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quinta-feira, 1 de abril de 2010

JURID - Civil. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade. [01/04/10] - Jurisprudência


Civil. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato cumulada com partilha de bens e alimentos
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Superior Tribunal de Justiça -STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

RELATOR: MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

RECORRENTE: H B

ADVOGADO: EMMANOEL PEREIRA E OUTRO

RECORRIDO: T DE C B

ADVOGADO: ÂNGELO AUGUSTO COSTA DELGADO

ADVOGADA: MARIA CLÁUDIA CAPI PEREIRA E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. AUTORA JÁ CASADA. SEGUNDO CASAMENTO DECLARADO NULO. IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. CC ANTERIOR, ART. 232, I.

I. Se a autora já era casada, não poderia ter contraído novas núpcias, pelo que, nulificado o segundo matrimônio, verifica-se também inviável o reconhecimento da existência de sociedade de fato geradora de direitos patrimoniais justamente em favor da ex-cônjuge virago, que cometeu patente ilegalidade.

II. Recurso especial conhecido e provido. Ação improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília (DF), 10 de junho de 2008(Data do Julgamento)

MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Relator para Acórdão (art. 52, IV, b, do RISTJ)

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2003/0000029-1

REsp 513895 / RN

Número Origem: 0135397

PAUTA: 06/10/2005

JULGADO: 18/10/2005

Relator
Exmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: H B

ADVOGADO: EMMANOEL PEREIRA E OUTRO

RECORRIDO: T DE C B

ADVOGADO: MARIA CLÁUDIA CAPI PEREIRA E OUTROS

ASSUNTO: Civil - Família - Sociedade de Fato - Dissolução

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Julgamento adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.

Brasília, 18 de outubro de 2005

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente, realmente essa é uma questão complexa, não propriamente em razão de doutrina ou de jurisprudência, porque casos como este têm de ser enfrentados à luz do que se entende como pertinente, como razoável, e não se escudando em determinados conceitos que, às vezes, na prática, parecem-me pouco objetivos.

E, em função do que foi relatado pelo Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, também fico com a mesma conclusão de S. Exa. Parece-me que o sentido da lei, ao não emprestar nenhuma validade ao casamento de pessoa já casada, não é apenas um conceito de ordem moral, mas um conceito global, geral, até porque, quando há dissolução do casamento, o que se tem verificado, no mais das vezes, é que a disputa é sempre patrimonial, e não propriamente moral. Daí o motivo pelo qual entendo que quem casa tem o direito de conhecer a realidade existente em relação ao outro, mormente quando essa realidade é obrigatória por lei, porque importa na própria possibilidade jurídica do ato. A lei brasileira não acoberta a bigamia, e, no caso, se ela era casada e se casou pela segunda vez, praticou bigamia. Ainda que não tenha convivido com os dois ao mesmo tempo, seguramente, dentro do conceito legal, que é repudiado pela nossa legislação, ela assim o fez. Dessa forma, deve haver uma conseqüência, a qual está ditada na própria lei. Portanto, há que se prestigiar, no caso, a expressão maior da lei que atribui a pena de nulidade a essas hipóteses - nulidade absoluta, geradora de nenhum efeito.

E aqui repito: se se for atribuir, em uma circunstância como essa, o mesmo efeito de uma sociedade de fato, estaríamos, na verdade, acobertando algo que a lei veda peremptoriamente, que é a bigamia. Então, não vejo como se ultrapassar ou se amenizar a letra da lei, o que este Tribunal tem feito, e bem feito, em outras ocasiões, mas não aqui. Então, acompanho S. Exa.

Conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para, reformando as decisões anteriores, julgar improcedente o pedido formulado na ação de reconhecimento de dissolução de sociedade de fato, cumulada com partilha de bens. A autora ora recorrida arcará com as custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), com amparo no § 4º do art. 20 do CPC.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI: Srs. Ministros, entendo, na presente questão, ser inaplicável o artigo 232, porque, na verdade, há um impedimento absoluto do casamento; é o caso da bigamia.

Há que se afirmar que, aqui, não se pode nem alegar boa ou má-fé. Na verdade, ela era casada e casou-se novamente, sabia o que estava fazendo. Nossa legislação, de ordem pública, impede esse segundo casamento e a ele não atribui nenhum efeito legal.

Destarte, não vejo como não acompanhar o Eminente Relator. Há um impedimento absoluto para o segundo casamento, e ela, que era casada, tinha consciência desse fato. Desta forma, impossível atribuir efeitos legais a esse segundo matrimônio.

Sendo assim, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para, reformando as decisões anteriores, julgar improcedente o pedido formulado na ação de reconhecimento de dissolução de sociedade de fato, cumulada com partilha de bens.

A autora, ora recorrida, arcará com as custas e honorários advocatícios, que fixo em R$1.000,00 (mil reais), com amparo no § 4º, do art. 20, do CPC.

É o meu voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

ESCLARECIMENTO

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA: Não sei se foi esse o artigo apontado como vulnerado.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

ESCLARECIMENTO

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA: Qual foi o artigo apontado?.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

ESCLARECIMENTO

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA: Mas não estou considerando efeitos jurídicos decorrentes desse segundo casamento. Estou apenas adiantando uma dúvida que me assalta no sentido de que esse patrimônio comum, que se presume tenha sido adquirido pelo esforço de ambos os conviventes, não implicaria a perda de vantagem havida do cônjuge inocente.

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ESCLARECIMENTO

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA: Nulo ou inexistente, de qualquer forma se norteou todo o raciocínio sobre esse segundo casamento. E a dúvida que me aflige diz respeito à configuração da relação de convivência, diante do argumento centrado em que o cônjuge varão teria pretendido o casamento e não uma relação de convivência, que seriam coisas diferentes. Parece-me que o casamento é continente da relação de convivência, e não com ele contrastante. Bem por isso, e esse é o primeiro ponto que me assaltou em termos de dúvida, é que tenho uma certa dificuldade em divisar no tocante à repartição do patrimônio adquirido em comum, o que implica afronta ao art. 232, I, que, tanto no Código anterior, como no atual, fala na hipótese de culpa de um dos cônjuges pela anulação, pela nulidade ou pela inexistência, na perda de todas as vantagens havidas pelo cônjuge inocente.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

ESCLARECIMENTO

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA:Sr. Presidente, ouvi atentamente os debates e, embora, com menor tempo, não me afligiu tanto a mesma dúvida do eminente Relator, com essa intensidade que S. Exa. afirmou e narrou perante seus Colegas de Turma. De qualquer forma, ainda me resta uma dúvida, na medida em que me parece que os votos antecedentes tiveram como pólo definidor a eventual inexistência dos efeitos com vista ao casamento tornado nulo.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2003/0000029-1

REsp 513895 / RN

Número Origem: 0135397

PAUTA: 06/10/2005

JULGADO: 12/09/2006

Relator
Exmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: H B

ADVOGADO: EMMANOEL PEREIRA E OUTRO

RECORRIDO: T DE C B

ADVOGADO: MARIA CLÁUDIA CAPI PEREIRA E OUTROS

ASSUNTO: Civil - Família - Sociedade de Fato - Dissolução

SUSTENTAÇÃO ORAL

Pronunciou-se o d. representante do Ministério Público Federal, Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE DE OLIVEIRA MACEDO.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini, PEDIU VISTA dos autos o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro Relator.

Aguarda o Sr. Ministro Massami Uyeda.

Brasília, 12 de setembro de 2006

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Telma de Castro Bouhacene, ora recorrida, ajuizou ação de dissolução de sociedade de fato, cumulada com partilha de bens e pensão contra Habib Bouhacene, ora recorrente. Alegou, em síntese, que em 11 de janeiro de 1977, quando tinha dezessete anos, contraiu matrimônio com o réu nos Emirados Árabes, casamento que foi averbado perante o 4º Ofício de Notas da cidade de Natal/RN e que perdurou por cerca de dezesseis anos, tendo o casal três filhas menores. Aduziu que tal casamento foi declarado nulo, nos termos do art. 207 do Código Civil, devido à existência de matrimônio anterior com outra pessoa, que a autora reputava falecida.

A r. sentença reconheceu a existência de sociedade de fato, decretou a sua dissolução e determinou a partilha dos bens adquiridos na sua constância, fixando pensão alimentícia em favor da autora, sob os seguintes fundamentos:

"Quanto à questão de mérito, o cerne da questão reside no reconhecimento ou não da União de fato entre as partes.

Sabe-se na doutrina que para admitir e a reconhecer a união estável entre um homem e uma mulher, conferindo-lhes efeitos legais, ter-se-á que exigir a demonstração induvidosa dessa relação, seja pela demonstração de que convivem eles, como marido e mulher, debaixo do mesmo teto, há mais de cinco anos, ou, por qualquer tempo, quando houver filhos em comum.

No caso ora em tela, mesmo considerando o fato de a Srª Telma de Castro Bouhacene, casada com o Sr. Rojas Senzano Jorge, ter contraído novo matrimônio com o Sr. Habib Bouhacene, o qual mais tarde veio a ser anulado, não se pode rejeitar a existência da união de fato da autora com este último, tendo em vista a coabitação de 16 (dezesseis) anos, da qual resultou uma descendência de 3 (três) filhas e um vasto acervo patrimonial.

Estabeleceu-se, na verdade, uma convivência duradoura com o objetivo de constituição de família, restando induvidosa a sua publicidade e continuidade. Ou seja, os conviventes constituíram a sua relação de forma pública e contínua com o específico intuito de, nos moldes do matrimônio, constituírem uma família, pressupondo-se portanto, a vida em comum, debaixo do mesmo teto, por um período de tempo duradouro.

Ficou bastante comprovado que a autora, durante essa convivência, teve participação fundamental na formação do patrimônio, garantindo ao réu uma série de benefícios advindos da união. Faz-se de bom alvitre esclarecer que não houve contestação desses fatos, sequer prova em contrário.

O que tentou-se nos presentes autos aventar a todo custo, foi a possibilidade de a autora não vir a receber o que faz juz, em razão de, por sua culpa ter sido anulado o seu casamento com o réu, e daí não lhe serem mais resguardadas as garantias. Ora, qual seria o maior interesse abrigado afinal por este Juízo? O da boa-fé do Sr. Habib Bouhacene, enquanto se desfaz de um patrimônio comum? ou o da má-fé da Srª Telma de Castro Bouhacene, enquanto procura ver reconhecido o seu direito de que contribuiu decisivamente para a construção do patrimônio elencado na inicial?

É bem verdade que o art. 232 do Código Civil dispõe que:

'Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:

I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente; (...).

Todavia, entendo que a norma supra transcrita não passa de preceito anacrônico, não condizente com os atuais fatores sociais econômicos da sociedade moderna. O Direito de Família, por ter natureza eminentemente dinâmica, não pode se tornar estático à atividade do tempo. Muitas vezes as normas acabam por se tornar ultrapassadas em razão do não acompanhamento à realidade social. Gera, portanto, uma situação de insatisfação e injustiça. Assim, é fator preponderante que o Juiz interprete a Lei de forma justa, para que possa aproximar-se da Justiça e da Segurança Jurídica. De acordo com a opinião abalizada de Nelson Neri Junior¹:

'A aplicação rigorosa da lei pode levar a injustiças (summum jus, summa injuria) de sorte que o magistrado deve procurar interpretar a lei buscando a solução mais justa para o litígio (STJ-RT 656/188). No mesmo sentido: RSTJ 28/312'.

(...)

Destarte, devemos destacar que o Direito procura, inclusive, resguardar a moralidade das relações, para que assim possa perfectibilizar a segurança jurídica. Foi em sintonia com esse entendimento que, em matéria obrigacional, o Direito sempre procurou expurgar o 'enriquecimento ilícito' das relações, evitando que pessoas se locupletem em desfavor do esforço alheio, sem que cumpra a sua devida prestação.

Portanto, no presente caso, antes mesmo de se falar na aplicação ou não do preceito mais justo ao caso ou da presunção de boa-fé da autora, deve-se impedir o locupletamento indevido por parte do réu, pois isso sim poderia ser motivo de questionamentos.

Por todo o exposto, reconheço a existência da Sociedade de Fato existente entre Telma de Castro Bouhacene e Habib Bouhacene, para os devidos fins de direito."

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte manteve o provimento de primeiro grau, sob motivação assim sumariada:

"DIREITO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - RECONHECIMENTO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO - CASAMENTO ANULADO - PARTILHA DE BENS - POSSIBILIDADE - PARTICIPAÇÃO INDIRETA DA EX-COMPANHEIRA NA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO DURANTE A VIA EM COMUM - PRECEDENTES - CONCESSÃO DE ALIMENTOS - CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO."

Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados.

Daí, o recurso especial em exame, interposto com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, por alegada ofensa ao art. 232, inciso I, do Código Civil. O recorrente sustenta que, se o ato principal (o casamento) foi eivado de vício de vontade, não há como subsistir o acessório (sociedade de fato), para beneficiar o cônjuge que se utilizou "durante toda a convivência da má-fé", "ou seja, do casamento anulado não há resíduo de direitos para o cônjuge culpado" (fl. 284). Argumenta que "a convivência que existiu entre recorrente e recorrido decorreu unicamente do ato jurídico CASAMENTO. A vontade das partes não era sociedade de fato, mas sim de formar um núcleo de natureza puramente familiar através do instituto próprio: o casamento."

A recorrida ofertou contra-razões às fls. 250/300, pugnando pelo não conhecimento do recurso em razão da incidência do verbete n. 211 da Súmula do STJ.

O apelo foi admitido na origem.

O douto Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, em razão da inexistência de ofensa à lei federal invocada (fls. 312/314).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (RELATOR):

Como visto, Telma de Castro Bouhacene, ora recorrida, casou-se com Rojas Senzano Jorge e, nada obstante, ainda na vigência desse casamento, contraiu com Habib Bouhacene, ora recorrente, novo matrimônio que veio a ser declarado nulo, nos termos do art. 207 do Código Civil de 1916, quando descoberta a existência do primeiro casamento.

Declarado nulo o segundo casamento, que perdurou por cerca de dezesseis anos, tendo o casal três filhas menores, a ora recorrida ajuizou ação de dissolução de sociedade de fato, cumulada com partilha de bens e pensão, contra Habib Bouhacene, ora recorrente, aduzindo que só se casou pela segunda vez porque reputava que o seu primeiro marido tivesse falecido.

A r. sentença reconheceu a existência de sociedade de fato, decretou a sua dissolução e determinou a partilha dos bens adquiridos na sua constância, fixando pensão alimentícia em favor da autora, o que veio a ser confirmado pelo r. aresto recorrido.

Vê-se, pois, que a questão posta no apelo nobre está em saber sobre a possibilidade de o cônjuge casado, que teve o seu (segundo) casamento declarado nulo, pelo impedimento de ser vigente o seu primeiro casamento, poder postular o reconhecimento de sociedade de fato e, por decorrência, ter direito a parte do patrimônio que foi amealhado quando da constância do casamento, cuja nulidade foi decretada, e mais pensão alimentícia.

Pelo disposto no art. 232, I, do Código Civil de 1916, reproduzido no Código atual no art. 1.564, I, "quando o casamento for anulado por culpa de um dos dos cônjuges, este incorrerá ... na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente".

Com efeito, do casamento anulado não fica nenhum resíduo de direitos para o cônjuge culpado. A convivência que existiu entre recorrente e recorrida decorreu unicamente do ato jurídico casamento, não tendo sido vontade do recorrente o estabelecimento de uma sociedade de fato, mas sim, de formar um núcleo de natureza puramente familiar por meio do instituto do casamento.

Ademais, não se pode cogitar em existência de sociedade de fato, quando o fato cogitado era viciado e viciado pela má-fé que presidiu a postura da autora em todo o período do casamento nulo. Poder-se-ía cuidar de conjunção de fato, se o cônjuge inocente soubesse do impedimento evidenciado.

Com efeito, o conteúdo da norma transcrita revela impedimento ao reconhecimento de sociedade de fato.

Deixo bem consignado que, na hipótese dos autos, se discute sobre os efeitos patrimoniais, com relação ao cônjuge culpado, de um casamento cuja nulidade foi decretada por ter ele matrimônio vigente quando celebrado o segundo casamento, não os efeitos patrimoniais de uma sociedade de fato.

Por fim, vem-me à lembrança o consagrado princípio geral de direito, segundo o qual a ninguém é lícito tirar proveito de sua própria torpeza.

É a exaltação da conduta ética que se deve fazer em toda relação jurídica.

Aliás, o novo Código Civil tem sido exaltado por trazer, como uma das suas principais bases de sustentação, a proteção à boa-fé, que é a face mais visível da ética no Direito.

Ora, se na Lei Civil atual a boa-fé passou a ser mais considerada até mesmo no direito obrigacional, onde o bem jurídico a ser protegido são os interesses e as coisas materiais, com muito maior razão deve ela presidir as relações do Direito de Família, mais ainda no direito matrimonial, pois que o casamento, muito além de importar comunhão de interesses, cuida de união de sentimentos e de espíritos.

Com efeito, ao se cotejar, no campo do direito matrimonial, o princípio da boa-fé, que é a base inspiradora da norma contida no art. 232, I, do CC/16, com qualquer princípio que busque proteger bens materiais, aquele deve prevalecer, pois nenhum outro o supera nesse campo do Direito.

Diante disso, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento, para, reformando as decisões anteriores, julgar improcedente o pedido formulado na ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato c/c partilha de bens.

A autora, ora recorrida, arcará com as custas e honorários advocatícios que fixo, com amparo no § 4º do art. 20 do CPC, em R$ 1.000,00.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2003/0000029-1

REsp 513895 / RN

Número Origem: 0135397

PAUTA: 10/06/2008

JULGADO: 10/06/2008

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relator
Exmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: H B

ADVOGADO: EMMANOEL PEREIRA E OUTRO

RECORRIDO: T DE C B

ADVOGADA: MARIA CLÁUDIA CAPI PEREIRA E OUTRO(S)

ASSUNTO: Civil - Família - Sociedade de Fato - Dissolução

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília, 10 de junho de 2008

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária

Documento: 587943

Inteiro Teor do Acórdão

- DJ: 29/03/2010




JURID - Civil. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade. [01/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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