Agravo de instrumento. Ação de indenização por danos estéticos e morais. Erro médico.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Agravo de Instrumento n. 2008.076899-3, de São Bento do Sul
Relator: Des. Fernando Carioni
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS ESTÉTICOS E MORAIS. ERRO MÉDICO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERIU O ÔNUS DA PROVA, EXTINGUIU A DENUNCIAÇÃO DA LIDE E INDEFERIU QUESITAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À RELAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO DE QUESITOS. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RELAÇÃO DE CONSUMO. VEDAÇÃO IMPOSTA PELO ART. 88 DO CDC. INTERVENÇÃO NÃO OBRIGATÓRIA. ART. 70, III, DO CPC. DECISÃO IRREPROCHÁVEL. RECURSO DESPROVIDO.
A presença da hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das suas alegações autorizam a inversão do ônus da prova, consoante o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
O indeferimento de quesitos formulados pelas partes não caracteriza cerceamento de defesa, visto que é o juiz quem verifica a sua conveniência, selecionando quais as indispensáveis para a instrução e julgamento do feito, porquanto é ele livre na apreciação da prova em face da imperatividade do princípio da persuasão racional.
"Embora o texto do Código de Defesa do Consumidor faça menção expressa de vedação da denunciação da lide apenas quanto à responsabilidade do comerciante pelo fato do produto ou serviço prestado nas hipóteses mencionadas no art. 13, inclinam-se a doutrina e a jurisprudência dominantes em estender tal proibição a todas as demandas que tutelam o direito do consumidor, tendo-se como certo que a mens legis e a mens legislatoris sustentam-se na simplificação da relação jurídico-processual. [...] mesmo em lides de natureza civil não consumerista, inexistindo obrigação legal ou contratual que imponha ao réu a denunciação da lide para o exercício do direito de regresso, em caso de eventual condenação, possível é o indeferimento da mencionada intervenção de terceiro quando a nova relação jurídica instaurada no feito possa comprometer a celeridade processual em razão da introdução de novos fatos e fundamentos jurídicos" (TJSC, Ap. Cív. n. 2004.004411-9, rel. Des. Joel Dias Figueira Junior, j. em 5-8-2009).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.076899-3, da comarca de São Bento do Sul (1ª Vara), em que é agravante Dalmo Luis da Silva, e agravada Ivanir Santina Zonta:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Dalmo Luis da Silva interpôs agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra a decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz de Direito Romano José Enzweiler, da 1ª Vara da comarca de São Bento do Sul, que, nos autos da Ação Indenizatória n. 058.03.002687-0, proposta por Ivanir Santina Zonta, julgou extinta, sem resolução de mérito, a denunciação da lide promovida pelo réu a Nobre Seguradora do Brasil S.A., indeferiu quesitos formulados pelo réu, bem como deferiu a inversão do ônus da prova em favor da autora.
Sustenta que o ônus da prova deve recair sobre quem alega o dano, ou seja, incumbe à vítima comprovar que a conduta do profissional foi culposa.
Defende não estar presente o requisito da hipossuficiência, pois os fatos serão apurados por meio de perícia técnica, realizada por perito judicial, podendo as partes indicar assistentes técnicos.
Argumenta que os quesitos 2, 4 e 10, indeferidos pelo Magistrado singular, mostram-se fundamentais ao deslinde do caso, sob pena de incorrer em cerceamento de defesa.
Menciona que a denunciação, neste caso, é obrigatória, embora o Código de Defesa do Consumidor seja aplicável à espécie.
Requer, liminarmente, a concessão do efeito suspensivo e, no mérito, o provimento do recurso a fim de indeferir a inversão do ônus da prova em favor da autora, bem como deferir os quesitos 2, 4 e 10 por ele elaborados, além de manter a denunciação da lide à seguradora.
Nesta instância, o efeito suspensivo almejado foi negado (fls. 113-116).
Não houve contraminuta (fl. 118).
VOTO
Pretende o agravante reformar o decisum que julgou extinta, sem resolução de mérito, a denunciação da lide, ao passo que deferiu a inversão do ônus probatório e rejeitou alguns quesitos por ele apresentados.
Da inversão do ônus da prova
Sabe-se que a relação existente entre o paciente e o médico é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, e este responde objetivamente pelos defeitos advindos da prestação dos serviços, nos termos do caput do art. 14, § 4º, da Lei n. 8.078/90:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 4º - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
A responsabilidade civil subjetiva, como bem adverte João Batista de Almeida, "[...] conquanto aplicada eficazmente no campo das relações civis, mostrou-se inadequada no trato das relações de consumo, quer pela dificuldade intransponível da demonstração da culpa do fornecedor, titular do controle dos meios de produção e do acesso aos elementos da prova, quer pela inviabilidade de acionar o vendedor ou prestador de serviço, que, só em infindável cadeia de regresso, poderia responsabilizar o fornecedor originário, quer pelo fato de que terceiros, vítimas do mesmo evento, não se beneficiariam de reparação" (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 60).
A propósito, extrai-se deste Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO MÉDICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE CIVIL DE PROFISSIONAL LIBERAL (ART. 14, § 4º, DO CDC). POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
Nos casos de responsabilidade civil de profissional liberal (subjetiva), verificada a hipossuficiência do consumidor ao acesso às informações e à técnica necessária para produção da prova, nada impede que o Magistrado conceda a inversão do ônus da prova, até mesmo de ofício, incumbindo ao prestador de serviços provar que não laborou com imprudência, negligência ou imperícia (AI n. 2007.012858-1, de Abelardo Luz, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. em 17-10-2008).
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SUPOSTO ERRO MÉDICO - RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - POSSIBILIDADE - HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR E VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES CARACTERIZADAS - AUTORA BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - PERÍCIA REQUERIDA PELAS PARTES - ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS - PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO À JUSTIÇA - INTELIGÊNCIA DO ART. 3º, V, DA LEI N.º 1.060/50 E ART. 5º, LXXIV, DA CF/88 - ÔNUS DOS RÉUS SOBRE A METADE DA ANTECIPAÇÃO DO CUSTEIO DA PROVA PERICIAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (AI n. 2007.003123-3, de Tubarão, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. em 15-5-2007, sublinhei).
RESPONSABILIDADE CIVIL DE PROFISSIONAL LIBERAL. ERRO MÉDICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ARTS. 14, §4º E 6º, VIII, DO CDC. POSSIBILIDADE.
Em face da responsabilidade civil de profissional liberal, a simples circunstância de inverter o ônus da prova (art. 6º, VIII), quando presentes a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas alegações, não implica torná-la objetiva e não contraria o regime legal (§4º, art. 14). Na responsabilidade objetiva, todo e qualquer fator relacionado ao nexo da imputação, consubstanciado no só risco da atividade econômica, não guarda enlevo para fins de responsabilização. Irrelevante provar-se a perícia, a prudência ou a diligência. Já na responsabilidade subjetiva com culpa presumida, é viável ao profissional comprovar que agiu com as cautelas e temperamentos de estilo, denotando que os danos não têm correlação com sua atuação profissional. Nesta, ao revés do que ocorre naquela, ainda lhe há possibilidade de exonerar-se do dever de indenizar por conta da ausência do nexo de imputação, não havendo incompatibilidade de que inviável eludir-se na combinação dos arts. 14, §4º e 6º, VIII, do CDC.
Com efeito, "Embora o Código de Defesa do Consumidor estabeleça a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, tais como médicos, engenheiros, advogados, administradores, consultores, economistas, a eles serão empregados sem dúvida os demais princípios da lei do consumidor: 'não se excepciona a aplicação dos demais princípios do Código com relação a esta categoria, como por exemplo a inversão do ônus da prova, a proteção contratual etc.'" (Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004) (AI n. 2006.008540-8, de São Carlos, rela. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. em 8-5-2007).
Nesse contexto, cumpre salientar que é flagrante a existência de relação de consumo entre o agravante e a agravada.
E, por ser aplicável à espécie o Código de Defesa do Consumidor, dispõe o seu art. 6º, VIII, que "são direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".
Quanto à verossimilhança, infere-se do contexto fático que a agravada submeteu-se a uma cirurgia plástica realizada pelo Dr. Dalmo Luis da Silva, ora agravante, conforme se dessome de suas assertivas:
"Ocorre, Excelência, que perdeu-se a Autora até mesmo na data da realização da cirurgia, pois esta foi realizada no dia 22 (e não no dia 20, como erroneamente informa a Autora), de outubro de 2001" (fl. 69).
Incontestável, também, a hipossuficiência da agravada, que não detém o conhecimento técnico necessário para averiguar o suposto erro médico.
A respeito, citam-se as seguintes jurisprudências:
Em se tratando de matéria afeta ao direto consumerista, mostra-se irrelevante, no que tange aos aspectos processuais da demanda, se a relação material entre médico e paciente enseja uma obrigação de meio ou de fim, sendo perfeitamente admissível a inversão do ônus da prova em caso de hipossuficiência do consumidor ou de verossimilhança das suas alegações (art. 6.º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor), ainda que a demanda tenha sido ajuizada contra um profissional liberal, cuja responsabilidade civil, em regra, é subjetiva (AI n. 2007.004914-4, de Biguaçu, rel. Des. Subst. Joel Dias Figueira Júnior, j. 22-4-2008).
I. Caracterizada a relação entre a agravada e a instituição hospitalar como de consumo, e, havendo verossimilhança das alegações da autora e hipossuficiência que diz respeito à dificuldade técnica dos consumidores em provarem os fatos alegados, é que se admite a inversão do ônus da prova. II. Recurso que não merece provimento (TJPR, AI n. 390239-4, de Foz do Iguaçu, rel. Des. Tufi Maron Filho, j. em 19-4-2007).
Verificada a hipossuficiência técnica do consumidor frente ao fornecedor, configurando hipótese em que ao último seria consideravelmente mais fácil a produção da prova, justifica-se a inversão do onus probandi, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (TJSC, Ap. Cív. n. 2002.012699-9, de Sombrio, rel. Jorge Schaefer Martins, j. em 28-7-2005).
Assim, verificada a hipossuficiência da agravada, deve prevalecer a inversão do ônus da prova.
Da prova pericial
Mesmo cabendo às partes o ônus da prova (art. 333 do CPC), é o juiz quem verifica a conveniência da sua produção, selecionando quais as indispensáveis para a instrução e o julgamento da lide.
A respeito, colhe-se da doutrina de Humberto Theodoro Júnior:
A liberdade da parte situa-se no campo da propositura da demanda e na fixação do thema decidendum. No que diz respeito, porém, ao andamento do processo e à sua disciplina, amplos devem ser os poderes do juiz, para que se tornem efetivos os benefícios da brevidade processual, da igualdade das partes na demanda e da observância da regra de lealdade processual. O mesmo se passa com a instrução probatória. No que toca à determinação e produção das provas, toda liberdade deve ser outorgada ao juiz, a fim de que possa ele excluir o que se mostrar impertinente ou ocioso, e de seu ofício determinar que se recolham provas pelas partes não provocadas de qualquer natureza (Curso de direito processual civil, Editora Forense, vol. I, 1998, p. 44).
É deste Tribunal:
Como o destinatário natural da prova é o juiz, tem ele o poder de decidir acerca da conveniência e da oportunidade de sua produção, visando a obstar a prática de atos inúteis ou protelatórios (art. 130 do CPC), desnecessários à solução da causa. Não há que se falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova pericial, dês que, a par de oportunizados outros meios de prova, aquela não se mostre imprescindível ao deslinde do litígio (AI n. 2003.010696-0, de Itajaí, rel. Des. Alcides Aguiar, j. em 3-6-2004).
Logo, por ser o juiz livre na forma de instruir o processo (art. 130 do CPC), cabe a ele avaliar quais as provas se mostram pertinentes à solução do litígio, de modo que não há falar em cerceamento de defesa em face do indeferimento de quesitos elaborados pelas partes, visto que entendeu o Juiz não caber ao perito responder aos questionamentos ns. 2, 4 e 10 (fl. 34).
A propósito, já se manifestou esta egrégia Corte:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CONDENATÓRIA. SEGURO RESIDENCIAL INDIVIDUAL. COMPLEMENTAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PAGA ADMINISTRATIVAMENTE. RECURSO DA SEGURADORA. I - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. INOCORRÊNCIA. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA PARA O DESLINDE DA QUAESTIO. [...]
I - [...] Não há falar em cerceamento de defesa em face do indeferimento de prova pericial, se as provas carreadas aos autos fornecem ao julgador todos os elementos indispensáveis à formação de seu convencimento para solução da contenda. (TJSC. A.C. n. 2006.033038-9, de Palmitos. Rel.: Des. MAZONI FERREIRA. j. em 12/12/2008) (Ap. Cív. n. 2005.012178-7, de Xanxerê, rel. Juiz Henry Petry Junior, j. em 3-11-2009).
PROCESSUAL CIVIL CERCEAMENTO DE DEFESA - PERÍCIA - DESNECESSIDADE
1 "Como o destinatário natural da prova é o juiz, tem ele o poder de decidir acerca da conveniência e da oportunidade de sua produção, visando obstar a prática de atos inúteis ou protelatórios (art. 130 do CPC), desnecessários à solução da causa. Não há que se falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova pericial, dês que, a par de oportunizados outros meios de prova, aquela não se mostre imprescindível ao deslinde do litígio" (AI n. 2003.010696-0, Des. Alcides Aguiar) (Ap. Cív. n. 2004.007143-4, de Joinville, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 27-10-2009).
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. DESNECESSIDADE DA REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL PARA APURAR A DIFERENÇA NOS CÁLCULOS APRESENTADOS. [...]
1. É dever do juiz velar pela rápida solução do litígio, indeferindo a prova inútil e sem qualquer proveito prático no caso em exame. [...] (Ap. Cív. n. 2004.013433-9, de Criciúma, rel. Juiz Jânio Machado, j. em 18-9-2009).
Inexiste cerceamento de defesa no indeferimento de prova pericial pretendida quando a mesma é desnecessária e inútil para sustentar o decisum (Ap. Cív. n. 2007.050731-6, de Taió, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 6-12-2007)
Portanto, não verificada a relevância dos quesitos à solução do caso, mantém-se inalterada a decisão singular a esse respeito.
Da denunciação da lide
Inicialmente, cumpre frisar, conforme se discorreu anteriormente quando analisada a pertinência da inversão do ônus probatório, que a relação ora em exame enquadra-se nos ditames do Código de Defesa do Consumidor e é por ele tutelada.
Nessa senda, referido Estatuto estabelece ser defesa a denunciação da lide nas relações consumeristas, segundo disposto no seu art. 88, senão vejamos:
Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.
Vale destacar que o art. 13 do Código de Defesa do Consumidor restringe a sua aplicação à responsabilidade do comerciante por fato do produto ou do serviço. Não obstante, a doutrina e a jurisprudência têm entendido como regra geral a impossibilidade de denunciação da lide nas demandas originadas de relação de consumo, de modo que a proibição contida no art. 88 do CDC deve abarcar toda e qualquer ação submetida ao direito consumerista.
A corroborar a assertiva supra, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
O sistema do CDC veda a utilização da denunciada da lide e do chamamento ao processo, ambas ações condenatórias, porque o direito de indenização do consumidor é fundado na responsabilidade objetiva. Embora esteja mencionada como vedada apenas a denunciação da lide na hipótese do CDC 13 par. ún., na verdade o sistema do CDC não admite a denunciação da lide nas ações versando lides de consumo (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Extravagante em Vigor. São Paulo, RT, 1997, p. 1.402).
Na mesma direção é a lição de Luiz Antônio Rizzatto Nunes:
Além do que foi dito, examinando-se mais detidamente o parágrafo único do art. 13, o que se percebe é que se trata de norma autônoma, não estando vinculado apenas ao conteúdo o art. 13.
Já fizemos este comentário alhures: a Lei n. 8.078 padece de retaliações (sic) feitas pelo legislador, que acabou espalhando conceitos e normas, que muitas vezes aparecem deslocadas. Esse é mais um caso. Cabe à doutrina, no trabalho de interpretação lógico-sistemática, ir juntando os pedaços, preenchendo as aparentes lacunas e emoldurando o quadro do sistema do CDC. (Comentário ao código de defesa do consumidor: direito material, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 177).
Zelmo Denari, por sua vez, esclarece:
Muito importa ter presente que, nos termos do art. 88 do CDC, o direito de regresso assegurado neste parágrafo poderá ser exercitado nos mesmos autos da ação de responsabilidade ou em processo autônomo, ficando vedada a denunciação da lide, expediente processual que introduz complicadores no pólo passivo da relação de responsabilidade, em detrimento dos consumidores (Código brasileiro do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/Ada Pellegrini Grinover (et al.), 7. ed., Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária, 2001. p. 172-173).
Não destoa a jurisprudência deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RELAÇÃO DE CONSUMO. VEDAÇÃO. ARTIGO 88 DO CDC. MANUTENÇÃO INDEVIDA DO NOME DA AUTORA NO CADASTRO DE MAUS PAGADORES. DÍVIDA QUITADA. OMISSÃO DO RÉU EM PROVIDENCIAR O IMEDIATO CANCELAMENTO NO ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ILÍCITO CONFIGURADO. INSCRIÇÃO SEM A PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. ILEGALIDADE. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA DEVIDA. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM REPARATÓRIO. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA. ELEVAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PARTE BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. APELO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO.
I - Embora o texto do Código de Defesa do Consumidor faça menção expressa de vedação da denunciação da lide apenas quanto à responsabilidade do comerciante pelo fato do produto ou serviço prestado nas hipóteses mencionadas no art. 13, inclinam-se a doutrina e A jurisprudência dominantes em estender tal proibição a todas as demandas que tutelam o direito do consumidor, tendo-se como certo que a mens legis e a mens legislatoris sustentam-se na simplificação da relação jurídico-processual.
Apenas para argumentar, mesmo em lides de natureza civil não consumerista, inexistindo obrigação legal ou contratual que imponha ao réu a denunciação da lide para o exercício do direito de regresso, em caso de eventual condenação, possível é o indeferimento da mencionada intervenção de terceiro quando a nova relação jurídica instaurada no feito possa comprometer a celeridade processual em razão da introdução de novos fatos e fundamentos jurídicos (Ap. Cív. n. 2004.004411-9, de Araranguá, rel. Des. Joel Dias Figueira Junior, j. em 5-8-2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS POR ERRO MÉDICO. PROCESSUAL CIVIL.[...] 2. DENUNCIAÇÃO DA LIDE OU CHAMAMENTO AO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO NOS CASOS DO ART. 70, III, CPC. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL OU PROVA DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. IMPOSSIBILIDADE NO MICROSSISTEMA DO CDC. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
[...]
2. "Embora o texto do Código de Defesa do Consumidor faça menção expressa de vedação da denunciação da lide apenas quanto à responsabilidade do comerciante pelo fato do produto ou serviço prestado nas hipóteses mencionadas no art. 13 daquela lei, inclinam-se a doutrina e jurisprudência dominantes em estender tal proibição a todas as demandas que tutelam o direito do consumidor, tendo-se como certo que a mens legis e a mens legislatoris sustentam-se na simplificação da relação jurídico-processual". (AC. 2004.009530-9, de Criciúma, rel. Des. JOEL FIGUEIRA JÚNIOR, j. 05.05.2009). As mesmas razões obstam também o chamamento ao processo (Ap. Cív. n. 2009.000890-0, de São José do Cedro, rel. Juiz Henry Petry Junior, j. em 27-10-2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. REJEIÇÃO DE PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CDC, ARTS. 2º, 3º, CAPUT E § ÚNICO, E 14. INDEFERIMENTO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE. VEDAÇÃO. CDC, ART. 88. RECURSO DESPROVIDO
A Unimed, Cooperativa que mantém plano de assistência à saúde, tem legitimidade passiva em ação indenizatória movida por associado em face de erro médico alegadamente cometido por cooperado.
Em se tratando de relação de consumo, protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, descabe a denunciação da lide (art. 88 do CDC) (Ap. Cív. n. 2007.042167-6, de Blumenau, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. em 7-4-2009).
DIREITO DO CONSUMIDOR - INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS - DENUNCIAÇÃO DA LIDE DE SEGURADORA - INDEFERIMENTO EM 1º GRAU - INSURGÊNCIA - DENUNCIAÇÃO DA SEGURADORA DA RÉ - INCABIMENTO - EXEGESE DO ART. 88 DO CDC - APLICAÇÃO EXTENSIVA - ANÁLISE SISTEMÁTICA DO CDC - RECLAMO IMPROVIDO - DECISÃO MANTIDA.
A proteção do consumidor é da essência do CDC, no qual é vedada a intervenção de terceiros por dificultar a defesa do consumidor em juízo (Ap. Cív. n. 2009.020672-6, de Capital/Estreito, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 9-7-2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA. VEDAÇÃO EXPRESSA, DE ACORDO COM O ART. 88 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (Ap. Cív. n. 2008.021059-5, de Joinville, rel. Des. Victor Ferreira, j. em 2-4-2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INDEVIDA INSCRIÇÃO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO CREDITÍCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CDC, ARTS. 2º, 3º, CAPUT E § ÚNICO, E 14. DEFEREFIMENTO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 88, DO CDC. RECURSO PROVIDO
Em sede de demanda judicial envolvendo relação de consumo, protegida, de conseguinte, pelo Código de Defesa do Consumidor, não há lugar para a denunciação da lide (art. 88 do CDC), responsabilização essa, acaso viável, sujeita à ação outra (Ap. Cív. n. 2008.051493-6, de Rio do Sul, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. em 27-3-2009).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO COM SEGURO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE: PROCEDIMENTO QUE SE EVIDENCIA INCOMPATÍVEL COM O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, PELA DICÇÃO DO SEU ART. 88. CONTRAPOSIÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE PROCESSUAL E DA FACILITAÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
A denunciação da lide avulta incompatível com o Código de Defesa do Consumidor (art. 88), sendo vedada em todas as relações que o envolvem, em reverência aos princípios da celeridade processual e da facilitação da defesa da parte hipossuficiente (art. 6º, VIII, do mesmo Diploma) (Ap. Cív. n. 2008.040702-6, de Palhoça, rel. Des. João Henrique Blasi, j. em 24-9-2009).
Ademais, entende-se que a denunciação da lide, nos termos da dicção do art. 70 do Código de Processo Civil, é obrigatória somente na hipótese descrita no seu inciso I, de forma que é facultativa nos outros dois casos.
Ao discorrer acerca do tema, esclarece Luiz Guilherme Marinoni:
Segundo indica o art. 70 do CPC, a denunciação da lide seria intervenção obrigatória. Em verdade, a dicção do caput desse artigo diz mais do que queria (ou poderia), devendo entender-se o termo obrigatória como a impossibilidade de, em não se efetivando a intervenção, exercer-se o direito de regresso no mesmo processo em que se questiona sobre a relação jurídica principal. Tomando-se essa afirmação por pressuposto, será forçoso concluir que a denunciação da lide só será realmente obrigatória em um dos casos, ou seja, no de evicção (aquele previsto no inc. I do art. 70) (Manual do processo de conhecimento, 2ª ed., RT, 2003, p. 213).
No mesmo sentido é a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:
Nada obstante a letra da lei, a denunciação somente é obrigatória no caso do CPC 70, I sendo facultativa nos demais.
Como o direito material é omisso quanto à forma e modo de obter indenização, relativamente às demais hipóteses de denunciação da lide, não se pode admitir que a não denunciação, nos casos do CPC 70, II e III, acarretaria a perda da pretensão material de regresso. Norma restritiva de direito interpreta-se de forma estrita, não comportando ampliação. O desatendimento de ônus processual somente pode ensejar preclusão ou nulidade do ato, razão pela qual a falta de denunciação nas hipóteses do CPC 70, II e III não traz como conseqüência a perda do direito material de indenização, mas apenas impede que esse direito seja exercido no mesmo processo onde deveria ter ocorrido a denuncição" (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em Vigor, 7ª ed., RT, 2003, p. 435 e 436).
Assim, por inexistir obrigatoriedade expressa da denunciação da lide no presente caso, oriunda de lei ou contrato, que permita o direito de regresso e sendo tal pleito indeferido pelo julgador, por certo poderá o agravante, se assim entender, pleitear em ação própria o ressarcimento de possíveis prejuízos que vier a sofrer.
Diante disso, rejeita-se o pleito de denunciação da lide.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, realizado no dia 26 de janeiro de 2010, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 1º de fevereiro de 2010.
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR
JURID - Ação de indenização por danos estéticos e morais. [04/03/10] - Jurisprudência
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