar o presente julgado.

Custas, como de lei.

Recife (PE), (data do julgamento).

Desembargador Federal Geraldo Apoliano
Relator.

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO (RELATOR): Apelação Criminal, manejada pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de ver reformada a sentença que, pela imputação do delito tipificado no art. 1º, inc. VII, do Decreto-Lei nº 201/67, absolveu Antônio José da Silva, porque, enquanto Prefeito do Município de Mulungu/PB, teria deixado de prestar contas dos valores recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento -FNDE, nos exercícios de 1999 e 2000, relativos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar -PNAE, razão pela qual o FNDE suspendera os repasses das verbas da merenda escolar, destinadas ao Município, fundamentando-se em que a conduta do Prefeito configuraria apenas má organização administrativa e inaptidão para a adoção de procedimentos de controle das contas municipais, e não conduta criminosa a configurar crime de responsabilidade. Ressaltou-se, ainda, que o ora Apelado veio a apresentar as contas, embora a destempo, contas essas que foram aprovadas pelo Tribunal da União, competente para tanto.

Requereu o Apelante a condenação do ex-Prefeito, afirmando que haveria nos autos prova do dolo do Apelado que, segundo foi dito, teria deixado, propositadamente, de prestar contas dos recursos do FNDE nos dois últimos anos da respectiva gestão, ressaltando que o FNDE já o havia advertido, perto do término do mandato eletivo (31.12.2000) da proximidade da expiração do prazo para a prestação de contas dos recursos recebidos e aplicados.

Destacou-se, ademais, que o Apelado efetivamente veio a prestar contas, com quase quase 02 (dois) anos de atraso, e após o término do mandato, coagido pela ação de reparação de dano por ato ilícito contra ele movida pelo Município de Mulungu/PB.

Tais fatos demonstrariam que o retardo na prestação de contas decorreu não de mera desorganização administrativa, mas sim, de comportamento doloso do Apelado que, propositadamente, desrespeitou o prazo para a apresentação das contas, além de não oferecer quaisquer justificativas nas ocasiões em que foi instado a se manifestar.

Contra-razões de fls. 450/457.

Oficiando no feito, a douta Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento da Apelação, afirmando que o réu agiu dolosamente, conforme constatado pela farta prova documental existente nos autos, afirmando que o crime de prestação de contas seria de natureza formal, prescindindo da existência efetiva de lesão ao Erário, para a sua configuração, bastando a omissão ou o atraso na prestação das contas para a respectiva configuração - fls. 466/474.

É o relatório. Ao eminente Revisor.

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO (RELATOR): Averbando a costumeira vênia aos entendimentos acaso divergentes, penso que a sentença não merece reforma.

Diz a denúncia que Antônio José da Silva, ex-Prefeito do Município de Mulungu/PB, teria deixado de prestar contas referentes aos valores recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento -FNDE, nos exercícios de 1999 e 2000, relativos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar -PNAE, razão pela qual o FNDE suspendera os repasses, ao Município, das verbas destinadas à merenda escolar.

Nos termos do art. 1º, VII, do Decreto-lei nº 201/67, que transcrevo para o só fim de facilitar o desenvolvimento do raciocínio que se está a desenvolver:

"Art. 1º São crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

(...)

VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título;" (destaquei).

§ 2º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular (a transcrição desses dispositivos é literal).

O ilícito previsto no art. 1º, inc. VI, do Decreto-Lei nº 201/67, como crime omissivo, tipifica a atitude do agente em deixar de fazer alguma coisa nos moldes estatuídos na Constituição da República ou na Lei Federal.

Contudo, para a configuração do crime, não basta o simples atraso na prestação de contas; exigem-se, ainda, a presença de outros elementos constitutivos da ação penal, notadamente o dolo genérico, ou seja, a vontade do agente de deixar de cumprir o dever legal de prestar as contas, não bastando a culpa.

O ex-Prefeito reconhece que deveria ter apresentado suas contas em 1998 e 2000, porém somente as entregou em 2003, afirmando que deixara de fazê-lo em face da dificuldade de organização e de acesso à documentação; assim, segundo destacou, não teria havido má fé ou dolo, no fato de não apresentá-las, a tempo e modo.

Do interrogatório do Apelado, recolhe-se que:

"(...) em relação à prestação de contas atinente ao exercício de 1999 prestou contas, mas o funcionário deve ter postado com endereço errado a correspondência; que tal prestação de contas, segundo os padrões de conduta, além de ser encaminhada ao Tribunal de Contas da União, através de sue órgão administrativo no estado, tem igualmente de ser encaminhado à Câmara de Vereadores e ao Tribunal de Contas do Estado; ocorre que não foi informado durante todo o ano de 2000 de que sua prestação de contas não houvera chegado ao Tribunal de Contas da União; já no tocante à prestação de contas das verbas utilizadas no ano de 2000 ele preparou todos os elementos necessários a tal prestação, mas como havia um saldo ainda a ser usado, cujo valor não tem condições de precisar, mas que deveria aproximar-se de sete mil reais, deixou que todo aquele material fosse usado por seu sucessor, que deveria usar tal saldo e inclusive por ele réu prestar contas da aplicação de toda aquela verba, não sabendo informar se aquela autoridade usou aquela verba e igualmente prestou contas, que embora retardadamente, ao final do ano passado, conforme fará prova posteriormente por documento a ser acostado aos autos no tempo oportuno, prestou contas junto ao Tribunal de Contas da União das verbas aplicadas pela prefeitura de Mulungu, quando esteve à frente da mesma, tanto em relação ao ano de 1999 como ao ano de 2000, sendo que tais prestações foram prestadas em 24 de agosto e 24 de outubro do ano retro (2003) - fls. 200.

O Apelado apresentou as contas ainda que a destempo.

O Tribunal de Contas da União, julgando o procedimento administrativo de Tomadas de Contas Especial referente à administração do Apelado e analisando as contas apresentadas, confirmou a total aplicação dos recursos recebidos pelo Município de acordo com o Convênio firmando com o FNDE, a ausência de quaisquer indícios de superfaturamento, e embora tenham sido comprados gêneros alimentícios diversos dos pactuados, foi devidamente oferecida a alimentação escolar, por empresas regulares; no voto que foi proferido na Corte de Contas competente, "... conclui-se que os documentos juntados pelo responsável comprovaram a aplicação dos valores recebidos e supriram a omissão inicial no dever de prestar contas", embora se tenha mantido o reconhecimento da responsabilidade do Apelado no que tange ao retardo no cumprimento do dever de prestar as contas -fls. 337.

As falhas apontadas pelo Tribunal de Contas da União -TCU restringem-se a violações relativas ao aspecto formal da prestação de contas, e não relacionadas ao aspecto material (houve a comprovação da boa e regular aplicação dos recursos referentes ao convênio com o FNDE).

Concluiu-se no TCU que as contas deveriam "... ser julgadas regulares, configurando o descumprimento do aspecto formal tão-só uma ressalva" e que a "violação do aspecto formal da prestação de contas, que, a seu ver, carece de vigor para macular de irregularidade as contas e para ensejar a aplicação de multa ao responsável" - fls. 340.

Entendo que a omissão dolosa da prestação de contas pode constituir-se em um artifício para a ocultação da prática de crimes referentes à má aplicação e/ou desvio de verbas públicas, ou à dilapidação do patrimônio público, de forma a impedir que os órgãos de controle externo pudessem apurar as contas e, dependendo da situação apurada, promover o ressarcimento ao Erário.

No caso sob foco, entendo que se trate não do dolo de, propositadamente, deixar de prestar contas do Convênio, mas sim da habitual questão da desorganização administrativa, o que pode acarretar a perda dos prazos, e o atraso na entrega das Contas.

É certo que não se deve submeter o Administrador, especialmente aquele de pequenos Municípios do interior dos Estados, a um processo criminal ou a um procedimento administrativo em face de deslizes na administração e de equívocos funcionais.

Isto porque os gestores públicos são responsáveis por várias atividades, muitas delas realizadas com submissão à burocracia (nem sempre razoável e que, por vezes, beira a irracionalidade) sendo desnecessária a punição criminal em face da irregularidade administrativa.

Embora o Ministério Público afirme que o Réu não comprovou as suas alegações quanto à impossibilidade de prestar as contas nos prazos consignados para tanto, o Órgão ministerial não produziu provas de que o Réu deixou de prestar as contas de forma dolosa ou que tenham sido inverídicas as suas alegações.

Em face da ausência de provas, é aplicável ao caso concreto o princípio do in dubio pro reo, não se presumindo que o atraso na prestação de contas signifique, de pronto, a existência do crime previsto no art. 1º, inc. VI, do Decreto-Lei nº 201/67.

Nesse sentido vem se inclinado a jurisprudência deste Tribunal:

"PENAL. PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. PREFEITO E EX-PREFEITO. VERBAS FEDERAIS. PROGRAMA FUNDO DE FORTALECIMENTO DA ESCOLA - FUNDESCOLA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS REFERENTES AO REPASSE PELO FNDE NO EXERCÍCIO DE 2004. CRIME, EM TESE, PREVISTO NO DECRETO-LEI Nº 201/67, ART. 1º, INCISO VII. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DOLO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. INTEMPESTIVIDADE. FINALIDADE DO CONVÊNIO. ATENDIMENTO. EXECUÇÃO DO CONTRATO. REALIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. COMPROVAÇÃO PELO TCU. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DESTE IPL FORMULADO PELO PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE DELITO PENAL. DEFERIMENTO DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO.

1.Cabe ao Ministério Público, como 'dominus litis', de acordo com o princípio da obrigatoriedade, formular um juízo de valor sobre o conteúdo do fato que se lhe apresente, para avaliar a existência, ou não, de elementos suficientes para fundamentar a acusação. Caso não encontre tais elementos (tipicidade do fato, indícios de autoria, condições de procedibilidade ou de punibilidade etc.), cumpre-lhe requerer ao juiz o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, não podendo o Juiz obrigá-lo a ofertar a Denúncia, mas apenas cabe-lhe adotar as providências previstas no art. 28 do CPP e atender, se for o caso, à determinação contida na parte final do mesmo dispositivo.

2.Na hipótese destes autos, o 'Parquet' Federal, embasando-se nas conclusões do Tribunal de Contas da União e da própria Secretaria de Controle Externo do Ceará, dando conta de que a finalidade do convênio celebrado entre a convenente - Município de Juazeiro do Norte/CE e a concedente - FNDE atingiu a sua finalidade e que a aplicação dos recursos repassados pelo concedente ocorreu dentro das normas pertinentes, sem indícios de irregularidades, e que a execução do convênio foi realizada em conformidade com as normas estabelecidas, embora somente tenha sido encaminhada a prestação de contas 2(dois) anos após o prazo estabelecido no convênio, e, não encontrando, 'o dominus litis', à vista dos elementos de prova, indícios de prática de crime ou de outra conduta delituosa que se pudessem ensejar a delação penal, requereu o arquivamento do presente Inquérito.

3-A efetiva prestação de contas, ainda que se proceda posterior notificação para complementação da mesma, mormente quando à época da posterior notificação o investigado já não exerce a chefia executiva da municipalidade, é fato atípico, impossibilitando a 'persecutio criminis', ainda, mais, ante à inexistência de dolo na conduta do agente, o que releva a evidente inexistência de justa causa para a ação penal.

4-Acolhe-se a Promoção Ministerial em face de ausência de indícios de crimes, não havendo motivo que autorize a caminhar de acordo com a determinação contida na parte final do art. 28 do CPP 5.Pedido de arquivamento deferido."

(Pleno, INQ 1.996/CE, Rel Des. Federal Rogério Fialho Moreira, julg. 17.09.2008, publ. DJU 22.10.2008, págs. 205).

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. IRREGULARIDADES NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE EX-PREFEITO MUNICIPAL. DL 201/67. AUSÊNCIA DO DOLO. INEXISTÊNCIA DE PROCESSO DE TOMADA DE CONTAS ESPECIAL JUNTO AO TCU. DENÚNCIA REJEITADA.

1. O crime tipificado no art. 1o., VII do DL 201/67 não resta configurado pelo simples atraso na prestação de contas, pois é imprescindível que estejam igualmente caracterizados os elementos constitutivos da infração penal. É mister a presença do dolo, da vontade do agente em omitir-se ao seu dever legal de justificar ao órgão competente os gastos efetuados pela Prefeitura.

2. Quanto aos fatos específicos relatados na denúncia, quais sejam, irregularidades na prestação de contas dos recursos recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, no período de 1998/2000, o TCU informou inexistir qualquer processo de tomada de contas especial instaurado para apurá-los.

3. Denúncia rejeitada."

(Pleno, INQ nº 1.500/CE, Rel Des. Federal Napoleão Nunes Maia Filho, julg,. 03.08.2005, publ. DJU 13.09.2005, pág.176)

Forte nessas razões, nego provimento à Apelação. É como voto.




JURID - Penal. Processual penal. Ex-prefeito. Delito cometido. [20/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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