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terça-feira, 20 de novembro de 2012

STJ - As ciladas do consumo na mira da Justiça


ESPECIAL

As ciladas do consumo na mira da Justiça



Estudos do Ministério da Fazenda apontam que, em 2020, o país será o quinto mercado consumidor do mundo. Se as previsões estiverem certas, os brasileiros vão estar dispostos a gastar mais com moradia, lazer, educação e alimentos. Os dados informam que o consumo das famílias passará de R$ 2,3 trilhões em 2010 para R$ 3,5 trilhões até o final da década, um número que chama a atenção para a necessidade do consumo consciente.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem auxiliar as pessoas a não cair nas ciladas do consumo. Com frequência, são apresentadas demandas envolvendo consumidores que não atentam para as cláusulas do contrato e vendedores que não procuram esclarecê-las. E há até a situação de pessoas que compram um produto no exterior e buscam a garantia no Brasil.

Inúmeros são os problemas de consumo que chegam ao Tribunal – como o caso dos consumidores que já não conseguem pagar as contas e acabam com o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito.

Princípio da transparência 
Uma informação clara, precisa e adequada sobre os diferentes produtos e serviços é princípio básico previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que, muitas vezes, não é observado. Para o STJ, a informação defeituosa aciona a responsabilidade civil, abrindo espaço para indenizações (REsp 684.712).

É dever de quem vende um produto destacar todas as condições que possam limitar o direito do consumidor. As cláusulas de um contrato devem ser escritas de forma que qualquer leigo possa compreender a mensagem, em nome da transparência.

Por esse princípio, o consumidor tem direito, por exemplo, à fatura discriminada das contas de energia elétrica ou de telefonia, independentemente do pagamento de taxas. O Ministério Público ajuizou ação contra uma empresa de telefonia alegando prestação de serviços inadequados, no tocante às informações contidas nas faturas expedidas.

O STJ reafirmou a tese de que o consumidor tem direito a informação precisa, clara e detalhada, sem a prestação de qualquer encargo (REsp 684.712). Um dever que permeia também a relação entre médico e paciente.

A Terceira Turma julgou caso em que o profissional se descuidou de informar a paciente dos riscos cirúrgicos, da técnica empregada, do formato e das dimensões das cicatrizes de uma cirurgia de mama.

Os ministros decidiram que o profissional, ciente do seu ofício, não pode se esquecer do dever de informação ao paciente, pois não é permitido criar expectativas que, de antemão, sabem ser inatingíveis (REsp 332.025).

Informação dúbia 
O entendimento do Tribunal é no sentido de que informação dúbia ou maliciosa deverá ser interpretada contra o fornecedor de serviço que a fez vincular, conforme disposição do artigo 54, parágrafo quarto, do CDC.

Em um recurso julgado, em que houve dúvida na interpretação de contrato de assistência médica sobre a cobertura de determinado procedimento de saúde, a Quarta Turma deu ganho de causa ao consumidor, que buscava fazer transplante de células (REsp 311.509).

Para o STJ, não é razoável transferir ao consumidor as consequências de um produto ou serviço defeituoso (REsp 639.811). Se o fornecedor se recusar a cumprir os termos de uma oferta publicitária, por exemplo, o consumidor, além de requerer perdas e danos, pode se valer de execução específica, pedindo o cumprimento forçado da obrigação, com as cominações devidas (REsp 363.939).

Propaganda enganosa
Diversas decisões do STJ vão contra qualquer tipo de publicidade enganosa ou abusiva. Em julgamento no qual se analisou a exploração comercial de água mineral por parte de uma empresa, a Primeira Turma se posicionou contra a atitude de encartar no rótulo do produto a expressão “diet por natureza”.

O STJ entendeu que somente produtos modificados em relação ao produto natural podem receber a qualificação diet, sejam produtos destinados a emagrecimento, sejam aqueles determinados por prescrição médica. Assim, a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações em sua substância, não pode ser qualificada como diet, sob o risco de configurar propaganda enganosa (REsp 447.303).

Da mesma forma que uma cerveja, ainda que com teor de álcool abaixo do necessário para ser classificada como bebida alcoólica, não pode ser comercializada com a inscrição “sem álcool”, sob o risco de se estar ludibriando o consumidor (REsp 1.181.066).

Planos de saúde 
A empresa que anuncia plano de saúde com a inscrição de cobertura total no título de um contrato não pode negar ao paciente tratamento de uma patologia, se acionada, mesmo que no corpo do texto haja limitação de cobertura.

A Terceira Turma decidiu que as expressões “assistência integral” e “cobertura total” têm significado unívoco na compreensão comum, e “não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé nos negócios” (REsp 264.562).

Operadoras de planos de saúde têm também obrigação de informar individualmente a seus segurados o descredenciamento de médicos e hospitais. A Terceira Turma julgou caso de um paciente cardíaco que, ao buscar atendimento de emergência, foi surpreendido pela informação de que o hospital não era mais conveniado (REsp 1.144.840).

A informação deve sempre estar à mão do consumidor.

Marcas internacionais

Diante das seduções de mercado do mundo globalizado, com propostas cada vez mais tentadoras, o STJ proferiu decisão no sentido de que empresas nacionais que divulgam marcas internacionais de renome devem responder pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam.

O consumidor, no caso, adquiriu no exterior uma filmadora que apresentou defeito. A empresa sustentava que, apesar de ser vinculada à matriz – que funcionava no Japão –, não poderia ser responsabilizada judicialmente no Brasil, pois a prestação da garantia ocorria de forma independente (REsp 63.981).

A Quarta Turma decidiu que, se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.

“O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca”, afirmou o ministro Sálvio de Figueiredo na ocasião em que proferiu o voto. Ele considerou pertinente a responsabilização da empresa.

Desequilíbrios contratuais 
As disposições contratuais que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes são condenadas pelo Código do Consumidor. Segundo inúmeras decisões do STJ, se o contrato situa o consumidor em posição de inferioridade, com nítidas desvantagens em relação ao fornecedor, pode ter sua validade questionada.

O Tribunal admite a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, e a sua revisão é possível em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (AgRg no REsp 849.442). Não importa, para tanto, se a mudança das circunstâncias tenha sido ou não previsível (AgRg no REsp 921.669).

Tem sido igualmente afirmado, em diversos julgamentos, que é possível ao devedor discutir as cláusulas contratuais na própria ação de busca e apreensão em que a financeira pretende retomar o bem adquirido.

A ministra Nancy Andrighi, em voto-vista proferido sobre o assunto, ponderou que seria pouco razoável reconhecer determinada nulidade num contrato garantido por alienação fiduciária e não declará-la apenas por considerar a busca e apreensão uma ação de natureza sumária (REsp 267.758).

Consumidor inadimplente 
O consumidor deve ser previamente informado quanto ao registro de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Assim, terá a oportunidade de pagar a dívida e evitar constrangimentos futuros na hora de realizar novas compras (REsp 735.701).

Se a dívida foi regularmente paga, o credor tem a obrigação de providenciar o cancelamento da anotação do nome do devedor no banco de dados, no prazo de cinco dias (REsp 1.149.998).
O prazo de prescrição para o ajuizamento de ação de indenização por cadastro irregular é de dez anos, quando o dano decorre de relação contratual, tendo início quando o consumidor toma ciência do registro (REsp 1.276.311).

Não cabe indenização por dano moral, segundo o STJ, em caso de anotação irregular quando já existe inscrição legítima feita anteriormente (Rcl 4.310). Para o Tribunal, o ajuizamento de ação para discutir o valor do débito, por si só, não inibe a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Para isso ocorrer, é necessário que as alegações do devedor na ação sejam plausíveis e que ele deposite ou pague o montante incontroverso da dívida (REsp 856.278).


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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 684.712 - DF  (2004⁄0079186-3)    
RELATOR:MINISTRO JOSÉ DELGADO

EMENTA
 
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC, NÃO-CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA ATUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR. DIREITO À INFORMAÇÃO. FORNECIMENTO DE FATURADETALHADA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. EXEGESE DO ART. 3° DA LEI N° 7.347⁄85. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. PRECEDENTES.

1. Ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS que busca a condenação da empresa concessionária de telefonia celular, AMERICEL S⁄A, ao fornecimento, sem nenhum encargo, de fatura discriminada dos serviços prestados, além da devolução, em dobro, dos valores cobrados pelo detalhamento da conta telefônica. A sentença julgou o pedido formulado pelo Parquet procedente, reconhecendo-lhe a legitimidade ad causam para a tutela de direitos individuais homogêneos. No mérito, condenou a ré a emitir faturas de modo detalhado e em caráter definitivo, tendo por paradigma as da TELEBRASÍLIA, além da restituição em dobro dos valores cobrados a título de taxa pela expedição de contas telefônicas discriminadas. O acórdão recorrido manteve o decisum de primeiro grau em todos os seus termos. Opostos embargos de declaração, foram estes rejeitados. Recurso especial da AMERICEL no qual se alega ofensa aos arts. 535 do CPC, 81 e 82 da Lei nº 8.078⁄90, 13 e 29, I e IV, da Lei nº 8.987⁄95, 2º, IV, e 3º, V, VI e IX, da Lei nº 9.427⁄97 e 3º da Lei nº 7.345⁄85.

2. Não prospera a tese de violação do art. 535, II, do CPC, uma vez que o acórdão a quo, embora de modo sucinto, se pronunciou acerca dos pontos necessários ao desate da controvérsia, sendo despicienda a apreciação exaustiva de todos os argumentos levantados pela parte, bastando que se enfrente a questão principal da lide. Assim sendo, não se verifica, na espécie, omissão a ensejar a nulidade do julgado, e, conseqüentemente, nenhuma contrariedade ao art. 535 do CPC.

3. Os interesses dos consumidores⁄assinantes da linha telefônica são de natureza individual, o que, todavia, não afasta seu caráter homogêneo, na medida em que a relação jurídica de consumo se aperfeiçoou por meio de pactos de adesão formulados unilateralmente pela AMERICEL, o que coloca os usuários em situação homogênea, no que se refere à eventual violação de direitos. Portanto, vislumbrada a tutela de interesses individuais homogêneos, tem incidência o art. 81 do CDC (Lei n° 8.078⁄90), além do art. 82 deste Diploma, que legitimou o Ministério Público, dentre outros entes, a agir na defesa coletiva dos interesses e direitos dos consumidores.

4. Não prospera a alegação de ilegitimidade passiva da concessionária, que afirma ter agido em estrita observância às regras emanadas do Poder concedente, de modo que se houve lesão ao consumidor deve-se imputá-la aos próprios regulamentos que disciplinam o serviço de telefonia celular. Entretanto, cabe frisar que refoge ao escopo da presente ação civil pública a discussão acerca da legalidade ou constitucionalidade das disposições regulamentares baixadas pelo Poder Público. Na realidade, busca-se apenas compelir a ora recorrente a cumprir seu dever de informar adequada e gratuitamente o consumidor acerca dos serviços prestados, o que lhe confere inegável legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda.

5. Não é razoável que se exclua do conceito de "serviço adequado" o fornecimento de informações suficientes à satisfatória compreensão dos valores cobrados na conta telefônica. Consectário lógico da consagração do direito do consumidor à informação precisa, clara e detalhada é a impossibilidade de condicioná-lo à prestação de qualquer encargo. O fornecimento do detalhamento da fatura há de ser, portanto, gratuito.

6. Esta Primeira Turma, no julgamento do Recurso Especial n° 605.323⁄MG, emprestou nova interpretação ao art. 3° da Lei n° 7.347⁄85, reconhecendo a viabilidade da cumulação de pedidos em sede de ação civil pública. Conferir: (REsp n° 605.323⁄MG, Rel. Min. José Delgado, Rel. p⁄ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17⁄10⁄2005; REsp n° 625.249⁄PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 31⁄08⁄2006). Não obstante os precedentes tratarem da tutela coletiva do meio ambiente, não seria razoável deixar de estender a mesma exegese conferida ao art. 3° da Lei n° 7.347⁄85 também às hipóteses em que a ação civil pública serve à proteção dos direitos do consumidor.

8. Recurso especial não-provido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Fux.

Brasília (DF), 07 de novembro de 2006 (Data do Julgamento)
  
 
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Inicialmente, não prospera a tese de violação do art. 535, II, do CPC, uma vez que o acórdão a quoembora de modo sucinto, se pronunciou acerca dos pontos necessários ao desate dacontrovérsia, sendo despicienda a apreciação exaustiva de todos os argumentos levantados pela parte, bastando que se enfrente a questão principal da lide, o que ocorreu na hipótese dos autos.
 
O Tribunal de origem, ao apreciar o recurso de apelação manejado pela ora recorrente, decidiu negar-lhe provimento, repelindo as preliminares de ilegitimidade ativa e passiva ad causam do Parquet e da concessionária, respectivamente, sob o fundamento de assistir ao consumidor o direito à emissão de fatura detalhada dos serviços prestados, sem nenhum ônus. Por fim, manteve condenação cumulativa imposta pela sentença relativa ao fornecimento de fatura discriminada, além da devolução, em dobro, dos valores pagos a título de taxa pela prestação dessa espécie de serviço.
 
Assim sendo, não se verifica, na espécie, omissão a ensejar a nulidade do julgado, e, conseqüentemente, nenhuma contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois “se os fundamentos do acórdão recorrido não se mostramsuficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam. Não se pode confundir ausência de motivação com fundamentação contrária aos interesses da parte" (AgRg⁄Ag n° 56.745⁄SP, DJU de 12⁄12⁄94).Portanto, é de ser repelida a preliminar de nulidade do acórdão objurgado por afronta ao art. 535, II, do CPC.
 
Quanto à legitimidade do Ministério Público para atuar no feito, deve-se ressaltar que a ação civil pública em análise busca a proteção de direitos individuais homogêneos dos consumidores por meio da condenação da empresa concessionária prestadora  ao fornecimento, sem nenhum encargo, de fatura discriminada dos serviços prestados de modo a permitir a conferência pelo consumidor dos valores que lhe estão sendo cobrados.
 
Irretocáveis as considerações tecidas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ora recorrido, em suas contra-razões, a respeito da natureza jurídica do direito à informação do consumidor, razão por que as reproduzo (fls.440⁄441):
 
"(...)
No caso em exame, conforme se depreende da causa de pedir e do pedido, a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público tem por escopo a tutela coletiva de interesses ou de direitos coletivos, transindividuais de grupos de consumidores, ligados entre si com a parte contrária por relação jurídica base, bem como de direitos individuais homogêneos, decorrentes de origem comum, assim definidos nos incisos II e III, do artigo 81, do Código de Proteção do Consumidor.
Extraindo exegese de tais dispositivos, conclui-se que são interesses individuais homogêneos aqueles emanados de idêntica origem, constituindo-se subespécie de direitos coletivos.
Ora, os interesses pertencentes aos usuários da linha telefônica Americel são individuais, eis que oriundo de relações contratuais individualizadas. Entretanto, a característica da homogeneidade emerge do contexto no qual cada pacto individual firmado entre consumidor e a fornecedora foi realizado por intermédio de instrumento idênticos de adesão, ou seja, cláusulas uniformes estipulas previamente pela Americel S.A., as quais, uma vez aderidas pelos usuáriosfiguram-nos em situação homogênea no tocante à possível violação de direitos.
Assim, caso os consumidores, independentes destes serem pessoas jurídicas ou físicas, sofram danos ou ameaça a direitos decorrentes de idênticas cláusulas abusivas estipuladas por fornecedor, obviamente emerge o interesse coletivo de que a nulidade de tais cláusulas seja reconhecida, fato ensejador de substituição processual do MP, por intermédio de ação civil pública, em virtude de permearem interesses individuais homogêneos. Presente está, pois, a ordem pública (art. 1° do CDC), desaparecendo então qualquer característica de disponibilidade de direitos, por parte dos clientes da Americel, ainda que versem sobre direito patrimonial.
(...)"
 
Extrai-se, portanto, a conclusão de que os interesses dos consumidores⁄assinantes da linha telefônica são de natureza individual, o que, todavia, não afasta seu caráter homogêneo, na medida em que a relação jurídica de consumo se aperfeiçoou por meio de pactos de adesão formulados unilateralmente pela AMERICEL, o que coloca os usuários em situação homogênea, no que se refere à eventual violação de direitos.
 
Nem se diga, como pretende a recorrente, que se trata de direito individual disponível tão-só pelo fato de facultar-se ao consumidor a expedição de fatura resumida ou detalhada, pois, na realidade, o que se objetiva com a ação coletiva em cotejo é o reconhecimento do direito à obtenção do detalhamento da conta de forma gratuita, considerando-se a cobrança de taxa violação do direito do consumidor à informação clara, precisa e completa acerca dos serviços que lhe são prestados.
 
Diante desse panorama, tratando-se da tutela de interesses individuais homogêneos, tem incidência o art. 81 do CDC (Lei n° 8.078⁄90), além do art. 82 deste Diploma, que legitimou o Ministério Público, dentre outros entes, a agir nadefesa coletiva dos interesses e direitos dos consumidores.
 
O artigo 81 da Lei 8.078⁄90 está assim redigido, verbis:
 
"Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum" (grifei).
 
Quanto ao fato de ser o Parquet parte legítima para propor ação civil pública objetivando a tutela de direitos individuais homogêneos, especialmente daqueles decorrentes de relações de consumo, a jurisprudência deste Sodalício épacífica no sentido de reconhecer sua legitimidade, conforme atestam os seguintes precedentes:
 
"Direito do consumidor e processual civil. Agravo no recurso especial. Recurso especial. Ação civil pública. Legitimidade ativa. Ministério Público. Contratos de financiamento celebrados no âmbito do SFH. Direitos individuais homogêneos. CDC. - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública que cuida de direitos individuais homogêneos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Negado provimento ao agravo no recurso especial." (AgRg no REsp n° 633.470⁄CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ de 19⁄12⁄2005)
 
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA (CF, ART. 129, III, E LEI 8.078⁄90, ARTS, 81 E 82, I). CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RODOVIA. EXIGÊNCIA DE TARIFA (PEDÁGIO) PELA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONCEDIDO QUE PRESCINDE, SALVO EXPRESSA DETERMINAÇÃO LEGAL, DA EXISTÊNCIA DE IGUAL SERVIÇO PRESTADOGRATUITAMENTE PELO PODER PÚBLICO.
1. O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, nomeadamente de serviços públicos, quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicação dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, e 81 e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor.
2. Omissis
3. (...)
4. (...)" (REsp n° 417.804⁄PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 16⁄05⁄2005)
 
"RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - CONTRATO DE CONCESSÃO - EXPLORAÇÃO DE RODOVIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTINÊNCIA - REUNIÃO DAS AÇÕES - ART. 105 DO CPC - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - LEGITIMIDADE ATIVA.
A par da identidade de partes, ambas as ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal amparam-se na mesma causa de pedir, qual seja, a existência de atos, contratos e procedimentos administrativos, relativos à exploração da BR-116, eivados de ilegalidade.
Ocorre, no entanto, que a segunda ação civil pública aforada, embora de menor abrangência, contempla alguns pedidos diversos dos formulados na primeira ação. É de elementar inferência, pois, que se trata de hipótese de continência e não de litispendência, a recomendar a reunião dos processos, tal como decidido pela egrégia Corte de origem.
De outra parte, no tocante à alegada ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, impende reconhecer que a presente demanda envolve a tutela de direitos dos consumidores usuários da rodovia objeto de contrato de concessão, bem como a validade de ato administrativo, em razão de eventual violação de princípios que regem a Administração. Tais circunstâncias, logicamente, evidenciam a legitimação extraordinária do Órgão Ministerial para propositura da demanda, em vista de manifesto interesse público.
Mais a mais, na linha do que restou decidido no REsp 417.804⁄PR, Rel. Ministro Garcia Vieira, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, DJU 10.03.2003, "'a ação civil pública é via adequada para o Ministério Público pleitear a proteção do direito do cidadão de transitar livremente por rodovia federal, sem pagar pedágio', mormente quando não construída rodovia alternativa".
Recurso especial a que se nega provimento." (REsp n° 512.074⁄RS, Rel. Min. Franciulli Netto, 2ª Turma, DJ de 04⁄04⁄2005)
 
"PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO COLETIVA – SERVIÇOS DE TELEFONIA – CONTAS TELEFÔNICAS DISCRIMINADAS – LIGAÇÕES INTERURBANAS – ESPECIFICAÇÃO DO TEMPO E DESTINO DAS LIGAÇÕES TELEFÔNICAS – INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO ESPECÍFICO – MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE – DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS E HOMOGÊNEOS E DIFUSOS – PRECEDENTES.
- O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública em defesa dos direitos de um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica (direitos coletivos).
- Recurso especial conhecido e provido" (REsp nº 162.026⁄MG, Rel. Min. Franciso Peçanha Martins, 2ª Turma, DJ de 11.11.2002).
 
Igualmente não prospera a alegação de ilegitimidade passiva da concessionária, que afirma ter agido em estrita observância às regras emanadas do Poder concedente, de modo que se houve lesão ao consumidor deve-se imputá-la aos próprios regulamentos que disciplinam o serviço de telefonia celular. Entretanto, cabe frisar que refoge ao escopo da presente ação civil pública a discussão acerca da legalidade ou constitucionalidade das disposições regulamentares baixadas pelo Poder Público. Na realidade, busca-se apenas compelir a ora recorrente a cumprir seu dever de informar adequada e gratuitamente o consumidor acerca dos serviços prestados, o que lhe confere inegável legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda.
 
Quanto ao mérito do recurso, menos razão assiste à recorrente.
 
O texto constitucional, em seu artigo 175, parágrafo único, inciso II, estipulou que, nas prestações de serviços diretamente pelo Poder Público ou mediante contrato de concessão ou permissão, "a lei disporá sobre os direitos dosusuários". Com esse desiderato, a legislação infraconstitucional estabeleceu as diretrizes acerca do modo de prestação dos serviços públicos, além dos direitos dos usuários e das obrigações a serem observadas tanto pelo Poder Público como pelos entes concessionários ou permissionários. Dentre tais diplomas legislativos, merece destaque o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078⁄90) que, objetivando proteger o usuário de eventuais abusos cometidos pelos entes supracitados, exigiu, peremptoriamente, a prestação de serviços "adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos", estipulando que, em caso de descumprimento dessas obrigações, "serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
 
Confira-se a dicção do art. 22, e seu parágrafo único, da Lei 8.078⁄90:
 
"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
 
Em seu art. 6°, inciso III, o CDC inclui, no rol dos direitos básicos do consumidor, o direito à "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem."
 
A Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispôs sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Carta Republicana, detalhou o que vem a ser "serviço adequado", leia-se:
 
"Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas."
 
Mais adiante, a Lei n° 8.987⁄95, ao tratar dos direitos e obrigações dos usuários, dispõe que, sem prejuízo do disposto na Lei n° 8.078⁄90, é direito do usuário "receber serviço adequado" (art. 7°, inciso I).
 
Assim, partindo-se de um esforço interpretativo dos dispositivo legais supra-referidos, não é razoável que se exclua do conceito de "serviço adequado" o fornecimento de informações suficientes à satisfatória compreensão dos valorescobrados na conta telefônica. Consectário lógico da consagração do direito do consumidor à informação precisa, clara e detalhada, é a impossibilidade de condicioná-lo à prestação de qualquer encargo. O fornecimento do detalhamento da fatura há de ser, portanto, gratuito.
 
No referente à interpretação e aplicação do art. 3° da Lei n° 7.347⁄85, vinha-me posicionando no sentido de não admitir a cumulação das obrigações de fazer ou não fazer e dar dinheiro ante o evidente caráter alternativo da mensagemexpressa no texto legal.
 
Entretanto, fiquei vencido. Esta Primeira Turma, no julgamento do Recurso Especial n° 605.323⁄MG, emprestou nova interpretação ao art. 3° do diploma legislativo em cotejo, reconhecendo a viabilidade da cumulação de pedidos em sedede ação civil pública.
 
Leia-se os fundamentos exarados pelo Ministro Teori Albino Zavascki, no mencionado precedente:
 
"(...)
4. À luz de uma interpretação estritamente gramatical, cumpre observar que a utilização, em texto normativo, do conectivo "ou", nem sempre expressa a idéia de alternatividade excludente. Não raras vezes a conjunção está associada ao significado de adição, expressando idéia de exemplificação, em substituição a "ou também" e "e". Se assim é, resta evidenciado que a interpretação gramatical não é suficiente e nem segura para resolver o dilema que se põe em face do preceito normativo antes referido. Ela deve, por isso mesmo, ser agregada a outros métodos interpretativos, especialmente o sistemático e o teleológico.
5. No presente caso o que se investiga é o significado de uma norma de processo. Processo é instrumento, é meio para servir a um fim: a tutela do direito material. Como todo instrumento, o processo está necessariamente submetido ao princípio da adequação: “suas regras e ritos devem adequar-se, simultaneamente, aos sujeitos, ao objeto e ao fim”, ensinou o Professor Galeno Lacerda (Comentários ao Código de Processo Civil, 7ª ed., Forense, 1998, p. 25). Esse princípio é elemento essencial e decisivo para a interpretação do alcance das regras processuais: se o processo é instrumento, há de se entender que suas formas devem ser interpretadas de acordo com a finalidade para a qual foram criadas. Ora, a ação civil pública  destina-se a tutelar direitos e interesses difusos e coletivos, entre os quais, segundo expressamente prevê a Constituição, os relacionados ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Há de se entender, conseqüentemente, que é instrumento com aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional,  a proteção a esse direito material da melhor forma e  na maior extensão possível. Somente assim será adequado e útil. Se não puder servir ao direito material, a ação civil pública será ferramenta desprezível.
6. Pois bem, o meio ambiente tem sua proteção constitucional assim delineada:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Percebe-se que a norma constitucional atribuiu ao Poder Público e à coletividade o dever de defesa e preservação do meio ambiente e, especificamente ao autor de conduta lesiva, a obrigação de reparar o dano. Prevenção e repressão são, portanto, valores constitucionalmente agregados ao sistema de proteção ambiental. Daí afirmar-se, no plano doutrinário, a submissão do direito ambiental aos princípios da prevenção - “como forma de antecipar-se ao processo de degradação ambiental” (“Princípios de Direito Ambiental”, José Adércio Leite Sampaio, Chris Wold e Afrênio Nardi, Del Rey, 2003, p. 70), do poluidor-pagador – “como mecanismo de alocação da responsabilidade pelos custos ambientais associados à atividade econômica” (op.cit., p. 23) e do ressarcimento integral – “a lesão causada ao meio ambiente há de ser recuperada em sua integridade (...); por isso mesmo, quando não for possível a reparação do dano, ainda assim será devida indenização pecuniária correspondente” (“Direito do Ambiente”, Edis Milaré, RT, 3ª ed., p. 757).
Os mesmos princípios estão incorporados ao sistema normativo infraconstitucional, nomeadamente na Lei 6.938⁄81, que regula a Política Nacional do Meio Ambiente:
"Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
(...)
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação” .
"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(...)
VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas á sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e⁄ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos".
Não há dúvida, portanto, que, examinada à luz do direito material, a tutela do meio ambiente comporta deveres e obrigações de variada natureza, impondo aos seus destinatários prestações de natureza pessoal (fazer e não fazer) e de pagar quantia (ressarcimento pecuniário), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. Acentua-se, para o que interessa à questão aqui em debate, o disposto no art. 4º, VII, transcrito acima, que, ao tratar da responsabilização do poluidor, refere a obrigação de recuperar e⁄ou indenizar os danos causados. E do princípio da prevenção, de que nasce o "dever jurídico de evitar a consumação de danos ao meio ambiente" (Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2003 - p.72), decorre, ainda, necessariamente, a obrigação pessoal negativa, de não-fazer. Em suma, do ponto de vista do direito material, a tutela ambiental impõe prestações variadas – e cumuladas -, de fazer, não fazer e pagar quantia.
Se essa é a tutela que o direito material – constitucional e infraconstitucional – assegura ao meio ambiente, não se poderia imaginar que o legislador tivesse negado ao titular da ação correspondente os meios processuais adequados a tal finalidade. Tal pecado o legislador não poderia ter cometido. É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347⁄85, a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (o que atende ao princípio da adequação) e não o de exclusão (que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado, para não dizer inútil). Essa conclusão é confirmada por interpretação sistemática, à luz, especialmente, da legislação superveniente. Com a Lei 8.078⁄90 (Código de Defesa do Consumidor), adicionou-se o seguinte artigo à Lei 7.347⁄85:
"Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor."
Invocável, conseqüentemente, também para a tutela do meio ambiente, o art. 83 do CDC, nesses termos:
"Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela."
Mais: a Lei 8.625⁄1993 (Lei Orgânica do Ministério Público), ao definir o objeto da ação civil pública para tutelar o meio ambiente, dispôs:
"Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
(...)
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.
A outorga de meios processuais variados (“todas as espécies de ações”), com a cumulação das múltiplas formas de provimento (“proteção, prevenção e reparação”), evidencia a intenção do legislador de dotar o autor da ação civil pública de instrumentos com elevado grau de aptidão para obter tutela jurisdicional a mais completa possível, segundo as circunstâncias de cada caso.
8. Não teria sentido imaginar, por outro lado, que a tutela ambiental que demandasse prestações variadas devesse ser prestada em demandas separadas, uma para cada espécie de prestação. Isso, além de atentar contra o princípio da instrumentalidade e da economia processual, acarretaria a possibilidade de sentenças contraditórias e incompatíveis para a mesma situação de fato e de direito. O exemplo dos autos é significativo. Diante de alegada conduta lesiva ao meio ambiente praticada pela autora, deduziu-se pedido cumulativo de prestação de não fazer (cessar a emissão de efluentes sanitários no rio; cessar a emissão de material particulado para a atmosfera), de fazer (implantar sistema de controle anti-poluentes, adequar-se aos níveis de emissão de particulados sólidos compatíveis com sua localização urbana, adequar o tratamento de efluentes líquidos, recuperar as lesões ambientais causadas) e de pagar quantia (indenização pelos danos ambientais já causados, mas insuscetíveis de serem recuperados por via específica e in natura). A demanda, bem se vê, busca tutela ambiental medianteatendimento conjunto dos princípios da prevenção (obrigações pessoais negativas – de não fazer), do poluidor-pagador (obrigações pessoais positivas – de fazer) e da reparação integral (pagar indenização). As partes e a causa de pedir são as mesmas para todos os pedidos. O objetivo final é, nos três casos, o mesmo: a tutela do meio ambiente lesado em circunstâncias específicas. O que se cumula são apenas os pedidos mediatos, consistentes de prestações variadas. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação autônoma, significaria, sem dúvida, atentar contra os princípios antes referidos da instrumentalidade e da economia processual, além de propiciar a superveniência de decisões conflitantes. Se  a tal ônus estivesse submetido o autor da ação civil pública, melhor seria que utilizasse, simplesmente, o procedimento comum ordinário para tutelar o meio ambiente, já que nesse seriapermitida, sem empecilho, a cumulação aventada. Ora, não teria sentido negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite para a tutela de todo e qualquer outro direito, pela via do procedimento comum."
 
Recentemente, o Colegiado pronunciou-se, mais uma vez, em sentido idêntico:
 
"PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347⁄85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF⁄88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938⁄81,  ART. 25, IV, DA LEI 8.625⁄93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.
1. A Lei nº 7.347⁄85, em seu art. 5º, autoriza a propositura de ações civis públicas por associações que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938⁄81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.
3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer),  bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.
4. A  ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar,  no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil.
5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347⁄85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins).
6. Interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") bem como o art. 25 da Lei 8.625⁄1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.
7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa.
8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhorviabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito.
9. Recurso especial desprovido."
(REsp n° 625249⁄PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 31⁄08⁄2006, p. 203)
 
Curvo-me, portanto, ao entendimento consagrado pela Primeira Turma. Ressalte-se que, não obstante os precedentes acima citados tratarem especificamente da tutela coletiva do meio ambiente, não seria razoável deixar de estender a mesma exegese conferida ao art. 3° da Lei n° 7.347⁄85 também às hipóteses em que a ação civil pública serve à proteção dos direitos do consumidor.
 
Isso posto, firme nas razões desenvolvidas, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
 
É como voto.
 
 
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 684.712 - DF (2004⁄0079186-3)
 
ADITAMENTO AO VOTO
 
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR): Sr. Presidente, trago à Turma uma meditação preliminar, que não consta do meu voto. Dispõe a Constituição Federal no art. 1º:
 
"A República Federativa do Brasil.....................
........................os valores sociais do trabalho..."
 
A seguir, no rol das garantias de direitos fundamentais, registra como direito e garantia fundamental a proteção ao consumidor.
 
Em face disso, Sr. Presidente, mais do que nunca e com base em todos os doutrinadores e em toda a construção doutrinário-jurisprudencial sobre esses direitos, após a Constituição Federal de 1988, afirmo que, pela primeira vez noBrasil, o consumidor foi visto como cidadão e deve ser respeitado como tal.
 
Como disse o Ministério Público, o que se pretende é, nada mais, nada menos - mediante ação civil pública, cuja legitimidade do MP, embora esteja sendo questionada no recurso estou afastando, porque é patente, tanto que não foi sequer levantada pelo eminente advogado da tribuna -, que a empresa forneça, durante a época posta, detalhamento dos serviços prestados e que não cobre taxa quando o consumidor, por duvidar daquilo que lhe foi apresentado de modo obscuro, fizer seu pedido de conta detalhada.
 
Observe V. Exa., com a devida vênia, que a posição da empresa é não cumprir o que está posto na Constituição Federal no que se refere à valorização do cidadão, da dignidade humana, desrespeitando inteiramente os direitos doconsumidor, que, mais do que nunca, passou a ser considerado cidadão.

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RECURSO ESPECIAL N° 332.025 - MG (2001⁄0084604-2)

RELATOR:MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
 
EMENTA

Responsabilidade civil. Cirurgia para redução de mamas. Paciente obesa. Súmula n° 07 da Corte. Embargos de declaração. Súmula n° 98 da Corte.

  1. Examinada a prova dos autos pelo Acórdão recorrido, com a indicação de que faltou o médico com o dever de informação sobre os riscos da cirurgia, ainda mais tratando-se de paciente obesa, com sua ausência durante o pós-operatório que teve complicações, aliada à falta de prova de ter a autora exercido atividade que teria causado o problema e, ainda, inexistente prova da especialização do médico para a execução do tipo de cirurgia realizada, presente está a Súmula n° 07 da Corte, não havendo as alegadas violações aos artigos 131 e 458 do Código deProcesso Civil.
  2. Nos termos da Súmula n° 98 da Corte não são protelatórios os embargos de declaração para fins de prequestionamento.
  3. Recurso especial conhecido e provido, em parte.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar parcial provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília (DF), 28 de maio de 2002(data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler
Presidente

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Relator


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:

A recorrida ajuizou ação de reparação de danos em decorrência da perda de um dos mamilos em cirurgia plástica para a redução do tamanho das mamas. A sentença julgou improcedente o pedido com relação ao médico porque entendeu não comprovada a culpa na eclosão das seqüelas e acolheu a preliminar de ilegitimidade da clínica. O Tribunal de Alçada deMinas Gerais proveu a apelação, em parte, para condenar o médico a pagar indenização no valor de R$ 15.100,00, atualizado a partir do julgamento. Os embargos de declaração do médico e da autora foram rejeitados. Os novos embargos de declaração do médico foram também rejeitados, desta feita com imposição de multa. O Tribunal de origemconsiderou que o cirurgião deixou de prestar todas as informações sobre a técnica a ser adotada, o tipo e o formato das cicatrizes; os riscos da cirurgia, sendo a paciente obesa, as probabilidades de complicações no pós-operatório, não tendo o cirurgião plástico o direito a provocar expectativas que ele sabe que não poderão ser preenchidas, cabendo a eleprovar que assim procedeu. Por outro lado, considerou o Acórdão recorrido que houve invasão do dever de vigilância, não sendo contestada a afirmação da autora de que durante o pós-operatório foi atendida por outro médico porque o réu teria viajado, não havendo prova suficiente de que a autora descuidou-se em seu pós-operatório realizando tarefas proibidas. Finalmente, asseriu o Acórdão recorrido que não foi encontrada nos autos a qualificação médica do réu para o tipo de cirurgia.

O especial está assentado na alegada violação aos artigos 131 e 458 do Código de Processo Civil. Mas, sem razão alguma. A simples leitura do Acórdão recorrido demonstra claramente que os julgadores desafiaram a questão examinando-a sob todos os ângulos, apresentando fundamentação adequada e lastreando a condenação no exame da prova produzida, nas circunstâncias da falta de informação adequada, da ausência do médico no pós-operatório, que apresentou complicações, da insuficiência da prova sobre o descuido da autora quando do pós-operatório e, ainda, da falta de comprovação da qualificação especializada do médico para a cirurgia que se propôs realizar, descartando os argumentos apresentados pelo médico para livrar-se da responsabilidade. Tal cenário deixa bem presente a Súmula n° 07 da Corte.

Todavia, tem razão o recorrente no que se refere à multa do art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil, incidindo a Súmula n° 98 da Corte.

Eu conheço do especial, em parte, e, nessa parte, dou-lhe provimento para afastar a multa imposta nos embargos de declaração.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.181.066 - RS (2010⁄0031557-0)
 
RELATOR:MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
 
EMENTA
 
DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO ADEQUADA. PROTEÇÃO À SAÚDE. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DE ASSOCIAÇÃO CIVIL. DIREITOS DIFUSOS. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA DOS ASSOCIADOS.  AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ARTS. 2.º E 47 DO CPC. NÃO PREQUESTIONAMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CERVEJA KRONENBIER. UTILIZAÇÃO DA EXPRESSÃO "SEM ÁLCOOL" NO RÓTULO DO PRODUTO. IMPOSSIBILIDADE.BEBIDA QUE APRESENTA TEOR ALCOÓLICO INFERIOR A 0,5% POR VOLUME. IRRELEVÂNCIA, IN CASU, DA EXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTAR QUE DISPENSE A MENÇÃO DO TEOR ALCÓOLICO NA EMBALAGEM DO PRODUTO. ARTS. 6.º E 9.º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

1. A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo decisum não se traduz em insuficiência de fundamentação do julgado, sendo descabido, na hipótese, falar em ofensa aos arts. 165, 458, II e III, e 515, do CPC.

2. São legitimados para sua propositura, além do Ministério Público, detentor da função institucional de fazê-lo no resguardo de interesses difusos e coletivos (CF⁄88, art. 129, III), a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações civis.

3. Não se exige das associações civis que atuam em defesa aos interesses do consumidor, como sói ser a ora recorrida, autorização expressa de seus associados para o ajuizamento de ação civil que tenha por objeto a tutela a direitos difusos dos consumidores, mesmo porque, sendo referidos direitos metaindividuais, de natureza indivisível, e especialmente, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato, impossível seria a individualização de cada potencial interessado.

4. À luz dos enunciados sumulares n.ºs 282⁄STF e 356⁄STF, é inadmissível o recurso especial que demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se pronunciado a Corte de origem.

5. Inexistindo nos autos elementos que conduzam à necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário da União com a recorrente, já que a demanda diz respeito exclusivamente às informações contidas no rótulo de uma das marcas de cerveja desta, não há falar, in casu, em competência da Justiça Federal.

6. A comercialização de cerveja com teor alcoólico, ainda que inferior a 0,5% em cada volume, com informação ao consumidor, no rótulo do produto, de que se trata de bebida sem álcool, a par de inverídica, vulnera o disposto nos arts. 6.º e 9.º do CDC, ante o risco à saúde de pessoas impedidas ao consumo.

7. O fato de ser atribuição do Ministério da Agricultura a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, não autoriza a empresa fabricante de, na eventual omissão deste, acerca de todas as exigências que se revelem protetivas dos interesses do consumidor, malferir o direito básico deste à informação adequada e clara acerca de seus produtos.

8. A dispensa da indicação no rótulo do produto do conteúdo alcóolico, prevista no já revogado art. 66, III, "a", do Decreto n.º 2.314⁄97, não autorizava a empresa fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo a não veraz informação de que o consumidor estaria diante de cerveja "sem álcool", mesmo porque referida norma, por seu caráter regulamentar, não poderia infirmar os preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor.

9. O reexame do conjunto fático-probatório carreado aos autos é  atividade vedada a esta Corte superior, na via especial, nos expressos termos do enunciado sumular n.º 07 do STJ.

10. Recurso especial a que se nega provimento.
 
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade,  negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti. 
 
Brasília (DF), 15 de março de 2011(Data do Julgamento)
 


VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS) (Relator): Antes de se adentrar ao exame pontual das questões relativas ao mérito recursal suscitadas nas razões do presente apelo nobre, faz-se oportuno esclarecer que a questão litigiosa que deu origem à controvérsia se resume a saber se, a despeito de existir regulamento classificando como "sem álcool" cervejas que possuem teor alcóolico inferior a meiopor cento em volume, seria dado à empresa ora requerente, comercializar seu produto (cerveja KRONENBIER), possuidor de 0,30 g⁄100g e 0,37g⁄100g de álcool em sua composição, fazendo constar do rótulo do mesmo a expressão "sem álcool".
Consoante o já relatado, está-se diante de ação civil, pública manejada por entidade associativa, que atua em prol da defesa dos direitos do consumidor, por meio da qual se pretende instar a fabricante a remover do rótulo do mencionado produto a expressão "sem álcool", em atenção ao direito do consumidor à informação, bem como por preservação à sua saúde.
À questão meritória, somam-se, ainda, na presente irresignação recursal, questões preliminares, de ordem processual, que se fazem merecedoras de apreciação, sob pena de omissão desta Corte Superior, sendo elas referentes à legitimidade ativa da entidade associativa, autora da demanda, competência da justiça estadual para apreciação do feito e existência de devida fundamentação no aresto objeto de impugnação.
Feito este breve intróito, cabe antecipar que, tenho por não se revelarem merecedoras de acolhimento as pretensões recursais.
 
- DA SUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO DO ARESTO RECORRIDO:
 
De início, verifica-se não ter havido a alegada negativa de prestação jurisdicional no julgamento do recurso de apelação manejado pela empresa ora recorrente, bem como dos embargos declaratórios que se lhe seguiram, visto que talsomente se configura quando, na apreciação do recurso, o Tribunal de origem insiste em omitir pronunciamento sobre questão que deveria ser decidida, e não foi. Não é o caso dos autos. A Corte de origem enfrentou a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, consoante se pode facilmente inferir do inteiro teor do aresto objeto de impugnação do especial denegado. Neste particular, oportuna se faz a transcrição dos seguintes excertos extraídos do voto condutor do julgado que ora pretende a recorrente infirmar, primeiramente no que se refere à legitimidade ativa da associação ora recorrida, litteris:
 
"(...) Pretende a apelante ré a extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa da autora. Assevera que a autora age em substituição de seus associados, no interesse de direitos individuais homogêneos destes, para o que é incabível a ação civil pública. Ainda, sustenta que, na condição de substituta processual, deve haver autorização expressa dos substituídos, conforme dispõe o art. 5.º, XXI, da Constituição Federal.
Todavia, no estatuto da sociedade autora, cujo instrumento instrui a petição inicial, às fls. 13⁄17, em seu art. 3.º, está disposto que 'A associação terá como finalidade promover a defesa dos interesses do consumidor em geral no que tange a seu bem estar de maneira ampla promovendo ações que visem à preservação, recuperação e reparação de sua saúde física e mental, buscando, principalmente, a erradicação dos fatores de desencadeamento de resultados danosos à integridade dos indivíduos, bem como formas financeiras que possam minorar, atenuar ou reparar os efeitos indesejados obtidos como resultado da simples existência, por ação direta ou indireta, de fatores que possam vir a causar o resultado nefasto'. Observa-se, portanto, segundo o estatuto da associação, que o objeto social é o de promover a defesa dos interesses do consumidor em geral, e não apenas dos sócios. A legitimidade ativa e a possibilidade jurídica do pedido encontram respaldo na Lei n.º 7347 de 24 de julho de 1985 (LACP), mormente no disposto no art. 5.º, II, onde consta que a ação civil pública poderá ser promovida por associação que inclua entre suas finalidades institucionais, a proteção ao consumidor. E no § 4.º do mesmo artigo, dispõe a lei que o requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Trata-se, pois, de ação civil pública que tem por fim a defesa de interesses difusos do consumidor, aliás como bem referiu o eminente procurador dejustiça em seu parecer antes ciado. Presentes as condições da ação, afasto a preliminar de carência de ação."
 
Quanto ao mérito da apelação propriamente dito, assim restou consignado no voto condutor do julgado ora hostilizado, verbis:
 
"O art. 66 do Decreto n.º 2.314 de 04.09.97, assim dispõe:
 
Art. 66. As cervejas serão classificadas:
III - Quanto ao teor alcoólico em:
a) cerveja sem álcool, quando seu conteúdo em álcool for menor que meio por cento em volume, não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico.
 
O dispositivo legal em questão classifica a cerveja como sem álcoolquando inferior a 0,5%, para o fim de dispensar o fabricante de fazer constar no rótulo do produto o percentual alcoólico, daí não se infere que o fabricante esteja autorizado a prestar a falsa informação, ou seja, de que a bebida não contém álcool. Pois, se assim fosse, estar-se-ia dando azo à interpretação absurda de que pudesse constar do rótulo informação não verdadeira. A classificação sem álcool a que se refere a lei, tem por fim apenas e tão-somente, dispensar o fabricante de fazer consignar no rótulo do produto o seu teor alcoólico.
A correta interpretação do art. 66 do Decreto n.º 2314⁄97, não enseja a possibilidade de conflito de normas, incidindo em sua plenitude o disposto no art. 6.º do CDC, que lhe assegura o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentam.
De outra parte, constar do rótulo que se trata de bebida SEM ÁLCOOL, seguida a expressão de um asterisco, supondo que tal sinal remeta o consumidor à leitura de frases com letras quase ilegíveis pelo pequeno tamanho dos tipos gráficos, conforme se infere da embalagem do produto, para dizer que se trata de bebida COM ÁLCOOL, configura violação ao disposto no referido art. 6.º do Código de Defesa do Consumidor, como referiu a bem lançada sentença da lavra do magistrado Giovanni Conti.
No que diz com risco à saúde, para determinados consumidores portadores de doenças que não os autorizam a consumir bebidas alcoólicas adoto como razões de decidir, os fundamentos da decisão recorrida que merece ser transcrita:
 
'A discussão, diferentemente do pretendido pela ré, não diz respeito ao percentual de álcool existente no produto, pois qualquer empresa pode comercializar bebida alcoólica no país. O que deve ser focalizado é a situação de existir a referida substância em um produto em que é informado a inexistência da mesma.
Deve ser considerado que o fato de existir ou não álcool na referida cerveja é crucial para determinados consumidores, os quais possuem recomendação médica no sentido de ser vedado terminantemente o uso de substância alcoólica, sob pena de prejuízos consideráveis.
É inquestionável que há pessoas que ingerem a referida bebida somente em razão de constar no rótulo a inexistência de álcool. Deste modo, estas, sem sequer ter conhecimento, já estão sendo prejudicadas pela comercialização indevida realizada pela ré.
Cabe ser ressaltado o depoimento dos médicos ao se manifestarem em juízo: '...agora, vamos fazer a conta que se for correta a informação de 0,3, dez a quinze cervejas sem álcool, equivalem a uma com álcool. Se um médico prescreveu para um paciente que ele tem que ficar sem álcool, ele está correndo risco médico ao ir contra a prescrição de uma forma inadvertida, porque iludido pelo rótulo, esse é o problema que eu vejo' (Dr. Sérgio de Paula Ramos, médico, fl. 260).
Ademais, conforme outros depoimentos de profissionais da área da medicina apresentados nos autos, ficou demonstrado que o álcool seria extremamente danoso para doenças como alcoolismo, diabete, cirrose hepática, além de outras síndromes mais raras (fls. 254-265).
Deste modo, é inadmissível que um produto vendido no mercado, o qual pode ser ingerido por qualquer pessoa, conste informação equivocada em seu rótulo, induzindo a erro pessoas que podem sofrer danos irreparáveis à sua saúde.
Outrossim, o Código de Defesa do Consumidor refere, como um dos direitos básicos do consumidor, a informação clara e adequada sobre os produtos, conforme art. 6.º, bem como o dever do fornecedor de informar a existência das substâncias que podem ser nocivas e perigosas à saúde, nos termos do art. 9.º.
Portanto, é inegável que o réu agiu de forma equivocada, no momento que prestou informações inverídicas aos consumidores, e ainda, considerando-se que a situação em tela diz respeito à saúde e, deste modo, à vida das pessoas, a pretensão da associação autora é ainda mais relevante.'
 
A tese de que a sentença conferiu tratamento não isonômico entre a ré e fabricantes nacionais e estrangeiros que comercializam bebida nas mesmas condições, ou seja, cerveja sem álcool, contendo a expressão sem álcoolnão encontra guarida no ordenamento processual vigente, exceto na hipótese de litisconsórcio passivo necessário, que não é o caso dos autos, em face do princípio da inércia da jurisdição insculpido no art. 2.º do Código de Processo Civil (...)". (fls. 1205⁄1207, e-STJ).
 
Não se pode assim, por óbvio, imputar ao julgado, ora hostilizado, a pecha de carente de fundamentação.
A propósito, o órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas sobre os considerados suficientes para fundamentar sua decisão, o que foi feito.
A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo decisum não se traduz em maltrato às normas apontadas como violadas ou como interpretadas de maneira indevida (arts. 165, 458, II e III, e 515, do CPC).
Nesse sentido:
 
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - CANCELAMENTO DO REGISTRO - INVIABILIDADE - SÚMULA 323⁄STJ - OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO - INOCORRÊNCIA - FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DOS DEMAIS DISPOSITIVOS ELENCADOS NO RECURSO.
I - Não se pode confundir negativa de prestação jurisdicional com tutela jurisdicional desfavorável ao interesse da parte. O Tribunal de origem decidiu corretamente o feito, baseando-se, inclusive, na jurisprudência assente desta Corte sobre a matéria. Assim, não há que se falar em violação dos artigos 458, II e III, 515, §§ 1º e 2º, 535, I e II, do Código de Processo Civil. Os demais dispositivos não foram prequestionados.
II - O registro do nome do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito não se vincula à prescrição atinente à espécie de ação cabível. Assim, se a via executiva não puder ser exercida, mas remanescer o direito à cobrança da dívida por outro meio processual, desde que durante o prazo de 5 (cinco) anos, não há óbice à manutenção do nome do consumidor nos órgãos de controle cadastral, em vista do lapso qüinqüenal (Súmula 323⁄STJ).
Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 1099452⁄RS, Rel. Ministro  SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17⁄02⁄2009, DJe 05⁄03⁄2009).
 
DA LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO ORA RECORRIDA:
 
Não merece qualquer reprimenda a Corte de origem no tocante ao reconhecimento de que "a associação que postula em juízo a defesa de interesses difusos, não necessita de autorização de seus associados, sendo possíveljuridicamente a defesa desses interesses através de ação civil pública" (fl. 1192, e-STJ).
A ação civil pública, consoante a inteligência da Lei n.º 7.347⁄85, constitui instrumento servil à apuração da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,turístico e paisagístico. Passou, ainda, a tutelar, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078⁄90), também outros interesses difusos e coletivos.
Como de sabença, são legitimados para sua propositura, além do Ministério Público, detentor da função institucional de fazê-lo no resguardo de interesses difusos e coletivos (CF⁄88, art. 129, III), a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações civis.
No que se refere à legitimidade das associações para propositura da demanda, impõe a legislação de regência (Lei n.º 7.347⁄85) apenas duas exigências, quais sejam: (i) que esteja a associação constituída há pelo menos 01 (um) ano nos termos da lei civil (art. 5.º, V, "a"); e (ii) que inclua, a mesma, entre suas finalidades, proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 5.º, V, "b").
Não se exige, assim, das associações civis que atuam em defesa aos interesses do consumidor, como sói ser a ora recorrida - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DA SAÚDE DO CONSUMIDOR ⁄ SAUDECON -, autorização expressa de seus associados para o ajuizamento de ação civil que tenha por objeto a tutela a direitos difusos dos consumidores, mesmo porque, sendo referidos direitos metaindividuais, de natureza indivisível, e especialmente, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis, que se encontram unidas em razão de uma situação de fato, impossível seria a individualização de cada potencial interessado.
Oportuno ressaltar que, mesmo nas hipóteses em que movida a ação civil pública para proteção de interesses individuais homogêneos dos consumidores, não tem esta Corte Superior exigido, como pré-requisito de legitimação das entidades associativas, a apresentação de autorização especial ou mesmo da relação nominal dos associados das mesmas. Neste particular, oportuna se faz a colação, à guisa de exemplo, do seguinte precedente:
 
PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. IDENTIFICAÇÃO DOS SUBSTITUÍDOS. DESNECESSIDADE. DEVOLUÇÃO DO PRAZO RECURSAL. JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE.
- A ação coletiva é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes.
- Independentemente de autorização especial ou da apresentação de relação nominal de associados, as associações civis, constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, gozam de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva.
- É regular a devolução do prazo quando, cessado o impedimento, a parte prejudicada demonstra a existência de justa causa no qüinqüídio e, no prazo legal, interpõe o Recurso. Na ausência de fixação judicial sobre a restituição do prazo, é aplicável o disposto no art. 185 do CPC.
- A prerrogativa assegurada ao Ministério Público de ter vista dos autos exige que lhe seja assegurada a possibilidade de compulsar o feito durante o prazo que a lei lhe concede, para que possa, assim, exercer o contraditório, a ampla defesa, seu papel de 'custos legis' e, em última análise, a própria pretensão recursal. A remessa dos autos à primeira instância, durante o prazo assegurado ao MP para a interposição do Especial, frustra tal prerrogativa e, nesse sentido, deve ser considerada justa causa para a devolução do prazo.
Recurso Especial Provido.
(REsp 805277⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23⁄09⁄2008, DJe 08⁄10⁄2008)
 
Assim, tendo por objeto, a ação civil pública que deu origem física aos autos, a tutela ao interesse difuso dos consumidores à veracidade das informações apresentadas pelo fornecedor na embalagem de seus produtos, e detendo, a associação civil autora da demanda, como objeto social, a promoção da "defesa dos interesses do consumidor em geral no que tange a seu bem estar de maneira ampla" (fl. 1133, e-STJ), não há falar na suscitada ilegitimidade ad causam, sendo inexistente, destarte, o suposto malferimento dos arts. 81, III, 82, IV, do CDC e 267, VI, do CPC.
Neste mesmo sentido é o parecer do Ministério Público Federal, verbis:
 
"(...) Também não prospera a alegação de afronta aos arts. 267, IV, do CPC, 81, III, e 82, IV do CDC. Entende a recorrente que o processo deveria ter sido extinto sem julgamento do mérito, uma vez que a Associação autora não juntou autorização dos associados para ajuizar a ação, portanto, lhe faltaria legitimidade ativa para tanto. A jurisprudência, no entanto, entende que as associações que tem por finalidade a defesa dos consumidores possuem legitimidade para agir tanto em nome dos associados quanto dos não associados" (fl. 1676, e-STJ).
 
- DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL:
 
A partir de verdadeiro esforço exegético, aduz a empresa ora recorrente, a incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito, ao fundamento de que teria a União interesse no mesmo, vez que a eventual condenação da empresa demandada para impor-lhe a obrigação de alterar o rótulo de seu produto (cerveja KRONENBIER), com a supressão da expressão "sem álcool", pressuporia  alteração da classificação da referida cerveja, o que somente poderia se dar com a anuência do Ministério da Agricultura. Sustenta, assim, ter a Corte de origem, malferido os arts. 2.º e 47 do CPC.
Neste particular, todavia, tenho que não merece prosperar a irresignação recursal.
Primeiramente, porque não se revela merecedor de conhecimento o especial no que pertine a alegada ofensa aos arts. arts. 2.º e 47 do CPC. Com efeito, depreende-se do inteiro teor do aresto ora hostilizado que os referido dispositivos legais e a matéria federal neles inserta não foram sequer implicitamente prequestionados, revelando verdadeira inovação recursal promovida pela empresa ora recorrente em seu apelo nobre.
Insta observar que a exigência do prequestionamento não se traduz em mero rigorismo formal, que poderia ser livremente afastado pelo julgador. Ela encerra a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento das questõessubmetidas ao E. Superior Tribunal de Justiça, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal, em seu art. 105.
Inexistindo, neste dispositivo, previsão de apreciação originária por este E. Tribunal Superior de questões como a que ora se apresenta, fica obstado o conhecimento do especial.
Destarte, evidenciada a ausência de prequestionamento da matéria federal inserta no dispositivo legal apontado pelos recorrentes como malferido, aplica-se, à hipótese vertente, a inteligência dos enunciados sumulares n.ºs 282 e 356 do STF, que ostentam o seguinte teor:
 
"282 - É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada."
"356 - O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento."
 
Ainda que assim não fosse, a alegação não se reveste de plausibilidade jurídica, sendo suficiente, para elucidação da quaestio iuris, o pronunciamento do Ministério Público Federal acerca da mesma, litteris:
 
"(...) Argumenta, ainda, que houve violação ao art. 47 do CPC, uma vez que o Tribunal a quo não observou a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário da recorrente com a União, o que levaria à incompetência absoluta da Justiça Estadual para julgamento da causa. Não há nos autos elementos que conduzam à necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário da União com a recorrente, já que a demanda diz respeito exclusivamente às informações contidas no rótulo de uma de suas marcas de cerveja. Por mais que o Ministério da Agricultura tenha sido o responsável pela classificação dos tipos de cervejas, não se pode afirmar que ele tenha alguma responsabilidade, também, pelo que cada cervejaria colocará em seu rótulo. O que se discute é a aplicação do decreto normativo regulamentador e não um ato administrativo" (fl. 1677, e-STJ).
 
 
- DO DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA SOBRE DIFERENTES PRODUTOS E SERVIÇOS:
 
Superadas as questões preliminarmente suscitadas, chegamos ao cerne da controvérsia que, consoante o já antecipado, se resume a saber se, a despeito de existir regulamento classificando como "sem álcool" cervejas que possuem teor alcóolico inferior a meio por cento em volume, seria dado à empresa ora requerente, comercializar seu produto (cerveja KRONENBIER), possuidor de 0,30 g⁄100g e 0,37g⁄100g de álcool em sua composição, fazendo constar do rótulo do mesmo a expressão "sem álcool".

O entendimento esposado pelas instâncias de cognição plena, resultante, diga-se de passagem, também do que se extraiu do acervo probatório carreado aos autos, foi no sentido de que "a classificação 'sem álcool' a que se refere a lei, tem por fim apenas e tão-somente, dispensar o fabricante de fazer consignar no rótulo do produto o seu teor alcóolico" e que, "constar do rótulo que se trata de bebida sem álcool, seguida a expressão de um asterisco, supondo que tal sinal remeta o consumidor à leitura de frases com letras quase ilegíveis pelo pequeno tamanho dos tipos gráficos, conforme se infere da embalagem do produto, para dizer que se trata de bebida com álcool, configura violação ao disposto no referido art. 6.º do Código de Defesa do Consumidor" (fls. 1205⁄1206, e-STJ).

A cervejaria ora recorrente insiste, nas razões de seu apelo nobre, na alegação de legalidade da utilização da expressão "sem álcool" no rótulo de seu produto, por estar referido procedimento tutelado pelo disposto nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.914⁄94 e no art. 66 do Decreto n.º 2314⁄97, regulamentador daquela.

Do compulsar dos autos e de tudo o quanto já fora dito na hipótese vertente, não me parece que os arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.914⁄94 - que, dentre outras providências, dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas -, tenham o alcance pretendido pela empresa ora recorrente. Encontram-se assim redigidos os mencionados dispositivos legais, verbis:
 
"Art. 1º É estabelecida, em todo o território nacional, a obrigatoriedade do registro, da padronização, da classificação, da inspeção e da fiscalização da produção e do comércio de bebidas.
Parágrafo único. A inspeção e a fiscalização de que trata esta lei incidirão sobre:
I - Inspeção:
a) equipamentos e instalações, sob os aspectos higiênicos, sanitários e técnicos;
b) embalagens, matérias-primas e demais substâncias, sob os aspectos higiênicos, sanitários e qualitativos;
II - Fiscalização;
a) estabelecimentos que se dediquem à industrialização, à exportação e à importação dos produtos objeto desta lei;
b) portos, aeroportos e postos de fronteiras;
c) transporte, armazenagem, depósito, cooperativa e casa atacadista; e
d) quaisquer outros locais previstos na regulamentação desta lei.
Art. 2º O registro, a padronização, a classificação, e, ainda, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de bebidas, em relação aos seus aspectos tecnológicos, competem ao Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária."
 
O art. 66 do já revogado Decreto n.º 2314⁄97, assim dispunha:
 
Art . 66. As cervejas são classificadas:
(...) III - quanto ao teor alcoólico em:
a) cerveja sem álcool, quando seu conteúdo em álcool for menor que meio por cento em volume, não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico;
b) cerveja com álcool, quando seu conteúdo em álcool for igual ou superior a meio por cento em volume, devendo obrigatoriamente constar no rótulo o percentual de álcool em volume; (...)."
 
 
Com efeito, referidos dispositivos não possuem comando normativo capaz de infirmar o acórdão ora hostilizado, eis que, por óbvio, o fato de ser atribuição do Ministério da Agricultura a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, não autoriza a empresa fabricante de, na eventual omissão deste acerca de todas as exigências que se revelem protetivas dos interesses do consumidor, malferir o direito básico deste à informação adequada e clara acerca de seus produtos.

Ademais, a dispensa da indicação no rótulo do produto do conteúdo alcóolico, prevista no art. 66, III, "a", do Decreto n.º 2.314⁄97, não autorizava o fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo a incorreta informação de que o consumidor estaria diante de cerveja "sem álcool", mesmo porque referida norma, por seu caráter regulamentar, não poderia infirmar os preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor.

Neste particular, faz-se oportuno ressaltar que, nos expressos termos do art. 6.º da Lei n.º 8.078⁄90, constitui direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Diga-se, ainda, que o Decreto n.º 2.314⁄97, no qual se baseia a recorrente para tentar se eximir da obrigação de prestar ao consumidor informação certa e verdadeira no rótulo de seu produto, foi revogado pelo Decreto n.º 6.871⁄09, que passou a dispor o seguinte sobre a classificação das bebidas não-alcoólicas:
 
"Art. 12. As bebidas serão classificadas em:
I - bebida não-alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento em volume, a vinte grau Celsius, de álcool etílico potável, a saber:
a) bebida não fermentada não-alcoólica; ou
b) bebida fermentada não-alcoólica; (...)".
 
 
Desta feita, tenho que razoável a conclusão do Ministério Público Federal, ao afirmar, em seu parecer, que "ainda que a recorrente tivesse razão quanto à dispensa de prestar informação sobre o teor alcoólico da cerveja, verifica-se que não mais subsiste no ordenamento a norma em que se baseava a recorrente, tendo o novo diploma legal excluído expressamente a dispensa antes, porventura, existente, o que se leva em conta diante do art. 462 do CPC" (fl. 1679, e-STJ).

Quanto a este ponto, observa-se que o Tribunal a quo deu razoável interpretação à questão e à legislação que a rege.
Assim, independentemente do fato de existir norma regulamentar que classifique como sendo "sem álcool" bebidas que tenham em sua composição teor alcoólico inferior a 0,5% por volume, não se afigura plausível a pretensão dafornecedora de levar ao mercado cerveja rotulada com a expressão "sem álcool", quando esta substância se encontra presente no referido produto.

Ao assim proceder, estaria a fornecedora do produto induzindo o consumidor a erro e, eventualmente, levando-o ao uso de substância, que acreditava inexistente na composição daquele e que pode se revelar potencialmente lesiva à sua saúde.
Neste ínterim, não é demais lembrar, como bem fizeram as instâncias de cognição plena, a partir do conjunto fático probatório que permeou os autos, que as cervejas ditas "sem álcool", que "escondem" referida substância em sua composição, ainda que em pequena quantidade, podem ocasionar danos a três grupos considerados de risco quanto à ingestão de bebidas alcoólicas, quais sejam: (i) o das pessoas sensíveis ao álcool, tidas como alérgicas, que, evidentemente, não podem consumir qualquer quantidade da substância, sob pena de se verem acometidas de intoxicação e diversas reações alérgicas; (ii) o daqueles que fazem uso de medicamentos que se revelem incompatíveis com a ingestão de bebida alcóolica, tais quais aqueles indicados para tratamento de problemas cardíacos, depressão, epilepsia, mal de Parkinson, etc.; e (iii) os dependentes químicos em tratamento de reabilitação.

Exsurge neste ponto, como inarredável, a aplicação da inteligência do art. 9.º, do Código de Defesa do Consumidor, litteris: "O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto".

Destarte, tenho que andou bem a Corte de origem, ao decidir que "a comercialização de cerveja com teor alcoólico, ainda que inferior a 0,5% em cada volume, com informação ao consumidor, no rótulo do produto, de que se trata de bebida sem álcool, vulnera o disposto nos arts. 6.º e 9.º do CDC, ante o risco à saúde de pessoas impedidas ao consumo".

Não é demais ressaltar que as conclusões da Corte de origem, bem como do juízo de primeiro grau, acerca do potencial lesivo das bebidas com teor alcoólico, ainda que inferior a 0,5% por volume, à saúde, decorreram da análise do conjunto probatório carreado aos autos, compreendendo-se aí, provas periciais e testemunhais, que, consoante o sabido, não podem ser objeto de revolvimento, nesta via especial, à luz do que apregoa o enunciado sumular n.º 07⁄STJ.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso especial.

É como voto.
 
 
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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 639.811 - RS (2004⁄0019330-6)

RELATOR:MINISTRO FELIX FISCHER

 EMENTA
 
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO AUTÔNOMA. TÍTULO JUDICIAL DECORRENTE DE AÇÃO COLETIVA. ART. 1º-D DA LEI Nº 9.494⁄97. NÃO APLICAÇÃO.

São devidos honorários advocatícios na execução por título judicial movida contra a Fazenda Pública, não sendo aplicável o art. 1º-D ao texto da Lei nº 9.494⁄97 às execuções individuais das sentenças proferidas em ações coletivas. Precedentes do STJ.

Recurso não conhecido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 23 de junho de 2004 (data do julgamento)
 


VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: O caso versa sobre a possibilidade, ou não, de arbitramento de honorários advocatícios em processo de execução individual de sentença proferida em ação coletiva movida contra a Fazenda Pública, em que não foram opostos embargos, ante a vigência da Medida Provisória nº 2.180-35⁄2001.

A jurisprudência dessa Corte assentou o entendimento de que a norma em comento incidiria em todas as execuções de sentença (advindas de ações individuais), iniciadas após a sua edição.

Contudo, mister ressaltar que, na hipótese da execução individual de sentença coletiva, o exeqüente não participou do processo cognitivo que deu origem ao título exeqüendo, não tendo sido beneficiado por condenação em honorários. Na verdade, para efetivamente auferir seu direito, precisa contratar advogado e iniciar uma nova relação processual distinta e autônoma em relação à ação coletiva.

Assim, não deve ser aplicada a vedação contida no art. 1º-D da Lei nº 9.494⁄97.

A propósito, reiterados julgados desta Corte tem entendido que serão devidos honorários advocatícios nas execuções decorrentes de sentença proferida em ação civil pública, mesmo que o aforamento da ação executória tenha se realizado após o início da vigência da Medida Provisória n.º 2.180-35⁄01. Nesse sentido, os seguintes julgados:
 
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. HONORÁRIOS. CABIMENTO, MESMO QUE NÃO EMBARGADO O EXECUTIVO. ART. 20, § 4º, DO CPC. DECISÃO PELA CORTE ESPECIAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º-D, DA LEI Nº 9.494⁄97 (MP Nº 2.180-35⁄2001, ART. 4º). ART. 133, DA CF⁄88. PRECEDENTES.
1. Na execução judicial individual advinda de ação civil pública são devidos honorários advocatícios, ante a necessidade de o exeqüente contratar advogado para executar o julgado.
2. O art. 20, do CPC, não distingue se a sucumbência é relativa só à pretensão cognitiva ou se à da execução fiscal por título judicial. São autônomas, desenvolvem-se e são julgadas à parte e o objeto de uma não se confunde com o da outra. Os patronos das partes realizaram trabalho e a eles não é dado o bel-prazer de laborarem de graça. O citado artigo não deixa dúvida sobre o cabimento da verba honorária em execução, seja ela embargada ou não, não fazendo a lei, para tal fim, distinção entre execução fundada em título judicial e em título extrajudicial.
3. A Corte Especial (EREsp nº 217883⁄RS, DJ 01⁄09⁄2003; AgReg no EREsp nº 433299⁄RS, j. em 27⁄03⁄2003), decidiu que na execução de título judicial, embargada ou não, é cabível a condenação de honorários de advogado, ainda que devedora a Fazenda Nacional, nos termos dos arts. 100, da CF⁄88, e 730, do CPC.
4. O art. 1º-D, da Lei nº 9.494⁄97 (MP nº 2.180-35⁄01, art. 4º), o qual estatui que “não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas”, não se aplica aos casos ocorridos antes da vigência da citada MP. Mesmo que a execução tenha sido ajuizada após à referida MP, poder-se-ia entender perfeitamente aplicável o seu comando.
5. Contudo, o aspecto primordial e central da lide é que, no caso, cuida-se de execução individual advinda de ação civil pública julgada procedente, tendo o exeqüente que contratar procurador para executar a sentença e, nos termos do art. 133, da CF⁄1988, “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Não é justo nem correto que o mesmo não receba remuneração pelo trabalho realizado, ainda que não tenha participado do processo cognitivo. Precedentes de monta.
6. Recurso não provido.”
(REsp 576.641⁄PR, Rel. Min. José Delgado, DJU de 15⁄12⁄2003).
 
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 1º-D DA LEI Nº 9.494⁄97, COM A REDAÇÃO DADA PELA MP Nº 2.180⁄01. ART. 20, § 4º, DO CPC.
1. Tratando-se de Ação Civil Pública, em que os Recorridos não integraram o processo de conhecimento, portanto, sem a fixação da verba honorária, deve, assim, ser fixada na execução individual, oportunidade única de remunerar o trabalho do advogado.
2. Prevalece a regra geral do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil quanto ao cabimento dos honorários advocatícios, fixados de forma eqüitativa pelo Juiz, "nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não".
3. Recurso Especial improvido.”
(REsp 463.175⁄PR, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 17⁄11⁄2003).
 
“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE EMBARGOS. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.180-35, DE 24⁄08⁄01.
1. O art. 4º, da MP nº 2.180-35, de 24⁄08⁄2001, determina: "A Lei nº 9.494, de 10.09.97, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 'Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas'."
2. A fixação dos honorários na execução, ainda que não embargada, decorre da propositura do processo satisfativo. Em conseqüência, rege essa sucumbência a lei vigente à data da instauração da execução. Por isso, a Medida Provisória nº 2.180-35 só pode ser aplicável às execuções iniciadas após a sua vigência.
3. Tratando-se de execução individual advinda de ação coletiva, em razão da necessidade de o contribuinte ingressar em juízo por intermédio de procurador legalmente constituído, para o fim de executar o julgado, não seria justo que o profissional habilitado não recebesse remuneração pelo trabalho desenvolvido, mesmo que não tenha participado do processo cognitivo.
4. A ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material. A regra do art. 1º-D da Lei nº 9.494⁄97 destina-se às execuções típicas do Código de Processo Civil, não se aplicando à peculiar execução da sentença proferida em ação civil coletiva. (AgResp 489.348, Rel. Min. Teori Zavascki)
5. Embargos de declaração rejeitados.”
(EAREsp 464.298⁄PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 28⁄10⁄2003).
 
“PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EXECUÇÃO INDIVIDUAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - APLICAÇÃO DO ART. 20, § 4º DO CPC E NÃO DO ART. 1º-D DA LEI 9.494⁄97 (COM A REDAÇÃO DADA PELA MP 2.180-35⁄2001) - AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO.
1. Não procede a alegação de obscuridade ou contradição, no acórdão que, aferindo as particularidades do caso concreto, julgou a matéria adotando a mesma orientação da Turma Julgadora em precedente que retratava a mesma situação.
2. Hipótese que trata de execução individual de direito individual homogêneo certificado em ação civil pública. Aplicação do art. 20, § 4º do CPC, fixando-se honorários para remunerar o advogado da parte que não participou do processo de conhecimento.
3. Embargos de declaração rejeitados.”
(EDREsp 490.560⁄PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 28⁄10⁄2003).
 
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEI Nº 9.494⁄97, ART. 1º-D. INAPLICABILIDADE.
1. A ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material.
2. A regra do art. 1º-D da Lei nº 9.494⁄97 destina-se às execuções típicas do Código de Processo Civil, não se aplicando à peculiar execução da sentença proferida em ação civil coletiva."
(AGREsp 489.348⁄PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 01⁄09⁄2003).
 
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA.
O processo de execução de sentença é autônomo e não se confunde com a relação processual de que resultou a decisão exeqüenda.
A execução de sentença que resolveu processo de ação civil pública rege-se pelo Código de Processo Civil. Nela incide o Art. 20, a determinar a condenação em honorários de Sucumbência."
(REsp 529.760⁄PR, Rel. Min. Humberto Gomes de BarrosDJU de 22⁄09⁄2003).
 
Por todo o exposto, não conheço do recurso.

É o voto.

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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 1.144.840 - SP (2009⁄0184212-1)
 
RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHI

EMENTA
 
CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. REDE CONVENIADA. ALTERAÇÃO. DEVER DE INFORMAÇÃO ADEQUADA. COMUNICAÇÃO INDIVIDUAL DE CADA ASSOCIADO. NECESSIDADE.

1. Os arts. 6º, III, e 46 do CDC instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução.

2. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado deconsentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor.

3. A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual.

4. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais.

5. Recurso especial provido.
 
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. 
 
Brasília (DF), 20 de março de 2012(Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
Relatora 


VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cinge-se a lide a determinar se a operadora de plano de saúde está obrigada a informar individualmente cada associado acerca de alterações efetuadas na rede credenciada de atendimento.
 
Em primeiro lugar, cumpre bem delimitar o objeto da controvérsia. Não se discute nesse processo o direito das operadoras de plano de saúde de modificar a rede conveniada, tampouco de estabelecer regimes de atendimento diferenciados entre os hospitais a ela conveniados.

Dessa forma, não se disputa a legalidade de o Hospital Nove de Julho – onde o falecido marido e pai das recorrentes procurou atendimento – ser conveniado apenas para a realização de cirurgias eletivas, não aceitando por intermédio do plano de saúde mantido pela associação recorrida, pois, atendimentos emergenciais.

Na realidade, o que se questiona é tão somente a forma como a operadora descredenciou o atendimento emergencial naquele hospital, notadamente o procedimento adotado para dar ciência desse fato aos seus associados.

Na espécie, o Hospital Nove de Julho era conveniado inclusive para internações de emergência – tanto que, em oportunidade anterior, o de cujus fora lá atendido fazendo uso do plano de saúde – e, a partir de um dado momento, a operadora decidiu descredenciar parcialmente o referido nosocômio, mantendo o convênio apenas para cirurgias eletivas.

A família recorrente, porém, não foi individualmente informada acerca desse descredenciamento. Consta da sentença que “a documentação apresentada pela ré não comprova que forneceu informação expressa acerca dessa restrição ao associado OCTAVIO FAVERO” (fl. 206, e-STJ).

O TJ⁄SP, contudo, considerou essa circunstância irrelevante, concluindo ser “dever do consumidor se manter informado sobre as entidades conveniadas e forma de atendimento, não se impondo ao segurador o dever de informar, pessoalmente, cada um dos segurados” (fl. 436, e-STJ).
 
Nos termos do art. 6º, III, do CDC, constitui direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Em complemento, o art. 46 do CDC estabelece que “os contratos que regulam relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes fora dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio do seu conteúdo”.
No que tange especificamente às operadoras de plano de saúde, o STJ já decidiu estar ela “obrigada ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe os deveres de informação, cooperação e cuidado com o consumidor⁄segurado” (REsp 418.572⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 30.03.2009) (grifei).

Vale notar que os referidos dispositivos legais são reflexo do princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se, portanto, de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução.

Muito oportuna, nesse ponto, a lição de Cláudia Lima Marques, no sentido de que o dever de informar não se restringe à fase pré-contratual, incluindo o dever “de informar durante o transcorrer da relação (...), ainda mais em contratos cativos de longa duração, como os de planos de saúde (...), pois, se não sabe dos riscos naquele momento, não pode decidir sobre a continuação do vínculo ou o tipo de prestação futura”. A autora conclui que “informar é mais do que cumprir com o dever anexo de informação: é cooperar e ter cuidado com o parceiro contratual, evitando os danos morais e agindo com lealdade (pois é o fornecedor que detém a informação) e boa-fé” (Comentários ao código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo: RT, 2006, pp. 178-179).

Realmente, a rede conveniada vigente no ato da contratação do plano de saúde integra o acordo de vontades, de maneira que eventual alteração no seu conteúdo deve obrigatoriamente ser comunicada ao associado.

A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual.
Se, por um lado, nada impede que a operadora altere a rede conveniada, cabe a ela, por outro, manter seus associados devidamente atualizados sobre essas mudanças, a fim de que estes possam avaliar se, a partir da nova cobertura oferecida, mantêm interesse no plano de saúde.

A relação médico-paciente é eminentemente de confiança – situação que se estende à relação hospital-paciente – de sorte que a exclusão de profissionais ou nosocômios da rede credenciada pode afetar diretamente a disposição do segurado de permanecer associado ao plano de saúde.

Ademais, a qualidade e a extensão da rede conveniada também servem de parâmetro para que o associado avalie a razoabilidade do valor da mensalidade paga pelo plano de saúde, de modo que ele deve ser regularmente informado acerca de qualquer alteração nesse sentido.

Outrossim, imperioso frisar que o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido pelo fornecedor quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada.

O direito à informação não se exaure em si mesmo, tendo por finalidade assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas. Cuida-se do que a doutrina vem denominando de consentimento informado ou vontade qualificada que, na lição de Sergio Cavalieri Filho, parte do pressuposto de que “sem informação adequada e precisa o consumidor não pode fazer boas escolhas, ou, pelo menos, a mais correta” (Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 83).

Em complemento a esse raciocínio, Bruno Miragem adverte que, para atendimento do dever de informar, não basta que os dados considerados relevantes sejam disponibilizadas ao consumidor. De acordo com o autor, “é necessário que esta informação seja transmitida de modo adequado, eficiente, ou seja, de modo que seja percebida ou pelo menos perceptível ao consumidor” (Direito do consumidor. São Paulo: RT, 2008, p. 122).

Por esse mesmo caminho trilha a jurisprudência do STJ, que já assentou que, por informação adequada, entende-se “aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor” (REsp 586.316⁄MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.03.2009).

Conclui-se, portanto, que na hipótese específica dos autos, tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicarindividualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais.

Avisos genéricos e indeterminados, que não ofereçam um mínimo de garantia quanto à ciência pessoal do associado acerca da alteração da rede conveniada , não correspondem à informação adequada exigida pelo CDC.

Na espécie, o Juiz de primeiro grau de jurisdição consigna que “a documentação apresentada pela ré não comprova que forneceu informação expressa acerca dessa restrição ao associado OCTAVIO FAVERO” (fl. 206, e-STJ). O TJ⁄SP,apesar de reformar a sentença, não contrapõe essa alegação – ao contrário, tacitamente a confirma – se limitando a afirmar que não caberia à operadora “o dever de informar, pessoalmente, cada um dos segurados” (fl. 436, e-STJ).

Patente, assim, não ter a operadora recorrida cumprido a contento o seu dever de informação, violando frontalmente os arts. 6º, III, e 46 do CDC.
 
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para restabelecer integralmente a sentença de fls. 202⁄207, e-STJ.
 
 

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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 849.442 - RS (2006⁄0112955-8)

RELATOR:MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA


EMENTA
 
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. REVISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CUMULAÇÃO COM DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. É possível ao magistrado manifestar-se sobre eventuais cláusulas abusivas do contrato bancário, diante da incidência do Código de Defesa do Consumidor, relativizando o princípio do pacta sunt servanda (cf. AgRg no Resp 732.179, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 15.05.06).

2. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção (AgR-REsp n. 706.368⁄RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 08.08.2005), a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios que, previstos para a situação de inadimplência, criam incompatibilidade para o deferimento desta parcela. Constatada a presença da correção monetária, multa contratual e juros moratórios para o período de inadimplência, inviável a concessão da comissão de permanência conforme contratada. 

3. Agravo regimental improvido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Cesar Asfor Rocha e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

Brasília (DF), 22 de maio de 2007.


MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA 
Relator

 
VOTO

EXMO.SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA(Relator):

1. A decisão agravada não merece reparos, devendo ser mantida em toda sua essência.

De início, vale salientar que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que é possível ao magistrado manifestar-se sobre eventuais cláusulas abusivas do contrato bancário, diante da incidência do Código de Defesa do Consumidor, relativizando o princípio do pacta sunt servanda (cf. AgRg no Resp 732.179, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 15.05.06).

2. No que toca à comissão de permanência, esta Corte já se manifestou, reiteradamente, no sentido de que tal encargo é admitido durante o período de inadimplemento contratual, não podendo, contudo, ser cumulado com a correçãomonetária (Súmula 30⁄STJ), com os juros remuneratórios (Súmula 296⁄STJ) e moratórios, nem com a multa contratual; todavia, aquele encargo deverá observar a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual fixado no contrato (Súmula 294⁄STJ). Nesse sentido:

"CONTRATO BANCÁRIO. TAXA DE JUROS. LIMITAÇÃO. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA. ADMISSIBILIDADE. I - Embora incidente o diploma consumerista nos contratos bancários, os juros pactuados em limite superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação. II - Vencido o prazo para pagamento da dívida, admite-se a cobrança de comissão de permanência. A taxa, porém, será a média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, desde que limitada ao percentual do contrato, não se permitindo cumulação com juros remuneratórios ou moratórios, correção monetária ou multa contratual. Recurso especial parcialmente provido." (REsp 828648⁄RS, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ 23.06.2006).
 
De fato, não pode ser deferida a comissão de permanência, tendo em vista ter sido constatada no caso concreto a presença da correção monetária, da multa moratória e dos juros moratórios para o período de inadimplência e, com isso,conformando-se ambas as partes.

2. Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.


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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 921.669 - RS (2007⁄0022763-3)

RELATOR:MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR


EMENTA
 
CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA.  CARACTERIZAÇÃO DA MORA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. INCIDÊNCIA DO CDC. REVISÃO DE CONTRATO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INACUMULABILIDADE COM QUAISQUER OUTROS ENCARGOS REMUNERATÓRIOS OU MORATÓRIOS. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. MULTA, ART. 557, § 2º, DO CPC.


I. O pedido atinente à caracterização da mora encontra-se no mesmo sentido do decisum agravado, faltando assim interesse recursal ao recorrente.

II. Aplicam-se às instituições financeiras as disposições do Código de Defesa do Consumidor, no que pertine à possibilidade de revisão dos contratos, conforme cada situação específica. 

III. Segundo o entendimento pacificado na e. 2ª Seção (AgR-REsp n. 706.368⁄RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 08.08.2005), a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios que, previstos para a situação de inadimplência, criam incompatibilidade para o deferimento desta parcela.  Constatada a presença dos juros moratórios e da multa contratual para o período de inadimplência, inviável a concessão da comissão de permanência conforme contratada.

IV. Sendo manifestamente improcedente e procrastinatório o agravo, é de se aplicar a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de novos recursos sujeita aoprévio recolhimento da penalidade imposta.

V. Agravo improvido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, com aplicação de multa, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda e Cesar Asfor Rocha.

Brasília (DF), 03 de maio de 2007 (Data do julgamento).
 
 
 
MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Relator
 

 

VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR(Relator): Sem razão a recorrente.
 
Inicialmente, há de se firmar a ausência de interesse processual no revolvimento da matéria atinente à caracterização da mora, que foi decidida em conformidade com o pleito da instituição financeira (fl. 263).
 
No mais, ratifico a decisão agravada, que, ao tratar da matéria suscitada pela recorrente, assim dispôs (fls. 263⁄265):
"[...]
Reconheça-se  a  submissão das instituições financeiras  aos  princípios e regras do CDC, conforme, é claro, cada situação, e a possibilidade de revisão do contrato, de acordo com o entendimento do STJ cristalizado na Súmula n. 297.
[...]
Referentemente à comissão de permanência, firmou-se o entendimento de que ela pode ser deferida de acordo com a Súmula n. 294 deste Tribunal, desde que sem cumulação com juros remuneratórios e moratórios, multa e correção monetária (2ª Seção, AgR-REsp n. 706.368⁄RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 08.08.2005). Assim se procedeu, para evitar-se bis in idem, porque aquela parcela possui a mesma natureza destesencargos. Todavia, na hipótese dos autos, o acórdão a quo constatou a presença dos juros moratórios e da multa para o período de inadimplência (fl. 161-vº) e, nessa parte, há o trânsito em julgado da decisão, porque não existe recurso a respeito, de sorte que impossível, assim, a concessão da comissão de permanência buscada pelo banco recorrente, sob pena de operar-se reformatio in pejus, caso excluídos os demais consectários moratórios [...]".
 
Tem-se, assim, que claro foi o posicionamento sobre o tema e isso constou expressamente do despacho do relator, que não apresenta quaisquer dos vícios apontados, revelando, por outro lado, procrastinatório o recurso, que visou apenas rediscutir matéria já uniformizada, pelo que imponho ao recorrente multa de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 557, § 2º, do CPC, ficando a interposição de novos recursos sujeita ao prévio recolhimento da penalidade imposta.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
 
É como voto.
 
 


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RECURSO ESPECIAL Nº 267.758 - MG (2000⁄0072444-0)

RELATOR:MINISTRO ARI PARGENDLER
R.P⁄ACÓRDÃO:MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR


EMENTA
 
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ART. 3º DO DECRETO 911⁄69. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ILEGALIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. DISCUSSÃO NO ÂMBITO DA DEFESA. POSSIBILIDADE. MATÉRIA RELACIONADA DIRETAMENTE COM A MORA.

I. Possível a discussão sobre a legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa na ação de busca e apreensão decorrente de arrendamento mercantil.

II. Recurso especial não conhecido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

Decide a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, não conhecer do recurso especial, vencidos os Srs. Ministros Relator, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior a Sra. Ministra Nancy Andrighi e os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Barros Monteiro. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Humberto Gomes de Barros e Cesar Asfor Rocha (art. 162, § 2º, RISTJ).

Custas, como de lei.

Brasília (DF), 27 de abril de 2005 (Data do Julgamento).
 
 
 
MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Relator p⁄ Acórdão
 

VOTO
 
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):
 
Os autos dão conta de que Marcelo Laroca Teixeira adquiriu de Única Veículos Ltda. o automóvel Fiat, modelo Pálio ED, ano 1996, cor cinza ST (fl. 13). A operação foi financiada pelo Banco Fiat S⁄A, a favor de quem Única Veículos Ltda. emitiu cédula de crédito comercial (fls. 11⁄12). Desse título de crédito, Marcelo Laroca Teixeira participou como interveniente e avalista, dando como garantia adicional, em alienação fiduciária, o carro acima descrito.
 
Não paga a cédula de crédito comercial, o Banco Fiat S⁄A ajuizou ação de busca e apreensão contra Marcelo Laroca Teixeira (fls. 2⁄5). Deferida e cumprida a medida liminar (fls. 17 e 67), seguiu-se a contestação, reclamando o recálculo do débito com a desconsideração de cláusulas contratuais (fls. 19⁄25).
 
O MM. Juiz de Direito declarou “...nulas as cláusulas tidas por leoninas, relativamente às taxas de juros, multa cumulativa com honorários contidas no contrato de fls., para determinar a remessa dos autos ao Contador, para adaptar-se o contrato à norma constitucional prevista no parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal e também adaptar-se às exigências do contrato às normas contidas nos artigos 46 e 51 da Lei nº 8.078⁄90, sendo que as taxas de juros deverão ser de 12% ao ano incidentes sobre o valor do financiamento e correção monetária pela tabela da Corregedoria de Justiça, compensando-se pelo mesmo método, os valores já pagos pelo réu, devendo incidir multa contratual de 2% sobre o saldo devedor, se houver.
 
Após apuração do débito, em sua integralidade, nos termos da presente Decisão, e tendo o suplicado honrado com o pagamento de mais de 40% do financiamento, faculto-lhe o benefício da purga da mora de eventual saldo remanescente, e após o acolhimento dos valores, determino seja o veículo devolvido ao suplicado, cessando assim, a liminar de busca e apreensão.
 
Condeno a suplicante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 20% sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido, quando de seu efetivo pagamento, concedendo ao suplicado os benefícios da gratuidade de justiça, na forma do requerimento de fls. 28” (fls. 152⁄153).
O Tribunal a quo reformou, em parte, a sentença, apenas para reduzir a verba honorária a “10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa” (fl. 214).
 
Rejeitados os embargos de declaração (fls. 221⁄226), Banco Fiat S⁄A interpôs recurso especial com base no artigo 105, inciso III, letras a e c da Constituição Federal, por violação do artigo 459 do Código de Processo Civil, artigo 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 911, de 1969, do artigo 1º da Lei nº 8.392, de 1991, e do artigo 4º, inciso X, da Lei nº 4.595, de 1964, e por divergência jurisprudencial.
 
Data venia, com razão. A sentença perseguida na ação de busca e apreensão, tal como disciplinada no artigo 3º do Decreto-Lei nº 911, de 1969, tem força executiva. Identificado o título, no caso o pacto adjecto de alienação fiduciária, o juiz defere o mandado de busca e apreensão em face do qual o réu pode purgar a mora ou opor uma das seguintes defesas: a) demonstrar que o débito exigido não tem suporte no contrato; b) provar que o débito foi pago.
 
O que a lei coerentemente proíbe é a discussão de cláusulas contratuais no âmbito da ação de busca e apreensão – na espécie, permitida pela sentença e confirmada pelo acórdão, com o esdrúxulo resultado de julgar procedente pedido articulado na contestação, anulando cláusulas contratuais e, à luz do critério judicial, autorizando a purgação da mora.
 
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e lhe dar provimento para julgar procedente a ação, condenando Marcelo Laroca Teixeira ao pagamento das custas e honorários de advogado à base de 20% sobre o valor da causa.
 
 VOTO
 
 
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente, na verdade, temos admitido, na Quarta Turma, uma liberalidade maior na discussão da busca e apreensão, porque, em essência, se dispensaria uma açãoautônoma para debater ilegalidade de cláusula, etc., o que geraria um inadimplemento e, portanto, a busca e apreensão. A tendência da Quarta Turma tem sido permitir no próprio bojo, a fim de se evitar outra ação paralela.
 
De efeito, se a cláusula for ilegal, a cobrança também o é, daí a inexistência da mora e o descabimento, por conseqüência, da busca e apreensão.
 
 
 
APARTE
 
 
 
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (RELATOR): questão é que essa ação de busca e apreensão só tem como fundamento a mora do devedor, ou seja, nela, por disposição de lei, não se discute se a cláusula é nula ou não.O que tem acontecido é que, como não se discute, os devedores ajuízam uma ação ordinária, a qual é conectada com a busca e apreensão, com sua conseqüente suspensão. Ora, nem aí é permitido, porque, se na ação de busca e apreensão não há como contestar o pedido por motivos diferentes do que a lei prevê, não há razão para admitir que uma anulatória, sem depósito da quantia controvertida, possa... Não há litispendência, são ações completamente diferentes: uma é executiva, a busca e apreensão; a outra, ação de conhecimento. Temos de decidir se aplicamos ou não o art. 3º, porque ele é expresso: "Não se discute cláusula contratual na ação de busca e apreensão fundada no Decreto-Lei nº 911".
 
 
VOTO
 
 
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: A questão é que, como V. Exa. bem observou, como a busca e apreensão é verificada em função da mora, na medida em que essa mora só se caracteriza pela cobrança dedeterminados valores calcados em cláusulas ditas ilegais, assim como entende o devedor, a Quarta Turma tem admitido, com maior largueza, que essa impugnação possa se estender a tanto.
 
Como se está discutindo a tese, e esse tem sido o entendimento mais liberal sufragado na Quarta Turma, ousarei divergir para admitir essa possibilidade, ou seja, de que na busca e apreensão se aprecie a eventual ilegalidade das cláusulas do contrato, uma vez que essa matéria tem direta relação com a mora, o que justificaria ou não a busca e apreensão do bem.
 
Não conheço do recurso especial.
 
 
 
ESCLARECIMENTOS
 
 
 
EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Sr. Presidente, parece-me que há uma outra questão, aflorada pelo Sr. Ministro Ari Pargendler.
 
Alega-se que houve um pedido e não só defesa. Se se tratar só de defesa, esse é o campo onde a Quarta Turma tem atuado, mas houve uma alegação a mais, que é o problema, nessa contestação: sem ser ação dúplice, o de fazer um outro pedido. Essa é uma questão remanescente. Não é, então, o caso da Quarta Turma.
 
 
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Então não é também um caso típico para vir à Seção. Na verdade, não podemos firmar a tese dentro de uma peculiaridade que só ocorre nesses autos. Se a contestação alegasse que não era devedor, não estava em mora, porque as cláusulas são ilegais, esse seria um caso típico.
 
 
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (RELATOR): O Juiz decidiu, como as cláusulas são ilegais, reduzir a multa e os juros, na ação de busca e apreensão. É o caso típico. É o que sempre fazem. Qual seria a outra hipótese?Simplesmente dizer que não está em mora e julgar, então, improcedente a ação; mas não é o que fazem, pois aproveitam a ação de busca de apreensão.
 
 
 
RATIFICAÇÃO DE VOTO
 
 
 
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Já que está aberta a discussão, pedindo vênia, mantenho meu entendimento, não conhecendo do recurso especial.
 
 
 
VOTO-VISTA
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
 
Cuida-se do recurso especial, interposto pelo Banco Fiat S⁄A, contra acórdão exarado pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais.
O recorrente propôs ação de busca e apreensão em face de Marcelo Laroca Teixeira, ora recorrido, lastreando-a em cédula de crédito comercial garantida por alienação fiduciária de bem móvel (veículo). O inadimplemento contratual dorecorrido ensejou a propositura da ação.
Na contestação, além do pedido de purgação da mora, alegou o recorrido que o montante da dívida garantida se alicerça em contrato que contém cláusulas abusivas, dentre elas as que permitem as cobranças (i) de juros remuneratórios por taxa superior a 12% ao ano; (ii) de multa contratual cumulada com honorários advocatícios; (iii) de comissão de permanência cumulada com correção monetária.
O Juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem julgamento do mérito por carência de ação. Ademais, declarou a nulidade das cláusulas leoninas, determinando a remessa dos autos ao contador para adaptar o contrato às normasprevistas no art. 192, §3.º, da CF e nos arts. 46 e 51 do CDC.
Facultou ao recorrido, após nova apuração do débito, o benefício da purgação da mora, por ter pago mais de 40% do financiamento. Após o recolhimento dos valores, determinou que o veículo alienado fiduciariamente lhe fosse devolvido.
Inconformado, o recorrente apelou ao TAMG. Teve o seu recurso provido tão-somente para ter reduzida a verba honorária. O acórdão restou assim ementado:
 
"Aditamento à cédula de crédito comercial. Alienação fiduciária em garantia ao cumprimento do contrato. Poder judiciário. Alcance da sua jurisdição. Purga da mora. Direito do devedor. Limite das taxas de jurosremuneratórios.
Em se tratando de alienação fiduciária dada como garantia do cumprimento das obrigações avençadas em cédula de crédito comercial, o Poder Judiciário pode apreciar e julgar a regularidade ou irregularidade dos encargos pactuados. As limitações de defesa previstas no Decreto-lei n.º 911⁄69, por se tratar de legislação especial, têm um alcance limitado, qual seja, só se aplicam aos contratos de alienação fiduciária típicos. Além disso, o Decreto-lei n.º 911⁄69 há de ser interpretado em consonância com a Constituição Federal e com o Código de Defesa do Consumidor.
O benefício da purga da mora é direito concedido ao devedor que tiver pago 40% do preço financiado, não se tratando de faculdade dada pelo juiz ou concedida pelo credor.
Na falta de norma regulamentadora do art. 192, §3.º, da Constituição Federal, a taxa de juros remuneratórios há de obedecer ao Decreto n.º 22.626⁄33, ou seja, deve se limitar a 1% (um por cento) ao mês."
 
Interpostos embargos declaratórios pelo recorrente, restaram rejeitados.
Irresignado, interpôs recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa aos artigos:
a) 459 do CPC e 3.º, §§1.º e 2.º, do DL 911⁄69 - afirma que o âmbito de defesa do devedor na ação de busca e apreensão se limita ao pagamento do débito vencido ou ao cumprimento das obrigações contratuais. Dessa forma, não poderiaocorrer discussão acerca da validade das cláusulas insertas no contrato firmado entre as partes.
Ademais, sustenta que, na contestação da ação de busca e apreensão, tem o devedor a alternativa de purgar a mora ou apresentar defesa estrita, de modo que esses procedimentos não podem ser adotados conjuntamente na contestação;
b) 1.º da Lei 8.392⁄91 e 4.º, IX, da Lei 4.595⁄64 - aduz que a legislação pertinente e a jurisprudência dominante admitem a incidência de juros remuneratórios por taxa superior a 12% ao ano.
 
Também alega dissídio jurisprudencial em relação aos temas do âmbito de defesa na ação de busca e apreensão, da inaplicabilidade do CDC à relação jurídica em análise e da limitação da taxa de juros.
Reprisados os fatos, decide-se.
 
As questões postas a desate pelo recorrente consistem em aferir:
a) a possibilidade de discussão sobre a existência de cláusulas contratuais abusivas em sede de contestação na ação de busca e apreensão;
b) se o CDC é aplicável à relação jurídica em exame;
c) se os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano.
 
I - Discussão sobre encargos contratuais em sede de ação de busca e apreensão
 
Nos termos do art. 3.º, §2.º, do Decreto-lei 911⁄69, proposta ação de busca e apreensão com lastro no inadimplemento de obrigação garantida por alienação fiduciária, o devedor, na contestação, teria sua defesa restrita somente a duas matérias específicas: (i) o pagamento do débito vencido ou (ii) o cumprimento das obrigações contratuais.
Com base nesse dispositivo legal, é vedado ao devedor invocar qualquer outra alegação em sede de contestação. Por esse motivo discute-se, no caso concreto, sobre a possibilidade de se proceder à análise da licitude das cláusulas de contrato garantido por alienação fiduciária no âmbito da ação de busca e apreensão.
A jurisprudência do STJ, inicialmente, inclinou-se no sentido de temperar a regra insculpida no aludido dispositivo legal.
No Recurso Especial 10.970, Rel. Min. Cláudio Santos, DJ de 23.09.1991, permitiu-se ao devedor que produzisse prova para comprovar a alegação formulada na contestação de que o contrato garantido por alienação fiduciária seencontrava eivado de nulidade, o que levaria ao desvirtuamento da finalidade legal conferida à garantia real em análise. Na ocasião, o il. Ministro Relator inclusive ressaltou a sua reserva quanto à compatibilidade do art. 3.º, §2.º, do Decreto-lei 911⁄69 com a Constituição Federal.
A mesma orientação restou adotada pela Quarta Turma quando do julgamento do Recurso Especial 167.356, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 13.10.1998, onde discutiu-se sobre a possibilidade de o devedor produzir provarequerida na contestação da ação de busca e apreensão para comprovar que houve fraude na assinatura do contrato.
Na ocasião, assim asseverou o il. Ministro Relator:
"O r. acórdão recorrido ateve-se ao texto da lei especial que restringe a defesa do réu, na contestação, ao pagamento do débito vencido ou ao cumprimento das obrigações contratuais. Em interpretação estrita, o réu simplesmente não teria nada para alegar na tentativa de justificar o descumprimento pois o documento oferecido, acompanhado da notificação, faria prova absoluta. Não é assim, porém. O exercício do direito de defesa pode depender da alegação e da prova de fato que descaracterize, desconstitua ou invalide parcialmente o título apresentado pelo credor. Nesse caso, desaparece a premissa da qual decorre a norma restritiva do §2.º do art. 3.º do DL n.º 911⁄69, isto é, de que o título seria legítimo. Parece impensável proibir o réu de alegar a falsidade material ou ideológica do documento juntado com a petição inicial, ou de mencionar a existência de fraude por parte dealguns dos participantes do negócio, ou de conluio entre eles. O próprio excesso da cobrança já é razão bastante e ponderável para a defesa, em época de implantação de tantos planos econômicos, com a necessidade de utilização de variados e tão díspares índices de correção, além da infinidade de encargos acrescidos."
 
Assim sendo, num primeiro momento, o temperamento à regra do art. 3.º, §2.º, do Decreto-lei 911⁄69 se restringia à possibilidade de se discutir, na ação de busca e apreensão, matéria de defesa relativa à nulidade do contrato, garantido por alienação fiduciária por fraude ou vício do consentimento.
No Recurso Especial 186.644, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 15.03.1999, a Quarta Turma decidiu por permitir que, na ação de busca e apreensão, pudesse ser travada pelo devedor discussão acerca da alteração ou revisão dascláusulas constantes do contrato de alienação fiduciária.
 
O il. Ministro Relator assim fundamentou o acórdão:
"Parece bem evidente que essa regra há de ser aplicada quando a exigência formulada pelo autor da ação esteja de acordo com o contrato e com a lei. Quando o que se pede é ilegal, ou tem base em cláusula inválida, ou fica além do que é permitido no contrato, cabe ao réu formular a defesa que tiver sobre tais questões, pois a lei, ao mesmo tempo em que apressa o procedimento, para a melhor satisfação do credor, não pode deixar o réu desamparado de defesa em processo judicial do qual lhe pode resultar, além dos prejuízos de ordem patrimonial, a perda da liberdade por um ano."
 
A partir desse julgado, a Quarta Turma consolidou entendimento no sentido de que é possível ao devedor requerer, na contestação, a revisão do contrato de alienação fiduciária, fundada na contrariedade à lei ou ao próprio contrato.
Dentre inúmeros precedentes, registrem-se o Recurso Especial 209.109, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.12.1999, o Recurso Especial 302.252, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 20.08.2001, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, e o Recurso Especial 329.389, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 04.03.2002.
Por sua vez, a Terceira Turma, inicialmente, adotou de forma mitigada tal posicionamento.
No Recurso Especial 169.248, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 06.12.1999, permitiu-se que, na ação de busca e apreensão, o devedor produzisse prova no sentido de evidenciar a alegação de que fato de terceiro levara ànulidade do contrato de alienação fiduciária por vício de consentimento.
Já no Recurso Especial 250.639, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 05.03.2001, quando da análise de questão relativa ao âmbito de defesa do devedor, na contestação, decidiu-se que a limitação prevista no citado dispositivo legal só seria cabível quando fossem legítimas as exigências do credor. Contudo, tratando-se de pedido manifestamente ilegal ou nitidamente em confronto com o contrato, poderia a defesa do devedor ser estendida, de modo a se permitir a denúncia dos vícios constantes do contrato, sob pena de desvirtuamento do instituto da alienação fiduciária.
Embora com a ressalva do ponto de vista do Relator, a mesma orientação foi adotada quando do julgamento do Recurso Especial 303.320, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 22.04.2002.
Assim sendo, não se pode desconsiderar que (i) a utilização da garantia da alienação fiduciária corre o risco de ser desvirtuada ao se permitir a inclusão no contrato de cláusulas abusivas, que com a limitação do âmbito de defesa do devedor na contestação da ação de busca e apreensão se legitimariam; (ii) a pretensão do credor caracterizada como ilegítima não pode ser albergada pelo Poder Judiciário; e (iii) o devedor não pode estar desprovido de defesa que lhe acarrete prejuízos de ordem patrimonial e pessoal, essa consubstanciada na possibilidade de cerceamento da liberdade.
Ademais, não se pode permitir que disposições de ordem processual inviabilizem a aplicação do direito material. Ainda que se trate a busca e apreensão como ação de natureza sumária, há de se considerar que o direito processual é oinstrumento com o qual se aparelha o julgador para aplicar o direito material ao caso concreto. Sua função finalística é servir como meio de acesso ao direito material pela parte que o requer.
Especificamente sobre o art. 51 do CDC, que elenca nulidades de pleno direito que devem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, seria um contra-senso constatar certa nulidade num contrato garantido por alienação fiduciária e, contudo, não declará-la por se considerar a busca de apreensão como ação de natureza sumária.
Por esses motivos, deve ser oportunizada ao devedor, em sede de ação de busca e apreensão, a possibilidade de suscitar discussão sobre o valor da dívida, mormente em relação aos encargos que a compõe, com fundamento em contrariedade à lei ou em nulidade do próprio contrato.
Porquanto o TAMG trilhou a mesma orientação preconizada pela jurisprudência assente no STJ, o acórdão recorrido não merece reforma nesse particular.
 
 
II - Aplicação do CDC
 
É assente no STJ entendimento no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações jurídicas firmadas entre as instituições financeiras, na posição de fornecedoras de produtos e serviços, e seus clientes⁄correntistas, considerados como consumidores, seja pela assinatura de contratos de mútuo, cheque especial ou cédulas de crédito.
Nesse sentido estão o Recurso Especial 324.088, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 01.04.2002 e o Recurso Especial 404.714, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 17.06.2002, entre outros precedentes.
Nessa parte, portanto, tem-se por irretorquível o acórdão recorrido.
 
 
III - Taxa de juros remuneratórios
 
Compulsando os autos, verifica-se que restou firmada cédula de crédito comercial entre o recorrente e o recorrido, que ofereceu como garantia bem móvel de sua propriedade em alienação fiduciária.
Conforme orientação pacífica da jurisprudência do STJ, os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano nas cédulas de crédito rural, comercial ou industrial.
Nesse sentido: Agravo no Agravo de Instrumento 432.251, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 28.10.2002 e Recurso Especial 269.056, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 05.02.2001.
Nesse ponto o acórdão recorrido também não merece reparo, pois se afina à jurisprudência assente no STJ.
 
Forte em tais razões, peço vênia ao i. Ministro Relator para NÃO CONHECER do presente recurso especial.
 
 

VOTO-VISTA
 
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
O recorrente ajuizou ação de busca apreensão com base em contrato de alienação fiduciária, sendo a liminar deferida e o veículo apreendido (fl. 99).
A sentença declarou nulas as cláusulas contratuais abusivas relativamente as taxas de juros, multa cumulativa com honorários contida no contrato de fls., para determinar a remessa dos autos ao Contador, para adaptar-se o contrato  à norma constitucional prevista no parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal, e também adaptar-se as exigências do contrato às normas contidas nos artigos 46 e 51 da lei 86.087⁄⁄90, sendo que as taxas de juros deverão ser de 12% ao ano  incidentes sobre o valor do financiamento e correção monetária pela Tabela da Corregedoria da Justiça, compensando-se pelo mesmo método, os valores já pagos pelo réu, devendo incidir multa contratual de 2% sobre o saldo devedor, se houver” (fls. 152⁄153). Para o Juiz, depois de apurado o débito, “em sua integralidade, nos termos da presente Decisão e tendo o suplicado honrado com o pagamento de mais de 40% do financiamento, faculto-lhe o benefício da purga da mora, de eventual saldo remanescente, e após o recolhimento dos valores, determino seja o veículo devolvido ao suplicado, cessando assim, a liminar de busca e apreensão” (fls. 152⁄153).
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais afastou a preliminar de nulidade da sentença e proveu, em parte, a apelação apenas para reduzir a verba honorária a 10% sobre o valor da causa.
O eminente Ministro Ari Pargendler, Relator, conheceu do especial e lhe deu provimento para julgar procedente o pedido, impondo a condenação na sucumbência com honorários de 20% sobre o valor da causa. Para o MinistroPargendler, o “que a lei coerentemente proíbe é a discussão de cláusulas contratuais no âmbito da ação de busca e apreensão – na espécie, permitida pela sentença e confirmada pelo acórdão recorrido, com o esdrúxulo resultado de julgar procedente o pedido articulado na contestação, anulando cláusulas contratuais e, à luz do critério judicial, autorizando a purgação da mora”.
Divergiu a  Ministra Nancy Andrighi entendendo que a jurisprudência da Corte considera possível produzir prova de alegação formulada na contestação de que o contrato de alienação fiduciária se encontrava eivado de nulidade, comprecedentes da Terceira e da Quarta Turmas.
Com razão a Ministra Nancy Andrighi no que concerne à jurisprudência da Corte, que se tem inclinado pela possibilidade da revisão das cláusulas contratuais em ação de busca e apreensão com base em contrato de alienação fiduciária. Destacou a Ministra Andrighi a ressalva de meu ponto de vista pessoal quando mencionou precedente de que fui Relator (REsp nº 303.320⁄RS, DJ de 22⁄4⁄02).
Sem dúvida, as Turmas que compõem a Segunda Seção têm aberto  a interpretação de que na ação de busca e apreensão “a contestação não sofre a limitação prevista no art. 3º, § 2º, do DL nº 911⁄64 se ilegítimas as exigências docredor, como na espécie, sendo possível ao réu alegar, na defesa, contrariedades à lei ou ao contrato” (REsp nº 185.812⁄MG, Relator o Ministro Cesar Rocha, DJ de 29⁄5⁄2000; no mesmo sentido: REsp nº 244.813⁄DF, Relator o MinistroRuy Rosado de Aguiar, DJ de 22⁄5⁄2000; REsp nº 299.254⁄MG, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 20⁄8⁄01; REsp nº 209.109⁄RS, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13⁄12⁄99).
De fato, em meu voto naquele precedente antes mencionado desta Terceira Turma, assinalei que ao “meu pensar, a regra do art. 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911⁄69 é muito clara ao limitar a contestação, em que 'só se poderá alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais', não cabendo, evidentemente, a discussão das cláusulas contratuais. Mas, reconheço que a orientação tem sido temperada pela Corte, tanto nesta Turma quanto na Quarta Turma, com a ressalva de que é possível ampliar a defesa em 'casos de pedido manifestamente ilegal ou nitidamente em confronto com o contrato'. Destarte, inclinando-se a orientação da Corte para a possibilidade de discussão de cláusulas ilegais em ação de busca e apreeensão, ressalvando o meu entendimento, deve ser enfrentada a questão da cobrança de encargos previstos no contrato”.
Não tendo havido ainda decisão desta Segunda Seção, sinto-me à vontade para reiterar o meu entendimento na mesma linha do voto proferido pelo eminente Relator. De fato, como bem pôs o Ministro Waldemar Zveiter na contestação da ação de busca e apreensão, como consta do art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911⁄69, “só se poderá alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais. É que não se trata ainda de cobrança, não se podendo falar em excessos das cláusulas contratuais que, por sua vez, somente serão impugnáveis em momento oportuno, não no âmbito restrito da ação de busca e apreensão que visa, unicamente, consolidar a propriedade nas mãos do legítimo dono” (REsp nº 250.639⁄MG, DJ de 5⁄3⁄01; no mesmo sentido: AgRg no AG nº 253.568⁄PR, Relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 5⁄2⁄01).
A interpretação em sentido oposto, na minha compreensão, altera o dispositivo legal repercutindo no sistema que o legislador desejou criar para o caso específico da busca e apreensão em alienação fiduciária, mecanismo que facilita aaquisição de bens para o consumidor e que assegura a retomada em caso de não-pagamento, considerado sem vício algum.
Com tais razões, eu conheço do especial e lhe dou provimento para julgar procedente a ação de busca e apreensão consolidando o bem nas mãos do autor, nos precisos termos do voto do Relator.
 
 
 
VOTO-VISTA
 
EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO:
 
Trata-se de recurso especial interposto por Banco Fiat S.A. contra acórdão proferido pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais.
Ante a mora de Marcelo Laroca Teixeira, ora recorrido, a instituição financeira recorrente ajuizou ação de busca e apreensão de veículo automotor, que, por meio de cláusula de alienação fiduciária, fora oferecido em garantia ao pagamento de Cédula de Crédito Comercial firmada entre as partes.
Deferido o pedido liminar, em sua contestação, alegou o recorrido a quitação de mais de 40% do preço financiado e requereu a purgação da mora. Questionou, ainda, o valor apresentado à cobrança pela recorrente, por entender terem sido incluídas verbas ilegais, tais como a decorrente da cumulação de multa contratual e honorários advocatícios, de comissão de permanência e correção monetária e de juros remuneratórios superiores a 12% ao mês.
Pela sentença de fls. 151-154, o juízo monocrático julgou nulas as cláusulas que previam a cobrança de juros superiores a 12% ao ano, a cumulação de multa contratual e honorários advocatícios e a incidência de multa contratual superior a 2%. Diante disso, determinou fosse recalculado o débito e facultou ao recorrido a purgação da mora, cassando-se os efeitos do pedido liminar anteriormente concedido.
Da sentença apelou a instituição financeira.
Pelo acórdão de fls. 196-215, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais rejeitou as preliminares apresentadas pelo banco apelante e deu parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir para 10% do valor da causa o percentual referente aos honorários advocatícios. O acórdão recorrido traz a seguinte ementa:
 
"ADITAMENTO À CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA AO CUMPRIMENTO DO CONTRATO. PODER JUDICIÁRIO. ALCANCE DA SUA JURISDIÇÃO. PURGA DA MORA. DIREITO DO DEVEDOR. LIMITE DAS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS.
Em se tratando de alienação fiduciária dada como garantia do cumprimento das obrigações avençadas em cédula de crédito comercial, o Poder Judiciário pode apreciar e julgar a regularidade ou a irregularidade dos encargos pactuados. As limitações de defesa previstas no Decreto-lei n. 911⁄69, por se tratar de legislação especial, têm um alcance limitado, qual seja, só se aplicam aos contratos de alienação fiduciária típicos. Além disso, o Decreto-lei n.° 911⁄69 há que ser interpretado em consonância com a Constituição Federal e com o Código de Defesa do Consumidor.
O benefício da purga da mora é direito concedido ao devedor que tiver pago 40% do preço financiado, não se tratando de faculdade dada pelo juiz ou concedida pelo credor.
Na falta de norma regulamentadora do art. 192, § 3.°, da Constituição Federal, a taxa de juros remuneratórios há que obedecer ao Decreto n.° 22.626⁄33, ou seja, deve se limitar a 1% (um por cento) ao mês."
 
Entendendo haver omissão no julgado, opôs a instituição financeira embargos declaratórios, rejeitados pelo acórdão de fls. 221-226.
Interpôs, então,o presente recurso especial, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual aponta violação aos seguintes dispositivos: art. 459 do CPC, pois "a discussão e anulação de cláusulas contratuais" (fl. 234) é vedada nos estreitos limites da ação de busca e apreensão; art. 3.°, parágrafos 2.° e 3.°, do Decreto-lei n.° 911⁄69, por ser vedada a "apresentação de contestação cumulativamente ao pedido de purgação de mora" (fl. 235) e por estarem as matérias de defesa limitadas à alegação do pagamento do débito vencido ou do cumprimento das obrigações contratuais; arts. 1.° da Lei n.° 8.329⁄91 e 4.° da Lei n.° 4.595⁄64, em razão da limitação dos juros em 12% ao ano. Quanto ao dissídio jurisprudencial, cita precedentes que versam sobre o limite da defesa na ação de busca e apreensão, aplicação do CDC ao contrato e a possibilidade de cobrança cumulada entre multa contratual e honorários advocatícios.
O relator, Ministro Ari Pargendler, conheceu do recurso para dar-lhe provimento, por entender que "o que a lei coerentemente proíbe é a discussão de cláusulas contratuais no âmbito da ação de busca e apreensão - na espécie permitida pela sentença e confirmada pelo acórdão, com o esdrúxulo resultado de julgar procedente pedido articulado na contestação, anulando cláusulas contratuais e, à luz do critério judicial, autorizando a purgação da mora".
A Ministra Nancy Andrighi, ao proferir voto-vista, divergiu do relator e não conheceu do recurso especial, por considerar que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência dominante desta Corte, segundo a qual "deve ser oportunizada ao devedor, em sede de ação de busca e apreensão, a possibilidade de suscitar discussão sobre o valor da dívida, mormente em relação ao encargos que a compõe, com fundamento em contrariedade à lei ou nulidade do próprio contrato". Quanto aos demais temas, assentou serem aplicáveis as disposições do CDC aos contratos firmados com instituições financeiras e estarem limitados os juros remuneratórios nas cédulas de crédito comercial.
O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito acompanhou o entendimento do relator, ressaltando que "a interpretação em sentido contrário [...] altera o dispositivo legal repercutindo no sistema que o legislador desejou criar para o caso específico da busca e apreensão em alienação fiduciária, mecanismo que facilita a aquisição de bens para o consumidor e que assegura a retomada em caso de não-pagamento, considerado sem vício algum".
Analiso, inicialmente, a incidência do CDC e a limitação dos juros remuneratórios.
O acórdão local está em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca da aplicação do CDC aos contratos firmados com instituições financeiras, nos termos do enunciado 297 da Súmula desta Corte, permitindo-se o afastamento de cláusulas abusivas.
Quanto aos juros remuneratórios, a cédula de crédito comercial é regulada especificamente pelo Decreto-lei n.° 413⁄69, conforme disposto pela Lei n.° 6.840⁄80, que confere ao Conselho Monetário Nacional a atribuição de fixar os juros a serem aplicados a essa espécie de financiamento. Omisso o CMN quanto à fixação da taxa de juros, a jurisprudência desta Corte firmou-se no entendimento de que incide a limitação do Decreto 22.626⁄33, afastando-se, assim, a aplicação da Lei n.° 4.595⁄64. Nesse sentido: REsp 164.526⁄RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, 3ª T., in DJ de 29⁄5⁄2000; REsp 286.595-RS, rel. Min. Nilson Naves, 3ª T., in DJ de 27⁄3⁄2000.
Passo à apreciação da alegada infringência ao art. 3.°, parágrafos 1.° e 2.°, do Decreto-lei n.° 911⁄69.
Como já ressaltado pelos votos anteriormente proferidos, o entendimento das Turmas componentes desta Seção tem-se inclinado no sentido de abrandar as disposições previstas no referido art. 3.°, a fim de permitir ao devedor que discuta, nos próprios autos da ação de busca e apreensão, a legalidade ou abusividade das cláusulas contratuais. Seguem tal orientação os precedentes: AgRg no Ag 546825⁄GO; da minha relatoria, publicado no DJ de 22.11.2004, p. 334; REsp 186644⁄RS; Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, publicado no DJ de 15.03.1999, p. 244; REsp 299254⁄MG; Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, publicado no DJ de 20.08.2001, p. 476; REsp 329389⁄RS; Relator Ministro Barros Monteiro, publicado no DJ de 04.03.2002, p. 265; REsp 303320⁄RS; Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, publicado no DJ de 22.04.2002, p. 201.
Comungo deste entendimento. A despeito das restrições previstas no Decreto-lei, entendo que, após o advento do CDC, princípios fundamentais tais como o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de equalização desta relação (art. 4.°, I e III), ou o direito à modificação das cláusulas excessivamente onerosas (art. 6.°, V), passaram a permear todas as relações econômicas abrangidas por tal sistema, de modo a temperar as interpretações referentes ao tema.
A fim de corroborar tal consideração, ressalto, por oportuno, que a Lei n.° 10.931, de 2004, modificou o Decreto-lei n.° 911⁄69, de forma que o mencionado artigo 3.° passou a trazer a seguinte redação:
 
Art. 3.° O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.
§ 1.° Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.
§ 2.° No prazo do § 1.°, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.
§ 3.° O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar.
§ 4.° A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da faculdade do § 2.°, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.
§ 5.° Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.
§ 6.° Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado.
§ 7.° A multa mencionada no § 6.° não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.
§ 8.° A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior."
Foi suprimida, assim, a definição das matérias a serem alegadas na contestação, o que demonstra, inegavelmente, a intenção do próprio legislador de afastar interpretações restritivas.
Ademais, o caso, ainda, apresenta peculiaridade. No julgamento da apelação ressaltou a Corte local que "o Poder Judiciário pode apreciar e decidir sobre a regularidade ou irregularidade dos encargos pactuados - que incidem sobre o débito principal - à luz da ordem jurídica brasileira (art. 5.°, inc. XXXV e LV, da Constituição Federal)" (fl. 209) e, quando dos embargos declaratórios,  assentou que "quanto à primeira contradição, deve-se ressaltar que o acórdão apenas entende que o § 2.° do art. 3.° do Decreto-lei n. 911⁄69 não pode limitar a defesa do embargado. Primeiro, porque a Constituição do Brasil assegura o princípio fundamental da ampla defesa e do contraditório (art. 5.°, inc. XXXV c⁄c inc. LV). Segundo, porque a alienação fiduciária propriamente dita é aquela que se aplica à compra parcelada de determinado bem, cujo vendedor mantém a propriedade do objeto alienado [...]" (fl. 224).
Diviso, assim, estar o acórdão recorrido baseado em fundamento constitucional autônomo que, não desafiado por recurso extraordinário, é suficiente para manter o acórdão, nos termos do enunciado 126 da Súmula do STF.
Diante do exposto, com apoio nos fundamentos manifestados, peço venia ao relator para não conhecer do recurso.
 

VOTO
 
 
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:

Sr. Presidente, a linha do meu pensamento desenvolve-se da mesma maneira que a do Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, que acabou de nos brindar com o seu douto voto.

A limitação imposta pelo art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911 não se compatibiliza, em primeiro lugar, com o texto da Constituição Federal, que assegura a ampla defesa nos processos judiciais e, também, nos administrativos, de maneira que o valor da dívida e as impugnações aos encargos cobrados pelo credor podem ser alegados, sem nenhuma limitação, pelo devedor fiduciante nos pedidos de busca e apreensão.

Estou bem à vontade para decidir, desde logo, porquanto tenho um voto nessa linha, no Recurso Especial n. 264.126, da Quarta Turma. Também acompanhei o voto do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar em dois precedentes daquele mesmo órgão fracionário em que S. Exa. foi Relator. Refiro-me aos Recursos Especiais ns. 316.384⁄PR e 302.252⁄MG.

Portanto, não conheço do recurso especial, pedindo vênia ao Sr. Ministro-Relator e aos demais Colegas que o acompanharam.
 
  
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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 RECURSO ESPECIAL Nº 735.701 - CE (2005⁄0046921-7)

RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHI


EMENTA
 
Consumidor. Recurso especial. Registros de proteção ao crédito. Inscrição. Necessidade de prévia comunicação ao consumidor. Ausência. Ilegalidade da inscrição. Legitimidade passiva dos órgãos responsáveis pela manutenção doregistro. Art. 43, § 2.º, do Código de Defesa do Consumidor.

- Os requisitos legais previstos no § 2.º, do art. 43, do CDC devem ser cumpridos para se garantir a aptidão, a procedibilidade da inscrição. Após isso é que caberá a discussão sobre a exigibilidade ou não do débito que deuorigem à inscrição e, conseqüentemente, se esta é devida ou não. Sem o cumprimento dos mencionados requisitos, a inscrição deverá ser cancelada por ilegalidade.

- Apenas os órgãos responsáveis pela manutenção dos registros de proteção ao crédito é que têm legitimidade passiva ad causam para a demanda que visa à exclusão do nome do consumidor dos referidos registros e tem como causa de pedir a ilegalidade da inscrição, por descumprimento da obrigação prevista no § 2.º, do art. 43, do CDC.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 25 de abril de 2006(data do julgamento).
 
 
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
Presidente e Relatora
 



VOTO
 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
a) Da alegada violação aos arts. 43, §§ 1.°, 2.° e 5.°, do CDC; 3.° e 267, VI, ambos do CPC e ao artigo 75 do CC⁄1916.
 
Alega o recorrente que o acórdão recorrido violou os arts. 43, §§ 1.°, 2.° e 5.°, do CDC; 3.° e 267, VI, ambos do CPC e o artigo 75 do CC⁄1916, pois não reconheceu a legitimidade passiva das ora recorridas para responder à demandaproposta pelo recorrente.
 
Em relação ao art. 43 do CDC, nota-se que foi abordado expressamente pelo Tribunal a quo (fls. 243), pelo que ocorreu o seu prequestionamento, com perfeita viabilização da sua análise. O mesmo pode ser dito em relação ao art. 267, VI, do CPC, no tocante a questão da legitimidade de parte (fls. 239) e em relação ao art. 3.°, também do CPC.  Entretanto, o artigo 75 do CC⁄1916 não foi sequer prequestionado implicitamente pelo acórdão recorrido, razão pela qual inviável a sua análise.
 
Esta demanda objetiva a exclusão do nome do recorrente dos registros de proteção ao crédito e tem como causa de pedir, conforme se constata pela leitura do acórdão recorrido às fls. 239, o descumprimento da obrigação prevista no art. 43, § 2.º, do CDC, qual seja, o dever de comunicar o consumidor sobre a inscrição do seu nome nos registros de proteção ao crédito, o que tornaria ilegal a própria inscrição.
 
O acórdão recorrido entendeu que os responsáveis pela comunicação dos inscritos nos registros de proteção ao crédito são os fornecedores-credores (fls. 240).
 
Portanto, cinge-se a controvérsia em saber de quem é a legitimidade passiva para a ação em que se pretende a exclusão do nome do consumidor dos registros de proteção ao crédito e tem como causa de pedir a ilegalidade da inscrição,por descumprimento da obrigação prevista no § 2.º, do art. 43, do CDC.
 
Nesse sentido, segundo o entendimento do STJ, não há dúvida de que o dever de comunicação previsto no § 2º, do art. 43, do CDC é do órgão responsável pela manutenção do registro de proteção ao crédito:
 
“Conforme entendimento firmado nesta Corte, a comunicação ao consumidor sobre a inscrição de seu nome, nos registros de proteção ao crédito, constitui obrigação do órgão responsável pela manutenção do cadastro, e não do credor, que apenas informa a existência da dívida.” (REsp n.° 768.838⁄RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 12.09.2005)
 
Da mesma forma, também consoante a jurisprudência do STJ, o simples fato de se deixar de comunicar a inscrição do nome do consumidor no registro de proteção ao crédito já configura ato ilícito e gera, por si só, o dever de indenizar oconsumidor. Neste sentido, cito os seguintes precedentes: Resp. n.º 402.958⁄DF, de minha relatoria, DJ. 30.09.02; REsp. n.º  442.483⁄RS, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ. 12.05.03; e REsp. 165.727⁄DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ. 21.09.98.
 
Além disso, a referida comunicação deverá se dar antes da inscrição do nome do consumidor no registro de proteção ao crédito, para que o consumidor possa pagar ou contestar o débito que deu origem à inscrição e, com isso, evitar prejuízos maiores que podem advir se a inscrição se consumar. Nesse sentido, o Resp. n.º 402.958⁄DF, de minha relatoria, DJ. 30.09.02, assim ementado no que interessa:
 
“Para que a comunicação seja garantista e ultime o fim a que se destina deverá se dar antes do registro de débito em atraso.”
 
Ademais, sem a prévia comunicação ao consumidor, a própria inscrição em si fica viciada, pelo descumprimento do requisito de validade para tanto.
 
Com efeito, o § 2.º, do art. 43, do CDC traz como verbo-núcleo o comando “deverá”, deixando claro que “A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo” tem como requisito essencial de validade a comunicação prévia ao consumidor.
 
De fato, primeiro deve-se cumprir os requisitos legais previstos no § 2.º, do art. 43, do CDC, para se garantir a aptidão, a procedibilidade da inscrição e só depois é que caberá a discussão sobre a exigibilidade ou não do débito que deu origem à inscrição e, conseqüentemente, se esta é devida ou não. Se a demanda estiver fundamentada na primeira hipótese, a legitimidade para respondê-la é do responsável pela manutenção do registro de proteção ao crédito; já se estiver fundamentada na segunda hipótese, a legitimidade para tanto é do credor.
 
Por conseguinte, sem o cumprimento do requisito da prévia comunicação, a inscrição deverá ser cancelada pelo responsável pela manutenção do registro de proteção ao crédito, por ilegalidade – sendo ainda irrelevante qualquerquestionamento no sentido de se saber se o débito que deu origem ao pedido de inscrição é devido ou não , o que confere legitimidade apenas para o responsável pela manutenção do registro.
 
Aliás, nessa mesma linha de raciocínio, esclarece Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin que o Regimento Interno do Serviço Central de Proteção ao Crédito da Associação Comercial de São Paulo dispõe em seu art. 14, § 3.° que: “registro de débito em atraso deverá ser precedido de comunicação escrita ao cliente devedor, inclusive fiadores e⁄ou avalistas. A falta de comunicação implicará o cancelamento do registro.” E conclui o mesmo autor que “do contrário a norma ética seria incompatível com o CDC, à informação objeto do 'registro' não se pode dar acesso público antes da integralização da comunicação.” (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 7.ª edição, Ada Pellegrini Grinover et al., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 410)
 
Portanto, quando a demanda visa à exclusão do nome do consumidor dos registros de proteção ao crédito e tem como causa de pedir a ilegalidade da inscrição, por descumprimento da obrigação prevista no § 2.º, do art. 43, do CDC, apenas os órgãos responsáveis pela manutenção dos referidos registros é que têm legitimidade passiva ad causam. Nesse sentido também foi o acórdão prolatado no REsp n.° 345.674⁄PR, Rel Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 18.03.2002, onde ficou registrado:
 
“É ao SERASA que cabe a responsabilidade de comunicar a existência da inscrição, de sorte que por qualquer fato daí decorrente, por ação ou omissão, cabe a ele – e só a ele – responder. Não há legitimidade passiva do banco, na hipótese.
 
Assim, as recorridas são partes passivas legítimas para responder à medida cautelar proposta pelo recorrente, visando excluir o seu nome dos registros mantidos pela recorridas, pelo que restaram violados os arts. 43, § 2.º, do CDC e 267, VI, do CPC.
 
Forte em tais razões, CONHEÇO do presente recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, para, reformando o acórdão recorrido, dar provimento à apelação do recorrido, para que o processo prossiga na esteira do devido processolegal.
 
É o voto.
 

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Superior Tribunal de Justiça
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.149.998 - RS (2009⁄0139891-0)
 
RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHI
 
EMENTA
 
CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. CANCELAMENTO DO REGISTRO. OBRIGAÇÃO DO CREDOR. PRAZO. NEGLIGÊNCIA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO.

1. Cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar o cancelamento do registro negativo do devedor. Precedentes.

2. Quitada a dívida pelo devedor, a exclusão do seu nome deverá ser requerida pelo credor no prazo de 05 dias, contados da data em que houver o pagamento efetivo, sendo certo que as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.

3. Nada impede que as partes, atentas às peculiaridades de cada caso, estipulem prazo diverso do ora estabelecido, desde que não se configure uma prorrogação abusiva desse termo pelo fornecedor em detrimento do consumidor, sobretudo em se tratando de contratos de adesão.

4. A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido. Precedentes.

5. Recurso especial provido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. 
 
Brasília (DF), 07 de agosto de 2012(Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
Relatora
 



VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cinge-se a lide a determinar a quem cabe a providência de baixa de registro em cadastro de inadimplentes após a quitação do débito pelo devedor e, na hipótese de se entender que essa medida incumbe ao credor, definir qual o prazo de que dispõe para tanto.
 
I. Do prequestionamento.
 
Preliminarmente, noto a falta de prequestionamento do art. 73 do CDC, circunstância que inviabiliza o conhecimento do recurso especial à luz desse dispositivo legal. Incide à espécie o enunciado nº 211 da Súmula⁄STJ.
Acrescente-se, por oportuno, que a despeito da interposição de embargos de declaração, o referido comando legal não havia sido suscitado nas razões de apelação, despontando de forma clara a tentativa do recorrente de utilizar os aclaratórios no intuito de inovar suas teses recursais.
 
II. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535, II, do CPC.
 
Da análise do acórdão recorrido, nota-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O TJ⁄RS abordou todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.

O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica omissão, obscuridade ou contradição, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

O acórdão recorrido apresentou fundamento suficiente para o deslinde da controvérsia, o que afasta, ainda que implicitamente, os demais argumentos suscitados pelas partes e não abordados de forma expressa.

Constata-se, em verdade, a irresignação do recorrente com o resultado do julgamento e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que se mostra inviável no contexto do art. 535 do CPC.

Não se vislumbra, pois, violação do mencionando dispositivo legal.
 
III. Da baixa de registro em cadastro de inadimplentes. Violação dos arts. 14 e 43, § 3º, do CDC.
 
De acordo com o TJ⁄RS, “em situação como a dos autos, na qual há inadimplência, ao titular do direito incumbe desenvolver os meios necessários para protegê-lo. Isso significa que cabe ao interessado diligenciar no sentido de suareabilitação. Exige-se do credor tão só a conduta de não impor embaraços, o que se entende por satisfeito pelo fornecimento de recibo a autorizar a baixa do assento. A providência era, pois, do autor” (fl. 86, e-STJ).
 
(i) Do responsável pela baixa.
 
Conforme já decidiu esta Turma, “a melhor interpretação do preceito contido no § 3o do art. 43 do CDC constituí a de que, uma vez regularizada a situação de inadimplência do consumidor, deverão ser imediatamente corrigidos os dados constantes nos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de ofensa à própria finalidade destas instituições, já que não se prestam a fornecer informações inverídicas a quem delas necessite” (REsp 255.269⁄PR, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 16.04.2001).

No julgamento do REsp 292.045⁄RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 08.10.2001, esta Corte enfrentou expressamente o fundamento do acórdão recorrido, assentando que “não tem força a argumentação que pretende impor ao devedor que quita a sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o cadastro negativo (...). Quitada a dívida, sabe o credor que não mais é exata a anotação que providenciou, cabendo-lhe, imediatamente, cancelá-la”.

Em mesma já tive a oportunidade de relatar processo sobre o tema, tendo me alinhado ao entendimento supra, afirmando que “cumpre ao credor providenciar o cancelamento da anotação negativa do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito, quando quitada a dívida” (REsp 437.234⁄PB, 3ª Turma, DJ de 29.09.2003).

Também a 4ª Turma já se manifestou sobre essa questão, tendo decidido que “cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem, por omissão, lesão moral passível de indenização” (REsp 299.456⁄SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 02.06.2003. No mesmo sentido: REsp 473.970⁄MG, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 09.10.2006).

Como se vê, constitui entendimento pacífico nas Turmas que compõem a 2ª Seção que incumbe à credora, após a quitação da dívida, o dever de providenciar a retirada do nome do devedor dos cadastros de inadimplentes.

Induvidoso, portanto, que cabia à GVT ter procedido à baixa do nome do recorrente nos registros do SPC.
 
(ii) Do prazo para se proceder à baixa.
 
Nesse aspecto, assume relevo a questão atinente ao prazo de que dispõe o credor para adotar essa medida.

Embora seja possível identificar precedentes desta Corte que abordam o tema – alguns inclusive mencionados acima – nenhum deles estipula de forma concreta qual seria esse termo, limitando-se a consignar vagamente que a providência há de ser tomada “imediatamente” ou “em breve espaço de tempo”.

Imperioso, pois, que se defina esse termo de maneira clara e objetiva, conferindo maior certeza e segurança às relações jurídicas derivadas da inclusão do nome de consumidores em cadastros de proteção ao crédito.

A estipulação vem em benefício não apenas do consumidor, que terá base concreta para cobrar de forma legítima e efetiva a exclusão do seu nome dos referidos cadastros, mas também do fornecedor, que poderá adequar seus procedimentos internos de modo a viabilizar o cumprimento desse prazo.

A solução, a meu ver, extrai-se, por analogia, do próprio art. 43, § 3º, do CDC, o qual estabelece que “o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas”.

Na hipótese de quitação da dívida pelo consumidor, vejo implícita a sua expectativa de ver cancelado o registro negativo, bem como a ciência do credor, após a confirmação do pagamento, de que deverá providenciar a respectiva baixa, pois a anotação não mais reflete a realidade.

Dessa forma, é razoável que o prazo de 05 dias do art. 43, § 3º, do CDC, norteie também a retirada do nome do consumidor, pelo credor, dos cadastros de proteção ao crédito, na hipótese de quitação da dívida. Evidentemente, o dies a quo desse prazo será a data em que houver o pagamento efetivo, sendo certo que as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.

Por outro lado, nada impede que as partes, atentas às peculiaridades de cada caso, estipulem prazo diverso do ora estabelecido, desde que não se configure uma prorrogação abusiva desse termo pelo fornecedor em detrimento do consumidor, sobretudo em se tratando de contratos de adesão.
 
Na espécie, depreende-se dos autos que, transcorridos 12 dias da efetiva quitação do débito, o nome do recorrente permanecia negativado, tanto que este teve rejeitado pedido de obtenção de cartão de crédito junto a instituição financeira, justamente por seu nome constar dos registros do SPC.

Assim, verifica-se que, não obstante devidamente quitada a dívida pelo recorrente, a GVT descumpriu o prazo considerado razoável – de 05 dias – para exclusão do nome do devedor dos cadastros de proteção ao crédito.
 
(iii) Da indenização por danos morais.
 
Demonstrada a negligência da GVT na exclusão do nome do recorrente dos cadastros de proteção ao crédito, aplica-se o entendimento consolidado do STJ, no sentido de que “a inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido” (AgRg no Ag 1.094.459⁄SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 01.06.2009. No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.170.138⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, DJe de 16.04.2010; e AgRg no REsp 957.880⁄SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 14.03.2012).

Nesse aspecto, atento aos precedentes desta Corte sobre a matéria, considero razoável seja a indenização por dano moral fixada em R$6.000,00.
 
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para condenar a GVT ao pagamento de indenização por danos morais arbitrada em R$6.000,00, a ser corrigida e acrescida de juros legais desde a sua fixação.

Reformada a sentença, condeno a GVT ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em R$2.000,00.
  

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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
 
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 856.278 - PR (2006⁄0118386-7)

RELATOR:MINISTRO ARI PARGENDLER


EMENTA
 
CONSUMIDOR. CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. O só ajuizamento de ação judicial para discutir o valor do débito não inibe a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito; é preciso que a demanda tenha o fumus boni juris e que o montante incontroverso da dívida seja depositado ou pago. Agravo regimental não provido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
 
Brasília, 07 de maio de 2007 (data do julgamento).
 
 
 
MINISTRO ARI PARGENDLER
Relator



VOTO
 
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):
 
A egrégia Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp nº 527.618, RS, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJU de 24.11.2003, consolidou o entendimento de que é necessária a presença concomitante de três elementos para que seja impedida a inscrição do nome dos devedores em cadastros deinadimplentes, quais sejam: a) ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) sendo a contestação apenas de parte do débito, depósito do valor referente à parte tida por incontroversa, ou caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado.
 
Não basta, portanto, que o débito esteja sendo discutido em juízo; é preciso que se atendam aos requisitos mencionados.
 
A existência de garantia real da dívida mediante hipoteca não dispensa a exigência do depósito ou caução da parte incontroversa.
 
Nesse sentido, confira-se o AgRg no Ag nº 652.638, RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, assim ementado:
 
"Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Tutela antecipada. Inscrição do nome do devedor. Requisitos.
 
1. O julgado recorrido deferiu a tutela antecipada para afastar a inscrição, entendendo bastante, tão-somente, a ocorrência do ajuizamento da ação revisional. O especial foi provido e afastado o fundamento do acórdão, mediante a aplicação da jurisprudência da Corte, que exige a presença dos três requisitos, ajuizamento da ação, demonstração da aparência do bom direito e depósito ou caução da parte incontroversa. A simples existência de hipoteca não afasta a exigência do depósito ou caução no tocante à parte incontroversa, tendo em vista que a inscrição decorre da inadimplência correspondente às parcelas em atraso, mesmo entendimento aplicável às demais garantias como alienação fiduciária.
 
2. Agravo regimental desprovido" (DJ de 30.10.2006).
 
Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.
 
 

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