Anúncios


quinta-feira, 22 de abril de 2010

JURID - Apropriação indébita previdenciária. Materialidade e autoria [22/04/10] - Jurisprudência


Apropriação indébita previdenciária. Materialidade e autoria demonstradas. Não comprovação de dificuldades financeiras.
Conheça a Revista Forense Digital

Tribunal Regional Federal - TRF2ªR

APELACAO CRIMINAL - 2003.51.01.501546-3

RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ

APELANTE :LUIZ FERNANDO BOISSON

ADVOGADO: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

ORIGEM: OITAVA VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO (200351015015463)

EMENTA

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. NÃO COMPROVAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. ÔNUS DA DEFESA. DIMINUIÇÃO DA PENA. APLICAÇÃO DE ATENUANTE. ARTIGO 65, INCISO II, "B", CÓDIGO PENAL.

1. Materialidade e autoria demonstradas.

2. É ônus do réu provar as alegadas dificuldades financeiras, conforme lhe determina o art. 156, do Código de Processo Penal.

3. Há elementos nos autos que vão, peremptoriamente, de encontro à tese da inexigibilidade de conduta diversa, pois demonstram que apelante empreendeu melhorias e expandiu o seu negócio.

4. O não pagamento das contribuições previdenciárias dos empregados foi decorrente de opção gerencial por parte do apelante, sendo a tentativa de expandir os seus negócios um ato totalmente incompatível com a excludente de culpabilidade alegada.

5. Afastada a incidência do artigo 72 do Código Penal ao crime continuado. A pena de multa deverá ser considerada, em sua totalidade, em 68 (sessenta e oito) dias-multa, no valor de um salário mínimo.

6. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da relatora.

Rio de Janeiro, 13 de abril de 2010 (data do julgamento).

LILIANE RORIZ
Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por LUIZ FERNANDO BOISSON (fls. 776/791) em face da sentença proferida pela MM. Juíza Federal da 8a Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ (fls. 756/772), Dra. Valéria Caldi Magalhães, que condenou LUIZ FERNANDO BOISSON, pelo crime previsto no artigo 168-A, do Código Penal - apropriação indébita previdenciária -, às penas de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime aberto, e de 68 (sessenta e oito) dias-multa para cada um dos 66 (sessenta e seis) crimes praticados. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

Segundo a denúncia (fls. 306/307), LUIZ FERNANDO BOISSON, representante legal da empresa CLÍNICA RADIOLÓGICA LUIZ FERNANDO BOISSON LTDA, deixou de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas de seus empregados, nos períodos de 07/1995 a 13/1998, 01/1999 a 06/2000 e 01/2001 a 13/2001.

Ainda de acordo com a inicial, foi constituído um crédito no valor de R$ 194.022,01 (cento e noventa e quatro mil, vinte e dois reais e um centavo), referente aos débitos previdenciários nº 35.084.175-6, 35.084.174-8, 35.084.177-2 e 35.424.733-6.

A denúncia foi recebida em 03/06/2008, tendo sido rejeitada em relação às competências 07/1995 a 05/1996, tendo em vista a consumação da prescrição pela pena em abstrato (fls. 308/309).

LUIZ FERNANDO BOISSON apresentou as razões recursais, às fls. 776/791, aduzindo que deve ser reconhecida a inexigibilidade de conduta diversa, como causa excludente de culpabilidade, em razão das dificuldades financeiras. Em caso de manutenção da condenação, requereu a diminuição da pena-base e a aplicação da atenuante genérica prevista no artigo 65, II, "b", do Código Penal.

Contrarrazões do Ministério Público Federal, às fls. 794/802, pugnando pelo não provimento do recurso.

O parecer foi juntado às fls. 813/818, tendo o Parquet opinado pelo parcial provimento do recurso, apenas para que seja aplicada a atenuante apontada pela defesa.

É o relatório.

À douta revisão.

LILIANE RORIZ
Relatora

VOTO

Admissibilidade

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, de modo que deve ser conhecido.

Mérito

Quanto ao mérito, LUIZ FERNANDO BOISSON sustentou a sua irresignação ao destacar que deve ser reconhecida a inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista as dificuldades financeiras incontornáveis pela qual a empresa atravessava na época da conduta do apelante.

O cerne da questão sub examine recai, portanto, sobre causa excludente de culpabilidade, o que pressupõe que estão superadas as questões relativas à materialidade e autoria do crime. Com efeito, o próprio apelante reconheceu que houve a prática do delito e que o "dolo se faz presente." (fls 780/781)

Ressalte-se que é ônus do réu provar as alegadas dificuldades financeiras, conforme lhe determina o art. 156, do Código de Processo Penal. No mesmo sentido, leia-se o seguinte julgado desta Corte:

"PENAL - PROCESSO PENAL - NÃO REPASSE DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS RECOLHIDAS - DIFICULDADES FINANCEIRAS - ÔNUS DA PROVA - INCUMBÊNCIA DO RÉU -INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - NÃO COMPROVAÇÃO.

...omissis...

3- A prova da existência de dificuldades financeiras incumbe ao réu. Caberá ao acusador, ao oferecer a denúncia, a prova do fato típico, da autoria bem como das circunstâncias que podem causar o aumento da pena. Já ao réu caberá as provas das causas que excluem a antijuridicidade, culpabilidade, punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem diminuição da pena, concessão de benefícios penais ou a própria inexistência do fato.

... omissis..."

(ACR 2624, Processo no. 200002010610992/RJ - TRF 2a. Reg. - 6a. T, Rel. Desembargador Federal Sérgio Schwaitzer - DJ data: 20/05/2004, p. 256). (grifos nossos)

Tecidas as considerações acima e, após analisar o presente caso, conclui-se que o réu não se desincumbiu de provar as dificuldades financeiras alegadas.

Muito embora o mesmo tenha trazido aos autos documentos que poderiam até ensejar uma dúvida acerca da sua capacidade financeira - títulos protestados, processos trabalhistas, contas de luz e de telefone pagas após a data do vencimento, mandado de reintegração de posse de dois aparelhos de ultrassonagrafia, ações de despejo de imóveis e ações de execução fiscal -, é certo que, ao mesmo tempo, há elementos nos autos que vão, peremptoriamente, de encontro à tese da inexigibilidade de conduta diversa, pois demonstram que LUIZ FERNANDO BOISSON empreendeu melhorias e expandiu o seu negócio.

No seu interrogatório, o mesmo afirmou que:

Fls. 376 - "(...) que teve muito prejuízo, pois gastou muito para montar a clínica de Santa Cruz; que já estava funcionando há três anos; que a clínica em Santa Cruz foi aberta em 2001 e funcionou em 2002 e 2003; que o esforço para montá-la se iniciou em 1999; que os aparelhos foram sendo adquiridos em sistema de leasing e as obras o interrogando foi fazendo aos poucos com os recursos da clínica da Barra; que não se recorda dos valores que gastou nessas obras; que para o que faturava se recorda que era caro, que foi um esforço tremendo; que tentou nesse período que ela deslanchasse, passasse a dar lucro; (...)" (grifo nosso)

As duas testemunhas ouvidas, arroladas pela defesa, corroboraram o que foi dito pelo apelado, no sentido de que o mesmo fez investimentos visando à expansão dos seus negócios.

A testemunha Aline Gomes Bastos, funcionária da empresa e técnica de raio-x, às fls. 368/370, noticiou que:

Fls. 368/370 - "(...) o Dr. Boisson pretendia abrir uma filial da clínica na Taquara, em Jacarepaguá; que encontrou um local, fez uma obra, adquiriu alguns equipamentos, mas o local foi assaltado, que roubaram todos os equipamentos; que posteriormente ele comprou novos equipamentos e o local foi assaltado novamente; que isso ocorreu três vezes, até que o Dr. Boisson desistiu de abrir a filial; que ele teve que recolocar o imóvel nas condições que encontrou para devolver as chaves; que posteriormente ele tentou abrir uma nova filial em Santa Cruz e lá também ocorreu um assalto; (...)" (grifo nosso)

Já Creuza Pereira de Santana, que trabalhava na clínica do réu há 21 (vinte e um anos) afirmou, às fls. 371/373, que:

Fls. 372 - " (...) que numa tentativa de crescimento o Dr. Fernando comprou um local na Taquara e quando estava preparando toda a parte de escritório o local foi assaltado e levaram tudo que havia ali de lucrativo; que o material foi reposto, mas houve novos assaltos; que isso aconteceu três vezes; que depois o Dr. Fernando desistiu de abrir essa filial; que uns dois anos depois o Dr. Fernando alugou um prédio da GOLDEN em Santa Cruz para abrir uma filial; que transferiu todo a parte de escritório para lá; (...)" (grifo nosso)

Sendo assim, da análise da prova oral, conclui-se que o não pagamento das contribuições previdenciárias dos empregados da Clínica Radiológica Luiz Fernando Boisson Ltda foi decorrente de opção gerencial por parte do apelante, sendo a tentativa de expandir os seus negócios um ato totalmente incompatível com a excludente de culpabilidade alegada.

Some-se que o réu fez benfeitorias em imóvel comercial de sua propriedade, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), de acordo com a Declaração de Imposto de Renda - Ano-Calendário 1998 -, juntada aos autos no apenso 1.

A razão, portanto, está com a Magistrada sentenciante, que consignou, às fls. 768 que "LUIZ FERNANDO BOISSON optou por empregar dinheiro em obras e equipamentos visando à expansão dos negócios, em detrimento das obrigações tributárias", tendo acrescentado, mais adiante, às fls. 769, que "a documentação juntada pela defesa não permite cogitar da inexigibilidade de conduta diversa, reputada causa supralegal excludente de culpabilidade. Pode, quando muito, conduzir à hipótese de que o mesmo tem por hábito descumprir suas obrigações tributárias e contratuais." (grifo nosso).

Sob outro viés, o fato do não recolhimento das contribuições previdenciárias ter se dado por um longo período - de 07/1995 a 13/2001 -, nos leva a crer que as dificuldades da clínica não eram insuportáveis, uma vez que não seria viável uma empresa sobreviver por tanto tempo submetendo-se a uma crise financeira com as proporções alegadas pela defesa.

O apelante não trouxe, portanto, em sede de apelação, fundamentos jurídicos aptos a superar aqueles adotados pela MM. Juíza a quo ao rejeitar a tese.

Diante do exposto, tendo em vista que o Parquet logrou comprovar o fato constitutivo da pretensão punitiva estatal e, por outro lado, o réu não demonstrou as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, a manutenção da sentença condenatória se impõe.

Passo, agora, ao exame da pena a ser aplicada, tópico impugnado pela defesa.

Quanto à primeira fase de aplicação da reprimenda, está-se diante de crime que prevê penas que variam de 02 (dois) a 05 (cinco) anos e multa, tendo a MM. Magistrada a quo fixado a pena-base em 3 (três) anos de reclusão, sob os seguintes argumentos:

Fl. 770/771 - "Em que pese seja o réu primário e ostente bons antecedentes, a reprovabilidade de sua conduta é acentuada. Trata-se de pessoa com nível de instrução superior, cuja capacidade de compreensão do caráter ilícito da conduta é elevada, sendo mais exigível de sua pessoa, em comparação ao homem médio, comportamento diverso do apresentado. Os valores não repassados à Previdência foram de razoável monta, mesmo se considerados isoladamente, mês a mês, e totalizaram aproximadamente R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Quanto às circunstâncias, verifica-se que o não recolhimento das contribuições , como visto, deu-se em paralelo à melhoria da situação financeira e patrimonial do acusado, o que torna mais reprovável a sua conduta."

Depreende-se, assim, que não há que se falar em afronta ao princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais, pois houve motivação em relação ao aumento da pena-base, fixada, aliás, em patamar que mais se aproximou do mínimo, levando-se em consideração as penas cominadas ao delito e tendo em vista a presença de 03 (três) circunstâncias desfavoráveis ao réu, quais sejam: a reprovabilidade da conduta, os valores não repassados à Previdência foram de razoável monta e o não recolhimento ter se dado em paralelo à melhoria da situação financeira e patrimonial do acusado.

Pelo exposto, entendo que, na presente hipótese, a fase inicial da dosimetria da pena foi aplicada com observância aos preceitos legais, sendo o quantum fixado na sentença - 03 (três) anos de reclusão - , razoável à prevenção e repressão do delito.

Na segunda fase de aplicação da pena, a Magistrada sentenciante considerou a ocorrência da confissão espontânea no presente caso, diminuindo a pena em 6 (seis) meses, que passou para 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Note-se que houve, entretanto, a alegação de uma dirimente para a sua conduta delituosa, qual seja, a inexigibilidade de conduta diversa, o que não se compatibilizaria com a confissão integral e espontânea para fins de atenuante. Não obstante, sendo o recurso só da defesa, nenhum reparo a fazer.

Ainda em relação à segunda fase de aplicação da pena, não merece prosperar o pedido da defesa no sentido de se considerar a atenuante prevista no artigo 65, inciso III, "b", do Código Penal .

Constam, de fato, informações (fls. 93/96 e 162) de que LUIZ FERNANDO BOISSON manteve a clínica inscrita no REFIS em relação às NFLD nºs 35.084.174-8 e 35.084.175-6, durante o período de 29/03/2000 a 27/10/2003, entretanto, conforme bem destacado pela MM. Juíza a quo, "o acusado não procurou, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar ou minorar as consequencias do delito. Embora tenha praticado, dolosa e continuadamente, os crimes omissivos em prejuízo da autarquia previdenciária, desde 1996, somente após os procedimentos de fiscalização realizados pela Receita Federal na CLÍNICA RADIOLÓGICA LUIZ FERNANDO BOISSON e anos após os primeiros atos criminosos, LUIZ FERNANDO aderiu ao REFIS (...). Não houve, portanto, espontaneidade, eficiência, tampouco celeridade por parte do acusado." (fls. 770).

Na terceira fase, deverá ser mantido o aumento da pena em razão da continuidade delitiva, no mesmo patamar indicado na sentença, ou seja, em ½ (metade), tornando a pena definitiva em 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão e 68 (sessenta e oito) dias-multa, no valor de um salário mínimo.

Ainda em relação aos dias-multa, filio-me à corrente que entende ser o artigo 72 do Código Penal inaplicável ao crime continuado, pois, nessa hipótese, valendo-se da teoria da ficção, criou o legislador um verdadeiro crime único, motivo pelo qual a pena de multa também deverá ser única, com o acréscimo legal .

Neste sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. PACIENTE CONDENADA À PENA DE 2 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO, E AO PAGAMENTO DE 3.168 DIAS-MULTA, POR APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168, § 1o., II C/C 71, AMBOS DO CPB). PENA DE MULTA QUE NÃO SE SUJEITA À REGRA DO ART. 72 DO CÓDIGO PENAL, NO CASO DE CRIME CONTINUADO. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PARA QUE O TRIBUNAL ESTADUAL REFAÇA A DOSIMETRIA DA PENA PECUNIÁRIA APLICADA À PACIENTE.

1. Consoante remansosa jurisprudência desta Corte, as penas de multa são calculadas consoante o disposto no artigo 72 do CPB, que prevê a aplicação distinta e integral da pena pecuniária no concurso de crimes, somente nos casos de concursos material e formal, afastada a incidência do referido artigo na hipótese de crime continuado. (grifo nosso)

2. Parecer do MPF pela concessão da ordem.

3. Ordem concedida, tão-só e apenas para que o Tribunal Estadual refaça a dosimetria da pena pecuniária aplicada à paciente, nos termos da fundamentação supra.

(HC 120.522/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJ 09/03/2009)

Assim, afastando-se a incidência do artigo 72, do Código Penal, a pena de multa será, em sua totalidade, de 68 (sessenta e oito) dias-multa, no valor de 01 (um) salário mínimo.

Mantenho o regime inicialmente aberto para cumprimento da pena, bem como a substituição da pena privativa de liberdade supracitada por duas penas restritivas de direito, nos termos fixados na sentença.

Conclusão:

Face o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para, afastando-se a incidência do artigo 72, do Código Penal, considerar a pena de multa, em sua totalidade, em 68 (sessenta e oito) dias-multa.

É como voto.

LILIANE RORIZ
Relatora




JURID - Apropriação indébita previdenciária. Materialidade e autoria [22/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário