Anúncios


segunda-feira, 6 de julho de 2009

JURID - Réu que alega ser indígena. Pretensão de anulação sentença. [06/07/09] - Jurisprudência


Réu que alega ser indígena. Pretensão de anulação da sentença por ausência de laudo antropológico.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!

Tribunal de Justiçado de Roraima - TJRR.

Número do Processo: 10080097800

Tipo: Acórdão

Relator: DES. MAURO JOSE DO NASCIMENTO CAMPELLO

Julgado em: 09/06/2009

Publicado em: 23/06/2009

INTEIRO TEOR:

CAMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL

Apelação Crime nº 010.08.009780-0

Apelante: OLIVALDO BATISTA DE SOUZA

Advogado: STÉLIO DENNER DE SOUZA CRUZ(DPE)

Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA

Relator: DES. MAURO CAMPELLO

R E L A T Ó R I O

Versam os presentes autos de Recurso de Apelação Crime interposto por OLIVALDO BATISTA DE SOUZA, contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª. Vara Criminal da Comarca de Boa Vista/RR, às fls. 268/280, que o condenou a 15 anos de reclusão, em virtude da prática do crime previsto no artigo 213 c/c 224, alínea "a" e "c" e art. 226, inciso II e também art. 71, todos do Código Penal Brasileiro.

Inconformado com a sentença condenatória, o réu requer inicialmente a nulidade do feito, em virtude de ser índio da etnia PATAMUNA, para que se determine que o MM juiz "a quo" proceda a abertura de laudo antropológico do acusado para o fim previsto nas normas pertinentes ao caso.

Por fim, alternativamente requer a redução da pena, considerando-a desproporcional, mormente pelo condição de indígena do acusado, nos termos do art.56 do Estatuto do Índio(Lei 6.001/73).

Em contrarrazões o representante do parquet, alega que das provas colhidas resta comprovado que o réu nasceu em Boa Vista e que é totalmente integrado á sociedade e conforme entendimento jurisprudencial, nestes casos torna-se desnecessária a realização de perícia antropológica.

Ao final, requer o conhecimento e improvimento do apelo, para que seja mantida a sentença objurgada.

Remetidos os autos à douta Procuradoria de Justiça, esta opinou, às fls.314//323, pelo improvimento do recurso,

É o breve relato.

Remetam-se os autos à revisão, nos termos do art. 178, inc. II do RITJRR.

Boa Vista, 14 de maio de 2009.

Des. MAURO CAMPELLO
Relator

CAMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL

Apelação Crime nº 010.08.009780-0

Apelante: OLIVALDO BATISTA DE SOUZA

Advogado: STÉLIO DENNER DE SOUZA CRUZ (DPE)

Apelado: MINISTÉRIO PUBLICO DE RORAIMA

Relator: DES. MAURO CAMPELLO

VOTO

Preenchidos os pressupostos de ordem objetiva e subjetiva, conheço da presente Apelação. Passo a analisar o mérito.

Consta dos autos, que o réu era companheiro da mãe da vítima, desde que a mesma tinha apenas 04 meses de vida, tendo inclusive registrado a menor em seu nome, mesmo sem ser o pai biológico da mesma.

Contudo, se aproveitando da relação de coabitação e o fato da mãe da menina trabalhar em um restaurante no período noturno, este, desde que a criança tinha apenas 08 anos de idade, mantinha continuamente relação sexual com a mesma.

Frise-se que segundo depoimentos colhidos nos autos, a mãe da vítima só descobriu o que vinha ocorrendo, quando a filha engravidou do acusado, isto, quando já tinha 14 anos de idade e já estava no sexto mês de gestação.

A vítima informou que sempre era ameaçada de morte pelo réu, caso contasse para alguém o que ocorria entre os dois e que sua mãe também seria morta.

O réu não negou o cometimento do crime, apenas alegou que o início das relações sexuais se deram quando a vítima tinha 12 anos de idade e com seu consentimento.

Após o nascimento do primeiro filho, a vítima alegou em depoimento judicial que o réu continuava constrangendo a mesma a ter com ele relações sexuais e que já teria outro filho do mesmo. Alegou ainda, que o réu se recusava a sair da casa e continuava morando sob o mesmo teto com a vítima e sua mãe, mas sem convivência marital e ameaçando as duas.

Com base neste depoimento, o Ministério Público pediu a prisão preventiva do réu, a qual foi deferida pelo juízo a quo , às fls.200.

Com o fim da instrução processual, o MM. Juiz a quo , considerando as provas de autoria e materialidade do crime perpetrado pelo réu, condenou-o a 15 anos de reclusão.

Irresignado com a sentença, o réu apela, para anular o processo alegando que pelo fato de ser indígena, deveria ter sido realizado o laudo antropológico, para o fim de que fosse beneficiado com a redução de pena e os demais privilégios contidos no art.56 do Estatuto do Índio.

Contudo, conforme bem assinalado pelos representantes do Ministério Público, nas duas instâncias, não merece acolhida a pretensão do réu, conforme veremos adiante.

Ora, compulsando os autos, em nenhum momento, em seus depoimentos, o réu afirmou ser de qualquer etnia indígena, ou trouxe qualquer documento que comprovasse tal fato.

Apenas em sede recursal, vem alegar em sua defesa a aplicação do Estatuto do Índio, porque às fls. 103, a testemunha Mezir teria dito ser o acusado indígena.

Frise-se que somente neste trecho do processo é mencionado este fato, sem que qualquer prova haja e sem que a defesa apresentasse qualquer pedido no sentido de que fosse realizado o laudo antropológico.

Ademais, nada leva a crer que o réu seja indígena, na ampla expressão da palavra, pois considera-se índio, em regra, aquele que vive com seu povo, que preserva suas tradições, que não se insere no contexto social que costumamos viver.

Das provas colhidas nos autos, verifica-se que o réu teve registro civil de nascimento "CN 75.352, f.146 L. A" 109 Boa Vista-RR", tendo nascido nesta capital, conforme carteira de identidade expedida pela Secretaria de Segurança Pública(fls.20).

Em suas informações de vida pregressa o mesmo relata que estudou, tendo cursado o primário incompleto, que reside em Boa Vista no bairro caranã, que é carpinteiro percebendo R$450,00 mensais e que possui um terreno no valor de R$ 2.500,00.

Verifica-se de todas as informações, que se o réu é descendente de alguma etnia indígena, o que não restou comprovado, encontra-se perfeitamente integrado à sociedade.

Assim, ainda que se cogitasse a possibilidade de realizar a anulação da sentença, apenas com esta alegação em sede de apelação, sem qualquer prova produzida pela parte interessada, não haveria qualquer benefício prático.

Isto se dá porque, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que se o indígena está integrado à sociedade, não há necessidade de laudo antropológico, tampouco este obtém qualquer benefício com base no Estatuto do Índio.

Senão vejamos:

"CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PORTE ILEGAL DE ARMA. ÍNDIO. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE PERÍCIA ANTROPOLÓGICA. DISPENSABILIDADE. RÉU INDÍGENA INTEGRADO À SOCIEDADE. PLEITO DE CONCESSÃO DO REGIME DE SEMILIBERDADE. ART. 56, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N.º 6.001/73. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO POR CRIME HEDIONDO. ORDEM DENEGADA. I. Hipótese em que o paciente, índio Guajajara, foi condenado, juntamente com outros três co-réus, pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes, em associação, e porte ilegal de arma de fogo, pois mantinha plantio de maconha na reserva indígena Piçarra Preta, do qual era morador. II. Não é indispensável a realização de perícia antropológica, se evidenciado que o paciente, não obstante ser índio, está integrado à sociedade e aos costumes da civilização. III. Se os elementos dos autos são suficientes para afastar quaisquer dúvidas a respeito da inimputabilidade do paciente, tais como a fluência na língua portuguesa, certo grau de escolaridade, habilidade para conduzir motocicleta e desenvoltura para a prática criminosa, como a participação em reuniões de traficantes, não há que se falar em cerceamento de defesa decorrente da falta de laudo antropológico. IV. Precedentes do STJ e do STF. V. Para a aplicação do art. 56, parágrafo único, da Lei n.º 6.001/76, o qual se destina à proteção dos silvícolas, é necessária a verificação do grau de integração do índio à comunhão nacional. VI. Evidenciado, no caso dos autos, que paciente encontra-se integrado à sociedade, não há que se falar na concessão do regime especial de semiliberdade previsto no Estatuto do Índio, o qual é inaplicável, inclusive, aos condenados pela prática de crime hediondo ou equiparado, como ocorrido in casu. Precedentes. VII. Ordem denegada. (HC 30.113/MA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2004, DJ 16/11/2004 p. 305)"

"Direito Penal e Processual Penal. "Habeas Corpus". Crime praticado por indígena. Competência. Súmula 140 do STJ. Ausência de exame antropológico e de idade. Cerceamento de defesa. Aculturação. Instrumento deficiente. A competência para o processamento e o julgamento das infrações penais em que figure índio como autor ou vítima, não havendo disputa de interesses da comunidade indígena, é da Justiça Estadual. Súmula 140 do STJ. É incabível o conhecimento da alegação de cerceamento de defesa, na via do "habeas corpus", quando se considera admissível a dispensa do laudo antropológico a fim de aferir a imputabilidade penal do índio, em face das provas de aculturação, não se formando o instrumento do "writ" com as peças motivadoras do convencimento da autoridade apontada coatora. Ordem denegada. (HC 25.003/MA, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 01/12/2003 p. 406)"

"HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ART. 213 DO CÓDIGO PENAL. ÍNDIO. NULIDADE. COMPETÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE EXAME ANTROPOLÓGICO. NOMEAÇÃO DE UM SÓ DEFENSOR PARA OS DOIS RÉUS, COM DEFESAS COLIDENTES. IMPEDIMENTO DE ASSISTÊNCIA DA FUNAI. FALTA DE INTÉRPRETE NO INTERROGATÓRIO. PREVALÊNCIA DA DEFESA PRÉVIA FORMULADA PELO ADVOGADO INDICADO PELO PACIENTE ANTES, POR IMPLÍCITA REVOGAÇÃO DO MANDATO. INADMISSÃO DE DEFENSOR CONSTITUÍDO. Competência - Súmula 140 - Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima. Havendo prova inequívoca de ser o índio completamente integrado na civilização, sendo eleitor, habilitado para dirigir veículo, operador em instituição financeira, pode o Juiz prescindir do laudo antropológico para aferir a imputabilidade penal. Nomeação de um só defensor para os dois réus, com defesas colidentes - Conflito de defesa somente se configura em processo onde haja atribuição de um réu a outro da conduta criminosa que a um único pudesse ser imputada, de molde que a condenação de um importasse na absolvição do outro, ou quando o fato delituoso foi perpetrado de modo a que a culpa de um réu exclua a do outro, como sói acontecer quando age mediante coação irresistível, hipótese em que não se pode conferir a defesa dos réus a um só defensor, sob pena de nulidade. Sendo o paciente pessoa integrada na sociedade civilizada, não torna imprescindível a tutela da Funai. Só se faz necessária a presença de intérprete no interrogatório, se o acusado não falar ou não entender a nossa língua (art.193 do CPP), o que não ocorre no presente caso por tratar-se de índio alfabetizado, eleitor e integrado à nossa civilização, falando fluentemente a língua portuguesa. O paciente indicou o seu defensor em 29 de julho de 1992 - dia do seu interrogatório -, motivo pelo qual presume-se que o outro patrono antes indicado não detinha mais poderes para representar o ora paciente. Por outro lado, os advogados da FUNAI também não tinham poderes conferidos pelo ora paciente para assisti-lo. Desse modo, só poderia prevalecer a defesa firmada pelo Dr. Edidácio Gomes Bandeira. Súmula 523, STF: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas sua deficiência só anulará se houver prova de prejuízo para o réu." No presente caso este não restou demonstrado. Ordem denegada em relação ao paciente Benkaroty Kayapó e concedida, de ofício, à co-ré Irekran, visto que se encontrava, consoante o acórdão recorrido, em fase de aculturamento. (HC 9.403/PA, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/1999, DJ 18/10/1999 p. 242)"

Assim, verifica-se que inexiste qualquer nulidade na sentença, haja vista que havendo prova de que o indígena é devidamente integrado à sociedade, é despiciendo o laudo antropológico. Ademais, no caso em tela, sequer existe prova de que o réu é indígena.

Por todo o expendido, em consonância com o parecer Ministerial, voto pelo conhecimento da presente Apelação e pelo seu improvimento, mantendo a sentença a quo.

É como voto.

Boa Vista-RR, 09 de junho de 2009.

Des. MAURO CAMPELLO
Relator

CAMARA ÚNICA - TURMA CRIMINAL

Apelação Crime nº 010.08.009780-0

Apelante: OLIVALDO BATISTA DE SOUZA

Advogado: STÉLIO DENNER DE SOUZA CRUZ (DPE)

Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA

Relator: DES. MAURO CAMPELLO

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU QUE ALEGA SER INDÍGENA - PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE LAUDO ANTROPOLÓGICO - PEDIDO DE APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DO ESTATUTO DO ÍNDIO - AUSENCIA DE INDÍCIOS DE SER O RÉU INDÍGENA - RÉU DEVIDAMENTE INTEGRADO Á SOCIEDADE - DISPENSA DO LAUDO - PRECEDENTES DO STJ -- RECURSO IMPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação crime n.010.08.009780-0 acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Turma Criminal da Colenda Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiçado Estado de Roraima, à unanimidade, em conhecer do recurso e, em consonância com a douta manifestação da Procuradoria de Justiça, negar-lhe provimento, na forma do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado

Sala das sessões do Egrégio Tribunal de Justiçado Estado de Roraima, aos nove dias do mês de junho de 2009.

Des. MAURO CAMPELLO
Relator/Presidente da Câmara Única

Des. LUPERCINO NOGUEIRA
Revisor

Des. RICARDO OLIVEIRA
Julgador

Procurador de Justiça:

Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4104, Boa Vista, 23 de junho de 2009, p. 08.




JURID - Réu que alega ser indígena. Pretensão de anulação sentença. [06/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário