Veículo zero com defeito gera indenização
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 13ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL
Processo nº: 001.06.007659-4
Autor: José Cosme da Silva Filho
Réu: Fiat Automóveis S/A e outro
SENTENÇA
DIREITO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. AUTOMÓVEL NOVO. DEFEITOS REITERADOS. ENVIOS PARA REPAROS EM CONCESSIONÁRIA AUTORIZADA, DENTRO DO PRAZO DE GARANTIA. PERMANÊNCIA DOS VÍCIOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. SUBSTITUIÇÃO DO VEÍCULO. ART. 18, I DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PROCEDÊNCIA DO PLEITO AUTORAL.
RELATÓRIO
Vistos, etc.
José Cosme da Silva Filho, qualificado nos autos, assistido por advogado, ingressou com a presente Ação de obrigação de fazer c/c pedido de indenização por danos morais em face da Fiat Automóveis e a Ponta Negra Veículos, aduzindo, em síntese, que em meados de 2005 adquiriu um automóvel Fiat Pálio 2005/2006 na Concessionária Ponta Negra Automóveis. Ocorre que pouco mais de 30 (trinta) dias após a retirada da concessionária o automóvel apresentou focos de ferrugem, obrigando o autor a retornar o carro para a concessionária a fim de solucionar o problema
Aduz que mesmo após o referido reparo a ferrugem voltou a aparecer em outros pontos do veículo, além de diversos outros problemas, o que obrigou o requerente a retornar mais três vezes à concessionária, nestas oportunidades foram trocadas várias peças do veículo, todavia, até então os problemas não foram resolvidos.
Afirmou, ainda, que reclamou junto ao Procon/RN, momento em que as rés não concordaram em entregar outro carro, comprometendo-se apenas em sanar os vícios indicados com substituição de peças, o que não foi mais aceito pelo requerente.
Em face do ocorrido, pugna pela procedência da ação, requerendo a condenação solidária dos réus, de modo a procederem a substituição do veículo em questão por outro da mesma espécie, bem como ao pagamento de indenização a título danos morais.
Juntou à inicial os documentos de fls. 08/22.
Citada, a Ponta Negra Automóveis Ltda apresentou contestação de fls. 26/35 alegando, em sede de preliminar, ilegitimidade passiva da concessionária ré, argumentando que pelo fato do fabricante ser conhecido e inteiramente identificado, a concessionária não pode ser responsabilizada; no mérito, pugnou pela improcedência do pleito autoral.
Às fls. 52/59 a Fiat Automóveis S.A. apresentou sua contestação aduzindo, em apertada síntese, que o autor não atende os requisitos para ser beneficiário da justiça gratuita, e que os supostos vícios do automóvel só pode ser identificado através da realização de uma perícia, requerendo, portanto a produção de tal prova, no tocante aos danos morais, argumenta que os fatos narrados não conduz à conclusão de ter ocorrido ofensa moral ao requerente que autorize a indenização postulada.
Instada a se pronunciar sobre as contestações, a parte autora apresentou petição de fls. 63/64, rebatendo as preliminares e reiterando os termos da inicial.
Realizada audiência preliminar, conforme consta às fls. 71/72, restou frustrada a tentativa de conciliação, tendo sido rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, arguida pela Ponta Negra Automóveis Ltda em sua contestação; quanto a questão da justiça gratuita, esta não foi conhecida por este juízo, por não ter sido arguida por meio de impugnação própria, mas sim como preliminar de contestação; por fim, as partes requereram a produção de prova pericial e testemunhal.
Concluída a perícia, foi juntando aos autos o laudo técnico com resposta aos quesitos formulados pelas partes, conforme se depreende dos documentos de fls. 69/79.
As partes autora e ré foram intimadas para se pronunciarem acercar do referido laudo, contudo, apenas a parte ré se pronunciou às fls. 85/87 e 96/97.
Foi realizada audiência instrução às fls. 122/124, em que foi ouvida apenas uma testemunha arrolada pela parte autora.
Consta às fls. 134/137 as alegações finais da parte autora, enquanto que as alegações finais da parte ré estão às fls. 135/141 e l52/155.
É o que importa relatar. Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
Considerando que as preliminares arguidas nas contestações foram superadas em audiência preliminar, passo ao julgamento do "meritum causae".
A responsabilidade por vício do produto e do serviço, como é a hipótese dos autos, encontra amparo nos arts. 18 e 20 do Código do Consumidor.
Entendo serem plenamente aplicáveis, na hipótese, as regras do Código de Defesa do Consumidor, eis que patente uma relação de consumo que vincula as partes, trazendo à inteligência dos arts. 2° e 3°, da Lei n° 8.078/90, sendo relevante afirmar a situação de hipossuficiência do consumidor face às empresas demandadas, associando-se à verossimilhança da alegação por ele invocada, acarretando, por isso, a inversão do ônus probatório, a teor do que dispõe o art. 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Afirmo isso, pois o caso tratado reside na alegação formulada pelo autor de que adquiriu o veículo zero quilômetro da marca Fiat, modelo Pálio, ano de fabricação-modelo 2005/2006, cor branca, e que passou a apresentar defeitos 30 dias após a aquisição.
A responsabilização das empresas demandadas, na condição de fornecedoras do veículo, decorre do defeito de criação/fabricação apresentado pelo veículo adquirido pelo demandante.
Ademais, segundo dispõe o artigo 23 do Código de Defesa do Consumidor, a ignorância do fornecedor sobre os vícios da qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime da responsabilidade. Assim, no caso em tela não pode a ré Ponta Negra Automóveis Ltda, na qualidade de fornecedora, se isentar da culpa, alegando não ter conhecimento prévio dos problemas do automóvel por ela alienado.
Vejamos o teor do art. 23, do CDC, , in verbis:
"Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade."
Tratando-se de vício do produto, tanto o fabricante quanto o fornecedor respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, conforme se vê dos artigos 18 e 20, da Lei n° 8.078/90.
Portanto, observa-se que se cuida de responsabilidade objetiva, visto que independe da existência de culpa, ou seja, para análise da responsabilidade, ora pretendida, necessário se faz analisar os seguintes requisitos, a saber: ação ou omissão, nexo de causalidade e dano.
Conforme demonstrou o autor através das ordens de serviços de fls. 18 a 21, o veículo foi submetido a revisão junto à empresa ré por 04 (quatro) vezes, sendo que em duas ocasiões para o reparo de ferrugem na carroceria.
Compulsando-se os autos, vê-se pelo laudo pericial de fls. 69/79, que é fato incontroverso que o bem adquirido pelo demandante apresenta vícios de qualidade, os quais não foram sanados nos reparos realizados pela concessionária ré. Neste sentido, o Expert concluiu que: "A corrosão evidenciada na travessa frontal nos locais das juntas soldadas dos suportes de fixação do pára-choque dianteiro e nas arestas das duas partes que constituem a travessa é do tipo corrosão em frestas, não tendo sido a proteção de pintura tratada adequadamente no processo de fabricação e nem quando da intervenção durante o serviço de correção executado pela concessionária Ponta Negra Automóveis LTDA"(fl.71) grifo nosso.
É óbvio que a concessionária não efetuou a prestação do serviço de forma adequada, pois se o problema da ferrugem persistia cabia a mesma ter tomado a providência de trocar as peças necessárias, pois assim teria evitado o retorno do veículo a conserto por várias vezes.
Assim, estão configurados os elementos indicadores da responsabilidade civil, quais sejam: o dano, a ação ou omissão danosa e o nexo de causalidade.
Restando esclarecer se os defeitos constantes do veículo adquirido pelo requerente, dão ensejo à restituição do valor pago ou a entrega de um automóvel similar.
Observa-se dos autos que apesar do exame pericial atestar, em junho de 2008, que a reparação do problema seria possível com a substituição da travessa frontal, o automóvel foi enviado, em apenas um ano de uso, 04 (quatro) vezes para conserto, sem sucesso, ou seja, comprovada está a desídia da concessionária em proceder aos reparos necessários.
Repise-se: a parte ré teve 04 (quatro) oportunidades de reparar eficazmente o veículo, e não o fez, o que, convenhamos, fere o princípio da razoabilidade.
O art. 18, § 1º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor, preceitua que:
"Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço." (grifei)
Ressalte-se que tudo ocorreu no primeiro ano de utilização do veículo, sendo certo que a ação foi ajuizada dentro do prazo de garantia do produto, o que demonstra a paciência que teve o autor, na esperança de ver solucionado o impasse extrajudicialmente, exsurgindo incontestável dos autos a inobservância, pela parte ré, das disposições contidas na legislação consumerista, razão pela qual é de rigor a responsabilização desta em substituir o veículo do autor por outro da mesma espécie. Em contrapartida, o autor deverá devolver o veículo à época adquirido, devendo a ré receber o veículo no estado em que se encontra, inclusive regularizando a transferência perante o DETRAN/RN.
Em relação aos danos morais restou-se caracterizado com a comprovação nos autos a negligência da parte ré em recuperar o veículo, principalmente levando- se em consideração a conclusão da perícia que apontou que o defeito em questão decorreu de tratamento inadequado de proteção da pintura no processo de fabricação, e que tal problema não foi solucionado pelo serviço de correção
executado pela concessionária.
A parte ré não comprovou com motivos plausíveis e razoáveis tal falha na fabricação e o porque desta falha não ter sido sanada pelo serviço de correção executado pela concessionária, não observando que deveria ter colacionado provas de tal, na forma do art. 333, inciso II do CPC.
Atesta nesse sentido jurisprudência pátria:
CIVIL - CDC - VEÍCULO SEGURADO - COLISÃO - DEMORA INJUSTIFICADA DA SEGURADORA EM AUTORIZAR O REPARO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM DA REPARAÇÃO. 1. A injustificada demora da seguradora em autorizar os reparos no veículo segurado e sinistrado, a causar profundos desgastes emocionais, aborrecimentos e incertezas que atingem direito imaterial do consumidor, caracteriza dano moral que deve ser cabalmente reparado pela fornecedora. 2. O pedido recursal de reforma da sentença, para julgar totalmente improcedente o pedido inicial, impede a revisão para adequação do quantum arbitrado para a composição do dano moral. 3. Recurso conhecido e improvido, sentença mantida. (20040110327805ACJ, Relator JOÃO BATISTA TEIXEIRA, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 30/03/2005, DJ 03/05/2005 p. 161)
E ainda não foi observado pela ré um princípio básico e norteador instituído pelo art.4º, caput, do CDC, o da transparência, "A política nacional das relações de consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como transparência e a harmonia das relações de consumo...;
Sobre o assunto trata a doutrinadora Claudia Lima Marques, no seu livro Contratos no Código de Defesa do Consumidor, "O ideal de transparência no mercado acaba por inverter os papeis tradicionais, aquele que se encontrava na posição ativa e menos confortável, aquele que necessitava atuar, informar-se, perguntar, conseguir conhecimentos técnicos ou informações suficientes para realizar um bom negócio, o consumidor, passou para confortável posição de detentor de um direito subjetivo de informação (art. 6º, III), enquanto aquele que se encontrava na segura posição passiva, o fornecedor passou a ser sujeito de um novo dever de conduta ativa (informar), o que significa, na prática, uma inversão de papeis, e um inicio de inversão ex vi lege de ônus de prova".
Sendo violado esse princípio ao tratar com desleixo o autor, ignorando seus pedidos de correção do defeito do automóvel, uma vez que o problema da corrosão persiste.
Não resta ao autor comprovar que teve prejuízo e sofreu com a demora, pois para qualquer pessoa o fato de passar mais de um ano levando um automóvel zero quilômetro para fazer reparos em uma concessionária já se aduz tal.
O dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando o seu patrimônio, sendo lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome e etc. como se infere dos arts. 1º, III e 5º V e X da CF, e que acarreta ao lesado dor e sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. Dispensando o dano moral prova em concreto pois se passa no interior da personalidade de cada um. Tratando-se de presunção absoluta.
Assim, não merece acolhida a afirmação da parte ré de que não há dano moral indenizável porque não houve comprovação do mesmo.
E no caso in examine, considero que no início poderia ter o autor sofrido meros constrangimentos do dia a dia, porém a situação fática foi se agravando com o descaso da ré em não solucionar o problema do autor de forma a caracterizar o dano moral.
Nada obstante é fato incontestável a responsabilidade solidária dos 02 réus na qualidade de fornecedores de serviços.
Para fixação do quantum indenizatório, deve ser considerado o duplo caráter da reparação por dano moral, compensatório e punitivo. O caráter compensatório, na espécie, tem por finalidade minimizar os danos morais sofridos pelo autor, através do arbitramento de uma indenização. O caráter punitivo, por sua vez, no caso, se reveste de grande importância, posto que visa a coibir as reiteradas condutas negligentes para com os seus clientes e atentatórias aos direitos do consumidor.
In casu, observa que os danos sofridos pelo autor foram de forma razoáveis.
Na lição de Maria Helena Diniz, apud Carlos Roberto Gonçalves, ob. cit. p. 577, "na quantificação do dano moral, o arbitramento deverá, portanto, se feito com bom-senso e moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, à gravidade da ofensa, ao nível econômico-social do lesante, à realidade da vida e às particularidades do caso sub examine" .
Diante disso, considerando a extensão do dano, a situação econômica das partes, o caráter punitivo da indenização por danos morais, e, ainda, o incômodo sofrido pelo autor, excedendo a condição de mero dissabor, uma vez que além de enfrentar os contratempos atinentes ao produto adquirido com vício, todas as vezes que se encaminhou à empresa concessionária esta não prestou-lhe assistência adequada com o fito de eliminar a mácula apontada, entendo como justo e razoável a condenação por danos morais ao patamar de R$ 8.000,00 (oito mil reais), guardando tal valor proporção com a ofensa praticada e cumprindo, ao mesmo tempo, seu papel dissuasório.
DISPOSITIVO
Pelas razões fáticas e jurídicas acima delineadas, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na inicial, para CONDENAR as rés a substituir o veículo do autor por outro da mesma espécie, 0 Km do ano correspondente ao cumprimento desta sentença (PALIO FIRE, 04 portas, motor 1.0, Gasolina - nota fiscal de fls. 09), ou, não havendo mais a fabricação desse modelo, outro equivalente com as condições similares aquelas descritas na referida nota fiscal; em consequência, o autor deverá devolver o veículo placa MYX 3827 no momento do recebimento do novo veículo descrito e assinar o documento de transferência, do qual as rés ficarão obrigadas a providenciarem a transferência do veículo perante o DETRAN/RN, no prazo de 10 (dez) dias; bem como, condeno as demandadas ao pagamento de forma solidária da importância de R$ 8.000,00 (oito mil reais) ao autor, a título de indenização por danos morais, valor esse que deverá ser acrescido de juros de mora de 1% ao mês (art. 406 CC/2002 c/c art. 161 CTN), contados da citação, assim como de correção monetária pelo INPC, contados do ajuizamento da demanda.
Condeno ainda a parte ré no pagamento das custas e em honorários sucumbenciais, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor atribuído a causa, face ao tempo dispensado a demanda.
Transitada em julgado, ficam as partes vencidas, imediatamente intimadas por seus advogados, para cumprirem a obrigação de fazer e de pagar que lhes foram imposta na sentença, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não cumprindo o julgado nesse prazo, o montante de sua respectiva condenação ser acrescida de multa de 10% (dez por cento), nos termos do artigo 475-J do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Natal, 16 de abril de 2010.
ROSSANA ALZIR DIÓGENES MACÊDO
Juíza Titular
JURID - Obrigação de Fazer. Reparação [30/04/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário