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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Informativo STF 644 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 10 a 14 de outubro de 2011 - Nº 644.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO




Plenário
Tribunal de justiça militar: quinto constitucional e princípio do juiz natural - 1
Tribunal de justiça militar: quinto constitucional e princípio do juiz natural - 2
Tribunal de justiça militar: quinto constitucional e princípio do juiz natural - 3
Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 1
Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 2
Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 3
Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 4
Repercussão Geral
Tráfico de drogas e combinação de leis - 5
Tráfico de drogas e combinação de leis - 6
Tráfico de drogas e combinação de leis - 7
Tráfico de drogas e combinação de leis - 8
1ª Turma
HC e execução de sentença estrangeira
Videoconferência e entrevista reservada com defensor
Progressão de regime e lapso temporal
2ª Turma
Ausência de citação de réu preso e nulidade
PAD e vinculação à decisão da comissão processante - 1
PAD e vinculação à decisão da comissão processante - 2
Princípio do promotor natural e nulidade
Princípio da insignificância e rompimento de obstáculo
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
CPI – Limitações Jurídicas – Direitos e Garantias da Pessoa Investigada -Advogados – Prerrogativas Profissionais - (MS 30906 MC/DF)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

Tribunal de justiça militar: quinto constitucional e princípio do juiz natural - 1

O Plenário, por maioria, desproveu recurso extraordinário — interposto anteriormente ao sistema da repercussão geral — em que se alegava o descumprimento da regra do quinto constitucional (CF, art. 94), quando da análise de apelação criminal em 2005 pela 2ª Câmara do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, ante a ausência de representante da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB na composição daquela Corte. Ademais, a defesa argumentava que o réu teria sido condenado 2 vezes por um mesmo fato, de forma a caracterizar bis in idem. Aventava, também, que o tribunal de justiça bandeirante, em sede de controle abstrato, declarara, em 2003, a inconstitucionalidade dos artigos 2º e 226 do Regimento Interno da Corte castrense (“Art. 2º O Tribunal de Justiça Militar do Estado, com sede na Capital do Estado e jurisdição em todo o território estadual, compõe-se de sete juízes vitalícios, sendo quatro juízes militares, nomeados dentre coronéis da ativa, da Polícia Militar do Estado, e três juízes civis, sendo dois promovidos dentre os juízes auditores, e o terceiro nomeado na forma do Quinto Constitucional, alternadamente, dentre representantes do Ministério Público Estadual e dos Advogados, de notório saber jurídico e reputação ilibada, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes ... Art. 226 O provimento da vaga do Quinto Constitucional será feito, alternadamente, por membro do Ministério Público e por representante da Seção Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional ou na carreira, dentre os indicados em lista sêxtupla por aquelas Instituições, e que formarão a lista tríplice pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que encaminhará os nomes ao Governador do Estado para nomeação de um deles à vaga, no prazo de vinte dias subseqüentes”), por desrespeitarem a referida regra constitucional.
RE 484388/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (RE-484388) Audio

Tribunal de justiça militar: quinto constitucional e princípio do juiz natural - 2

Inicialmente, esclareceu-se que a Corte militar era composta de 5 juízes, dos quais 3 militares, 1 de carreira e, alternativamente, 1 advogado ou membro do parquet. Prevaleceu o voto do Min. Luiz Fux. Primeiramente, verificou a ausência de prequestionamento da matéria relativa ao bis in idem. Em seguida, afirmou que, para ele, não assistiria legitimidade à parte recorrente, ainda que violado o art. 94 da CF, porquanto a indagação sobre o preenchimento de quinto constitucional na configuração daquela Corte caberia apenas aos órgãos e às entidades envolvidas — Ministério Público e OAB —, haja vista que a vaga seria de um ou de outro. Além disso, ponderou inexistir, na espécie, prejuízo decorrente de inobservância do preceito, o que impediria a declaração de nulidade consoante o art. 499 do CPPM (“Nenhum ato judicial será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”). Aludiu a julgado da 1ª Turma, sob enfoque do princípio do juiz natural, no sentido de que a composição, em rito do Tribunal, não influenciaria no mérito da questão. Ressaltou que o recorrente não poderia ter expectativa de que, ali presente outro integrante, receberia decisão mais favorável. O Colegiado salientou que, conquanto o art. 94 da CF fosse aplicável aos tribunais estaduais militares, não obrigaria a observância do quinto constitucional a órgão fracionário. Por sua vez, o Min. Celso de Mello mencionou haver, na ocasião, no quadro do citado tribunal, juiz oriundo do Ministério Público que, no entanto, não participara do julgamento da apelação na 2ª Câmara da Corte militar. Acentuou que a Lei Complementar paulista 1.037/2008 regularizara a composição plenária em comento, de maneira que hoje figurariam juízes advindos do parquet e da classe dos advogados. Explicitou, por fim, que a participação, à época, dos 3 magistrados de carreira na composição da Câmara não ofenderia, por si, o princípio do juiz natural.
RE 484388/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (RE-484388)

Tribunal de justiça militar: quinto constitucional e princípio do juiz natural - 3

Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Cármen Lúcia e Ayres Britto, que davam provimento ao recurso para atribuir interpretação conforme aos artigos 20 e 21 da Lei 5.048/58 e 1º da Lei Complementar 1.037/2008, ambas do Estado de São Paulo, assentando caber uma cadeira ao Ministério Público e outra a egresso da advocacia. Assinalavam, de igual modo, a insubsistência do julgamento da apelação, considerado o postulado do juiz natural, em virtude de vício na constituição do Tribunal castrense quando apenas uma vaga era destinada ao quinto. O relator sublinhava que a situação dos autos seria distinta, conflitante com a interpretação sistemática e teleológica dos artigos 94 e 125 da Carta da República. Apontava que as indicadas normas regimentais teriam ingressado mundo jurídico a partir de interpretação equivocada dos artigos 20 e 21 da Lei 5.048/58 [“Artigo 20 O Tribunal de Justiça Militar, com sede na Capital, compor-se-á de 7 (sete) juízes, nomeados pelo Governador do Estado, com o título de ministros, sendo 4 (quatro) civis e 3 (três) militares. ... Artigo 21 Os juízes civis serão escolhidos de modo a que os respectivos cargos sejam preenchidos por bacharéis em direito, brasileiros natos, maiores de 35 anos de idade, com 10 (dez) anos, pelo menos, de exercício na magistratura, no ministério público ou advocacia comum ou militares”]. Outrossim, realçava que o art. 1º da Lei Complementar 1.037/2008 criara mais um cargo de juiz a ser ocupado por egresso da advocacia e silenciara a respeito da vaga destinada ao Ministério Público. Por derradeiro, consignava que o defeito concernente à composição da Corte militar irradiar-se-ia a ponto de alcançar o órgão fracionário.
RE 484388/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (RE- 484388)

Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 1

O Plenário, por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pelo Min. Dias Toffoli em agravo regimental interposto de decisão por ele proferida, que não conhecera de agravo em recurso extraordinário do qual relator, porque intempestivo. O suscitante propunha a superação do Enunciado 699 da Súmula do STF (“O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/90, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/94 ao Código de Processo Civil”). Na espécie, o período compreendido entre a publicação da decisão agravada e o protocolo do respectivo recurso ultrapassara o prazo previsto no art. 28 da Lei 8.038/90 (“Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso”). A decisão impugnada baseara-se no fato de que o referido dispositivo não fora revogado, em matéria penal, pela Lei 8.950/94, de âmbito normativo restrito ao CPC. Logo, incidira no caso o Enunciado 699 da Súmula do STF. O agravante sustentava, entretanto, que as alterações introduzidas, no CPC, pela Lei 12.322/2010 [“Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias”] teriam sido expressamente alargadas para atingir também os recursos em matéria criminal, e que a Corte formalizara entendimento nesse sentido, ao editar a Resolução 451/2010 (“Art. 1º A alteração promovida pela Lei nº 12.322, de 9 de setembro de 2010, também se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal”).
ARE 639846 AgR-QO/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (ARE-639846) Audio

Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 2

Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, Presidente, que rejeitou a questão de ordem e não conheceu o recurso. Inicialmente, realizou retrospecto acerca da evolução legislativa concernente ao tema. Lembrou que o art. 544 do CPC, em sua redação original (“Denegado o recurso, caberá agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal, no prazo de cinco dias. Parágrafo único. O agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante, dele constando, obrigatoriamente, o despacho denegatório, a certidão de sua publicação, o acórdão recorrido e a petição de interposição do recurso extraordinário”), dizia respeito a recursos extraordinários que veiculassem matéria cível ou criminal, e estabelecia o prazo de 5 dias em ambas as hipóteses. Após, publicara-se a Lei 8.038/90, que revogou expressamente os artigos 541 a 546 do CPC. Assim, os agravos de instrumento interpostos de decisão que inadmitia recurso extraordinário passaram a ser regulados por este diploma. Posteriormente, fora editada a Lei 8.950/94, que conferiu nova redação ao então revogado art. 544 do CPC (“Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de dez dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso”), e alterou o prazo, no tocante à interposição de agravo de instrumento, para 10 dias. Reputou que, a partir da controvérsia sobre a possibilidade da revogação do art. 28, caput e § 1º, da Lei 8.038/90, no caso de o recurso extraordinário obstaculizado tratar de matéria criminal, a Corte pacificara entendimento no sentido de que o aludido dispositivo não fora revogado, visto que a Lei 8.950/94 teria âmbito normativo restrito à hipótese de inadmissibilidade de recurso extraordinário a tratar de matéria cível. Dessa forma, diante do panorama apresentado, ao agravo de instrumento para destrancar recurso extraordinário seria aplicado integralmente o art. 544 do CPC, se tratasse de matéria cível; e o art. 28, § 1º, da Lei 8.038/90, subsidiado expressamente do art. 523 do CPC, se tratasse de matéria criminal. Salientou que a formação do instrumento do agravo em exame passara a ser regulada exclusivamente pelo art. 544 do CPC, com fundamento na analogia, diante de ausência de legislação própria em matéria criminal para o regular, mas destacou que o prazo de 5 dias, previsto na Lei 8.038/90, teria permanecido inalterado. Assinalou que a inovação trazida com a Lei 12.322/2010 amparar-se-ia no princípio da economia processual e racionalizaria o procedimento do agravo. Frisou, entretanto, que as modificações trazidas pela novel lei teriam incidência parcial diante de recursos que tratassem de matéria criminal, uma vez que, apenas em relação a eles, subsistiria o prazo constante do art. 28, caput, da Lei 8.038/90. O Min. Marco Aurélio ressaltou que a problemática em relação ao prazo, no tocante a processos de matéria criminal, perderia relevância em face da existência do habeas corpus, que poderia ser utilizado a qualquer tempo. Ademais, destacou que alterar o período próprio para interposição de agravo implicaria incoerência, visto que a apelação, em matéria criminal, deveria ser manuseada em 5 dias. O Min. Ricardo Lewandowski, por sua vez, conhecia e provia o agravo, considerada a alegação do agravante a respeito da incerteza gerada a partir da leitura da Resolução 451/2010 da Corte, mas também rejeitava a questão de ordem, de modo a manter íntegro o Enunciado 699 da Súmula do STF. Deliberou-se, entretanto, que será editada nova resolução, de modo a esclarecer a dúvida aventada.
ARE 639846 AgR-QO/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (ARE-639846)

Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 3

Vencido o relator, acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, que encaminhava a questão de ordem para assentar a aplicabilidade do art. 544 do CPC, em sua nova redação, ao agravo contra decisão denegatória de recurso extraordinário em matéria criminal, a ser observada a partir da data em que passara a vigorar a nova lei processual, de maneira a superar a orientação sintetizada no Enunciado 699 da Súmula do STF. Quanto ao mérito do agravo, dava-lhe provimento, de modo a afastar a intempestividade. Aduzia que, muito embora existam decisões da Corte que, sob a égide da novatio legis, aplicaram o Enunciado 699 da Súmula do STF, a interpretação da Lei 12.322/2010 deveria ser extensiva, de modo que o prazo nela fixado abrangesse recursos extraordinários e agravos a versar sobre matéria penal e processual penal, à luz da Resolução 451/2010 da Corte. A respeito, o Min. Celso de Mello consignava que a nova lei teria revogado, tacitamente, a Lei 8.038/90, no tocante às matérias comuns de que tratam. O relator discorria, também, que a nova concepção jurídica do agravo — interposto nos próprios autos — teria promovido sensível modificação no recurso cabível à espécie e, portanto, suprimido o instituto do agravo de instrumento na sua concepção natural. Dessa maneira, aplicar-se-ia o novo regramento do art. 544 do CPC em sentido lato, especialmente em razão da natureza — impregnada de contornos constitucionais — dos recursos especial e extraordinário, que não pertenceriam a nenhum ramo processual específico, mas a todos eles. Assim, concluía que a uniformidade de disciplinamento de ambos — bem como de recurso a ser interposto de decisão que negar seguimento a qualquer deles — seria desejável.
ARE 639846 AgR-QO/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (ARE-639846)

Agravo em matéria criminal e prazo para interposição - 4

Em seguida, o Plenário rejeitou, também por maioria, nova questão de ordem, formulada pelo relator, no sentido de que, entre o vencimento da vacatio legis atinente à Resolução 451 do STF, que ocorrera em 8.12.2010, e a data deste julgamento, a consignar o entendimento ora fixado pela Corte, deveria ser admitido o prazo de 10 dias para interposição de agravo em matéria criminal. Reputou-se que haveria inconveniente de ordem prática, pois, desde a citada data, muitos agravos não teriam sido conhecidos com fundamento em intempestividade e já teria ocorrido o trânsito em julgado das respectivas decisões. Assim, o acolhimento da questão de ordem implicaria desonomia e insegurança jurídica. O Presidente sublinhou, ainda, que, conforme o caso, o remédio do habeas corpus estaria disponível para que a parte se insurgisse contra o vício que originara a interposição do agravo. Vencidos o relator e os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que entendiam que a solução proposta prestigiaria a segurança jurídica e a isonomia em detrimento da estrita legalidade. Ademais, consideravam que essa orientação consagraria, de igual modo, os princípios da boa-fé do jurisdicionado — que fizera determinada leitura da Resolução 451/2010 do STF que fora partilhada, inclusive, por alguns Ministros da Corte — e da confiança.
ARE 639846 AgR-QO/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13.10.2011. (ARE-639846)


REPERCUSSÃO GERAL

Tráfico de drogas e combinação de leis - 5

Em conclusão de julgamento, o Plenário, ante empate na votação, desproveu recurso extraordinário em que se discutia a aplicabilidade, ou não, da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 sobre condenações fixadas com base no art. 12, caput, da Lei 6.368/76, diploma normativo este vigente à época da prática do delito — v. Informativos 611 e 628. Além disso, assentou-se a manutenção da ordem de habeas corpus, concedida no STJ em favor do ora recorrido, que originara o recurso. Na espécie, o recorrente, Ministério Público Federal, alegava afronta ao art. 5º, XL, da CF (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”), ao argumento de que a combinação de regras mais benignas de 2 sistemas legislativos diversos formaria uma terceira lei. Aduziu-se que a expressão “lei” contida no princípio insculpido no mencionado inciso referir-se-ia à norma penal, considerada como dispositivo isolado inserido em determinado diploma de lei. No ponto, destacou-se que a discussão estaria na combinação de normas penais que se friccionassem no tempo. Afirmou-se, ademais, que a Constituição vedaria a mistura de normas penais que, ao dispor sobre o mesmo instituto legal, contrapusessem-se temporalmente. Nesse sentido, reputou-se que o fato de a Lei 11.343/2006 ter criado a figura do pequeno traficante, a merecer tratamento diferenciado — não contemplada na legislação anterior — não implicaria conflito de normas, tampouco mescla, visto que a minorante seria inédita, sem contraposição a qualquer regra pretérita. Por se tratar de pedido de writ na origem e em vista de todos os atuais Ministros do STF terem votado, resolveu-se aplicar ao caso concreto o presente resultado por ser mais favorável ao paciente com fundamento no art. 146, parágrafo único, do RISTF (“Parágrafo único. No julgamento de habeas corpus e de recursos de habeas corpus proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente”). Nesse tocante, advertiu-se que, apesar de a repercussão geral ter sido reconhecida, em decorrência da peculiaridade da situação, a temática constitucional em apreço não fora consolidada.
RE 596152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011. (RE-596152) Audio

Tráfico de drogas e combinação de leis - 6

O Min. Cezar Peluso, Presidente, frisou o teor do voto proferido pela 2ª Turma no julgamento do HC 95435/RS (DJe de 7.11.2008), no sentido de entender que aplicar a causa de diminuição não significaria baralhar e confundir normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não criaria lei nova, apenas se movimentaria dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível. Além disso, consignou que se deveria cumprir a finalidade e a ratio do princípio, para que fosse dada correta resposta ao tema, não havendo como se repudiar a aplicação da causa de diminuição também a situações anteriores. Realçou, ainda, que a vedação de convergência de dispositivos de leis diversas seria apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio direto em texto constitucional. O Min. Celso de Mello, a seu turno, enfatizou que o citado pronunciamento fora ratificado em momento subseqüente, no julgamento de outro habeas corpus. Acresceu que não se cuidaria, na espécie, da denominada “criação indireta da lei”. Ato contínuo, assinalou que, mesmo se fosse criação indireta, seria preciso observar que esse tema haveria de ser necessariamente examinado à luz do princípio constitucional da aplicabilidade da lei penal mais benéfica.
RE 596152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011. (RE-596152)

Tráfico de drogas e combinação de leis - 7

De outro lado, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, dava provimento ao recurso do parquet para determinar que o juízo da Vara de Execuções Penais aplicasse, em sua integralidade, a legislação mais benéfica ao recorrido, no que fora acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio. Ressaltava a divisão da doutrina acerca do tema. Entendia não ser possível a conjugação de partes mais benéficas de diferentes normas para se criar uma terceira lei, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e da separação de poderes. Afirmava que a Constituição permitiria a retroatividade da lei penal para favorecer o réu, mas não mencionaria sua aplicação em partes. Registrava que a Lei 6.368/76 estabelecia para o delito de tráfico de drogas uma pena em abstrato de 3 a15 anos de reclusão e fora revogada pela Lei 11.343/2006, que cominara, para o mesmo crime, pena de 5 a 15 anos de reclusão. Evidenciava, dessa maneira, que a novel lei teria imposto reprimenda mais severa para aquele tipo penal e que o legislador se preocupara em diferenciar o traficante organizado do pequeno traficante. Acrescentava haver correlação entre o aumento da pena-base mínima prevista no caput do art. 33 da Lei 11.343/2006 e a inserção da causa de diminuição disposta em seu § 4º. Explicitava que, ao ser permitida a combinação das leis referidas para se extrair um terceiro gênero, os magistrados atuariam como legisladores positivos. Por fim, ponderava que se poderia chegar à situação em que o delito de tráfico fosse punido com pena semelhante às das infrações de menor potencial ofensivo. Concluía que, na dúvida quanto à legislação mais benéfica em determinada situação, dever-se-ia examinar o caso concreto e verificar a lei que, aplicada em sua totalidade, fosse mais favorável.
RE 596152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011. (RE-596152)

Tráfico de drogas e combinação de leis - 8

O Min. Luiz Fux apontava afronta ao princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput), pois a lex tertia, aplicada pelo STJ, conceberia paradoxo decorrente da retroação da lei para conferir aos fatos passados situação jurídica mais favorável do que àqueles praticados durante a sua vigência. Dessumia que a aplicação da retroatividade da lei “em tiras” consistiria em velada deturpação da nova percepção que o legislador, responsável por expressar os anseios sociais, manifestara sobre a mesma conduta. Indicava, ademais, violação a outros fundamentos da Constituição: o princípio da legalidade e a democracia. Criar-se-ia, com a tese por ele refutada, regra não prevista na lei antiga nem na lei nova, que não experimentaria do batismo democrático atribuído à lei formal. Destacava que a questão reclamaria, portanto, o que se denominara como “sistema da apreciação in concreto” em conjunto com o princípio da alternatividade, para resolver pela aplicação da lei antiga ou da lei nova, uma ou outra, integralmente. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, aduzia que, com a Lei 11.343/2006, houvera, também, a exacerbação das penas relativas à multa. Assegurava que, naquele contexto, cuidara-se, para situações peculiares, de uma causa de diminuição da reprimenda, ao inseri-la no artigo. No aspecto, salientava que o parágrafo seria interpretado segundo o artigo. A razão de ser do preceito seria mitigar a elevação do piso em termos de pena restritiva da liberdade de 3 para 5 anos. Por esse motivo, entendia haver mesclagem de sistemas, ao se manter a pena da Lei 6.368/76 adotando-se, contudo, a causa de diminuição que estaria jungida à cabeça do art. 33 da outra norma. Asseverava que, ao se proceder dessa maneira, colocar-se-ia em segundo plano o princípio unitário e criar-se-ia novo diploma para reger a matéria.
RE 596152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011. (RE-596152)

1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo
3ª parte Vídeo
4ª parte Vídeo



PRIMEIRA TURMA

HC e execução de sentença estrangeira

A 1ª Turma concedeu habeas corpus em favor de condenado por roubo, lavagem de dinheiro e associação criminosa, pela Justiça da República do Paraguai, para afastar o ato de constrição, sem prejuízo de submissão do pleito ao STJ, na forma da legislação vigente. Na espécie, o Governo paraguaio formalizara pedido de extradição do nacional brasileiro e de seqüestro de bens supostamente adquiridos por ele no Brasil com o dinheiro oriundo do crime. A AGU, no entanto, cientificara ao Estado requerente a impossibilidade de se conceder a extradição de brasileiro nato e propôs medida cautelar objetivando o atendimento do segundo pedido, o qual fora deferido por juiz federal com fulcro no art. 2º, f, c/c o art. 22 do Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais (Acordo de Cooperação Internacional). Dessa decisão, o paciente propusera Reclamação no STJ sob a alegação de o juiz federal ser absolutamente incompetente para o deferimento das diligências requeridas. Reputou-se tratar de ato de constrição patrimonial do paciente — seqüestro seguido de expropriação —, a ser implementado no Estado brasileiro. Enfatizou que, nos termos do art. 105, I, i, da CF, a competência para homologação de sentença ádvena e concessão de exequatur a cartas rogatórias é do STJ. Ressaltou-se que, aos juízes federais, caberia apenas a execução desses instrumentos jurídicos, como previsto no art. 109, X da CF. Ademais, protocolo de assistência mútua em assuntos penais não se sobreporia aos ditames constitucionais. Destacou-se, ainda, que o próprio protocolo, em seu art. 7º revelaria que a cooperação dar-se-ia segundo as normas existentes no país requerido. Esse entendimento seria robustecido pelo fato de a lei maior jungir a execução de atos no território brasileiro decorrentes de pronunciamento de órgão ou autoridade judicial estrangeira ao crivo do STJ. Por fim, assinalou-se que a existência de acordo de cooperação entre os países não dispensaria formalidade essencial à valia do ato, incumbindo ao STJ verificar a observância dos requisitos previstos no art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O Min. Luiz Fux apontou para o uso indevido do writ em hipótese na qual não esteja em jogo a liberdade de ir e vir. Porém, assinalou que, no caso em tela, caberia um balanceamento dos interesses: de um lado, a questão formal, que seria o descabimento desse remédio em situações a envolver patrimônio e, de outro, o abalo acerca da soberania nacional. No sopesamento de valores, prevaleceria este último.
HC 105905/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 11.10.2011. (HC-105905)

Videoconferência e entrevista reservada com defensor

A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que pretendida declaração de nulidade de ação penal decorrente da realização do interrogatório do paciente por videoconferência quando não havia previsão legal. A outra nulidade suscitada se referia à não-concessão do direito de entrevista reservada com seu defensor. O Min. Marco Aurélio, relator, denegou a ordem. Consignou, quanto à aplicação, no tempo, da lei disciplinadora do interrogatório mediante videoconferência, que essa matéria não teria sido analisada pelo STJ. Assentou ainda que, antes do interrogatório, o juiz, seus auxiliares e o representante do Ministério Público teriam se retirado da sala de audiência e nela teriam permanecido apenas os policiais, o que não impedira a entrevista do paciente com seu defensor. Na sequência, pediu vista dos autos o Min. Luiz Fux.
HC 104603/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 11.10.2011.(HC-104603)

Progressão de regime e lapso temporal

A 1ª Turma denegou habeas corpus impetrado em favor de condenado a mais de 60 anos de reclusão que, no curso de execução da pena, evadira-se da ala de progressão de regime e fora recapturado após 1 ano. Na espécie, o juízo declarara a prescrição da falta disciplinar sob o argumento de que a recaptura teria ocorrido há mais de 2 anos, e procedera à recontagem do prazo para progressão de regime. Assinalou-se não vislumbrar ilegalidade, uma vez que, na análise dos requisitos objetivos, o juiz não levara em conta a interrupção, recontara o prazo e considerara que ainda não se teria cumprido 1/6 da reprimenda. Além disso, avaliara condições subjetivas. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem por entender que, para fins de progressão de regime, dever-se-ia considerar a pena passível de ser cumprida, ou seja, o máximo de 30 anos (CP, art. 75).
HC 108335/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.10.2011. (HC-108335)



SEGUNDA TURMA

Ausência de citação de réu preso e nulidade

A 2ª Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em habeas corpus em que alegado constrangimento ilegal decorrente de falta de citação pessoal do ora paciente para audiência de interrogatório. Na espécie, a impetração sustenta nulidade absoluta da ação penal por suposta ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da ampla defesa e do contraditório. O Min. Gilmar Mendes, relator, desproveu o recurso. Ressaltou que, conquanto preso, o réu teria sido regularmente requisitado à autoridade carcerária a fim de comparecer ao interrogatório. Na oportunidade, teria sido entrevistado e assistido por defensor dativo. No ponto, destacou o art. 570 do CPP (“A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argüi-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte”). Frisou que a apresentação do denunciado ao juízo, a despeito de não cumprir a ortodoxia da novel redação do art. 360 do CPP, introduzida pela Lei 10.792/2003 (“Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado”), supriria a eventual ocorrência de nulidade. Ademais, sublinhou que o mencionado vício não fora argüido oportunamente, em defesa preliminar ou nas alegações finais, mas só após o julgamento de apelação criminal, em sede de embargos de declaração, o que corroboraria a inexistência de prejuízo ao paciente. Após, pediu vista o Min. Ayres Britto.
RHC 106461/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2011. (RHC-106461)

PAD e vinculação à decisão da comissão processante -1

A 2ª Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança interposto de decisão do STJ que entendera legítima a demissão de servidor público. No caso, o recorrente alegava: a) ilegalidade do ato demissionário, tendo em vista o não-acatamento das conclusões da comissão processante pela autoridade julgadora; b) cerceamento de defesa, em virtude de ausência de intimação pessoal da pena de demissão e total ausência de fundamentação desse ato administrativo; e c) incompetência do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão para aplicação da referida penalidade, ante a ilegalidade da delegação a ele conferida. Ressaltou-se, inicialmente, que Ministro de Estado teria competência para aplicar pena de demissão a servidor em virtude de condenação em processo administrativo disciplinar, nos termos do disposto no art. 84 da CF e no Decreto 3.035/99. Aduziu-se que o recorrente tomara ciência da demissão por intermédio de publicação no Diário Oficial da União, o que seria a comunicação adequada para o ato, sendo desnecessário intimá-lo pessoalmente.
RMS 24619/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2011. (RMS-24619)

PAD e vinculação à decisão da comissão processante - 2

Concluiu-se que a Lei 8.112/90 autorizaria o julgador a alterar a penalidade imposta ao servidor pela comissão processante, desde que a decisão estivesse devidamente fundamentada (“art. 168 O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade”). Reputou-se que a referida autoridade ministerial considerara, em decisão satisfatoriamente fundamentada e com respaldo no parecer emitido pela consultoria jurídica do órgão, que as provas constantes dos autos referir-se-iam à conduta desidiosa, à qual deveria ser aplicada a pena de demissão e não a de advertência.
RMS 24619/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2011. (RMS-24619)


Princípio do promotor natural e nulidade

A 2ª Turma denegou habeas corpus em que pretendida anulação de ação penal em face de suposta violação ao princípio do promotor natural. Na espécie, o Procurador-Geral de Justiça designara promotor lotado em comarca diversa para atuar, excepcionalmente, na sessão do tribunal do júri em que o paciente fora julgado e condenado. Consignou-se que o postulado do promotor natural teria por escopo impedir que chefias institucionais do Ministério Público determinassem designações casuísticas e injustificadas, de modo a instituir a reprovável figura do “acusador de exceção”. No entanto, não se vislumbrou ocorrência de excepcional afastamento ou substituição do promotor natural do feito originário, mas, tão-somente, a designação prévia e motivada de outro promotor para determinado julgamento, em conformidade com o procedimento previsto na Lei 8.625/93.
HC 98841/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2011. (HC-98841)

Princípio da insignificância e rompimento de obstáculo

A 2ª Turma concedeu habeas corpus para aplicar o postulado da insignificância em favor de condenado pela prática do crime de furto qualificado mediante ruptura de barreira (CP: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa”), a fim de cassar sua condenação. Na espécie, o paciente pulara muro, subtraíra 1 carrinho de mão e 2 portais de madeira (avaliados em R$ 180,00) e, para se evadir do local, arrombara cadeado. Decorrido algum tempo, quando ainda transitava na rua, a polícia militar fora acionada e lograra êxito na apreensão dele e na devolução dos bens furtados à vítima. Inicialmente, consignou-se que não houvera rompimento de obstáculo para adentrar o local do crime, mas apenas para sair deste, o que não denotaria tamanha gravidade da conduta. Na seqüência, salientaram-se a primariedade do paciente e a ambiência de amadorismo para a consecução do delito. Assim, concluiu-se que a prática perpetrada não seria materialmente típica, porquanto presentes as diretivas para incidência do princípio colimado: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
HC 109363/MG, rel. Min. Ayres Britto, 11.10.2011. (HC-109363)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno13.10.20116
1ª Turma11.10.201117
2ª Turma11.10.201178


R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 10 a 14 de outubro de 2011

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 640.139-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA INDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.
Decisão Publicada: 1

C L I P P I N G D O D J
10 a 14 de outubro de 2011

ADI N. 4.277-DF
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES.  Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
*noticiado no Informativo 625

HC N. 107.801-SP
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.
2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.
3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.
5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: ‘A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243)
6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990.
7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).
8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
*noticiado nos Informativos 629 e 639

RE N. 574.636-SP
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AOS ARTS. 5º, INC. II, 37, CAPUT, E INC. XXI, E 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
REALIZAÇÃO DE EVENTO ESPORTIVO POR ENTIDADE PRIVADA COM MÚLTIPLO PATROCÍNIO: DESCARACTERIZAÇÃO DO PATROCÍNIO COMO CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA SUJEITA À LICITAÇÃO.
A PARTICIPAÇÃO DE MUNICÍPIO COMO UM DOS PATROCINADORES DE EVENTO ESPORTIVO DE REPERCUSSÃO INTERNACIONAL NÃO CARACTERIZA A PRESENÇA DO ENTE PÚBLICO COMO CONTRATANTE DE AJUSTE ADMINISTRATIVO SUJEITO À PRÉVIA LITAÇÃO.
AUSÊNCIA DE DEVER DO PATROCINADOR PÚBLICO DE FAZER LICITAÇÃO PARA CONDICIONAR O EVENTO ESPORTIVO: OBJETO NÃO ESTATAL; INOCORRÊNCIA DE PACTO ADMINISTRATIVO PARA PRESTAR SERVIÇOS OU ADQUIRIR BENS.
ACÓRDÃO RECORRIDO CONTRÁRIO À CONSTITUIÇÃO.
RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS INTERPOSTOS CONTRA ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROVIDOS.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JULGADO PREJUDICADO POR PERDA DE OBJETO.
*noticiado nos Informativos 593 e 636


Acórdãos Publicados: 372

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


CPI – Limitações Jurídicas – Direitos e Garantias da Pessoa Investigada -Advogados – Prerrogativas Profissionais
(Transcrições)

MS 30906 MC/DF*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. SUBMISSÃO INCONDICIONAL DA CPI À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DAS LEIS DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA INERENTE AO ESTADO DE DIREITO FUNDADO EM BASES DEMOCRÁTICAS. DIREITOS DAS PESSOAS (FÍSICAS E JURÍDICAS) E PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DO ADVOGADO. DIREITO DO ADVOGADO AO USO DA PALAVRA, MESMO NO ÂMBITO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. PRERROGATIVA DE PROTOCOLIZAR E DE VER APRECIADAS, PELA CPI, PETIÇÕES FORMULADAS EM NOME DA PESSOA OU DA ENTIDADE SOB INVESTIGAÇÃO. DIREITO DE ACESSO A DOCUMENTOS SOB CLÁUSULA DE SIGILO, DESDE QUE JÁ INCORPORADOS AOS AUTOS DO INQUÉRITO PARLAMENTAR. POSTULADO DA COMUNHÃO DA PROVA. DOUTRINA CONSAGRADA NA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- A investigação parlamentar, por mais graves que sejam os fatos pesquisados pela Comissão legislativa, não pode desviar-se dos limites traçados pela Constituição nem transgredir as garantias, que, decorrentes do sistema normativo, foram atribuídas à generalidade das pessoas, físicas e/ou jurídicas.
- A unilateralidade do procedimento de investigação parlamentar não confere, à CPI, o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais.
No contexto do sistema constitucional brasileiro, a unilateralidade da investigação parlamentar - à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial - não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública (investida, ou não, de mandato eletivo), poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos.
- O Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos.
O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.
- A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.
O ordenamento positivo brasileiro garante, às pessoas em geral, qualquer que seja a instância de Poder, o direito de fazer-se assistir, tecnicamente, por Advogado, a quem incumbe, com apoio no Estatuto da Advocacia, comparecer às reuniões da CPI, sendo-lhe lícito reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceitos constitucionais, legais ou regimentais, notadamente nos casos em que o comportamento arbitrário do órgão de investigação parlamentar vulnere as garantias básicas daquele - indiciado ou testemunha - que constituiu, para a sua defesa, esse profissional do Direito.
- A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei.
Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem nem devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática tenha motivado a instauração do procedimento estatal.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar, policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado com a finalidade de obter ordem judicial que determine, à Presidência da CPI do ECAD, efetivo respeito à prerrogativa – que se reconhece à entidade sob investigação parlamentar - de ser assistida, sem indevidas restrições, por Advogados por ela regularmente constituídos.
Busca-se, na presente sede mandamental, proteção judicial efetiva que garanta, ao ECAD, parte ora impetrante, o direito ao uso da palavra, a ser exercido por intermédio de seus Advogados, sempre que tal se fizer necessário ao longo das sessões de referida Comissão Parlamentar de Inquérito, inclusive para efeito de protestar, por escrito ou oralmente, contra eventuais abusos perpetrados por esse órgão de investigação parlamentar contra o autor deste “writ” constitucional, de oferecer contradita a testemunhas a serem inquiridas ou de requerer quaisquer medidas destinadas a preservar direitos e garantias que o ordenamento jurídico confere a qualquer pessoa submetida a procedimentos estatais de investigação.
Pretende-se, ainda, que petições formuladas pelo ECAD sejam protocolizadas e apreciadas pela CPI em questão, cuja Presidência deverá abster-se de coibir manifestações, pela ordem, formuladas, pública e oralmente, pelos Advogados constituídos, pelo próprio ECAD, para proteção de seus direitos.
Eis, em síntese, os fundamentos em que se apóia a presente impetração mandamental:

“Em 28.06.2011, foi instalada pelo Senado Federal comissão parlamentar de inquérito, com o objetivo de investigar, no prazo de cento e oitenta dias, supostas irregularidades praticadas pelo ECAD na arrecadação e distribuição de recursos oriundos do direito autoral, abuso da ordem econômica e prática de cartel no arbitramento de valores de direito autoral e conexos, o modelo de gestão coletiva centralizada de direitos autorais de execução pública no Brasil e a necessidade de aprimoramento da Lei 9.610/98.
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD constituiu, como patronos, os advogados ** e **, inscritos na OAB/RJ sob os números ** e **, respectivamente, outorgando-lhes poderes para o exercício da advocacia perante a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal.
Sucede que, infelizmente, a Defesa do ECAD tem sido sistematicamente cerceada e as prerrogativas dos advogados, frontalmente desrespeitadas. Os advogados estão sendo impedidos de sustentar, oralmente, durante as reuniões da CPI do ECAD. Além disso, pasme-se!, os advogados acabaram impedidos, até mesmo, de peticionar!
II
Os atos ilegais
(1) Impedimento do uso da palavra pelo advogado constituído pelo ECAD, durante a sexta reunião da CPI do ECAD.
Em 16.08.2011, durante a sexta reunião da CPI do ECAD, o advogado ora signatário, Dr. **, pediu a palavra, pela ordem, para questionar a inobservância do quórum mínimo para a instalação e realização da reunião, vez que apenas dois dos onze senadores membros estavam presentes no recinto.
A questão de ordem foi afastada pelo Presidente da CPI com base no artigo 148, § 1º, do Regimento Interno do Senado Federal, que exime o quorum para a tomada de depoimentos de pessoas convidadas. Assim, após declarar aberta a sessão, o Presidente passou a convidar os depoentes do dia para tomarem assento à mesa principal.
Nesse momento, o advogado pediu novamente a palavra, em questão de ordem, para pleitear que a CPI examinasse e deliberasse sobre a petição, apresentada pelo ECAD, relativa à contradita da testemunha **, da ACIMBRA, sociedade excluída do ECAD por suspeitas de transferência forjada de trinta titulares de outra associação.
Porém, inadvertidamente, o Presidente da CPI do ECAD cassou a palavra do advogado, como ficou registrado na respectiva ata (...).
.......................................................
A palavra do advogado foi cassada porque, segundo o Presidente e o Relato da CPI do ECAD, somente os senadores membros poderiam se pronunciar oralmente, pela ordem, perante aquela Comissão. O Presidente da CPI chegou a dizer que ‘excepcionalmente’ permitiria ao advogado formular oralmente a sua questão de ordem (a regra, segundo ele, seria a de que os requerimentos deveriam ser feitos exclusivamente por escrito). Mas, logo em seguida, o Presidente, mudando de idéia, simplesmente cortou o microfone do advogado.
Assim é que o advogado, desrespeitado, ficou proibido de prosseguir em sua fala já iniciada - tanto no microfone, como fora dele - de modo que o seu pleito não foi sequer ouvido pelos demais integrantes da comissão. O Presidente da CPI recepcionou a petição, para fins de contradita, mas não deu curso ao incidente processual, de acordo com o que estabelece o artigo 214 do Código de Processo Penal. O depoimento de ** foi prestado livremente, naquela reunião, como se nada houvesse sido ofertado em oposição pela entidade investigada pela CPI...
(2) Recusa de recebimento (protocolo) de petições formuladas pela Defesa do ECAD.
Esta segunda ilegalidade, ‘data venia’, é de corar frade de pedra.
Em 16.09.2011, o ECAD dirigiu petição ao Presidente da CPI do ECAD, denunciando a atividade suspeita de um assessor parlamentar, Sr. **, que conduziria ao impedimento daquele servidor para desempenhar funções auxiliares aos trabalhos da CPI.
.......................................................
Surpreendentemente, a CPI do ECAD se recusou a receber a petição. O protocolo foi recusado pelo gabinete do Presidente da CPI do ECAD, Sr. Senador **, pelo Secretário de Apoio à Comissão Parlamentar de Inquérito, Sr. **, pelo assessor parlamentar, Sr. **, e, até mesmo, pelo protocolo geral do Senado Federal.
As tentativas de apresentação da petição foram feitas pelo Sr. **, gerente de relações institucionais do ECAD, a quem foi alegado que a CPI só receberia petições de respostas de solicitações feitas pela CPI do ECAD.
Em 20.09.2011, a Defesa do ECAD formulou outra petição, desta feita com o propósito de ter acesso a um documento de caráter confidencial, anexado, por seu Presidente, aos autos da CPI. (...).
.......................................................
Incrivelmente, esta segunda petição também foi recusada pelo protocolo da CPI do ECAD. Trata-se de requerimento cujo objeto é perfeitamente lícito e consonante com o direito do investigado de conhecer, na íntegra, os documentos já acostados aos autos de investigação conduzida por autoridade pública.
Essas recusas de protocolo das duas petições foram denunciadas à Ouvidoria do Senado, em 20.09.2011, através de contato com a sua central de atendimento telefônico (Tel.0800-612211), ficando o chamado registrado sob o nº 959.676.
Em vão.
Aparentemente, as portas do Senado se fecharam para a Defesa do ECAD, não havendo alternativa outra a não ser a de socorrer-se do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e dos direitos fundamentais.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar a postulação de ordem cautelar. E, ao fazê-lo, destaco, desde logo, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, em sede originária, mandados de segurança impetrados contra Comissões Parlamentares de Inquérito, quando constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou, como sucede na espécie, no de qualquer de suas Casas.
Trata-se de entendimento que tem prevalecido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RDA 196/195 – RDA 196/197 - RDA 199/205 - HC 79.244/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), cujas decisões enfatizam que as Comissões Parlamentares de Inquérito - por constituírem a “longa manus” do próprio Congresso Nacional - sujeitam-se, em tema de mandado de segurança (ou de “habeas corpus”), ao controle jurisdicional imediato desta Corte Suprema (RDA 47/286-304), especialmente quando se imputar, ao órgão de investigação parlamentar, a prática abusiva de atos, que, eventualmente afetados pela eiva da inconstitucionalidade, possam gerar injusta lesão ao direito subjetivo de qualquer pessoa ou instituição.
É por essa razão - e com apoio em autorizado magistério doutrinário (JOÃO MANGABEIRA, “Em Torno da Constituição”, p. 99, 1934, Companhia Editora Nacional; PEDRO LESSA, “Do Poder Judiciário”, p. 65/66, 1915, Livraria Francisco Alves; JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “Teoria Geral das Comissões Parlamentares - Comissões Parlamentares de Inquérito, p. 150, 2ª ed., 2001, Forense; RAUL MACHADO HORTA, “Limitações Constitucionais dos Poderes de Investigação”, “in” RDP, vol. 5/38; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 2/80, 5ª ed., 1954; ROBERTO ROSAS, “Limitações às Comissões de Inquérito do Legislativo”, “in” RDP, vol. 12/56-60; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/358-359, 3ª ed., 2000, Saraiva, v.g.) - que tenho afirmado, a propósito da competência investigatória das Comissões Parlamentares de Inquérito, que estas não dispõem de poderes absolutos, devendo exercê-los com estrita observância dos limites formais e materiais fixados pelo ordenamento positivo e com plena submissão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República.
A presente causa - motivada por grave denúncia resultante de alegados abusos que teriam sido praticados pela CPI/ECAD contra o exercício, por Advogados constituídos pelo próprio ECAD, de seus direitos e prerrogativas profissionais - suscita reflexões a propósito de matéria já assentada, há muitos anos, em jurisprudência constitucional prevalecente nesta Suprema Corte.
O regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.
Na realidade, o respeito incondicional aos valores e aos princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado, longe de comprometer a eficácia das investigações parlamentares, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pelas comissões legislativas.
Cabe assinalar, antes de mais nada, que a unilateralidade da investigação parlamentar - à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial - não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública (investida, ou não, de mandato legislativo), poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos.
É por essa razão que, embora amplos, os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito não são ilimitados nem absolutos, daí resultando, consoante estabelece a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que esses órgãos de investigação parlamentar não podem formular acusações nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD) nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).
Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a norma constitucional que outorga “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3º) traz, quanto a esta, o reconhecimento da necessidade de que os seus poderes somente devem ser exercidos de maneira compatível com a natureza do regime e com respeito (indeclinável) aos princípios consagrados na Constituição da República.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, à semelhança do que ocorre com qualquer outro órgão do Estado ou com qualquer dos demais Poderes da República, submetem-se, no exercício de suas prerrogativas institucionais, às limitações impostas pela autoridade suprema da Constituição.
Desse modo, não se revela lícito supor, na hipótese de eventuais desvios jurídico-constitucionais de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.
Nem se diga, desse modo, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e Tribunais no âmbito de atuação do Poder Legislativo.
Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República.
Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado - situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo - é imune à força da Constituição e ao império das leis.
Uma decisão judicial - que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis - não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já o proclamou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em unânime julgamento:

“O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.”
(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Esse entendimento tem sido por mim observado em diversos julgamentos que proferi nesta Suprema Corte e nos quais tenho sempre enfatizado que a restauração, em sede judicial, de direitos e garantias constitucionais lesados por uma CPI não traduz situação configuradora de ofensa ao princípio da divisão funcional do poder, como resulta claro de decisão assim ementada:

“(...) O postulado da separação de poderes e a legitimidade constitucional do controle, pelo Judiciário, das funções investigatórias das CPIs, se e quando exercidas de modo abusivo. Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. (...).”
(HC 88.015-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” “Informativo/STF” nº 416/2006)

Tenho salientado, por isso mesmo, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes, especialmente no que concerne ao necessário respeito às prerrogativas que o ordenamento positivo do Estado confere aos Advogados.
Esse entendimento nada mais reflete senão as próprias conseqüências que emanam dos fundamentos e dos princípios que regem, em nosso sistema jurídico, a organização e o exercício do poder.
Cabe reconhecer, por tal razão, que a presença do Advogado em qualquer procedimento estatal, independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em conseqüência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial.
Em decisão por mim proferida no Supremo Tribunal Federal (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), já deixei acentuado que o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.
A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.
Não custa reafirmar a advertência desta Suprema Corte no sentido de que a observância dos direitos e das garantias constitui fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei se impõe a todos - magistrados, administradores e legisladores.
O poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado Democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto.
Ainda que em seu próprio domínio institucional, nenhum órgão estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal e das leis da República.
O respeito efetivo aos direitos individuais e às garantias fundamentais outorgados pela ordem jurídica às pessoas em geral representa, no contexto de nossa experiência institucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, em nosso País, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição da República.
A separação de poderes - consideradas as circunstâncias históricas que justificaram a sua concepção no plano da teoria constitucional - não pode ser jamais invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, o exercício do direito de protesto contra abusos que possam ser cometidos pelas instituições do Estado.
A investigação parlamentar, judicial ou administrativa de qualquer fato determinado, por mais grave que ele possa ser, não prescinde do respeito incondicional e necessário, por parte do órgão público dela incumbido, das normas, que, instituídas pelo ordenamento jurídico, visam a equacionar, no contexto do sistema constitucional, a situação de contínua tensão dialética que deriva do antagonismo histórico entre o poder do Estado (que jamais deverá revestir-se de caráter ilimitado) e os direitos da pessoa (que não poderão impor-se de forma absoluta).
É, portanto, na Constituição e nas leis - e não na busca pragmática de resultados, independentemente da adequação dos meios à disciplina imposta pela ordem jurídica - que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações de tensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade e o valor da liberdade.
A controvérsia mandamental delineada na presente causa reclama solução, que, associada às diretrizes fixadas pelo modelo constitucional, encontra fundamento no Estatuto da Advocacia, cujas prescrições conferem ao Advogado determinados direitos e prerrogativas profissionais plenamente compatíveis com o integral desempenho, pela CPI, dos poderes de investigação de que se acha investida.
O que simplesmente se revela intolerável (e não tem sentido) - por divorciar-se dos padrões ordinários de submissão à “rule of law” - é a sugestão, paradoxal, contraditória e inaceitável, de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leis possa traduzir fator ou elemento de frustração da eficácia da investigação estatal.
Extremamente oportunas, sob tal aspecto, como já tive o ensejo de assinalar em anterior decisão (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), as observações feitas pelo ilustre Advogado paulista e ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, Dr. MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA (“As CPIs e a Advocacia”, “in” “O Estado de S. Paulo”, edição de 05/12/99, p. A22):

“Nem se diga, no lastimável argumento repugnante à inteligência e comprometedor do bom senso, que a presença ativa dos advogados nas sessões das CPIs frustraria os seus propósitos investigatórios. Fosse assim, tampouco chegariam a termo as averiguações policiais; ou os inquéritos civis conduzidos pelo Ministério Público; ou, ainda, as inquirições probatórias administradas pelo Judiciário. Com plena razão, magistrados, promotores e delegados jamais alegaram a Advocacia como obstáculo, bem ao contrário, nela enxergando meio útil à descoberta da verdade e à administração da Justiça.” (grifei)

Cabe assinalar, por isso mesmo, que as prerrogativas legais outorgadas aos Advogados possuem finalidade específica, pois visam a assegurar, a esses profissionais do Direito - cuja indispensabilidade é proclamada pela própria Constituição da República (CF, art. 133) -, o exercício, perante qualquer instância de Poder, de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica daqueles em cujo favor atuam.
Desse modo, não se revela legítimo opor, ao Advogado, restrições, que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado, inclusive perante as próprias Comissões Parlamentares de Inquérito.
É por isso que se torna necessário insistir no fato de que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito, embora amplos, não são ilimitados nem absolutos.
Por tal razão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento definitivo do MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, deixou assentado, por unanimidade, “que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos - sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer”.
Nesse contexto, assiste, ao Advogado, a prerrogativa - que lhe é dada por força e autoridade da lei - de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do “munus” de que se acha incumbido esse profissional do Direito, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional.
Por esse motivo, nada pode justificar o desrespeito às prerrogativas que a própria Constituição e as leis da República atribuem ao Advogado, pois o gesto de afronta ao estatuto jurídico da Advocacia representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inaceitável ofensa ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado.
Vale transcrever, por oportuno, trecho de decisão proferida pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, no MS 23.684-MC/DF, em que se assegurou, a Advogados, no âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito, “o exercício regular do direito à palavra, na conformidade do art. 7º, X e XI, da L. 8.906/94”:

“Como tenho afirmado em casos anteriores, ao conferir às CPIs ‘os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’ (art. 58, § 3º), a Constituição impôs ao órgão parlamentar as mesmas limitações e a mesma submissão às regras do devido processo legal a que sujeitos os titulares da jurisdição.
Entre umas e outras, situam-se com relevo as prerrogativas elementares do exercício da advocacia, outorgadas aos seus profissionais em favor da defesa dos direitos de seus constituintes.” (grifei)

O presente caso põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídico-constitucional, consideradas as graves implicações que resultam de injustas restrições impostas ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, das prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).
O Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação.
Impende enfatizar que o Advogado, atuando em nome de seu constituinte, possui o direito de acesso aos autos da investigação penal, policial ou parlamentar, ainda que em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido - enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República - em perspectiva global e abrangente.
É certo, no entanto, em ocorrendo a hipótese excepcional de sigilo - e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução (a significar, portanto, que se trata de providências ainda não formalmente incorporadas ao procedimento de investigação) -, que o Advogado tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (...)” (RTJ 191/547-548, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).
Vê-se, pois, que assiste, àquele sob investigação do Estado, p. ex., o direito de acesso aos autos, por intermédio de seu Advogado, que poderá examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 90.232/AM, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Inq 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a investigação estatal (como aquela conduzida por uma CPI) esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do investigado, desde que por este constituído, poderá ter acesso às peças que digam respeito à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 191/547-548):

“Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.
A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.
O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.” (grifei)

Devo salientar, neste ponto, que assim tenho julgado nesta Suprema Corte, havendo proferido decisões nas quais assegurei, a pessoas submetidas a investigação do Poder Público, o direito de acesso a documentos, que, embora sob cláusula de sigilo, já haviam sido formalmente introduzidos nos autos da investigação estatal, considerado, para tanto, o postulado da comunhão da prova:

“RECLAMAÇÃO. DESRESPEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL) OU A ESTES REGULARMENTE APENSADOS. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE, EM PARTE.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.”
(Rcl 8.770-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Esse mesmo entendimento foi por mim reiterado, quando do julgamento de pleito cautelar que apreciei em decisão assim ementada:

“INQUÉRITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO PENAL. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito. Precedentes. Doutrina.”
(HC 87.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2007)

Cumpre referir, ainda, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 88.190/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, reafirmou o entendimento anteriormente adotado por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 87.827/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), em julgamento que restou consubstanciado em acórdão assim ementado:

“ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76. Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte.” (grifei)

Vale assinalar, por relevante, que o postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais, assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre investigação estatal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica.
É que a prova (inclusive a penal), uma vez regularmente introduzida no procedimento investigatório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de investigação por parte do Estado.
Essa compreensão do tema – cabe ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

“E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. (...).” (grifei)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

“A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles. (...).
O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos.
(...) Por conclusão, os princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.” (grifei)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas - e considerando, sobretudo, as graves alegações constantes desta impetração -, defiro o pedido de medida liminar, para, nos estritos termos da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), assegurar, aos Advogados do ora impetrante, que se acham regularmente inscritos nos quadros da OAB/Seção do Rio de Janeiro, e que atuam na defesa dos direitos do ECAD, ora impetrante, a observância e o respeito, por parte do Senhor Presidente da CPI do ECAD, e dos membros que a compõem, das seguintes prerrogativas estabelecidas no diploma legislativo mencionado:

(a) direito de receber, no exercício de suas atribuições profissionais, “tratamento compatível com a dignidade da Advocacia”, além de garantidas, para esse efeito, condições adequadas ao desempenho de seu encargo profissional (Lei nº 8.906/94, art. 6º, parágrafo único);

(b) direito de exercer, sem indevidas restrições, com liberdade e independência, a atividade profissional de Advogado perante a CPI do ECAD (Lei nº 8.906/94, art. 7º, I), assegurando-se-lhes a prerrogativa de que as suas petições, formuladas em nome da parte impetrante, sejam protocolizadas e apreciadas pela CPI em questão, inclusive o pleito pelo qual se haja solicitado “cópia do documento identificado como de caráter reservado e sigiloso”, notadamente porque documentos sob sigilo, mas formalmente incorporados aos autos de investigação, mostram-se plenamente acessíveis à pessoa investigada, tendo em vista o princípio da comunhão da prova;

(c) direito de “falar, sentado ou em pé”, perante a CPI do ECAD (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XII), quando se revelar necessário intervir, verbalmente, para esclarecer equívoco ou dúvida em relação a fatos, documentos ou afirmações que guardem pertinência com o objeto da investigação legislativa - desde que o uso da palavra se faça pela ordem, observadas as normas regimentais que disciplinam os trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito -, ou, ainda, para oferecer contradita a testemunhas, aplicando-se, no que couber, o art. 214 do CPP c/c a Lei nº 1.579/52 (art. 3º), assegurado, também, o direito de o representante do ECAD fazer-se acompanhar de seus Advogados, mesmo que a sessão da CPI se faça “em reunião secreta” (Lei nº 1.579/52, art. 3º, § 2º, acrescentado pela Lei nº 10.679/2003).


2. Requisitem-se informações à autoridade apontada como coatora (Lei nº 12.016/2009, art. 7º, I).
3. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão, para efeito de seu integral cumprimento, ao Senhor Presidente da CPI/ECAD.

Publique-se.

Brasília, 05 de outubro de 2011.
(23º aniversário da promulgação da Constituição democrática de 1988)

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 10.10.2011
** nomes e números suprimidos pelo Informativo

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
10 a 14 de outubro de 2011

Aviso Prévio - Alteração
Lei nº 12.506, de 11 de outubro de 2011 - Dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 1 em 14.10.2011.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Depósito recursal - Depósito prévio - Custas Processuais - Recolhimento - Prazo
Resolução nº 471/STF, de 11.10.2011 – Prorrogar o prazo para recolhimento dos depósitos prévio e recursal e das custas processuais. Publicada no DJe/STF, n. 197, Ed. Extra, p. 1 em 11.10.2011.

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