Habeas corpus. Progressão ao regime semiaberto concedida pelo juízo das execuções criminais.
Superior Tribunal de Justiça - STJ
HABEAS CORPUS Nº 136.225 - SP (2009/0091497-3)
RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE: FÁBIO VIANA DOS SANTOS
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: FÁBIO VIANA DOS SANTOS (PRESO)
EMENTA
HABEAS CORPUS . PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO CONCEDIDA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS. AGRAVO EM EXECUÇÃO AJUIZADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DO PACIENTE AO EXAME CRIMINOLÓGICO RECONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO. ESPECIFICIDADE DEMONSTRADA. COMETIMENTO DE NOVO DELITO EM LIVRAMENTO CONDICIONAL. ORDEM DENEGADA.
1. O art. 112 da Lei de Execução Penal, alterado pela Lei n. 10.792/2003, estabelece que o sentenciado que cumprir 1/6 (um sexto) da pena no modo anterior e apresentar bom comportamento carcerário, comprovado por atestado emitido pelo Diretor do estabelecimento prisional, terá direito à progressão de regime.
2. A prescindibilidade de sujeição do paciente à inspeção técnica pode ser afastada, em decisão fundamentada com base nas peculiaridades do caso concreto, desde que se evidencie a necessidade de uma análise pormenorizada acerca do preenchimento do requisito subjetivo pelo sentenciado, o que restou demonstrado pela Corte de origem, pois destacou-se que o paciente cometeu novo delito em livramento condicional.
3. Ordem denegada para manter a decisão do Tribunal a quo que revogou a progressão ao regime semiaberto concedida ao paciente, entendendo necessária a realização de inspeção técnica.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer e Napoleão Nunes Maia Filho.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Brasília (DF), 15 de dezembro de 2009. (Data do Julgamento).
MINISTRO JORGE MUSSI
Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (RELATOR): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado por FÁBIO VIANA DOS SANTOS, em causa própria, contra acórdão da 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que proveu o Agravo em Execução nº 990.08.194818-4, ajuizado pelo Parquet , para reformar a sentença que concedeu a progressão ao regime semiaberto, em razão da ausência do requisito subjetivo, o qual deve ser demonstrado pelo exame criminológico.
Consta dos autos que o apenado cumpre pena de 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, no regime fechado, pela prática do crime previsto no art. 157, § 2°, I e II, (duas vezes) do Código Penal (fls. 25).
Noticia o impetrante-paciente que é vítima de constrangimento ilegal, pois preencheu os requisitos insertos no art. 112 da Lei de Execução Penal, consistente no resgate de 1/6 (um sexto) da reprimenda e na ostentação de bom comportamento carcerário, o que demonstra a coação perpetrada, visto que, com o advento da Lei n. 10.792/2003, a inspeção técnica deixou de ser obrigatória, tendo em vista que o mérito é comprovado pelo atestado prisional.
Alega que a gravidade do crime praticado pelo paciente não poderia servir de fundamento idôneo para justificar a necessidade de realização do aludido exame, citando precedentes jurisprudenciais em abono à tese.
Requer a concessão da ordem para que seja reformado o aresto hostilizado a fim de se restabelecer o decisum que lhe deferiu a progressão ao regime semiaberto.
Documentação juntada a fls. 4 e 5.
Informações prestadas a fls. 15 a 41.
A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 43 a 48).
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 136.225 - SP (2009/0091497-3)
VOTO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (RELATOR): Busca o impetrante cassar o aresto impugnado para restabelecer a decisão concessiva da progressão ao regime semiaberto, alegando, para tanto, que o requisito subjetivo foi preenchido, em razão das condições favoráveis do caso concreto e pelo fato de que a aferição técnica deixou de ser obrigatória com o advento da Lei n. 10.792/2003, que trouxe nova redação ao disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal.
In casu, não obstante o Juízo de Direito da 1ª Vara de Execuções Criminais da comarca de Presidente Prudente tenha apontado o mérito favorável à modificação carcerária, o egrégio Tribunal a quo, ao apreciar o inconformismo Ministerial, asseverou acerca da necessidade da realização da inspeção técnica, tendo em vista a gravidade dos crimes praticados e reiteração delitiva quando beneficiado com o livramento condicional, circunstâncias que demonstram a não assimilação da terapêutica prisional para se possibilitar o abrandamento do modo carcerário de execução da reprimenda, in verbis:
"[...] há sérias dúvidas, todavia, em relação ao preenchimento do requisito subjetivo, mesmo tendo sido juntado aos autos atestado de bom comportamento carcerário, pois o agravado fora, anteriormente, beneficiado com o livramento condicional, mas acabou preso em flagrante delito pela prática de novo delito de roubo biqualificado ( 2ª execução), pelo que impossível aferir, com segurança, a sua ressocialização tão só com o atestado acima referido, na medida que seu comportamento pode significar, apenas, uma adaptação aos padrões da própria prisão, pelo que temerária a concessão do benefício nessas condições, como bem ponderado no parecer ministerial de fls. 43, a saber:
[...]
Se não bastasse e pelo exame dos autos, verifica-se que o agravado, ao cometer novo delito de roubo biqualificado, enquanto em livramento condicional, incidiu em reiteração criminosa, própria de sua índole dirigida ao cometimento de infrações penais contra o patrimônio, já que, ao que tudo indica, faz de tais delitos seu modo de vida, merecendo, portanto, a reprovação e a repreensão da sociedade.
[...]
A par disso e como resta, ainda, razoável período de tempo para cumprimento das penas (31.10.2015 - fls. 4), por força de condenações pela prática de crimes violentos e de intensa gravidade, não se pode impor ao Estado-Juiz a função de simples órgão homologador de atestados de boa conduta carcerária, em detrimento da formação de seu livre convencimento e dos interesses e anseios da sociedade, principalmente nos dias atuais, quando campeia solta a criminalidade violenta e perversa, como público e notório, e se instala, no seio da comunidade ordeira, o sentimento de séria e profunda impunidade dos autores de delitos, como os referidos nestes autos.
[...]
Do exposto, dá-se provimento ao recurso, para manter o agravado, por ora, no regime fechado, até a realização de exame criminológico para a aferição do mérito exigido para a progressão prisional." (fls. 25 a 30)
Verifica-se que a Corte de origem justificou, com base na especificidade do caso concreto, a necessidade de sujeição do apenado ao exame criminológico, posicionamento que se coaduna com a doutrina e a jurisprudência pacificada a respeito da matéria, consoante se extrai da ensinança do saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE, na sua obra Execução Penal, in verbis:
"A Lei nº 10.792, de 1º-12-2003, que alterou diversos dispositivos da Lei de Execução Penal, passou a prever, com a redação dada ao art. 112, que a progressão, além do requisito temporal, exige 'bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento'.
Mas a simples apresentação de um atestado ou parecer do diretor do estabelecimento penitenciário, após o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, não assegura ao condenado o direito de ser promovido a regime menos restritivo. Embora se passa inferir da nova redação do dispositivo intuito de redução do mérito, previsto na lei anterior, ao bom comportamento carcerário, no sistema vigente a progressão de regime pressupõe, como visto, não somente o ajustamento do condenado às regras do regime carcerário em que se encontra, mas também um juízo sobre a sua capacidade provável de adaptação ao regime menos restritivo.
Essa avaliação mais abrangente e aprofundada, e, portanto, mais individualizada, das condições pessoais do condenado para a progressão, é inerente ao sistema progressivo instituído pela reforma penal de 1984." (p. 424, 11ª edição, Editora Atlas, 2007)
Sobre o tema, é assente neste Tribunal Superior o entendimento no sentido de que, não obstante a Lei n. 10.792/2003, introduzindo nova redação ao art. 112 da LEP, tenha dispensado a confecção de parecer técnico como requisito à progressão de regime e ao livramento condicional, é possível ao magistrado condicionar o deferimento do pedido à aludida inspeção quando as peculiaridades da situação fática assim o exigirem, consoante evidenciado na hipótese versada, pois restou destacado que o paciente voltou a delinquir quando em gozo do livramento condicional.
Nesse diapasão:
"HABEAS CORPUS . EXECUÇÃO PENAL. RÉU CONDENADO À PENA DE 16 ANOS E 20 DIAS DE RECLUSÃO. PROGRESSÃO DE REGIME DE PELO JUIZ DA VEC. CASSAÇÃO DO BENEFÍCIO PELO TRIBUNAL A QUO. EXIGÊNCIA DE EXAME CRIMINOLÓGICO. JUSTIFICATIVA CONCRETA. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ART. 28 DA LEI 11.343/06. NOVA LEI MAIS BENÉFICA. ORDEM DENEGADA. CONCESSÃO DO WRIT DE OFÍCIO PARA QUE SEJA EXTIRPADA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELO USO DE ENTORPECENTE.
1. Este Superior Tribunal de Justiça, quanto à necessidade de exame criminológico para o fim de concessão de livramento condicional ou progressão de regime prisional, pacificou o entendimento de que, apesar de ter sido retirada do texto legal a exigência expressa de realização do referido exame, a legislação de regência não impede que, diante do caso concreto, o Julgador possa se valer desse instrumento para formar a sua convicção, como forma de justificar sua decisão sobre o pedido.
2. A exigência do exame criminológico, todavia, deve estar devidamente motivada em circunstâncias peculiares do caso concreto, uma vez que somente será necessária quando o Magistrado reputar imprescindível para respaldar a concessão do benefício. Precedentes do STJ e do STF.
3. In casu, restou demonstrado, pelo Tribunal de origem, que o condenado não ostenta condições pessoais que lhe propiciem a progressão sem a anterior avaliação criminológica, pois, noutra oportunidade em que beneficiado com a progressão de regime, cometeu novo crime, razão pela qual deve ser mantido o acórdão que condicionou a benesse à realização do referido exame.
4. De acordo com o art. 28 da Lei 11.343/06, não é mais imponível ao usuário de tóxicos a pena privativa de liberdade. As sanções desse dispositivo devem ser aplicadas ao infrator ainda que cometido o delito na vigência da lei anterior mais severa. Precedentes.
5. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial. Concedida, porém, de ofício, apenas para que seja extirpada a pena privativa de liberdade pelo uso de entorpecente." (HC 93.807/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, p. no DJU de 7-4-2008, p. 1)
"EXECUÇÃO PENAL - CONSTITUCIONAL - HABEAS CORPUS PREVENTIVO - COAÇÃO ILEGAL APERFEIÇOADA PELA CORTE A QUO - WRIT CONHECIDO COMO REPRESSIVO - PROGRESSÃO DE REGIME - CRIME HEDIONDO COMETIDO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI 11.464/2007 - VIGÊNCIA DO ENTENDIMENTO ESPOSADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REFERÊNCIA À INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - PROGRESSÃO COM O CUMPRIMENTO DE APENAS UM 1/6 DA PENA NO REGIME ANTERIOR - INCONSTITUCIONALIDADE DA RETROATIVIDADE DE NORMA PREJUDICIAL AO APENADO - NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO - EXIGÊNCIA DISPENSADA PELO JUÍZO DE 1º GRAU - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO COM BASE NO CASO CONCRETO - INOCORRÊNCIA - ORDEM CONCEDIDA.
Aperfeiçoada a coação ilegal suportada pelo paciente com a prolação da decisão pelo Tribunal a quo, o habeas corpus impetrado preventivamente deve ser conhecido como repressivo.
Após o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, é permitida a progressão de regime para apenados por crimes hediondos ou equiparados.
A decisão do Tribunal Maior atingiu todas as penas em execução e as que viessem a ser impostas por crimes cometidos sob a vigência da Lei 8.072/1990.
Os novos prazos para progressão de regime não se aplicam aos crimes cometidos antes da edição da Lei 11.464/2007, posto que não se admite a retroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu (artigo 5º, XL da Constituição da República).
Se o crime hediondo foi cometido antes da Lei 11.464/2007, a progressão de regime de cumprimento da pena se faz depois de efetivamente cumprido um sexto da punição privativa de liberdade no regime anterior, desde que presentes os demais requisitos objetivos e subjetivos.
É possível a exigência de exame criminológico para atestar o preenchimento dos requisitos subjetivos do apenado para a progressão, porém, mostra-se indispensável sua motivação com base em fatores concretos, eis que, após a edição da Lei 10.792/2003, a exigência não mais possui cunho legal.
Ordem concedida para cassar o acórdão prolatado pelo Tribunal a quo." (HC 89.640/SP, rel. Min. Jane Silva, Sexta Turma, p. no DJU de Documento: 937267 10-3-2008, p. 1)
"RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 112 DA LEI N.º 7.210/84, NA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 10.792/03. EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE. DECISÃO FUNDAMENTADA.
1. A execução progressiva da pena, com a transferência para regime menos gravoso, somente será concedida ao condenado que preencher, cumulativamente, os requisitos estabelecidos no artigo 112 da Lei de Execução Penal.
2. Na esteira da jurisprudência desta Quinta Turma, o disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal não configura direito subjetivo do apenado, cabendo ao magistrado verificar o atendimento do requisito subjetivo à luz do caso concreto, desde que atendidos os pressupostos legais, podendo, por isso, determinar a realização de exame criminológico, se entender necessário ou mesmo negar o benefício, desde que o faça fundamentadamente.
3. Recurso provido." (REsp 984.741/RS, rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, p. no DJU de 3-3-2008, p. 1)
Ante o exposto, denega-se a ordem para manter a decisão do Tribunal a quo, que cassou a progressão ao regime semiaberto concedida ao paciente, entendendo necessária a realização do exame criminológico para comprovar o requisito subjetivo à modificação do regime prisional.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2009/0091497-3 HC 136225 / SP
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 583848 990081948184
EM MESA JULGADO: 15/12/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ALCIDES MARTINS
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE: FÁBIO VIANA DOS SANTOS
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: FÁBIO VIANA DOS SANTOS (PRESO)
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Roubo
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, denegou a ordem."
Os Srs. Ministros Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer e Napoleão Nunes Maia Filho.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Brasília, 15 de dezembro de 2009
LAURO ROCHA REIS
Secretário
JURID - Habeas corpus. Progressão ao regime semiaberto concedida. [05/04/10] - Jurisprudência
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