Anúncios


quinta-feira, 15 de abril de 2010

JURID - Prisão preventiva. Governador do distrito federal. [15/04/10] - Jurisprudência


Prisão preventiva. Governador do distrito federal. Possibilidade. Imunidade penal relativa garantida só ao presidente.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Superior Tribunal de Justiça - STJ

INQUÉRITO Nº 650 - DF (2009/0188666-5)

RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

REQUERENTE: M P F

EMENTA

PRISÃO PREVENTIVA. GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL. POSSIBILIDADE. IMUNIDADE PENAL RELATIVA GARANTIDA SOMENTE AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. RESERVA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO FEDERAL. AUTORIZAÇÃO DA CÂMARA LEGISLATIVA. PRESCINDIBILIDADE. MEDIDA CAUTELAR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. TENTATIVA DE FRUSTRAR A INSTRUÇÃO CRIMINAL. CORRUPÇÃO DE TESTEMUNHA. FALSIDADE IDEOLÓGICA DE DOCUMENTO PRIVADO. MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE.

1. Os Governadores dos Estados e do Distrito Federal não gozam de imunidade à prisão cautelar, prerrogativa extraordinária garantida somente ao Presidente da República, na qualidade de Chefe de Estado. Reserva de competência da União Federal. Precedente do Supremo Tribunal Federal.

2. A apreciação do pedido de prisão preventiva por esta Corte prescinde da autorização da Câmara Distrital tendo em vista a natureza cautelar da providência, bem como o suposto envolvimento de membros da Casa Legislativa no esquema de corrupção.

3. Tentativa de frustrar a instrução criminal mediante corrupção de testemunha e falsificação ideológica de documento privado, crimes tipificados nos arts. 343 e 299 do Código Penal.

4. Necessidade de concessão da medida restritiva para preservação da ordem pública e garantia da instrução criminal.

5. Prisão decretada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, rejeitar a preliminar suscitada pelo Ministro Nilson Naves de impossibilidade de apreciação do pedido pelo Superior Tribunal de Justiça em face de ausência de autorização da Assembléia Legislativa. Vencidos os Ministros Nilson Naves, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki e Castro Meira. Também, por maioria, a Corte Especial referendou a decisão do Ministro Relator integralmente. Vencidos, em parte, o Ministro Teori Albino Zavascki e, em maior extensão, o Ministro Nilson Naves.

Na preliminar, os Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, Massami Uyeda, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Luis Felipe Salomão votaram com o Ministro Relator.

Referendaram a decisão do Ministro Fernando Gonçalves os Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Massami Uyeda, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Luis Felipe Salomão.

Impedido o Ministro Aldir Passarinho Junior.

Ausentes, justificadamente, os Ministros Ari Pargendler, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão.

Os Ministros Ari Pargendler, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão foram substituídos, respectivamente, pelos Ministros Castro Meira, Massami Uyeda, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Luis Felipe Salomão.

Brasília, 11 de fevereiro de 2010 (data de julgamento).

MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA, Presidente

MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator

INQUÉRITO Nº 650 - DF (2009/0188666-5)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):

Senhores Ministros

A pedido do eminente Procurador-Geral da República, Doutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS e da Subprocuradora-Geral da República, doutora Raquel Elias Ferreira Dodge, nos autos do Inquérito 650-DF (Expediente 30), com base no artigo 312 do Código de Processo Penal, para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, nesta data foi por mim decretada a prisão preventiva de JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Governador do Distrito Federal - de GERALDO NAVES - suplente de Deputado Distrital, de WELLIGTON LUIZ MORAES, Secretário de Comunicação, e ANTÔNIO BENTO DA SILVA, Conselheiro do Metrô, de RODRIGO DINIZ ARANTES, Secretário e de HAROALDO BRASIL DE CARVALHO pelos fundamentos aduzidos e que, por integral pertinência, reproduzo, incorporando a esta decisão:

"O Ministério Público Federal, pelo Procurador-Geral da República e pela Subprocuradora-Geral da República signatária, no exercício da atribuição de titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129-I), vem, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal, requerer a prisão preventiva,do Governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, brasileiro, com residência na SMPW Quadra 5, conjunto 2, lote 2, casa H, e na Residência Oficial de Águas Claras, do suplente de Deputado Distrital Geraldo Naves, com residência na SHIN QI 3, conjunto 11, lote 11, Brasília (DF) e também na SHIN QI 15, conjunto 1, casa17, Brasília (DF); do Secretário de Comunicação Welligton Luiz Moraes, residente à SQSW 305, bloco J, apt. 602, Sudoeste, Brasília (DF) e na SCN, quadra 05, Bloco A, salas 205 e 206, Brasília Shopping, Brasília (DF); do Conselheiro do Metrô Antônio Bento da Silva, residente à QSD 20, lote 14, Taguatinga (DF); do secretário Rodrigo Diniz Arantes, residente à Av. Flamboyant, lote 22, bloco A, ap. 302, Residencial Flamboyant, Águas Claras (DF); e de Haroaldo Brasil de Carvalho, residente à SMPW Quadra 26, conjunto 5, lote 1 e 2, unidade B, Park Way (DF), pelos fatos e fundamentos jurídicos que se seguem.

I - Dos Fundamentos Jurídicos da Prisão Preventiva

1. Os indícios coligidos até o momento neste Inquérito 650 revelam traços marcantes e consistentes da existência e do modo de atuar, com vínculo regular e estável, de um grupo de pessoas - dentre as quais o Governador José Roberto Arruda e o Conselheiro Domingos Lamoglia, do Tribunal de Contas do Distrito Federal, que têm foro criminal por prerrogativa de função nesta Corte --, as quais parecem se organizar e atuar de modo criminoso para desviar e se apropriar de verbas públicas do Distrito Federal e, também, para apagar os vestígios das infrações que praticam.

2. No curso da investigação, o Superior Tribunal de Justiça deferiu várias medidas cautelares que auxiliaram na arrecadação de provas dos fatos criminosos investigados. Dentre estas medidas judiciais, merece destaque a ação controlada com participação de réu-colaborador; a interceptação ambiental de diálogo mantido entre o Governador José Roberto Arruda e a testemunha colaboradora; e duas medidas de busca e apreensão.

Fatos recentes, desvendados no último dia 4 de fevereiro de 2010, indicam que as investigações em curso não paralisaram, nem inibiram a atuação criminosa de um grupo de pessoas que, ocupantes de cargos públicos, aproveitam-se de suas funções para praticar crimes e para, de modo criminoso, apagar os vestígios dos crimes que cometem.

A desfaçatez e a desinibição dos agentes de infração penal no uso indevido da coisa pública reclamam decisão proporcional do Poder Judiciário. Cabe ao Judiciário assegurar efetivamente a ordem pública, paralisando a atuação ilícita deste grupo criminoso e prevenindo a ocorrência de outros crimes que venham a praticar. Também cabe ao Judiciário assegurar a instrução criminal, que os recentes crimes envolvendo testemunha do inquérito n. 650-DF iria frustrar.

Estes são dois requisitos para a concessão de prisão preventiva, segundo o artigo 312 do Código de Processo Penal.

Esta é, precisamente, uma das funções mais importantes do direito penal: paralisar a ação criminosa, prevenir a ocorrência de outros crimes, manter a ordem pública e assegurar a instrução criminal na forma do devido processo legal.

Na República, o direito penal exerce o importante papel de zelar pelo bom trato da coisa pública, que incluem o patrimônio, a moralidade e a confiança do público na destinação correta que será dada aos bens públicos, sem desvio e sem apropriação ilícita.

O Supremo Tribunal Federal deu concretude à República brasileira ao refutar o argumento de que os Governadores de Estado e do Distrito Federal gozariam de imunidade à prisão cautelar e de irresponsabilidade penal relativa, por simetria com garantia dada ao Presidente da República pelo artigo 86-§§3o e 4o da Constituição:

"PRINCÍPIO REPUBLICANO E RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES.

A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais a configuração mesma da idéia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui consequência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal.

O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos - os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente responsáveis perante a lei.

(...)

IMUNIDADE A PRISÃO CAUTELAR - PRERROGATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXTENSÃO, MEDIANTE NORMA DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AO GOVERNADOR DO ESTADO. - O Estado-membro, ainda que em norma constante de sua própria Constituição, não dispõe de competência para outorgar ao Governador a prerrogativa extraordinária da imunidade à prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária, pois a disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar submete-se, com exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por efeito de expressa reserva constitucional de competência definida pela Carta da Republica. - A norma constante da Constituição estadual - que impede a prisão do Governador de Estado antes de sua condenação penal definitiva - não se reveste de validade jurídica e, consequentemente, não pode subsistir em face de sua evidente incompatibilidade com o texto da Constituição Federal.

PRERROGATIVAS INERENTES AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ENQUANTO CHEFE DE ESTADO. - Os Estados-membros não podem reproduzir em suas próprias Constituições o conteúdo normativo dos preceitos inscritos no art. 86, §§3o e 4o, da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental - por serem unicamente compatíveis com a condição institucional de Chefe de Estado - são apenas extensíveis ao Presidente da República." (ADI 978-PB, DJ 24.11.95)

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 103-§3o da Lei Orgânica do Distrito Federal que estabelecia que "enquanto não sobrevier sentença condenatória nas infrações comuns, o Governador não estará sujeito a prisão" (ADI n. 1020 - STF, DJ de 17.11.95, republicado em 24.11.95), refutando a imunidade relativa à jurisdição penal que esta norma dava ao Governador, colocando-o acima das leis e garantindo-lhe prerrogativa não assegurada a outros cidadãos.

Dos Indícios de Autoria e de Materialidade de Crimes, no Curso do Inquérito 650-DF com Ofensa à Ordem Pública e à Instrução Criminal (art. 299 e 343 do Código Penal, em co-autoria)

Preâmbulo

No curso desta investigação, as medidas cautelares certas, determinadas e pontuais ordenadas judicialmente pelo ilustre Ministro Relator possibilitaram arrecadar indícios dos fatos criminosos em apuração, com o máximo respeito à privacidade dos investigados, mas também de modo proporcional à alta gravidade dos crimes que estão sendo desvendados.

Os indícios coligidos mostram-se coerentes entre si. Têm revelado que o grupo criminoso, por ser constituído pelas mais altas autoridades do Distrito Federal, instalou-se no próprio governo do Distrito Federal e utiliza as funções públicas para desviar e para apropriar-se do dinheiro.

11. Esta conduta criminosa causa prejuízo à ordem pública e aos cidadãos que contribuíram com seus impostos para reunir no orçamento do Distrito Federal as verbas públicas que estão sendo desviadas e apropriadas ilicitamente. .

O prejuízo à ordem pública também decorre do efeito nocivo da conduta criminosa sobre os serviços públicos que deveriam ser financiados com os recursos desviados da finalidade para a qual foram arrecadados dos pagadores de impostos no Distrito Federal e em todo o país. Afinal, o orçamento do Distrito Federal é, em sua maior parte, constituído pelos tributos arrecadados de cidadãos moradores de todos os Estados do Brasil. 13. De fato, segundo a Constituição, compete à União manter a maior parte dos serviços públicos do Distrito Federal mediante pagamentos vinculados à manutenção do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, dos serviços policiais e dos bombeiros; e também prestar assistência financeira para os demais serviços públicos do Distrito Federal por meio do Fundo Constitucional do Distrito Federal, a saber:

Art. 21. Compete à União:

XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;

XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

14. Ocorre que o curso das investigações no inquérito 650-DF não paralisou a ação criminosa do integrantes do grupo investigado.

Além dos crimes que resultaram na prisão em flagrante de Antônio Bento da Silva por coação da testemunha Edson Sombra, a imprensa noticiou que estava em curso um grande esquema para impedir o avanço das investigações com corrupção dos membros do legislativo local encarregados de processar o pedido de impeachment .

Há, como se nota, fartos indícios de que o grupo criminoso investigado continua operando em várias áreas, comprometendo a ordem pública e a instrução criminal, pois corrompeu testemunha da investigação que se processa no inquérito 650-DF. O fato é muito grave, pois atenta contra o Poder Judiciário, ao incidir sobre a instrução criminal, que o investigado quis frustrar mediante corrupção da testemunha.

Os requeridos praticaram os crimes de falsidade ideológica de documento privado (art. 299 do Código Penal) e de corrupção de testemunha (artigo 343 do Código Penal), em co-autoria.

Para estas situações, a lei penal autoriza a decretação de prisão preventiva, para que a aplicação da lei penal não fique comprometida.

O crime de corrupção de testemunha (art. 343 do Código Penal)

A prisão em flagrante de Antônio Bento da Silva no dia 4 de fevereiro de 2010 revelou que os requeridos eram co-autores dos crimes de corrupção de testemunha de inquérito policial e de falsidade ideológica de documento privado para alterar a verdade da investigação penal. Deste modo, cumpriram-se dois dos requisitos exigidos no artigo 312 do Código de Processo Penal para o deferimento da prisão preventiva: a comprovação da materialidade e da autoria dos crimes que ensejam o pedido.

20. O fato é que, o Governador José Roberto Arruda solicitou a Rodrigo Diniz Arantes, que entregasse elevada quantia em dinheiro a Antônio Bento da Silva para que passasse às mãos do jornalista Edmilson Edson dos Santos (conhecido como Edson Sombra), para que este alterasse a verdade no depoimento que fora intimado a prestar, como testemunha, à Polícia Federal, nos autos deste inquérito n. 650-DF.

21. Consta que Antônio Bento da Silva foi o terceiro intermediário do Governador José Roberto Arruda com o jornalista Edson Sombra, com a proposta de que recebesse dinheiro e vantagens financeiras em troca da alteração da verdade no depoimento que iria prestar à Polícia Federal nos autos deste inquérito.

22.Para provar que falava em nome do Governador José Roberto Arruda, o primeiro mediador da proposta, o ex-Deputado Distrital Geraldo Naves, entregou a Edson Sombra um bilhete manuscrito pelo Governador Arruda, com itens que se referem ao assunto que vinha sendo tratado entre eles, segundo depoimento prestado por Edson Sombra. O original deste bilhete foi entregue à Polícia Federal por Edson Sombra. A cópia está em anexo, autenticada pela Polícia Federal por intermédio do ofício n. 36/2010 - DICINT/DIP/DPF, de 05.02.2010.

23.Em entrevista concedida após a prisão em flagrante de Antônio Bento da Silva, o Deputado Distrital Geraldo Naves confirma a autenticidade do bilhetehttp://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1206081-7823-GERALDO+NAVES+DESMENTE+VERSAO+DOS+ADVOGADOS+DE+ARRUDA,00.html, afirma que o recebeu das mãos do Governador Arruda para ser efetivamente entregue a Edson Sombra. Os vídeos entregues por Edson Sombra à Polícia Federal contêm trechos de diálogos de Sombra, ora com Welligton Moraes, ora com Antonio Bento da Silva, que se referem a este bilhete do Governador Arruda.

Os vídeos foram gravados pelo próprio jornalista Edson Sombra, em sua residência. Os originais destes vídeos foram encaminhados para perícia e degravação pela Polícia Federal, mas uma cópia foi extraída e enviada a estes autos pela autoridade policial (ofício n. 37/2010 - DICINT/DIP/DPF, de 05.02.2010).

24. O bilhete é uma das provas da materialidade e da participação do Governador Arruda no crime tipificado no artigo 343 do Código Penal(Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001) Também é forte indício de que o grupo criminoso continua a atuar no desvio e na apropriação de recursos públicos - parte dos quais entregues a Edson Sombra a mando do Governador Arruda - e no acobertamento dos vestígios de seus atos ilícitos, mediante corrupção de testemunha intimada a depor nos autos deste inquérito.

25. Com efeito, no curso das investigações que se processam neste inquérito, a Polícia Federal expediu, em 15 de janeiro de 2010, mandado de intimação para Edmilson Edson dos Santos prestar declarações, como testemunha, acerca dos fatos que estavam sendo apurados no inquérito n. 650. A intimação foi cumprida no dia 19 de janeiro de 2010 (cópia em anexo).

26. Ao ser interrogado pela Polícia Federal no dia 4 de fevereiro de 2010, logo após ter sido preso em flagrante entregando o referido dinheiro a Edson Sombra, Antônio Bento da Silva declarou ter recebido o dinheiro enviado pelo Governador Arruda por meio de Rodrigo Diniz Arantes nas imediações da Churrascaria Porcão, por volta das 22 horas e 30 minutos do dia 3 de fevereiro de 2010. Eis o trecho do interrogatório que se refere a este fato:

"QUE há aproximadamente 20 dias, RODRIGO procurou o interrogado para que conversasse com EDSON "SOMBRA" para que "SOMBRA" aceitasse R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em troca de confirmação e assinatura de uma declaração, ora apreendida em poder do interrogado, e para que "SOMBRA" confirmasse o teor de tal declaração em seu depoimento como testemunha na Polícia Federal; QUE o interrogado confirma que o teor da declaração era que EDSON afirmava serem os fatos da OPERAÇÃO CAIXA DE PANDORA criados por DURVAL BARBOSA para prejudicar o Governador ARRUDA; QUE não possui conhecimento da origem dos R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), apreendidos em seu poder; QUE a entrega do dinheiro para o intermediário foi realizada na data de ontem, por volta das 22h30min, nas imediações da churrascaria PORCÃO, em Brasília/DF; QUE no local estava acontecendo a festa de casamento de um amigo do interrogado, de nome AROALDO; QUE o interrogado estava sozinho em tal evento e RODRIGO ligou afirmando que uma pessoa iria lhe entregar o dinheiro no PORCÃO; QUE acredita que o objetivo de RODRIGO com relação à declaração era possibilitar uma possível defesa do Governador ARRUDA com relação à OPERAÇÃO CAIXA DE PANDORA; QUE, no início, foi procurado por RODRIGO para que intercedesse junto a EDSON "SOMBRA" informando-o que, caso confirmasse em seu depoimento a história descrita na declaração, receberia uma bonificação em dinheiro, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)..." (fls. 8)

27. Ao prestar esclarecimentos sobre os fatos que deram origem à prisão em flagrante, Edson Sombra relatou que, ao longo de mês de janeiro de 2010, foi procurado por três intermediários do Governador José Roberto Arruda propondo-lhe que, em troca de elevada quantia em dinheiro, alterasse as declarações que iria prestar como testemunha à Polícia Federal a respeito dos fatos que estavam sob investigação neste inquérito.

28. Edson Sombra relatou que, no contato inicial, "foi procurado por GERALDO NAVES, Deputado Distrital, no início do mês de janeiro do corrente ano, em nome do Governador Arruda, para que pudesse prestar serviço de forma a atrapalhar a investigação em curso na OPERAÇÃO CAIXA DE PANDORA, arranjar fitas que tenham VALÉRIO NEVES, chefe de gabinete do Governo Roriz recebendo dinheiro de DURVAL BARBOSA, fitas editadas para incriminar JOSÉ ROBERTO ARRUDA, conseguir documentos da investigação da Polícia Federal que pudessem ajudar na defesa da OPERAÇÃO CAIXA DE PANDORA e fitas que ainda não tivessem sido divulgadas sobre o caso e que, em tese, estaria na posse de DURVAL BARBOSA ou do próprio depoente..." (fls. 15)

29. Ele acrescentou que, nesta fase dos contatos, o Governador José Roberto Arruda incumbiu Geraldo Naves -- que acabara de assumir o cargo de Deputado Distrital na Câmara Legislativa do Distrito Federal para atuar no processo e julgamento do pedido de impeachment do referido Governador - de oferecer-lhe dois milhões de reais (R$ 2.000.000,00), para "realização da declaração e mudança no depoimento a ser prestado à Polícia Federal"(fls. 16).

30. Para provar a Edson Sombra que atuava como intermediador de José Roberto Arruda, Geraldo Naves entregou-lhe o referido bilhete, manuscrito pelo próprio Governador Arruda, cujo original foi entregue à Polícia Federal.

31. O bilhete, ou sua cópia, teria sido exibido por Edson Sombra a várias pessoas, a saber: a Deputada Distrital Eliana Pedrosa, o Deputado Distrital Alírio Neto, o advogado Eri Varela, o ex-Secretário assessor de imprensa Welligton Moraes e Antônio Bento da Silva (conforme depoimento de 21.01.10).

32. A seguir, conforme indícios já colhidos, após contato telefônico mantido entre Edson Sombra e o Governador Arruda, o Governador substituiu o intermediador. Passou a ser Welligton Moraes (ex-Secretário de Comunicação do Governador Arruda, afastado logo no início das investigações que correm neste inquérito) conforme registrado em vídeo entregue à Polícia Federal pelo jornalista Edson Sombra, que é um dos interlocutores e o gravou. Os dois encontraram-se no ed. Liberty Mall, sala 819, Torre do lado norte, em Brasília pelo menos duas vezes. Em uma delas, Edson Sombra conversou com o Governador Arruda por meio do telefone celular de Welligton Moraes (depoimento de 21.01.10). Welligton Moraes teria aumentado a oferta inicial de 2 para 3 milhões de reais, para que Edson Sombra alterasse a verdade em seu depoimento à Polícia Federal, assinasse uma declaração e entregasse ao Governador documentos e vídeos de interesse dele, para favorecer sua defesa no inquérito n. 650.

33. Em uma terceira fase, iniciada em 18 e 19 de janeiro de 2010, o intermediador foi novamente substituído. Passou a ser Antônio Bento da Silva, que "trouxe um recado do governador ARRUDA no sentido de que as negociações iniciadas por GERALDO NAVES deveriam ser conduzidas por intermédio do próprio ANTONIO BENTO" , conforme depoimento prestado em 21.01.10, antes de prisão em flagrante.

34. Edson Sombra afirma ter confirmado a substituição de Welligton por Antônio Bento em conversa telefônica com o próprio Governador Arruda, conforme depoimento prestado em 21.01.10 à Polícia Federal, antes da prisão em flagrante:

"QUE no início desta semana, segunda-feira ou terça-feira (18/01/2010 ou 19/01/2010) foi procurado pela pessoa de ANTÔNIO BENTO DA SILVA que trouxe um recado do governador ARRUDA no sentido de que as negociações iniciadas por GERALDO NAVES deveriam ser conduzidas por intermédio do próprio ANTONIO BENTO; QUE nesse mesmo dia ANTONIO BENTO, após ter ido à Residência Oficial do Governador em Águas Claras, se encontrou com o depoente e apresentou demandas do Governador ARRUDA; QUE tais demandas foram apresentadas em um bilhete escrito por ANTONIO BENTO; QUE o depoente apresenta agora uma cópia desse bilhete e se compromete a entregar o original; QUE neste mesmo dia, por volta das 19:13 horas, por meio de seu celular o depoente entra em contato com a Residência Oficial do Governador em Águas Claras, número 39614820, falando com a pessoa de nome Janaína; QUE disse a Janaína que gostaria de falar com o Governador ARRUDA dizendo-lhe que não falasse se nome em voz alta, apenas anotasse em um papel e apresentasse ao próprio Governador ARRUDA; QUE o governador atendeu a referida ligação e travou-se o seguinte diálogo: o depoente questionou a troca dos intermediários sendo que o governador ARRUDA respondeu que "com esse não teremos problema, esse é irmão", encerrando-se a ligação; QUE o depoente esclarece que o termo "esse" refere-se a pessoa de ANTONIO BENTO e que irmão é um termo utilizado para identificar integrantes da maçonaria;"

35. Nestes termos, os indícios da participação do Governador José Roberto Arruda, do suplente de Deputado Distrital Geraldo Naves, do Secretário de Comunicação Welligton Moraes, do Conselheiro do Metrô Antônio Bento da Silva, do secretário Rodrigo Diniz Arantes e de Haroaldo Brasil de Carvalho na grave conduta criminosa de coação da testemunha (art. 343 do CP), que é crime contra a administração da justiça vêm de mais de uma fonte e incluem: o bilhete manuscrito; as declarações de Edson Sombra prestadas à Polícia Federal; as declarações de Antonio Bento prestadas à Polícia Federal; as declarações de Geraldo Naves dadas à imprensa -- no sentido de que, de fato, foi incumbido de levar um bilhete do governador Arruda para Edson Sombra; o envolvimento de Rodrigo Arantes, secretário particular de Arruda, quem segundo Antonio Bento, enviou os R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para serem entregues a Edson Sombra e, ainda, o envolvimento do ex-Secretário de Comunicação de Arruda, que confirma ter intermediado uma conversa entre Edson Sombra e o GovernadorSecretário confirma que Arruda e Sombra conversaram http://oglobo.globo.com/pais/noblat/Da Falsidade Ideológica de Documento Particular (art. 299 do Código Penal)

36. Além deste crime, os requeridos também praticaram falsidade ideológica de documento particular, no curso do inquérito 650-DF.

37. Com efeito, José Roberto Arruda, com o concurso de Geraldo Naves, Welligton Moraes, Antonio Bento da Silva, Rodrigo Diniz Arantes e Haroaldo Brasil de Carvalho, ofereceu e deu dinheiro a Edson Sombra e ofereceu-lhe vantagem contratual com o GDF e o Banco de Brasília, em janeiro e fevereiro de 2010, em troca da assinatura da carta cujo conteúdo contém declaração falsa de que Durval Barbosa Rodrigues manipulou e forjou os vídeos em que aparecem políticos, empresários e servidores públicos de Brasília, com o nítido propósito de incriminar o Governador do DF e outras pessoas. A afirmação falsa contida na carta tem por finalidade alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante para o fins do inquérito n. 650-DF. O original da carta instrui a denúncia e foi apreendido no ato da prisão em flagrante em 4 de fevereiro de 2010.

38. Rodrigo Diniz Arantes, secretário do Governador José Roberto Arruda, manteve contato nos meses de janeiro e fevereiro de 2010 com Antonio Bento da Silva, intermediando as exigências de conteúdo e de modo de dação do dinheiro e das vantagens contratuais que o Governador incumbiu Antonio Bento de oferecer e dar para falsificar o conteúdo da carta assinada por Edson Sombra.

39. José Roberto Arruda incumbiu Rodrigo Diniz Arantes de entregar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a Antonio Bento da Silva, em pagamento a Edson Sombra pela assinatura da carta ideologicamente falsa em fevereiro de 2010. Rodrigo Diniz Arantes entregou esta elevada quantia em dinheiro a Antônio Bento da Silva por intermédio de Haroaldo Brasil de Carvalho no dia 3 de fevereiro de 2010, à noite, nas cercanias da Churrascaria Porcão, situada na Avenida das Nações, às margens do Lago Paranoá, em Brasília (DF).

Haroaldo Brasil de Carvalho auxiliou os contatos entre José Roberto Arruda e
Antonio Bento da Silva, para que ambos tratassem das dúvidas e objeções que Edson Sombra apresentara a Antonio Bento da Silva sobre o conteúdo e assinatura da carta, e sobre o modo de recebimento de dinheiro e das vantagens financeiras.

40. Assim, agindo em co-autoria e com unidade de desígnios, José Roberto Arruda, Geraldo Naves, Welligton Luiz Moraes, Antônio Bento da Silva, Rodrigo Diniz Arantes e Haroaldo Brasil de Carvalho fizeram Edson Sombra inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante no inquérito n. 650-DF e praticaram em co-autoria o crime de falsidade ideológica tipificado no artigo 299 do Código Penal. Por serem funcionários públicos, incorreram no aumento de pena previsto no parágrafo único da mesma norma. O Governador José Roberto Arruda incorre na agravante de ter instigado, organizado e dirigido a participação dos demais agentes criminosos (artigo 62-I e II do Código Penal).

Outros Indícios da Continuidade da Atuação Ilícita

41. A hipótese de que o governador ARRUDA e seus aliados estariam utilizando o poder econômico para impedir o avanço das investigações já havia sido noticiada pela imprensa recentementehttp://oglobo.globo.com/pais/noblat/

42. Além disso, a imprensa vem noticiando há vários meses o uso ilícito da estrutura administrativa do Estado para tentar impedir a tramitação do processo de impeachment na Câmara Legislativa. A ameaça de demissão dos servidores públicos ocupantes de cargos comissionados, caso não participem de manifestações de apoio ao Governador Arruda foi amplamente noticiada pela imprensa Câmara Legislativa. Ônibus que prestam serviço às Administrações Regionais foram usados para levar à Câmara Legislativa servidores públicos do Distrito Federal para manifestações contra o impeachment do Governador Arruda, em claro desvio de finalidade do uso do bem público e de abuso de poder sobre os servidores.

43. Recentemente a imprensa também denunciou que empresas pertencentes a Deputados Distritais com atuação no processo de impeachment em trâmite na Câmara Legislativa foram beneficiados com altas somas de recursos públicos. íntegra

44. A ordem pública precisa ser preservada da continuidade da ação criminosa que tem desviado e se apropriado de recursos públicos. Como visto, a instrução criminal foi e pode continuar a ser deturpada pela coação de testemunhas, como acaba de acontecer.

45. Todos estes graves fatos demonstram o grande poder econômico e político de que dispõe a organização criminosa que se instalou no Governo do Distrito Federal, bem como o uso que os investigados vêm fazendo desse poder no intuito de impedir o avanço das investigações.

Dos Fundamentos Jurídicos da Prisão Preventiva

Da Garantia da Ordem Pública

46. O caráter permanente do crime de quadrilha, aliado à alta lesividade dos crimes de corrupção de testemunha (art. 343 do Código Penal) e de falsificação ideológica de documento privado para influir em inquérito policial (art. 299 do Código Penal), praticados pelos requeridos, colocam em risco a ordem pública do Distrito Federal.

47. O grupo criminoso exerce o comando do GDF, atua no desvio e apropriação de dinheiro público que deixa de atender a finalidade legalmente prevista e agora está apagando os vestígios da sua ação criminosa mediante corrupção de testemunha e falsificação de documentos. Também atua no controle dos parlamentares da Câmara Legislativa, encarregados de processar e julgar o pedido de impeachment. .

48. A organização criminosa instalada no Governo do Distrito Federal continua valendo-se do poder econômico e político para atrapalhar as investigações e, assim, garantir a impunidade.

49. A utilização ilícita da máquina administrativa, por meio do abuso de poder de demitir e contratar servidores comissionados, bem como a liberação de vultosas quantias para empresas ligadas a aliados políticos, são fatos criminosos que tendem a se agravar, à medida que a investigação se desenvolve, e devem ser reprimidos para preservação da ordem pública.

50. Outra evidência da desfaçatez da ameaça à ordem pública decorrente da atuação do Governador Arruda decorre do fato de que policiais civis do Estado de Goiás foram detidos em frente à Câmara Legislativa, onde tramita o processo de impeachment, com equipamentos de escutas telefônicas. Os indícios são de que os policiais foram contratados por uma pessoa vinculado ao Governador com o intuito de realizar escutas telefônicas em Deputados da oposição. Ainda segundo a reportagem, a Polícia Civil do DF teria liberado os policiais sem autuá-los em flagrante. O fato acarretou a queda do Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal Cléber Monteiro, cuja corporação é mantida com dinheiro público da União, administrado pelo Governador Arruda.

51. Importante destacar que não se pretende fazer imputação penal ao governador ou qualquer outra pessoa apenas por meio das citadas notícias. Os fatos noticiados já estão sendo investigados no intuito de se obter provas que confirmem ou infirmem as notícias, tudo com estrita observância ao devido processo legal. Contudo, não se pode negar que tais fatos, noticiados por grandes veículos de comunicação do país, têm reflexos na ordem pública, que está ameaçada pela ação dos requeridos.

1. Se por um lado não é possível fazer conclusões, neste atual estágio, quanto à participação dos investigados nos referidos fatos veiculados pela imprensa, por outro lado, é inconteste que a presença do Governador Arruda na chefia do Poder Executivo do DF está ligada aos recentes eventos e tem gerado grave instabilidade na ordem pública da cidade.

53. A única forma, portanto, de se fazer cessar esse grave risco que corre a ordem pública é o decreto da prisão preventiva do Governador José Roberto Arruda apontado como mandante dos crimes dos artigos 299 e 343 do Código Penal, e dos demais requeridos, a . Da Conveniência da Instrução Criminal

54. Como exposto, há fortes indícios da participação do Governador Arruda no pagamento de vantagem pecuniária a uma testemunha do Inquérito 650, para coagi-la a mudar o depoimento e a assinar o conteúdo de carta ideologicamente falsa, a qual foi intimada a prestar depoimento à Polícia Federal sobre os fatos em apuração.

55. O crime de corrupção de testemunha é apenado com pena mínima de 3 anos e multa, pelo artigo 343 do Código Penal. O rigor do legislador justifica-se por tratar-se de crime contra a administração da Justiça. Crimes deste tipo afetam o livre exercício do Poder Judiciário, que é um dos três Poderes da República. Esta ação criminosa reflete o total desprezo dos requeridos pelo Poder Judiciário, visto que visam comprometer a lisura do processo penal e, assim, impedir a aplicação da lei penal. Necessitam, pois, de severa resposta do Estado.

56. Esta recente corrupção de testemunha do inquérito também indica que a organização criminosa não se deixa intimidar diante dos órgãos do Estado, representados pelo Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia. Daí a necessidade de uma resposta judicial proporcional e coerente com a afronta que a ação criminosa causa a um dos três Poderes da República e ao regular exercício da jurisdição penal.

57. É cediço que ninguém pode ser privado de sua liberdade antes do regular processo legal, garantida a ampla defesa. Entretanto é justamente o devido processo legal o bem jurídico que se pretende proteger com este pedido de prisão preventiva. Os crimes praticados (arts. 299 e 343 do Código Penal) atentam contra a Administração da Justiça porque seus autores têm o objetivo de corromper o devido processo legal, notadamente a lisura da colheita de provas. Para casos como o presente, o ordenamento jurídico prevê as prisões cautelares como exceção ao princípio de que não haverá prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

58. Não se trata de pré-julgar os requeridos ou de antecipar a pena que poderá advir ao fim do processo. Trata-se de harmonizar o princípio da não-culpabilidade com outro princípio de igual envergadura constitucional, qual seja, o princípio da justiça penal eficaz (STF - PSV 01; DJ 27.03.2009; Relator Min. Menezes Direito), que faz cessar as ilicitudes que o agente insiste em praticar, disseminando a impressão de que é imune à jurisdição penal.

59. A harmonização desses princípios vem sendo feita com cautela e sabedoria por esta egrégia Corte, como demonstra esta ementa:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL. NULIDADE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INOCORRÊNCIA.

I - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006).

II - No presente caso, a denúncia, peça formalizadora da acusação, revela-se formalmente correta, além de descrever, no ponto fulcral, a presença de justa causa para o prosseguimento da ação penal. A inicial acusatória faz detalhado histórico dos crimes antecedentes, da existência da organização criminosa, destacando que os valores obtidos de forma supostamente ilícita no exterior teriam sido "lavados" ao entrar no Brasil através de contratos de câmbio registrados no Banco Central em operações realizadas através do Banco Bradesco S/A, sob o pretexto de investimento no país, empréstimos e pagamento de passes de atletas do Sport Clube Corinthians Paulista.

III - Não é nula a decisão que, ao receber a denúncia, procura demonstrar, ainda que desnecessariamente, com base nos elementos existentes no inquérito policial, o convencimento da existência de indícios suficientes de autoria e materialidade. O proceder incomum não é necessariamente nulidade.

IV - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional (HC 90.753/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 22/11/2007), sendo exceção à regra (HC 90.398/SP, Primeira Turma. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 17/05/2007).

Assim, é inadmissível que a finalidade da custódia cautelar, qualquer que seja a modalidade (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia ou prisão em razão de sentença penal condenatória recorrível) seja deturpada a ponto de configurar uma antecipação do cumprimento de pena (HC 90.464/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 04/05/2007). O princípio constitucional da não-culpabilidade se por um lado não resta malferido diante da previsão no nosso ordenamento jurídico das prisões cautelares (Súmula nº 09/STJ), por outro não permite que o Estado trate como culpado aquele que não sofreu condenação penal transitada em julgado (HC 89501/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 16/03/2007). Desse modo, a constrição cautelar desse direito fundamental (art. 5º, inciso XV, da Carta Magna) deve ter base empírica e concreta (HC 91.729/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 11/10/2007). Assim, a prisão preventiva se justifica desde que demonstrada a sua real necessidade (HC 90.862/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 27/04/2007) com a satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do Código de Processo Penal, não bastando, frise-se, a mera explicitação textual de tais requisitos (HC 92.069/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 09/11/2007). Não se exige, contudo fundamentação exaustiva, sendo suficiente que o decreto constritivo, ainda que de forma sucinta, concisa, analise a presença, no caso, dos requisitos legais ensejadores da prisão preventiva (RHC 89.972/GO, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 29/06/2007).

V - No caso, o decreto prisional se encontra devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, que indicam o alto poder de influência da organização criminosa - conveniência da instrução criminal -, pratica delitiva reiterada por esta - garantia da ordem pública-, e os danos sociais e materiais de grande dimensão resultantes das condutas - garantia da ordem econômica -. Isso somado ao fato de que o paciente é um dos principais mentores e um dos membros mais influentes da referida organização criminosa, bem como porque detém grande poder de fuga, ausência de vínculo com o distrito da culpa, e, por fim, consta que os monitoramentos telefônicos indicam sua pretensão de não se submeter à lei brasileira - garantia da aplicação da lei penal - Ordem denegada. (HC 100.090/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 05/08/2008, DJe 22/09/2008)

60. No caso, não resta outra alternativa senão a prisão preventiva dos requeridos, sob pena de a instrução criminal ficar seriamente comprometida pela conduta audaciosa do grupo criminoso composto pelos requeridos, como a que culminou com a prisão em flagrante de Antônio Bento da Silva. Há muitas testemunhas intimadas depor e há suspeitas de que estão sujeitas à mesma sorte de corrupção que acaba de ser desvendada.

Na dramática escolha entre a liberdade do indivíduo e a eficácia da aplicação da lei penal que envolve o presente pedido, há que se ter em mente que não se está diante de um caso de criminalidade comum. Trata-se, como é possível perceber de tudo quanto foi narrado, de grupo de pessoas unidas para dilapidar elevadíssimas quantias do patrimônio público oriundo de impostos, têm alto poder econômico e político, e estão instalados no âmbito do governo da capital da República.

62. A harmonização destes princípios no caso, portanto, deve se dar a favor da eficácia da justiça penal, em benefício da ordem pública e da instrução criminal, sob pena de o Estado, mais uma vez, sucumbir ao grande poder da criminalidade organizada.

63. Por essas razões, é que o Ministério Público Federal entende que a prisão preventiva dos requeridos é medida imprescindível à ordem pública e conveniente para a instrução criminal."

Em consequência será determinada a expedição de mandado de prisão a ser cumprido - imediatamente - pela Polícia Federal, com as cautelas devidas, inclusive com inteira observância das recomendações contidas na decisão de 26 de novembro de 2009, no que for aplicável, e consignada nos autos deste Inquérito nº 650.

Cabe acentuar, também e por último, que deverão ser atendidas as formalidades do recolhimento em prisão especial, ficando, em decorrência da presente medida, afastado o Sr. José Roberto Arruda do cargo de Governador do Distrito Federal.

Na forma do regimento interno, submeto a decisão ao referendum da Corte Especial.

Autorizo o cumprimento dos mandados em horário especial, após as 18 (dezoito) horas.

Brasília, 11 de fevereiro de 2010.

MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, RELATOR


INQUÉRITO Nº 650 - DF (2009/0188666-5)

QUESTÃO DE ORDEM

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Srs. Ministros, fiquei a pensar, já que a nós submetido o requerimento de prisão preventiva, se haveremos mesmo, depois, de ter o processo. O que, por ora, temos são autos de inquérito. Sem dúvida que também se decreta a preventiva em qualquer fase do inquérito policial, di-lo assim e assim o art. 311, havendo, em qualquer hipótese (inquérito/instrução criminal), obviamente, prova do crime e indícios de autoria. É o que dispõem as normas processuais, sabemos todos. Só que, no caso presente, há uma condição - tratar-se-ia, e se trata mesmo, de processo subordinado a uma condição (a evento futuro e incerto, é verdade). Fiquei, pois, a me perguntar a mim mesmo se, antes de nos pronunciarmos sobre o requerimento da prisão, não haveríamos de nos pronunciar sobre o seguinte: "Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal (...) autorizar, por dois terços dos seus membros, a instauração de processo contra o Governador, o Vice-Governador e os Secretários de Governo" (art. 60, XXIII). Quero crer que sim, visto que me soa estranho o fato de se admitir prisão de caráter cautelar em caso de processo subordinado a condição - e se a condição não se verificar, ou não se realizar? Estranho, não é?

A esse respeito, há, entre nós, história, longa história, desde a APn-4, de 1989 - logo que, vejam, instalados fomos -, de ementa seguinte, escrita pelo excelso José Dantas: "Admissibilidade da acusação.

Guardada pela Constituição Estadual plena simetria com o correspondente dispositivo da Constituição Federal, é de cumprir-se a norma local que incumbe à Assembléia Legislativa a prévia admissão da acusação intentada contra o Governador do Estado" (DJ de 20.11.89).

Observem que se decidiu no sentido de que se cumprisse, e se cumpra (tem sido esse o entendimento tanto do Superior Tribunal quanto do Supremo Tribunal), a norma local. Até que, na APn-27, de 1992, votei eu, ou melhor, votamos nós (José de Jesus, Garcia Vieira, Athos Carneiro, Cláudio Santos e Nilson Naves), pela inconstitucionalidade de análoga norma local. Disse eu o seguinte nestas passagens do voto:

"4. No sistema precedente, quando competia aos tribunais de justiça, por disposição local de ordem constitucional, o processo e o julgamento dos governadores, desde que admitida a acusação pelo órgão legislativo, tal já preocupara a Pontes de Miranda, de acordo com os seus comentários, por exemplo, à Constituição de 1967 (e tanto não deixou de ser apreciado, no julgamento da APn-04, seja no voto do Sr. Relator, seja no voto do Sr. Ministro Torreão Braz), repito, à Constituição de 1967, nessa passagem:

.................................................................................................................

Deixando, assim, de ser local, para tornar-se federal, ou nacional, o foro dos governadores no caso dos crimes comuns, impõe-se, em decorrência, verificar que algo mais alterou-se do que o só deslocamento de competência. Noutras palavras, consequência maior há de ser extraída do texto constitucional, porquanto este não subordinou, no pormenor, o exercício da competência originária deste Tribunal à alguma condição.

Sobre inexistir condição de procedibilidade, veja-se o pensamento da Subprocuradoria-Geral da República, conforme entre outros pronunciamentos, o do Dr. Cláudio Lemos Fonteles, na APn-04:

.................................................................................................................

6. Com efeito, atribuindo ao Superior Tribunal de Justiça competência para processar e julgar, originariamente, 'nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal', a Constituição, no art. 105, inciso I, letra a, conferiu-lhe poder geral (competência ampla), sem limitação portanto, menos de texto de lei, ainda que constitucional, mas hierarquicamente inferior. Ao que creio, não podem os Estados, na sua organização e regência pelas Constituições e leis que adotarem (Constituição de 1988, art. 25 e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 11), criar obstáculo ao exercício de competência de órgão federal: a prévia admissão da acusação, por Assembléia Legislativa, como pressuposto do processo e julgamento perante este Tribunal, é, data venia, injustificável, porque cria obstáculo aos trabalhos da Corte, cerceando a sua competência, atingindo-a no que lhe é mais caro. Injustificável, sem dúvida alguma...

.................................................................................................................

A prévia admissão da acusação por órgão local, sobre comprometer o princípio da nossa competência originária, cria situações anormais, tais os exemplos já anotados por Pontes de Miranda e pelo Ministro Pádua Ribeiro. Em suma, compromete o princípio e o princípio - base de todo o sistema - não pode ser comprometido.

.................................................................................................................

9. Daí que, revendo a posição que assumi na APn-04, por me parecer que a regra constitucional de competência prescinde de pronunciamento local, dou provimento ao agravo regimental, data venia, para acolher a arguição de inconstitucionalidade, de acordo como o voto do Sr. Ministro José de Jesus."

Ficamos lá vencidos, no ano de 1992. Aliás, como bem se viu, ultimamente não mais se tem falado a respeito da saúde jurídica de normas que tais (se boa ou se ruim). Estou, pois, indagando a mim mesmo se não haveremos, aqui e agora, de retomar o assunto. No caso presente, caso em que se propõe seja decretada a prisão preventiva, a discussão se me apresenta imprescindível. É que, já disse, soa-me estranho prisão sem processo. Indagaria até, já que falamos em simetria (APn-4, de 1989), da semelhança, por exemplo, com as situações descritas nos arts. 53, § 2º, e 86, § 3º, da Constituição da República, um e outro caso, em suma, de proibição de prisão cautelar.

De duas, uma: se inconstitucional o art. 60, XXIII, da Lei Orgânica do Distrito Federal, porque acolhida a arguição, prosseguiríamos com a apreciação do requerimento formulado pelo Ministério Público Federal; se, porém, constitucional, donde rejeitada a arguição, então careceria o requerimento de base jurídica. Seria o requerimento admitido se a Câmara, depois, autorizasse a instauração do processo. Proponho, Sr. Presidente, em questão de ordem, examinemos, antes, o indicado inciso XXIII do art. 60.

VOTO-PRELIMINAR

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Sr. Presidente, efetivamente, em relação às observações feitas pelo Sr. Ministro Nilson Naves, na Apn 460/RO, em que foi decretada a prisão preventiva do Presidente da Assembléia Legislativa da Casa, foi questionado exatamente dispositivo da Constituição do Estado que determinava a necessidade de ser ouvida a Assembléia. Isso foi justificado por mim, em razão de se tratar de um crime em flagrante e, na hipótese, temos um crime de quadrilha, em que o flagrante é permanente, e também pelo envolvimento dos Membros da Assembléia Legislativa no fato criminoso. Isso foi questionado no Supremo Tribunal Federal, e a Sra. Ministra Cármen Lúcia, em decisão depois chancelada pela Turma, veio a confirmar a possibilidade de haver a prisão preventiva sem a autorização da Assembléia, diante do envolvimento da Assembléia no questionamento.

Dessa forma, diante da narrativa do Sr. Ministro Relator, não tenho dúvida quanto à necessidade de ser usada a medida cautelar.

Rejeito a preliminar.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Sr. Presidente, pelo que ouvi da fundamentação do eminente Relator com relação á preliminar levantada, existem precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de aplicar restritivamente o art. 86 e, consequentemente, o art. 51, II, da Constituição Federal.

Também em face desse precedente mais atual trazido pela Sra. Ministra Eliana Calmon, acompanho integralmente o voto do eminente Relator, no sentido de rejeitar a preliminar.

MINISTRA LAURITA VAZ

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Sr. Presidente, estamos nos limitando a apreciar a questão preliminar. E, sob outro ângulo, também gostaria de afastar a análise dessa questão sob o enfoque da constitucionalidade, porquanto isso implicaria em afronta à cláusula de reserva de plenário.

A análise tem que ser absolutamente técnica, sobre se é possível ou não a decretação da prisão preventiva no curso de um inquérito policial. Verifico que mesmo em vigor essa Lei Distrital, a eventual licença é, quando muito, para o recebimento da denúncia.

Mas a ora decretação da prisão preventiva está no organismo de um inquérito policial, cujo juízo único de sua concessão é na forma da Lei nº 8.038: o relator do processo que faz as vezes do juiz de direito.

De sorte que a prisão preventiva, assim como dispõe o próprio Código, não pressupõe, de forma alguma, a existência de denúncia nem de recebimento da ação penal; muito pelo contrário, ela pressupõe, exatamente, que possam ser coligidos elementos para a futura propositura da ação penal, porque, até com esse raciocínio inverso poderíamos nos depararmos com uma situação paradoxal de um homicídio praticado, à luz do dia, por um agente político sem que pudesse haver a prisão em flagrante sem que antes houvesse a licença da Assembleia Legislativa.

Rejeito a preliminar, com esses fundamentos, acrescidos pelos fundamentos da Sra. Ministra Eliana Calmon e do eminente Relator.

PRESIDENTE O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

RELATOR O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

Sessão da Corte Especial - 11.02.2010

Nota Taquigráfica

RATIFICAÇÃO DE VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Sr. Presidente, mantenho o voto, porque estamos falando da mesma coisa sob ângulos diversos.

PRESIDENTE O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

RELATOR O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

Sessão da Corte Especial - 11.02.2010

Nota Taquigráfica

VOTO-VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:A Jurisprudência do STF, até agora, é no sentido da constitucionalidade das normas constitucionais estaduais que condicionam a instauração de ação penal contra Governador à prévia licença da respectiva Assembléia Legislativa. Se é assim, a prisão preventiva, no caso, só pode dizer respeito à conveniência da instrução do inquérito policial (não da ação penal). Ora, conforme agora informou o Ministro relator, o inquérito já está concluído e já ocorreu até o oferecimento da denúncia. Pergunta-se, nessas circunstâncias: qual a necessidade da prisão?

Peço venia aos colegas para acompanhar o Ministro Nilson Naves.

VOTO-VENCIDO

EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA: Sr. Presidente, acabo de ver o precedente do Supremo referido pelo Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Esse precedente não é tão recente, foi publicado no DJ de 14/9/2001.

Na verdade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal diz:

A responsabilidade do governante tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da idéia republicana (RTJ 162/462 - 464). À consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui consequência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal.

O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos - os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente responsáveis perante a lei.

RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR DE ESTADO.

Os governadores de Estado - que dispõem de prerrogativa de foro ratione muneris , perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I a) - estão sujeitos, uma vez obtida a necessária licença da respectiva Assembléia Legislativa (RTJ 151/978 - 979 - RTJ 158/280 - RTJ 170/40-41 - Lex/Jurisprudência do STF 210/24-26), a processo penal condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao exercício das funções governamentais.

CONTROLE LEGISLATIVO DA PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO.

A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal atenta ao princípio da Federação, impõe que a instauração de persecução penal, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra Governador de Estado, por supostas práticas delituosas perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública ou de iniciativa privada, seja necessariamente precedida de autorização legislativa, dada pelo Poder Legislativo local, a quem incumbe, com fundamento em juízo de caráter eminentemente discricionário, exercer verdadeiro controle político prévio de qualquer acusação penal deduzida contra o Chefe do Poder Executivo do Estado-Membro, compreendidas, na locução constitucional "crimes comuns", todas as infrações penais (RTJ 33/590 - RTJ 166/785-786), inclusive as de caráter eleitoral (RTJ 63/1 - RTJ 148/689 - RTJ 150/688-689 ), e, até mesmo, as de natureza meramente contravencional (RTJ 91/423).

Essa orientação - que submete, à Assembléia Legislativa local, a avaliação política sobre a conveniência de autorizar-se, ou não, o processamento de acusação penal contra o Governador do Estado - funda-se na circunstância de que, recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, dar-se-a a suspensão funcional do Chefe de Poder Executivo estadual, que ficará afastado, temporariamente, do exercício do mandato que lhe foi conferido por voto popular, daí resultando verdadeira "destituição indireta de suas funções", com grave comprometimento da própria autonomia político-institucional da unidade federada que dirige.

Vejo, diante desse precedente, que deve ser acolhida a preliminar aqui suscitada pelo Sr. Ministro Nilson Naves.

É como voto.

VOTO-PRELIMINAR

(MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)

1. Senhor Presidente, como todos sabemos, a prisão de qualquer pessoa é sempre medida excepcional, quer haja, quer não haja processo; a liberdade é a regra.

2. No caso, porém, a necessidade da prisão preventiva foi bem demonstrada pelo eminente Ministro Relator, de modo que, se não se admitisse a coleta de elementos empíricos na fase investigatória, não se poderia a posteriori promover a ação penal, eis que esta depende daqueles mesmos elementos.

3. Portanto, tendo em vista a excepcionalidade da situação, que foi bem demonstrada pelo Senhor Ministro Relator, pedindo vênias e reverenciando o voto do eminente Ministro Nilson Naves, acompanho o Senhor Ministro Fernando Gonçalves, rejeitando a preliminar.

VOTO-PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI: Sr. Presidente, penso que não estamos ainda examinando a presença dos pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal para a decretação ou não do sequestro corporal dos indiciados. Estamos examinando a preliminar colocada pelo eminente Ministro Nilson Naves no sentido de certificarmos se temos ou não temos competência para o exame desse pedido.

Com o precedente - a matéria, realmente, é complexa - trazido pela Sra. Ministra Eliana Calmon, vou pedir vênia ao Ministro Nilson Naves para afastar a preliminar suscitada.

VOTO-MÉRITO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Sr. Presidente, acompanho integralmente o voto do eminente Ministro Relator.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Sr. Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro Relator que bem demonstrou a necessidade da prisão preventiva.

MINISTRA LAURITA VAZ

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Sr. Presidente, também entendo que o eminente Ministro Relator trouxe elementos convincentes sobre a influência negativa que se tem perpetrado contra a instrução do processo. Esse é um dos pressupostos para a decretação da prisão preventiva. A decisão judicial está imune de qualquer erro in procedendo, in judicando, tanto mais que, ao final, faz uma valoração entre a dignidade da jurisdição, a soberania da jurisdição e a presunção de inocência que, em casos, está extremamente mitigada por indícios públicos e notórios, evidenciados, agora, pelo Sr. Ministro Relator.

Acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

PRESIDENTE O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

RELATOR O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

Sessão da Corte Especial - 11.02.2010

Nota Taquigráfica

VOTO-VENCIDO (EM PARTE)

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: Sr. Presidente, se já existe denúncia oferecida - e considerando que os mesmos fundamentos adotados para julgar a preliminar levariam no máximo a possibilidade de decretação da preventiva na fase de inquérito -, não vejo necessidade de decretar essa prisão.

Acompanho em parte. No caso do Governador, há a questão constitucional que faz parte dessa questão de mérito. Ratificaria em parte a prisão preventiva dos demais indiciados, exceto do Governador. É o voto.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA(Relator): Sr. Presidente, vencido na preliminar, vejo presentes no caso os requisitos dos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal, que foram aqui bem demonstrados pelo eminente Ministro Relator. Por isso, acompanho o voto de

Vossa Excelência.

É como voto.

VOTO

(MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)

1. Senhor Presidente, a necessidade da prisão cautelar foi devidamente evidenciada pelo Senhor Ministro Relator, por isso, acompanho o voto de Sua Excelência.

VOTO-MÉRITO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI: Sr. Presidente, pelo relato do eminente Ministro Relator, penso que os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal estão demonstrados à exaustão, especialmente no tocante aos indícios e de autoria de materialidade, e, também, pela conveniência da instrução criminal, razão por que acompanho o voto do Sr. Ministro Relator.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Acompanho o Ministro Teori. Vou, porém, além, deixando também de fazer recair a prisão sobre os Secretários. De um lado, não consegui livrar-me da questão em torno da Lei Orgânica do Distrito Federal: havendo condição - a se verificar, ou a se realizar -, como se justificar prisão por conveniência da instrução criminal (mas qual instrução?), ou para assegurar a aplicação da lei penal (e o processo?). Diga-se o mesmo quanto à garantia da ordem pública (e o processo?). De outro, porque, a meu juízo, não se justifica, no caso, a constrição da liberdade, já que, aqui, carente a prisão de sua real necessidade. Dir-se-á estar havendo coação no curso do processo, a coação, porém, supõe violência ou grave ameaça (Cód. Penal, art. 344), e de violência, tais as indicações fornecidas, não se cuidou; quanto à grave ameaça, as indicações são mais tênues. De mais a mais, há, à disposição das autoridades do inquérito policial, meios outros, tão eficazes e até mais eficazes do que a constrição da liberdade.

Enfim, tratando-se de negócio subordinado a evento futuro e incerto, como admitir-se o fumus, a saber, a probabilidade de condenação, e também o periculum, a saber, o perigo na demora. Notem, pois, que à espécie faltam dois dos seus principais pressupostos: fumus boni iuris e periculum in mora.

Sem falar, como já falei, de algumas simetrias...

O meu voto, Srs. Ministros, não acolhe o pedido de prisão preventiva, com todo respeito ao judicioso voto do ilustre Relator.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

CORTE ESPECIAL

Número Registro: 2009/0188666-5 Inq 650 / DF

MATÉRIA CRIMINAL

EM MESA JULGADO: 11/02/2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro: ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ROBERTO GURGEL

Secretária
Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA

AUTUAÇÃO

REQUERENTE: M P F

ASSUNTO: DIREITO PENAL

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por maioria, rejeitou a preliminar suscitada pelo Sr. Ministro Nilson Naves de impossibilidade de apreciação do pedido pelo Superior Tribunal de Justiça em face de ausência de autorização da Assembléia Legislativa. Vencidos os Srs. Ministros Nilson Naves, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki e Castro Meira. Também, por maioria, a Corte Especial referendou a decisão do Sr. Ministro Relator integralmente. Vencidos, em parte, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki e, em maior extensão, o Sr. Ministro Nilson Naves.

Na preliminar, os Srs. Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, Massami Uyeda, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referendaram a decisão do Sr. Ministro Fernando Gonçalves os Srs. Ministros Felix Fischer, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Massami Uyeda, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Luis Felipe Salomão.

Impedido o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Ari Pargendler, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão.

Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão foram substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Castro Meira, Massami Uyeda, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Luis Felipe Salomão.

Brasília, 11 de fevereiro de 2010

VANIA MARIA SOARES ROCHA
Secretária

Documento: 944359 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 15/04/2010




JURID - Prisão preventiva. Governador do distrito federal. [15/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário