Astreintes. Limitação.
Tribunal Regional do Trabalho- TRT3ªR
Acórdão
Processo: 00948-2009-140-03-00-2 RO
Data de Publicação: 13/04/2010
Órgão Julgador: Decima Turma
Juiz Relator: Des. Marcio Flavio Salem Vidigal
Juiz Revisor: Des. Deoclecia Amorelli Dias
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RECORRENTE: VIAÇÃO NACIONAL S.A
RECORRIDA: MARIA DAS GRAÇAS DE CASTRO ARAÚJO
EMENTA: ASTREINTES. LIMITAÇÃO. A multa imposta em relação ao descumprimento da obrigação de fazer determinada pela sentença, no prazo fixado pela decisão e após o seu trânsito em julgado, diz respeito a astreintes (fl.520). Não é uma penalidade. É garantia de cumprimento da decisão judicial e do resultado prático da determinação judicial no tocante à obrigação de fazer ou não fazer. A medida é de ordem pública e deve ser imposta como garantia de efetividade das decisões judiciais. Não decorre do inadimplemento da obrigação contratual, seu intuito é desestimular a resistência ao cumprimento da decisão, visando exclusivamente à efetivação da prestação jurisdicional entregue pelo Estado. Daí tratar-se de astreintes e não de multa, por isso não se limita a qualquer valor. O amparo legal está nos parágrafos 4o. e 5o. do art. 461 do CPC e não se sujeita à aplicação do art. 412 do Código Civil. Este dispositivo legal se aplica à cláusula penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico que, consoante o disposto no artigo 412 do CC, não pode exceder o valor da obrigação principal. Não é este o caso das astreintes.
Vistos, relatados e discutidos os autos de Recurso Ordinário, em que figuram, como Recorrente, VIAÇÃO NACIONAL S.A., e como Recorrida, MARIA DAS GRAÇAS DE CASTRO ARAÚJO.
RELATÓRIO
A MM. Juiz Júlio Corrêa de Melo Neto em atuação na 40ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte rejeitou a preliminar e, no mérito, julgou procedentes, em parte, os pedidos, para determinar que a Reclamada contrate novo seguro de vida em favor do Reclamante, nas mesmas condições contratadas anteriormente, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária (fls. 163-67).
Embargos de declaração pela Reclamada por duas oportunidades, sendo que ambos foram julgados improcedentes; o primeiro, com condenação à multa de 1% sobre o valor da causa (fl.171), elevada a 10% na decisão de fls. 175.
A Reclamada não se conforma com a decisão, pretendendo, preliminarmente, a nulidade da decisão de embargos de declaração por negativa de prestação jurisdicional, com retorno dos autos à Vara de origem para manifestação sobre a matéria; também, em preliminar, almeja a denunciação da lide ao Unibanco AIG Seguros S/A, com retorno dos autos à Vara de Origem para citação; no mérito, pretende ser absolvida da condenação; eventualmente, almeja a limitação da multa diária imposta (fls.175-90).
Preparo regular às fls.192-93.
Não houve contrarrazões, embora intimado o Reclamante (fl. 194).
É o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso da Reclamada, porque presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
JUÍZO DE MÉRITO
Da negativa de prestação jurisdicional e da multa dos embargos de declaração
A Reclamada alega nulidade por negativa de prestação jurisdicional em dois aspectos objeto de seus embargos de declaração: a multa diária imposta na sentença e a obrigação do Reclamante de pagar pelo seguro de vida.
A Reclamada ofereceu embargos de declaração em duas oportunidades.
Nos primeiros embargos (fls. 168-69), sustentou que o juízo de origem foi omisso sobre a limitação de multa diária imposta no caso de descumprimento da determinação judicial para a contratação de novo seguro de vida em favor da Reclamante, nas mesmas condições contratadas anteriormente, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da decisão. Além disto, pretendeu também a manifestação sobre o pagamento do prêmio mensal pela Reclamante para viabilizar a contratação.
O juízo "a quo" entendeu que houve apenas inconformismo da Reclamada quanto ao julgamento e julgou improcedentes os embargos da Reclamada, além de lhe impor a multa de 1% sobre o valor da causa, com fulcro no § 1º do art. 538/CPC.
Novamente, a empresa ofereceu novos embargos (fls. 172-73) insistindo nas mesmas questões, desaguando em nova decisão de embargos improcedentes, com majoração da multa antes imposta.
No primeiro aspecto (multa diária), os embargos se revelaram incabíveis, impertinentes e desvirtuados. Isto porque, a multa imposta diz respeito a astreintes, pois sequer houve pedido inicial neste sentido. E como tal é garantia de cumprimento da decisão judicial e do resultado prático da determinação judicial no tocante à obrigação de fazer ou não fazer. A medida é de ordem pública e não depende de pedido inicial, podendo ser imposta ex officio, com fulcro no artigo 461 do CPC, de aplicação analógica no Processo do Trabalho. Daí porque, o próprio julgador que a impõe não tem que limitá-la.
Ademais, se fosse o caso de excesso, a hipótese apenas desafia a reforma da decisão através do recurso a ser interposto pela parte interessada, repetindo-se o julgamento neste Regional.
Portanto, quanto à multa diária, não há falar em nulidade, lembrado o art. 796, aliena "a" da CLT, e nem sequer era a hipótese de embargos de declaração, pois se tratou de mera contrariedade da empresa com a imposição da multa, o que desafia recurso próprio até mesmo para limitá-la.
Improcedentes os embargos neste particular, e se fosse o único aspecto ventilado, correta a multa aplicada com fulcro no § 1º do art.538 do CPC, de aplicação subsidiária.
No segundo aspecto, que envolve o pagamento mensal do prêmio pelo empregado em face do restabelecimento do contrato de seguro pela Reclamada, também não houve omissão do juízo de origem.
Se o julgador foge ao exame de pedido deduzido na inicial e de questão debatida nos autos, sobre matéria de mérito que se submete a julgamento configura-se denegação de prestação jurisdicional, que implica em nulidade do "decisum", principalmente, quando o juízo se furtar ao pronunciamento mesmo após provocado pela via adequada de Embargos de Declaração. O julgador não pode deixar de se pronunciar sobre pedido e matéria de mérito, expressamente argüida pelas partes, que tem relação direta com o objeto da lide e não consiste em mero argumento, mas questão controvertida que clama por solução jurisdicional., sob pena de restarem violados os incisos II, XXXV, XXXVII, LIV, LV, do art. 5º da Constituição Federal, bem como o disposto nos artigos 126, 128, 458, II, 459, 460 e 535/CPC c/c art. 832/CLT. Não foi este o caso.
Confira-se que na sentença o julgador de origem determinou que a Reclamada contrate novo seguro de vida em favor da Reclamante, cujo contrato de trabalho está suspenso, nas mesmas condições contratadas anteriormente (fl. 166). Esclareceu ainda que enquanto o contrato da Autora estiver suspenso, caberá a ela arcar com o pagamento mensal do prêmio do seguro, como vinha fazendo até o cancelamento do contrato entre a seguradora e a Reclamada (fl. 166).
Nada mais restava a ser decidido na origem. O seguro a ser contratado pela empresa será nas mesmas condições daquele anterior, e enquanto o contrato de trabalho estiver suspenso, a Reclamante arcará com o pgamento do prêmio mensal do seguro, como vinha fazendo antes. Qual a dúvida?
A resposta perseguida pela empresa estava na sentença. Os embargos foram totalmente protelatórios.
Não se configura a violação aos incisos II, XXXV, XXXVII, LIV, LV, do art. 5º da Constituição Federal, bem como ao disposto nos artigos 126, 128, 458, II, 459, 460 e 535/CPC c/c art. 832/CLT. Existe apenas o inconformismo da Ré com o resultado do julgamento que não lhe foi favorável, o que desafia recurso próprio para tentar a reforma do julgado, ao invés de manobrar de forma equivocada a via de embargos.
Portanto, em ambos os aspectos tratados nos embargos da reclamada, oferecidos de forma impertinente e abusiva em duas oportunidades, não era o caso de procedência da medida.
Andou bem o julgador de origem em julgar improcedentes ambos os embargos da Reclamada, além de impor as multas, que são cabíveis nos termos da lei.
Nada a prover.
Da denunciação da lide
De fato, a lide em questão envolvendo a Reclamante e a Reclamada tem como objeto a condenação desta última a restabelecer o contrato de seguro que foi cancelado, sob a alegação de que se configurou alteração contratual lesiva e unilateral pela empregadora, ressaltando-se que o pacto laboral se encontra suspenso, por motivo de doença.
Contudo, a apreciação da demanda em relação à Seguradora com a qual a Reclamada manteve o contrato de seguro não envolve a relação havida entre empregado e empregador, e por isto, escapa à competência da Justiça do Trabalho. A competência "rationae materiae" decorre da natureza jurídica da questão controvertida que, por sua vez, é fixada pelo pedido e pela causa de pedir. O contrato de seguro celebrado entre a Reclamada e a companhia de seguro não tem natureza trabalhista, não se enquadrando nas hipóteses mencionadas no artigo 114 da Constituição da República.
Aqui, a discussão não diz respeito à relação de segurado e seguradora, mesmo porque a Autora é mera beneficiária da apólice. Com efeito, a pretensão aborda aspectos do contrato de trabalho, uma vez que diz respeito à supressão de vantagem contratual instituída pelo empregador, ainda que materializada através da contratação de terceiro.
Acrescente-se que com a redação nova que a EC n.º 45, de 2004, deu ao artigo 114 da CRF, não se pode confundir as figuras típicas do direito processual civil reguladas pelos artigos 62 a 80 do CPC, que são a nomeação à autoria, a denunciação da lide e o chamamento ao processo, bem como que estas possam até ter lugar nos processos submetidos à competência da Justiça do Trabalho. Mas não é o caso. Aqui, o pedido deduzido envolve obrigação única e exclusiva da Reclamada inserida no contrato de trabalho e deste decorrente.
Afasto.
Do direito
É incontroverso nos autos que o contrato de trabalho da Reclamante está suspenso, ou seja, não foi extinto.
A reclamada vinha mantendo até 2008 contrato de seguro de vida e acidentes pessoais em favor da Reclamante, sendo que esta última pagava o valor do prêmio do seguro mensalmente (fls. 09-21). A Reclamante foi comunicada do cancelamento do seguro, e a partir de janeiro/09, passou a não receber mais as boletas para o pagamento. Em abril/09 foi informada pela seguradora que o seguro não mais seria renovado (fls. 25).
A Reclamada alega que não existe previsão legal que sustente a obrigação de manter seguro de vida em favor de seus empregados, bem como que sequer há norma coletiva neste sentido.
Conforme já consignado, não há como se distanciar de que o cerne da questão diz respeito à supressão de vantagem contratual, instituída pelo empregador, ainda que materializada através da contratação de terceiro. A referida apólice constituía parte integrante do contrato de trabalho da Reclamante.
Neste contexto, inegável que a supressão da vantagem pela empregadora implica alteração contratual, de forma unilateral e lesiva para o empregado. A manutenção da benesse tem amparo legal, no art. 468 da CLT, porque a vantagem é cláusula que passa a fazer parte integrante do contrato e se incorpora ao patrimônio do empregado. Nem toda obrigação contratual decorre de lei, podendo consistir em mera liberalidade do empregador que passa a fazer parte integrante do contrato e não pode ser modificada unilateralmente para prejudicar o trabalhador. Esta é a regra. Este é o amparo legal da condenação imposta: art. 468 da CLT. Não há a alegada ofensa ao inc. II, art. 5º da Constituição Federal.
Não é preciso que a vantagem esteja prevista em norma coletiva para se invalidar a alteração que implica supressão da vantagem. Na medida em que a benesse vai sendo praticada pelo empregador há a incorporação ao contrato de trabalho, decorrente da habitualidade.
Confiram-se as seguintes decisões deste Regional:
"CONTRATO DE TRABALHO - ALTERAÇÃO PREJUDICIAL - SEGURO DE VIDA EM GRUPO MANTIDO POR LONGO TEMPO ADERE AO CONTRATO - TROCA DE SEGURADORA E DE CRITÉRIOS QUE O TORNA MAIS ONEROSO AO EMPREGADO - ILICITUDE - GARANTIA CONTRATUAL - EFEITOS. Concedendo o empregador um benefício seguro de vida em grupo por mais de trinta anos, não pode, após alteração na propriedade da empresa, cassá-lo, extingui-lo, alterá-lo ou torná-lo prejudicialmente diferente ou inacessível. Se, quando da privatização, o novo controlador decide, por sua vontade unilateral e conveniência, não renovar ou continuar com aquele seguro, já antigo e incorporado à vida e ao patrimônio jurídico dos seus empregados, contratando um outro, mais oneroso ao empregado antigo ou até impossível, em razão da sua idade e estado precário de saúde atuais, deve continuar assegurando, a este, as mesmas condições e custo que ele detinha no seguro desfeito, como se dele nunca tivesse sido retirado. As novas condições só se aplicam aos novos empregados. Regência pelos arts. 10, 448, 468 e 9o. da CLT e Enunciado 51-TST" (RO - 1548/00, publicação em 31/10/2000, 3ª Turma, Relator Emerson José Alves Lage).
"EMENTA: SEGURO DE VIDA EM GRUPO. EXCLUSÃO DE COBERTURA PARA INVALIDEZ POR DOENÇA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA (ART. 468/CLT). Afigura-se ilícita alteração no regulamento empresário, que exclui invalidez por doença da cobertura do seguro de vida em grupo contratado, causando prejuízo aos empregados beneficiados por tal vantagem durante mais de dez anos (art. 468/CLT e Enunciado 51/TST). Nem mesmo por meio de negociação coletiva pode ser admitida tal exclusão, que implica renúncia a direito indisponível dos trabalhadores, o qual aderiu aos contratos de trabalho" (00435-2002-088-03-00-7 RO, publicação 28/03/2003, 1ª Turma, Relatora Maria Laura Franco Lima de Faria)
Pontue-se que a referida obrigação de manter o contrato de seguro não se extingue com a suspensão do contrato de trabalho. Conforme bem determinou o juízo de origem, enquanto o contrato da Autora estiver suspenso, caberá a ela arcar com o pagamento mensal do prêmio do seguro, como vinha fazendo até o cancelamento do contrato entre a seguradora e a Reclamada (fl. 166). Portanto, mesmo ocorrendo a paralisação temporária de todas as obrigações decorrentes da relação de emprego a manutenção do seguro se justifica, em face da regra do art. 468 da CLT, pois o contrato de trabalho não se extinguiu. E a Reclamante continuará a arcar com o custeio do benefício.
Nada a prover.
Multa - astreintes
Conforme já consignado antes, a multa aplicada em relação ao descumprimento da obrigação de fazer, no prazo fixado pela decisão e após o seu trânsito em julgado, diz respeito a astreintes (fl.520). Não é uma penalidade. É garantia de cumprimento da decisão judicial e do resultado prático da determinação judicial no tocante à obrigação de fazer ou não fazer. A medida é de ordem pública e deve ser imposta como garantia de efetividade das decisões judiciais.
Neste sentido, não cabe a limitação pretendida pela empresa, porque ela não é uma multa contratual, nem uma cláusula penal. Não decorre do inadimplemento da obrigação contratual, seu intuito é desestimular a resistência ao cumprimento da decisão, visando exclusivamente à efetivação da prestação jurisdicional entregue pelo Estado. Daí tratar-se de astreintes e não de multa, por isso não se limita a qualquer valor.
O amparo legal está nos parágrafos 4o. e 5o. do art. 461 do CPC e não se sujeita à aplicação do art. 412 do Código Civil. Este dispositivo legal se aplica à cláusula penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico que, consoante o disposto no artigo 412 do CC, não pode exceder o valor da obrigação principal.
Nego provimento.
CONCLUSÃO
Em face do exposto, conheço do Recurso da Reclamada e nego-lhe provimento.
MOTIVOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária da 10ª Turma, hoje realizada, julgou o presente feito e, à unanimidade, conheceu do recurso da reclamada; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento.
Belo Horizonte, 29 de março de 2010.
MÁRCIO FLÁVIO SALEM VIDIGAL
RELATOR
MFSV/scgm
JURID - Astreintes. Limitação. [13/04/10] - Jurisprudência
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