Desconhecimento dos fatos pelo preposto. Confissão ficta. Elisão.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT 24ªR
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL - TRT 24ª REGIÃO
INTEIRO TEOR
ACÓRDÃO
2ª TURMA
Relator: Des. NICANOR DE ARAÚJO LIMA
Revisor: Des. JOÃO DE DEUS GOMES DE SOUZA
Recorrente: SÃO FERNANDO AÇÚCAR E ÁLCOOL LTDA.
Advogados: Idiran José Catellan Teixeira e Outros
Recorrido: JAIRSON ALVES DA SILVA
Advogado: Ismael Ventura Barbosa
Origem: 1ª Vara do Trabalho de Dourados/MS
DESCONHECIMENTO DOS FATOS PELO PREPOSTO - CONFISSÃO FICTA - ELISÃO. A falta de conhecimento dos fatos pelo preposto acarreta a confissão ficta, a teor do § 1º do art. 843 da CLT, e a prova documental pré-constituída que eventualmente possa elidir a confissão fica sujeita à avaliação do magistrado à luz da persuasão racional (CPC, art. 131 c/c art. 769 da CLT). Recurso ordinário não provido, por unanimidade.
Vistos, relatados e discutidos estes autos (PROCESSO N. 0101300- 36.2009.5.24.0021-RO.1) em que são partes as acima indicadas.
Trata-se de recurso ordinário interposto pelo réu, às f. 135/144, em face da sentença de f. 120/133, proveniente da 1ª Vara do Trabalho de Dourados/MS, de lavra da Juíza do Trabalho Ana Caroline Bento Maciel Freitas, que rejeitou a preliminar de carência de ação e julgou procedente em parte a ação trabalhista.
Arguiu o réu, preliminarmente, a falta de interesse processual e, no mérito, insurgiu-se contra a decisão que o condenou ao pagamento de horas in itinere e reflexos.
Sem contrarrazões.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 115 do Regimento Interno deste Regional.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
1 - ADMISSIBILIDADE
Interposto no prazo legal e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário.
2 - MÉRITO
2.1 - INTERESSE PROCESSUAL
Renova o réu a preliminar de falta de interesse de agir do autor.
Alega que o reclamante não comprovou ter sido impedido de entrar na empresa, daí porque não tem interesse em recorrer ao Judiciário.
Não lhe assiste razão.
As condições da ação são apreciadas abstratamente diante do alegado na exordial, segundo a teoria da asserção, sem a necessidade de imiscuir-se nos fundamentos da demanda.
Logo, narrando o autor na peça de ingresso que foi dispensado sem justa causa, não tendo recebido as verbas rescisórias, exsurge daí seu interesse em obter o provimento jurisdicional.
O interesse de agir se funda no trinômio necessidade-utilidade-adequação e, no caso, tais elementos estão presentes.
Há necessidade de intercessão do Estado-juiz para que este possa tutelar o alegado direito vindicado pelo autor (pagamento das verbas pleiteadas).
O processo é útil para remediar o mal alegado, bem como o provimento jurisdicional invocado, qual seja, reclamação trabalhista, bem como é adequado para propiciar o resultado útil.
Assim, verificadas a necessidade, a utilidade e a adequação do provimento jurisdicional pretendido pelo autor, configura-se o interesse de agir, motivo pelo qual não há falar em carência de ação.
Nego provimento.
2.2 - CONFISSÃO FICTA
Insurge-se o autor em face da sentença que, declarando desconhecer o preposto as ocorrências em relação à dispensa do autor, aplicou a pena de confissão ficta ao réu, presumindo verdadeiras as alegações do autor de que foi despedido sem justa causa em 6.8.09.
Alega que a prova documental elide a pena de confissão que lhe foi aplicada.
Não lhe assiste razão.
Em audiência, assim declarou o preposto:
1 - que pelo que analisou os autos, desconhece o caso, mas acredita que pelo documento o porteiro que o avisou da dispensa; que a reclamada não costuma fazer dessa forma;
2 - que desconhece quaisquer outras ocorrências com relação a demissão do reclamante (f. 118).
Como visto, por tais declarações e, considerando o disposto no art. 843, § 1º, da CLT, o caso é de incidência da confissão ficta.
Embora o réu não o tenha indicado, presume-se que o documento supostamente destinado a elidir a confissão seja o cartão de ponto do período de 26.7.09 a 25.8.09, em que constam faltas ao trabalho, o que confirmaria a tese patronal de que não houve dispensa, mas sim, ausência ao trabalho.
Contudo, tal documento não está assinado pelo autor, o que lhe retira a aptidão de prova, não elidindo, portanto, a presunção de veracidade advinda da confissão ficta.
Nego provimento.
2.3 - HORAS IN ITINERE
Insurge-se o réu em face da sentença que o condenou ao pagamento das horas in itinere.
Alega, em suma, que existem convenções coletivas disciplinando as referidas horas, bem como o transporte dos trabalhadores pelo empregador é vantajoso àqueles.
Assiste-lhe parcial razão.
A Constituição Federal reconhece os acordos e convenções coletivas como instrumentos capazes de regular a relação de trabalho entre seus sujeitos (artigo 7º, XXVI), autorizando, inclusive, a negociação in pejus de alguns direitos trabalhistas, dentre eles, o próprio salário (artigo 7º, VI).
Isso, porque, em determinadas situações, a realidade pode justificar que a categoria transacione determinados direitos previstos em lei, em função de outros que lhe trarão maiores vantagens.
Assim, em hipóteses como a do caso vertente, este Regional tem convalidado norma coletiva em as partes transacionam o pagamento de horas in itinere, observandose o respeito à autonomia coletiva, que trata de direito circunscrito à esfera de disponibilidade negocial das partes.
Também nesse sentido, decisão do Colendo TST:
HORAS IN ITINERE. Na fixação de horas in itinere , deve-se prestigiar o pactuado entre empregados e empregadores por meio de convenções e acordos coletivos de trabalho, sob pena de violação ao disposto no art. 7º, inc. XXVI, da Constituição da República. Recurso de Revista de que não se conhece. (Processo RR-111/2006-404-04-00 - Relator Ministro João Batista Brito Pereira - in DJ 24.10.2008).
De fato, a meu ver, as horas in itinere não se revestem de indisponibilidade absoluta. Se, por um lado, em razão das dificuldades de acesso, o fornecimento de condução muitas vezes é imprescindível para o desenvolvimento da atividade empresarial, por outro, o trabalhador também é beneficiado, já que não despenderá gastos para se locomover até o seu local de trabalho.
Não há que falar, portanto, que a flexibilização implica em manifesto prejuízo ao trabalhador, razão pela qual admito a possibilidade de ajuste coletivo.
Assim, havendo cláusula coletiva ajustando o pagamento das horas de percurso em 20 minutos e demonstrado nos recibos (f. 73/86) a quitação da parcela, conforme convencionado, são indevidas as horas in itinere no período de vigência da convenção coletiva.
A condenação remanesce, contudo, quanto ao período em que não há instrumento coletivo, pois o réu, ao transacionar o direito, aquiesceu quanto às alegações de local de difícil acesso e não servido por transporte público.
Dou provimento parcial para excluir da condenação o pagamento de horas in itinere no período de 11.6.08 a 30.4.09.
POSTO ISSO
ACORDAM os Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por unanimidade, aprovar o relatório e conhecer do recurso; no mérito, por maioria, dar-lhe provimento parcial para excluir da condenação o pagamento de horas in itinere no período de 11.6.08 a 30.4.09, nos termos do voto do Desembargador Nicanor de Araújo Lima (relator), vencido em parte o Desembargador João de Deus Gomes de Souza (revisor), que fará a juntada de seu voto. Com base no artigo 134, IV, do CPC, declarou seu impedimento o Desembargador Francisco das Chagas Lima Filho. Campo Grande, 17 de março de 2010.
NICANOR DE ARAÚJO LIMA
Desembargador Federal do Trabalho Relator
VOTO VENCIDO
HORAS IN ITINERE
O i. relator provê parcialmente o recurso interposto pela reclamada para excluir o pagamento das horas in itinere no período de 11.6.2008 a 30.4.2009.
A meu ver, neste aspecto o recurso deve ser provido também ao relação ao restante do período laboral.
É que sempre entendi, mesmo antes da edição da Lei n. 10.243 de 2001, que acrescentou o § 2º ao art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, que a concessão pelo empregador de transporte ao empregado, é indubitavelmente um benefício. Esse entendimento não se alterou após mudança legislativa, embora tenha de me curvar à lei.
Tenho plena convicção que o excesso de tutela individual do trabalhador, reconhecendo como tempo à disposição do empregador o interstício gasto com transporte por ele fornecido, reverte-se em evidente prejuízo aos empregados quando visto sob a perspectiva coletiva, já que todos aqueles empregadores que eventualmente estivessem dispostos em oferecer transporte ao seus empregados, deixariam de fazê-lo, para não terem que arcar com mais um ônus, perdendo com isso todos os trabalhadores potencialmente beneficiários de tal liberalidade.
Por tal razão, é absolutamente injusto imputar ao empregador o dever de remunerar o tempo em que o empregado desloca-se de sua casa para o trabalho e do trabalho para casa em veículo por ele fornecido, evitando eventuais transtornos do empregado com o transporte coletivo. Por isso, em questão desse jaez, o julgador não pode atuar como um mero técnico do direito ou aplicador cego da lei, abstraindo-se do contexto social no qual o empregado está inserido, pois é conhecido o aforismo de que, quando o direito ignora a realidade, a realidade ignora o direito.
Assim, a despeito da ausência da convenção coletiva para o período do contrato de trabalho posterior a 30.4.2009, entendo que as horas in itinere não devem ser computadas na jornada de trabalho do empregado.
Provejo, pois, o apelo para excluir da condenação, as horas in itinere também para o período posterior a 30.4.2009.
É o voto.
Campo Grande, 17 de março de 2010.
JOÃO DE DEUS GOMES DE SOUZA
Desembargador Federal do Trabalho
Relator
JURID - Desconhecimento dos fatos pelo preposto. Confissão ficta. [07/04/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário