Uso de documento falso. Autoria e materialidade comprovadas. Conjunto probatório nítido para a condenação.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO Nº 49660/2009 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA CAPITAL
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO: GABRIEL RETAMERO NETO
Número do Protocolo: 49660/2009
Data de Julgamento: 27-01-2010
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - USO DE DOCUMENTO FALSO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONJUNTO PROBATÓRIO NÍTIDO PARA A CONDENAÇÃO - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - INADMISSIBILIDADE - APELO PROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.
É imperiosa a condenação se o conjunto probatório se mostra suficiente para demonstrar a autoria e materialidade delitivas.
RELATÓRIO
EXMO. SR. DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA
Egrégia Câmara:
Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, objetivando reformar a sentença proferida pela MMª Juíza de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que absolveu o apelado da imputação do delito tipificado no art. 304, caput, c/c artigo 29, caput, do Código Penal.
Insurge-se o Parquet contra a absolvição por entender que restou sobejamente demonstrada a procedência da acusação, em razão da presença dos elementos capazes de alicerçar a condenação.
As contrarrazões vieram às fls. 442/446-TJ.
O parecer, da lavra do douto Procurador de Justiça Gill Rosa Fechtner, é pelo provimento do recurso.
É o relatório.
À douta Revisão.
PARECER (ORAL)
O SR. DR. BENEDITO XAVIER DE SOUZA CORBELINO
Ratifico o parecer escrito.
VOTO
EXMO. SR. DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Consta da peça acusatória que, no dia 28-11-2001, o apelado foi preso em flagrante pela suposta prática do delito tipificado no artigo 304, caput (uso de documento falso), do Código Penal.
Extrai-se, também, que foi apurado, por meio das investigações realizadas, que o apelado, em conjunto com o outro denunciado - Jaymar Fernando Araújo, providenciou a emissão de documento público ideologicamente falso, nas datas 18-02-1999 e 12-6-1997, consistente nas emissões respectivamente das Carteiras de Identidade nº 2.577.061 SDS/PE e nº 347.002SDS/PE.
Constata-se, ainda, que a falsidade ideológica desses documentos ficou demonstrada por meio do Laudo Pericial Papiloscópico, o qual concluiu que as impressões digitais das Carteiras de Identidade e a individual datiloscópica, coletada na Delegacia Especializada em nome do apelado, não possuem pontos característicos comuns entre si; não sendo, portanto, da mesma pessoa.
Razão assiste ao Apelante.
A materialidade do delito se encontra devidamente comprovada pela duplicidade de Registros de Identidade, utilizadas pelo apelado: a primeira, de nº 5908916 SSPPE, expedida em 11-7-1997, trazida à fl. 37, em nome de Gabriel Retamero, com filiação em nome de Miguel Retamero e Iracema Oliveira Retamero; a segunda, de nº 2577.061 SSP-PE, expedida em 18-02-1999, trazida à fl. 35, em nome de Gabriel Retamero Neto, com filiação em nome de Francisco Retamero e Idarci Gomes Retamero.
Vislumbra-se, ainda, por meio do Laudo Pericial Papiloscópico de fl. 36, que a impressão digital do polegar direito da individual datiloscópica coletada pelo papiloscopista na Delegacia Fazendária em nome de Gabriel Retamero, foi classificada como verticilo Ovoidal com 23 linhas; e a impressão digital da Carteira de Identidade RG nº 2.577.061 SSP/PE, em nome de Gabriel Retamero Neto, foi classificada como verticilo Espiral com 10 linhas; dessa forma, a conclusão do laudo foi no sentido de que inexistem pontos característicos comuns entre si, ou seja, que não pertencem à mesma pessoa.
A autoria restou igualmente comprovada pelo uso do documento de identidade falso em várias ocasiões, sendo a primeira em 03-5-2001, no momento em que apresentaram os supracitados documentos de identidade, ou seja, no ato de constituição das Empresas: Auto Posto Menino Ltda. (fls. 137/139), Auto Posto Roteiro Ltda. (fls. 142/144) e Auto Posto Cascata Ltda. (fls. 147/149), para elaboração dos respectivos contratos sociais.
A segunda foi em 1º-8-2001, no ato da lavratura das Escrituras Públicas de Compra e Venda e Sub-Rogação Hipotecária (fls. 66/69), momento em que os denunciados apresentaram os referidos documentos.
Por derradeiro, no dia 28-11-2001, o apelado apresentou, espontaneamente, o documento de identidade ideologicamente falso ao agente policial Fernando Benedito Rodrigues Cerqueira, nas dependências da Delegacia Especializada de Polícia Fazendária.
Em Juízo, o apelado nega qualquer envolvimento em relação à falsificação de seu documento de identidade, afirmando que o referido documento foi obtido pelos meios legais e regulares, in verbis:
"Não admite como verdadeira a acusação, porque a carteira de identidade que retirou no Estado de Pernambuco, mais precisamente na cidade de
Recife, valeu-se dos meios legais para tanto, tendo sido colhidas suas impressões digitais por uma senhora e assinada a ficha com os dados pessoais". (Fls. 226/227).
Em que pesem as declarações do apelado, vislumbra-se que a conduta praticada por ele restou sobejamente comprovada no momento em que entregou o documento de identidade, espontaneamente, à autoridade policial da Delegacia Especializada de Polícia Fazendária.
Nesse aspecto, vale registrar que o crime de uso de documento falso se consuma com a simples utilização do documento, independentemente da obtenção de proveito.
Vejamos:
"O uso de documento falso é crime instantâneo, que se consuma com a simples utilização do documento, independentemente de qualquer proveito ou prejuízo que venha a resultar". (TJSP - JTJ 172/338).
Evidencia-se, no caso dos autos, que ocorreu o emprego do documento de acordo com sua destinação probatória. A questão sobre a caracterização do delito, relativa à espontaneidade da entrega, é suficiente mediante solicitação ou exigência de autoridade pública.
Assim é o entendimento do Pretório Excelso:
"A jurisprudência desta Corte é no sentido de que há crime de uso de documento falso ainda quando o agente o exibe para sua identificação em virtude de exigência por parte de autoridade policial (assim se decidiu nos HC 70.179, 70.422 e 70.813)." (HC 72.242-3 - PR - 1ª T. - J. 04-8-1995 - Rel. Min. Moreira Alves - RT 727/421-23).
Dessa forma, observando a matéria atacada, vislumbro a existência de indícios múltiplos, coerentes, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade, que são suficientes para dar base a uma decisão condenatória; máxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao apelado.
Logo, o conjunto probatório permite serenamente imputar ao apelado a prática do crime de uso de documento falso.
Portanto, constato que o apelado infringiu o artigo 304 do Código Penal, que prevê a pena de 02 (dois) a 06 (seis) anos de reclusão e multa.
Assim, atendendo às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é incontestável, além de ser imputável e com plena consciência da ilicitude de sua conduta. É primário, no entanto contumaz na prática criminosa, tendo em vista que responde a outros processos no Estado de São Paulo pelos delitos tipificados nos arts. 129, 155, 171, 180, 288 e 304 do Código Penal (Fls. 263/265).
No que diz respeito à personalidade e conduta social, ante a ausência de elementos para aferi-los, as interpreto em favor do apelado. Por fim, os motivos que o levaram à prática do crime são contrários às condições ético-jurídicas da vida em sociedade.
Destarte, diante de todos esses fatores, fixo-lhe a pena-base em 03 (três) anos de reclusão, e levando em consideração a inexistência de circunstâncias agravantes e atenuantes, torno-a definitiva em 03 (três) anos, ante a ausência de qualquer outra circunstância ou causa modificadora.
Quanto ao regime de cumprimento da pena imposta ao apelado, fixo-o em aberto.
No entanto, analisando os documentos dos autos, verifico que o apelado cumpre os requisitos do artigo 44, I e II, do Código Penal, razão pela qual converto a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, por ser socialmente recomendável e suficiente para a reprovação do delito.
Pelo exposto, em consonância com o parecer, DOU PROVIMENTO ao recurso, para reformar a sentença de 1º grau e condenar o apelado GABRIEL RETAMERO NETO, pelo delito tipificado no art. 304, caput, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, convertendo-a em 02 (duas) penas restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo das Execuções Penais.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA (Relator), DES. JOSÉ LUIZ DE CARVALHO (Revisor) e DRA. MARIA CRISTINA DE O. SIMÕES (Vogal convocada), proferiu a seguinte decisão: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER.
Cuiabá, 27 de janeiro de 2010.
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DESEMBARGADOR JOSÉ JURANDIR DE LIMA - PRESIDENTE DA TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL E RELATOR
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PROCURADOR DE JUSTIÇA
JURID - Uso de documento falso. Autoria e materialidade comprovadas. [05/03/10] - Jurisprudência
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