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sexta-feira, 9 de abril de 2010

JURID - Condenação por negligência [09/04/10] - Jurisprudência


Administradora de cartões é condenada por negligência

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUÍZO DE DIREITO DA 15ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

Processo: 001.09.021465-0
Ação: Declaratória
Parte autora: José Adeilson dos Santos
Parte ré: Hipercard Administradora de Cartões de Crédito S/A



Sentença

José Adeilson dos Santos, qualificado nos autos, por procurador judicial, ingressou com a presente Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Tutela Antecipada c/c Danos Morais em desfavor do Hipercard Administradora de Cartões de Crédito, igualmente qualificado na inicial, ao argumento de que:

I) não celebrou com o demandado nenhum contrato, todavia foi pego de surpresa com o surgimento de inscrições negativas de seu nome nos cadastros do SPC e SERASA;

II) em 01.06.2004, perdeu todos os seus documentos, deduz, assim, que tenha sido vítima de falsário, posto que este usou indevidamente seus documentos.

Ao final, requereu a concessão de tutela antecipada para determinar a imediata exclusão de toda e qualquer restrição interposta em seu nome, sobretudo nos cadastros restritivos do SPC - Serviço de Proteção ao Crédito e SERASA. No mérito, pugnou pela condenação do demandado ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), devidamente atualizada com juros de mora desde a data do evento danoso, ou seja, 22.01.2006. Requereu, ainda, que seja declarada a inexistência da dívida cobrada pelo demandado.

Com a inicial, estão a procuração e os documentos de fls. 19-24.

Através da Decisão de fls. 26-27, concedeu-se a medida de urgência pleiteada.

Citado, o demandado Hipercard Banco Múltiplo S/A ofereceu defesa às fls. 40-58, através da qual aduziu que para a abertura de crédito, é indispensavelmente realizada pesquisa cadastral do solicitante, bem como análise de renda e dos documentos pessoais do mesmo. Nesta oportunidade, são apresentados pelo solicitante todos os documentos pessoais: CPF, RG, comprovante de renda e residência, etc. É importante salientar que tais documentos devem ser apresentados na forma original, não sendo admitidas cópias, sequer autenticadas;

Mencionou que, no caso em tela, pode afirmar que todos os cuidados foram tomados. Se houve a suposta existência de fraude junto à solicitação e posterior utilização dos serviços mencionados, deve-se explicar que o contestante é tão vítima quando o demandante, uma vez que, levado a incorrer em erro, acolheu a pretensão da solicitante correlata à concessão de crédito que não foi adimplido, gerando dessa forma dano de ordem material e financeiro ao demandado;

Informou que, de acordo com as alegações autorais, este perdeu seus documentos em 01.06.2004. Portanto, tanto o demandante, quanto o demandado foram prejudicados, pois este último liberou valores pecuniários, supondo que era o próprio cliente.

Discorreu sobre os elementos da responsabilidade civil.

Por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados à exordial.

Colacionou os documentos de fls. 59-84.

O demandante rechaçou os termos da contestação às fls. 88-92.

Vieram-me os autos conclusos.

É o que importa relatar. Passo a decidir.

Em primeiro plano, consigne-se que, frente ao comando do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, é dispensável que seja realizada Audiência de Instrução, tendo em vista que a análise da documentação dos autos enseja a convicção desta julgadora, habilitando-a à decisão de mérito.

Trata-se de Ação Declaratória movida pelo demandante José Adeilson dos Santos contra o demandado Hipercard Administradora de Cartões de Crédito S/A, com o objetivo de receber deste reparação por danos morais, decorrentes da inclusão de seu nome nos cadastros restritivos de crédito mantidos pelo SPC e SERASA, do que lhe resultou danos.

O demandante alega que sofreu atentado à moral, derivado da conduta do demandado, que levou seu nome à inscrição restritiva, em razão de inadimplência, sem que com ele tenha travado qualquer relação comercial.

O demandado, por sua vez, aduziu que tomou todos os cuidados necessários à liberação do cartão de crédito em nome do "demandante". Se porventura houve a "suposta" fraude, deverá ser considerado "tão vítima quanto o autor".

Segundo dispõe o art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil:

Art. 333 - "O ônus da prova incumbe:

I - (...);

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".

No caso em tela, percebe-se que, apesar do demandado ter afirmado em sua contestação que celebrou contrato com o demandante, tendo-se cercado de todos os cuidados necessários ao fornecimento do cartão, não trouxe sequer a cópia do contrato, acompanhada dos documentos que lhe foram entregues como prova capaz de afastar a sua atitude negligente, na medida que não nega que um falsário pode ter obtido o cartão em nome do demandante.

Ademais, o demandado não trouxe aos autos outras provas aptas a demonstrar que foi totalmente diligente no fornecimento do cartão de crédito, assim, não há como excluir a responsabilidade deste pela indevida inscrição do nome do demandante nos cadastros do SPC e SERASA.

Deste modo, entendo que é induvidosa a responsabilidade do demandado por sua contribuição para o fornecimento do cartão de crédito, bem como pela negativação indevida dos dados do demandante junto ao SPC e SERASA, restando o dever de indenizar o demandante pelos danos morais sofridos.

Neste sentido:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DE BANCO - ABERTURA DE CONTA CORRENTE BANCÁRIA - USO DE DOCUMENTO FALSO - EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDOS COM DOCUMENTO FALSO - DANO MORAL - FIXAÇÃO DO VALOR - Responsabilidade Civil. Estabelecimento bancário. Conta corrente aberta com documentos adulterados. Emissão de cheques sem fundos. Inclusão indevida do nome da autora em serviço de proteção ao crédito, quando esta, em verdade, não era a titular da conta. Culpa da instituição-financeira por deixar de proceder com o rigor indispensável à identificação do proponente-correntista, não confirmando os dados que lhe foram fornecidos. Dano moral configurado. Quantificação dotada de razoabilidade, diante das circunstâncias do caso concreto, por não representar uma vantagem pecuniária para o ofendido, nem caracterizar o enriquecimento sem causa, atendendo, outrossim, à compensação àquele e à inibição do autor do dano. Sentença mantida. Desprovimento do recurso." (TJRJ - AC 3310/2000 - (10052000) - 17ª C.Cív. - Relª Desª Maria Inês Gaspar - J. 12.04.2000);

Assim, restaram provadas as assertivas do demandante, no que dizem respeito à sua inscrição indevida pelo demandado, nos órgãos de proteção ao crédito SERASA e SPC, afirmações estas que o próprio demandado teria como rebater, se tivesse apresentado a cópia do contrato de cartão de crédito celebrado com o demandante, ou qualquer outro meio de prova a seu alcance para comprovar a existência de relacionamento entre as partes. Com efeito, tais medidas dependem de expresso requerimento e apresentação de documentos exigidos pelas instituições comerciais em geral.

Precisa-se demarcar a responsabilidade do demandado à frente do descuido no procedimento de fornecimento de cartão de crédito a cliente, ao permitir que terceiro, na posse fraudulenta de documentos pessoais de terceiros, tenha adquirido um cartão e realizado compras em nome da demandante.

Observa-se que, partindo-se do fornecimento do cartão de crédito em nome do demandante, A um terceiro, culminando com sua inscrição nos serviços de proteção ao crédito, pela falta de pagamento, esbarra-se na razão fundamental da pretensão deduzida.

Observe-se que o demandado não cumpriu o que lhe era seu mister. Não averiguou diligentemente a autenticidade dos documentos que lhe foram apresentados na ocasião da solicitação do cartão de crédito em nome do demandante.

Nesse diapasão, ao proceder-se a uma análise minuciosa dos documentos apresentados pelo demandante, vislumbra-se que realmente ocorreu a inscrição, pelo demandado, de seu nome nos serviços de proteção de crédito, em razão de débito junto ao demandado.

Assim, em face dessa atitude negligente, deverá ser o demandado responsabilizado a indenizar o demandante, que não concorreu de qualquer forma para o evento danoso. Apenas, e tão somente, por ocasião do fornecimento de um cartão de crédito em seu nome e da negativação perante a SERASA e o SPC, sem as devidas averiguações por parte do demandado, torna-se nítido o direito à indenização, para posterior fixação do quantum indenizatório.

Ao demandado competia provar que agiu corretamente e que não causou dano ao demandante. Contudo, não foi ele capaz de demonstrar motivo algum que o isentasse de sua responsabilidade.

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, assim preceitua:

"São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

O novo Código Civil, no art. 186, correspondente ao art. 159, do Código Civil de 1916, é expresso nos seguintes termos:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Escorando-se o julgamento nas disposições do Código Civil, reflete-se que para a comprovação do dano, passível de indenização, é necessário estabelecer três sustentáculos, a saber: o ato ilícito decorrente da conduta do réu (ação ou omissão), o dano sofrido pela vítima, e o nexo de causalidade entre este e o primeiro.

Rui Stoco, na sua obra Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, ensina que: ?Na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade entre um e outro...? (STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 75).

Nesse passo, é imperioso guardar coerência com o entendimento de que o valor da indenização deverá ser compatível à lesão amargada, não devendo proporcionar enriquecimento ilícito para a parte ofendida. A indenização é aquilatada pela intensidade e extensão do dano, conforme a dicção do art. 944, do novo Código Civil.

O mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA ensina com maestria:? A indenização não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento ou proporcionar ao ofendido um avantajamento; por mais forte razão deve ser eqüitativa a reparação do dano moral para que se não converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo)?.

Ao fixar a reparação pelo dano moral deve o magistrado atentar para que o valor não seja tão exagerado, a ponto de proporcionar o enriquecimento sem causa, nem tão irrisório, para retirar o caráter preventivo da condenação imposta na espécie, sem descurar-se do caráter compensatório pelos danos experimentados pelo titular do direito lesionado. Adota-se, assim, a Teoria do Desestímulo, considerando a necessidade de satisfazer a dor da vítima, o padrão sócio-econômico ou comercial das partes envolvidas no litígio, o bem jurídico lesado, e, em contrapartida, inibir que o ofensor pratique novas condutas lesivas.

Tem, portanto, a fixação da indenização, um duplo caráter, de ressarcimento, ou seja, através dela a parte se conforta materialmente pelo ataque à sua honra subjetiva e objetiva, e pedagógico, que significa que o ofensor, sendo condenado ao pagamento pelo ato lesivo imposto à outra parte, ficará inibido e desestimulado de praticar atos semelhantes em desfavor de tantos outros.

Antônio Jeová Santos, cuja obra Dano Moral foi referenciada por Sílvio de Salvo Venosa, estabelece critérios para a fixação da indenização:? a) não se deve aceitar uma indenização meramente simbólica; b) deve ser evitado o enriquecimento injusto; c) os danos morais não se amoldam a uma tarifação; d) não deve haver paralelismo ou relação na indenização por dano moral com o dano patrimonial; e) não é suficiente ao mero prudente arbítrio do juiz; f) há que se levar em consideração a gravidade do caso bem como as peculiaridades da vítima e de seu ofensor; g) os casos semelhantes podem servir de parâmetro para as indenizações; h) a indenização deve atender ao chamado prazer compensatório, que nós preferimos chamar de lenitivo e, finalmente; i) há que se levar em conta o contexto econômico do país.? (VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 210-211).

Para o dimensionamento correto, há que se observar o ato e sua dimensão dentro da realidade contextual em que ocorreu, bem como mensurar a repercussão do ato na esfera pessoal do ofendido e, ainda, a capacidade financeira do autor da infração, bem como a situação financeira do ofendido.

Depreende-se desse fato que, o fornecimento de um cartão de crédito em favor do demandante, sem seu requerimento expresso, decorrente da vontade de um falsário e provada a sua inscrição no SPC e SERASA, provocada pelo demandado, estão provados os danos morais sofridos.

Nesse contexto, tendo em vista que o demandante José Adeilson dos Santos sofreu constrangimento moral, por ter seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito SERASA e SPC, por conduta negligente do demandado, e, sopesando também, o fator da condição sócio-econômica das partes, de um lado o demandante, vigilante, e, de outro lado, postando-se o Hipercard Administradora de Cartões de Crédito, com considerável porte e solidez, fixo a indenização na quantia equivalente a R$ 3.000,00 (cinco mil reais).

Pelas razões acima alinhadas, julgo procedentes os pedidos formulados à exordial, para declarar a inexistência de débito junto ao demandado, além de condenar o demandado ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), que deverá ser corrigido com juros moratórios à base de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (inscrição indevida) e correção monetária, pelo INPC, a contar da prolação desta sentença.

Confirmo os efeitos da tutela outrora deferida.

Condeno, ainda, o demandado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, por ser simples o feito, dispensando a realização de Audiência de Instrução, diante de seu julgamento antecipado.

P.R.I.

Natal(RN), 24 de março de 2010.


Martha Danyelle Sant´Anna Costa Barbosa
Juíza de Direito



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