Notícias STFQuarta-feira, 02 de maio de 2012Ministra Cármen Lúcia vota pela nulidade de títulos na área indígena Pataxó
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes Rocha votou hoje (2) pela nulidade dos títulos de propriedade de terras concedidas a fazendeiros e agricultores na Reserva Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, localizada no sul da Bahia. A ministra especificou que somente considera nulos os títulos de áreas que estão dentro da reserva, que tem 54 mil hectares.
O Supremo retomou nesta tarde o julgamento da Ação Cível Originária (ACO 312) em que a Funai (Fundação Nacional do Índio) pede a nulidade de títulos de propriedade de terras concedidas pelo governo da Bahia a cerca de 400 fazendeiros e agricultores na reserva indígena. A Funai alegou que a área é ocupada desde tempos imemoriais pelos índios pataxó-hã-hã-hãe.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia fez questão de frisar que o pedido da Funai também incluía títulos de propriedade que, segundo estudo pericial realizado após o ajuizamento do processo, estão localizados fora da área da reserva. “Quanto a esses (títulos) fora da área que não é objeto do litígio e que a autora nem teria interesse para ajuizar a ação, estou extinguindo o processo”, explicou.
De acordo com ela, perícia topográfica realizada no local identificou que 247 áreas territoriais supostamente em conflitos estavam fora da reserva indígena. Outras 186 áreas, por outro lado, foram localizadas dentro dos limites da terra indígena. “São essas áreas, portanto, que estou considerando como dentro do objetivo fixado na petição inicial.” Os títulos concedidos indevidamente localizam-se em três municípios baianos: Itaju do Colônia, Camacan e Pau Brasil.
Ao pontuar seu voto com o do ministro Eros Grau (aposentado), primeiro a se posicionar sobre o assunto, a ministra Cármen Lúcia informou que ele julgou a ação da Funai totalmente procedente, mas, na prática, também se limitou a anular os títulos de propriedade com glebas localizadas dentro da área da reserva indígena. “No final, vamos chegar à mesma conclusão”, disse.
Sofrimento e sangue
Segundo a ministra, esse foi “um dos casos mais graves” que chegou a suas mãos no Supremo. “São 25 volumes e cinco apensos de sofrimentos, de lágrimas, de sangue e de morte. E não se cuida de uma expressão, mas de uma constatação”, ressaltou.
Ela descreveu a maioria dos conflitos na área como “decorrentes de mudanças formuladas em políticas que não tiveram seguimento, mas consequências”. Para a ministra Cármen Lúcia, a União, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), depois sucedido pela Funai, e o Estado da Bahia não chegaram a um consenso sobre a terra indígena e “forjaram situações gravosas para a vida das pessoas, geração após geração”.
A ministra explicou que a terra indígena foi demarcada em 1938, mas nunca chegou a ser homologada. Nas décadas de 1950 e 1960, a União, por meio do SPI, arrendou glebas de terras a particulares dentro na área indígena, sendo que em 1960 o SPI aquiesceu com a concessão de títulos de domínio de terras.“Foi a União que deixou, em mais de 70 anos, de homologar a demarcação da reserva, deixando em desvalia os índios que deveria proteger, e fazendo com que passassem a perambular à cata de um território devidamente afirmado como sendo seu habitat e permitindo estragos culturais, sociais e econômicos”, disse.
A ministra lembrou que “esse estado de coisas” trouxe a Brasília, em 1997, o índio Galdino Jesus dos Santos, um dos líderes da etnia pataxó-hã-hã-hãe, que acabou sendo foi queimado vivo enquanto dormia em um abrigo de um ponto de ônibus da cidade.“É esse estado de coisas que faz da área ao sul da Bahia, nos últimos tempos, um território de violência e medo. Digo isso porque estive três vezes na área e é exatamente essa sensação que a gente tem”, disse.
Ocupação indígena
Conforme informou a ministra, documentos dos autos e relatos históricos colhidos apontam que, em 1926, o SPI iniciou uma negociação com o Estado da Bahia no sentido de garantir a efetividade da posse dos territórios ocupados por índios na região. Ela também pontuou que o contexto no qual foi iniciado o trabalho de campo para a demarcação da reserva está descrito em relatório apresentado em dezembro de 1938 por representante do Ministério da Guerra. Segundo esse relatório, desde 1759 se tem notícia de índios na área.
Mesmo diante dessa constatação, o governo baiano manteve a política de expedição de títulos de propriedade a partir da segunda metade do século XX. “É aí que começa a maior parte do conflito, porque o Estado (da Bahia) passou a expedir títulos”, disse. Segundo ela, a prática se acentuou na década de 1960, mesmo após a inclusão, na Constituição de 1967, da regra de que as terras indígenas são bens da União.
Citando o ministro Eros Grau, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que quando não há uma mestiçagem, uma integração do índio, eles são forçados a sair da área, mas sempre querem voltar ao local e resistem. No caso das terras em questão, ela frisou que os indígenas nunca deixaram de ter no local seu cemitério, por exemplo. “Diante de todo esse quadro, aqui não se pode deixar de dizer que tenha havia ausência deles em algum momento, houve uma acentuada diminuição e só a partir da década de 1980 é que há um retorno deles, com atuação da Funai”, explicou.
Ela advertiu, entretanto, que muitas das pessoas que conseguiram os títulos nas décadas de 1950 e 1960 agiram de boa-fé. “Então, acho que a indenização é devida”, ponderou. “Os próprios entes estatais – União, SPI, Funai, e o Estado da Bahia – atuaram num desencontro tão grande que levaram os não índios também a sofrimento, porque eles estavam lá de boa-fé”, concluiu.
RR/CG
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