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terça-feira, 16 de março de 2010

JURID - Responsabilidade civil. Imputação de conduta criminosa [16/03/10] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Imputação de conduta criminosa à autora Intenção da ré em ofender a honra de sua concorrente.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Cível n. 2006.022924-4, de Mafra

Relator: Des. Subst. Carlos Adilson Silva

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. IMPUTAÇÃO DE CONDUTA CRIMINOSA À AUTORA (PARTICIPAÇÃO NO TRÁFICO DE DROGAS). INTENÇÃO MALICIOSA DA RÉ EM OFENDER A HONRA DE SUA CONCORRENTE. DANO MORAL IN RE IPSA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM COMPENSATÓRIO ARBITRADO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

Deve ser responsabilizado civilmente por danos morais aquele que imputa a outrem a prática de conduta criminosa inexistente, com o evidente propósito de provocar constrangimento ilegal ao ofendido.

A imputação de fato criminoso a inocente provoca dano moral in re ipsa, vale dizer, independentemente da produção de outras provas e da comprovação do prejuízo, eis que, diante da potencialidade ofensiva que seus reflexos causam à vida privada e social da vítima, a lesão extrapatrimonial é presumida.

No que tange ao quantum indenizatório, tem-se que, embora a questão não seja tarifada, o arbitramento deve levar em conta as circunstâncias concretas em que ocorreu o lamentável incidente, mormente a repercussão externa do fato e as conseqüências acarretadas ao salutar desenvolvimento da atividade empresarial da ofendida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.022924-4, da comarca de Mafra (2ª Vara Cível/criminal), em que é apelante Thaís Natali Fridrich, e apeladas Mara Regina Mello Charane e outro:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Na Comarca de Mafra, Mara Regina Mello Charane e Almeida & Charane Ltda. ajuizaram ação de indenização por danos morais em face de Thaís Natali Fridrich.

Segundo a inicial (fls. 02-07), a autora Regina é sócia-proprietária da empresa Almeida & Charane Ltda, cujo ramo de atividade consiste na prestação de serviços fotográficos para escolas da região. Entretanto, apesar de inexistente qualquer indício que desabonasse sua conduta pessoal ou profissional, a autora Regina foi surpreendida com a notícia de que a ré, concorrente no ramo, estaria difamando seu nome perante clientes, imputando-lhe a participação em tráfico de drogas.

Prossegue o relato da exordial afirmando que a indevida acusação teria acarretado a desmoralização da autora Regina perante a comunidade local e, por conseqüência, prejudicado a atividade comercial desenvolvida pela empresa Almeida & Charane Ltda.

Assim, em decorrência da lesão extrapatrimonial advinda da conduta ilícita da ré, pleiteiam as autoras indenização pelos danos morais ocasionados.

Contestando o feito (fls. 30-34), a ré sustentou, em síntese, que em nenhum momento a autora Regina foi acusada de traficar entorpecentes.

Após regular tramitação e realizada a instrução processual, com a oitiva de duas testemunhas, sobreveio sentença de procedência da pretensão indenizatória (fls. 111-117), condenando a ré ao pagamento de R$ 4.400,00 (quatro mil e quatrocentos reais) exclusivamente à autora Regina, a título de reparação por lesão extrapatrimonial.

Irresignada, a ré apelou (fls. 122-128), aduzindo que, a despeito de a prova testemunhal ter corroborado a tese da autora, não houve comprovação do dano sofrido, de modo que não haveria que se falar em dever de indenizar. No mais, insurgiu-se contra o quantum indenizatório fixado, pugnando pela sua minoração.

Com contrarrazões (fls. 135-139), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Thaís Natali Fridrich contra sentença que, em ação de indenização por danos morais ajuizada por Mara Regina Mello Charane e Almeida & Charane Ltda., julgou procedente o pleito de reparação por lesão extrapatrimonial.

Aduzem as autoras que a indevida imputação de crime de tráfico de drogas à autora Regina teria ocasionado a desmoralização desta perante os clientes da região e, por conseqüência, prejudicado a atividade comercial desenvolvida pela empresa da qual aquela é sócia-proprietária, Almeida & Charane Ltda.

O deslinde da controvérsia pressupõe, necessariamente, a comprovação da ocorrência de ato ilícito, eis que pressuposto para a indenização por danos morais.

Ato ilícito, na lição de Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro, Parte Geral, Vol. I, Saraiva, 2007, p. 449), é o praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem. Tal dever é imposto a todos no art. 186, que prescreve: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Também o comete aquele que pratica abuso de direito, ou seja, "o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (art. 187). Em conseqüência, o autor do dano fica obrigado a repará-lo (art. 927). Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.

A propósito, colhe-se da prova testemunhal:

Márcia C. Liebel, professora (fl. 99): Que ouviu da própria ré o comentário de que a autora estaria respondendo processo por tráfico; que se não está enganada isso aconteceu em 2001; que na época a depoente era diretora de uma escola, na qual a ré chegou para mostrar um trabalho fotográfico; que enquanto mostrava o trabalho, após ouvir da depoente que Mara era quem costumeiramente prestava este serviço para a escola, a ré teria dito que "como poderiam trabalhar com a Mara se ela estaria envolvida em vários processos de tráfico de drogas"; que a depoente ficou sem ação, viu o trabalho e após a ré foi embora; que não tem conhecimento se a ré responde processos deste tipo; que depois disso a autora prestou outro trabalho fotográfico para a escola; que após não teve mais contato; que o conceito da depoente perante a autora não mudou; que não deu bola para o que a ré disse [...] Que não comentou o ocorrido com outra pessoa, além da autora; que da conversa participavam apenas a depoente, a ré e o rapaz que a acompanhava. [grifei]

Conforme se depreende do depoimento transcrito, restou inegável a intenção da ré em imputar à autora Regina a prática de conduta desabonadora, malgrado nada autorizasse sequer assim supor.

Conquanto sejam os únicos elementos probatórios a alicerçar a tese das autoras - pois que o segundo testemunho constante nos autos (fl. 100) não se refere a ato da ré, mas de seu pai - a verdade é que os fatos esposados no referido depoimento se tornaram incontroversos, pois que a acusada de praticar o ato ilícito sequer se dignou, em alegações finais ou em razões de apelação, a impugnar o conteúdo da narrativa da testemunha, limitando-se a afirmar que, diante do ocorrido, não houve comprovação do dano moral sofrido, ante a ausência de repercussão moral negativa ao agente passivo (fls. 106 e 125).

No mais, não há quaisquer indícios de que os atos imputados à autora Regina sejam verdadeiros, desfrutando esta de reputação ilibada na sociedade em que convive, conforme se infere dos documentos de fls. 15 a 23.

Assim sendo, impõe-se compensar a ofendida pelos danos morais por ela experimentados e que advieram da situação acima retratada, porquanto é indiscutível o sofrimento, a tristeza, a vergonha e a indignação que acometem um inocente acusado de praticar uma conduta que não ocorreu - ou assim não restou comprovada.

Como é cediço, a imputação de fato criminoso a inocente provoca dano moral in re ipsa, vale dizer, independentemente da produção de outras provas e da comprovação do prejuízo, eis que, diante da potencialidade ofensiva que seus reflexos causam à vida privada e social da vítima, a lesão extrapatrimonial é presumida.

Acerca da desnecessidade de comprovação do prejuízo para a obtenção de indenização por dano moral puro preleciona Carlos Alberto Bittar:

Na prática, cumpre demonstrar-se que, pelo estado da pessoa, ou por desequilíbrio e, sua situação jurídica, moral econômica, emocional ou outras, suportou ela conseqüências negativas advindas do ato lesivo. A experiência tem mostrado, na realidade fática, que certos fenômenos atingem a personalidade humana, lesando os aspectos referidos, de sorte que a questão se reduz, no fundo, a simples prova do fato lesivo. Realmente, não se cogita, em verdade, pela melhor técnica, em prova de dor, ou de aflição, ou de constrangimento, porque são fenômenos ínsitos na alma humana como reações naturais a agressões do meio social. Dispensam, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente (Reparação Civil por Danos Morais, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 129 e 130).

Nesse sentido, leiam-se ainda precedentes desta Corte de Justiça:

O abalo moral e a perturbação da esfera anímica causados pela imputação caluniosa de delito prescindem de prova, porquanto é presumível a afetação do patrimônio jurídico da vítima. (Apelação Cível nº. 2004.007157-4, de Indaial, Quarta Câmara de Direito Civil, Relator Des. Victor Ferreira, julgado em 08/10/2009).

O dano moral configura-se pela simples prática do ato potencialmente lesivo ao ofendido, operando-se, pois, de forma 'in re ipsa', de forma a prescindir, por completo, da prova da efetividade de seus reflexos. (Apelação Cível nº. 2008.026488-0, de Brusque, Quarta Câmara de Direito Civil, Relator Des. Trindade dos Santos, julgado em 12/09/2008).

Vencido este ponto, passa-se à análise do quantum indenizatório.

No que tange à fixação do montante da indenização, tem-se que, embora a questão não seja tarifada, o arbitramento deve atender às condições pessoais, sociais e econômicas das partes, atuando como lenitivo psicológico, não devendo servir como instrumento de enriquecimento do ofendido ou de comprometimento econômico do ofensor, tudo pautado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Deve-se levar em consideração, ainda, o fato de que, afora a conversa mencionada no depoimento de Márcia C. Liebel, não há nenhuma indicação de que a difamação tenha tido repercussão externa, de modo a tornar pública a acusação que foi imputada à autora Regina. Além disso, como a própria testemunha referiu, o fato não retirou a credibilidade da vítima ou de sua empresa, tanto que continuaram a prestar serviços para a escola onde trabalhava a depoente.

Por conseguinte, sopesadas as circunstâncias em que ocorreu o lamentável incidente e a manifesta intenção da ré em acarretar prejuízos ao salutar desenvolvimento da atividade empresária da autora ofendida, andou bem o juízo a quo ao fixar a indenização por danos morais em R$ 4.400,00 (quatro mil e quatrocentos reais), não merecendo reforma a sentença impugnada.

Diante destas circunstâncias, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, a Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 19 de janeiro de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Edson Ubaldo, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desa. Denise Volpato.

Florianópolis, 21 de janeiro de 2010.

Carlos Adilson Silva
Relator






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