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quarta-feira, 1 de julho de 2009

JURID - Colégio Pedro II. Extinção do curso noturno. [01/07/09] - Jurisprudência


Colégio Pedro II. Extinção do curso noturno. Ação Civil Pública. Legitimidade do Ministério Público Federal.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 933.002 - RJ (2007/0047268-0)

RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE: COLÉGIO PEDRO II

PROCURADOR: JORGE GAVINHO SOBRINHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. COLÉGIO PEDRO II. EXTINÇÃO DO CURSO NOTURNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INTERESSES COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO E DIFUSOS.

1. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública objetivando a manutenção do curso de ensino médio no período noturno oferecido pelo Colégio Pedro II - Unidade São Cristóvão, que teria sido ilegalmente suprimido pelo Diretor da referida entidade educacional.

2. O direito à continuidade do curso noturno titularizado por um grupo de pessoas - alunos matriculados no estabelecimento de ensino - deriva de uma relação jurídica base com o Colégio Pedro II e não é passível de divisão, uma vez que a extinção desse turno acarretaria idêntico prejuízo a todos, mostrando-se completamente inviável sua quantificação individual.

3. Há que se considerar também os interesses daqueles que ainda não ingressaram no Colégio Pedro II e eventualmente podem ser atingidos pela extinção do curso noturno, ou seja, um grupo indeterminável de futuros alunos que titularizam direito difuso à manutenção desse turno de ensino.

4. Assim, a orientação adotada pela Corte de origem merece ser prestigiada, uma vez que os interesses envolvidos no litígio revestem-se da qualidade de coletivos e, por conseguinte, podem ser defendidos pelo Ministério Público em ação civil pública.

5. No mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece expressamente a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ações fundadas em interesses coletivos ou difusos para garantir a oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando.

6. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 16 de junho de 2009(data do julgamento).

Ministro Castro Meira
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nestes termos ementado:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MANUTENÇÃO DO TURNO NOTURNO EM COLÉGIO FEDERAL. DIREITO COLETIVO E DIFUSO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

1) Estudar no turno da noite na Unidade São Cristóvão do Colégio Pedro II é um direito titularizável por qualquer atual ou futuro aluno de tal Unidade do Colégio Pedro II, que lá estude, ou venha a estudar, no turno noturno. Direito titularizável, destarte, por pessoas indeterminadas e indetermináveis, o que é o caso dos futuros alunos (direito difuso), e por pessoas determinadas, ou seja, por uma 'classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base', o que é o caso dos atuais alunos do turno noturno (direito coletivo).

2) Exsurge clara, outrossim, a sua 'natureza indivisível', na medida em que não podem ser compartilhados individualmente entre seus titulares, ou seja, atendido o direito de um aluno a estudar no turno noturno, será atendido o de todos. Desse modo, não se pode afirmar com precisão a quem pertencem, nem em que medida quantitativa são compartilhados, o que por si só já afasta a sua caracterização como direito individual homogêneo, categoria em que o titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível.

3) Trata-se, pois, de direito coletivo e difuso, conforme a titularidade considerada, nos termos dos incisos I e II, do art. 81, da Lei 8.078/90, o que atrai a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, in casu, ex-vi do art. 1º, inciso V, da Lei 7.347/85.

4) Dou provimento à apelação e anulo a sentença recorrida" (fl. 336).

Os subsequentes embargos declaratórios foram rejeitados em acórdão encartado às fls. 346-351.

Suscitando contrariedade aos arts. 81, parágrafo único, I, II e III, e 90 do Código de Defesa do Consumidor - CDC e aos arts. 1º, V, e 21 da Lei nº 7.347/85, o recorrente defende a tese de que o Ministério Público Federal não detém legitimidade para ajuizar ação civil pública com o escopo de impedir o encerramento do curso noturno do Colégio Pedro II - Unidade São Cristóvão, uma vez que os discentes não teriam sofrido prejuízo e, mesmo que houvesse algum gravame, envolveria somente direito individual disponível.

Sem contrarrazões.

Simultaneamente interposto recurso extraordinário, ambos os apelos foram admitidos, o que ensejou a subida dos autos a esta Corte.

Em parecer firmado pela Subprocuradora-Geral da República Dra. Maria Caetana Cintra Santos, o Ministério Público Federal opina pelo desacolhimento do especial (fls. 399-405).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Na origem, cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando a manutenção do curso de ensino médio no período noturno oferecido pelo Colégio Pedro II - Unidade São Cristóvão, o qual teria sido ilegalmente suprimido pelo Diretor da referida entidade educacional.

A sentença (fls. 278-282) extinguiu o feito sem resolução do mérito em função da suposta ilegitimidade ativa do Parquet Federal, orientação que foi posteriormente reformada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região em aresto assim motivado:

"Alega o apelante:

a) que 'com a presente ação o autor busca exatamente (mas não apenas) a defesa de direitos difusos, no sentido de que o direito tutelado é o direito fundamental à educação, consubstanciado na garantia de manutenção do turno da noite no Colégio Pedro II Unidade São Cristóvão';

b) que 'no que concerne aos futuros alunos não matriculados, verifica-se, efetivamente, a existência de direito difuso a ser tutelado, pois o fato de existirem outros cursos noturnos em outras unidades de modo algum afasta a caracterização do direito difuso de futuros alunos';

c) que 'Primeiramente, não é garantida a existência de vagas para todos os futuros alunos, visto que a eliminação do curso noturno naquela unidade não implicou a abertura do mesmo quantitativo de novas vagas, todos os anos, em outras unidades. Observa-se, desta forma, uma diminuição quantitativa de vagas no curso noturno oferecido por aquela instituição de ensino, mas não em relação aos alunos já matriculados - visto que existe possibilidade de remanejamento, em que pesem os prejuízos concernentes à distância das demais unidades - e sim em relação a futuros alunos que poderiam ter a sua disposição o curso noturno';

d) que 'Além disso, as outras unidades daquela instituição de ensino não estão localizadas em regiões próximas à unidade de São Cristóvão, dificultando ou impossibilitando o acesso de possíveis futuros alunos daquela região à educação';

e) que 'Desta forma, é possível identificar que a manutenção do curso noturno naquela unidade não é questão afeta somente aos interesses dos alunos já matriculados, mas de futuros alunos, coletividade impassível de ser individualizada ou identificada';

f) que 'Em que pese o entendimento do juízo a quo acerca da caracterização do direito aduzido na inicial como individual homogêneo, é importante destacar que além da tutela de direito difuso, é possível observar que a presente ação versa acerca de direitos notadamente coletivos em sentido estrito, no que se refere aos alunos já matriculados no turno da noite naquela unidade do Colégio Pedro II';

g) que 'Destarte, trata-se de direito transindividual de natureza indivisível titularizado por um grupo de pessoas ligadas com o Colégio Pedro II através de uma relação jurídica base (os alunos já matriculados nos cursos noturnos)';

h) que 'No que concerne à indivisibilidade do direito em tela, insta ressaltar que "deve ser analisada a partir dos objetos imediato e mediato do pedido formulado'.

Nesse ponto, é importante destacar que o pedido constante na presente ação civil pública se refere à:

1. condenação do réu a não extinguir o curso noturno na unidade São Cristóvão;

2. condenação do réu à obrigação de fazer consistente na abertura anual de concurso para ingressos de novos alunos no turno da noite da referida unidade.

Em resumo, a presente ação visa à manutenção do turno da noite na unidade São Cristóvão:

i) que "Analisando o pedido formulado, verifica-se que não se trata de justaposição de litígios menores, mas, na verdade, a procedência ou improcedência do pedido afetará necessariamente a coletividade e não estudantes individualmente considerados: o grupo de alunos já matriculados (direito coletivo em sentido estrito) e os futuros alunos (direito difuso).

j) que "Ressalte-se ser impossível que uma decisão referente à demanda de apenas um aluno matriculado no curso noturno daquela unidade produza efeitos somente em relação a ele, ou seja, a manutenção daquele turno somente para ele e a extinção para os demais alunos que não recorreram ao Poder Judiciário. Saliente-se que o pedido não se refere em nenhum momento ao ingresso de alunos no turno da noite, mas versa acerca de outra questão, que é a manutenção daquele turno";

l) que "Note-se que a confusão entre as espécies de direito tutelado vem gerando sérios prejuízos à atuação do Ministério Público (...) Seguir a linha de raciocínio de que o objeto desta ação civil pública deve ser considerado direito individual homogêneo, com conseqüente extinção do processo sem julgamento de mérito, implica sérias restrições ao acesso à justiça (...)";

m) que "Na remota hipótese de entender-se que o objeto do processo versa sobre direitos individuais homogêneos, insta destacar que o Ministério Público possui legitimidade para defender tais direitos em juízo, pois não se pretendendo proteger o direito de cada indivíduo, mas o conjunto desses indivíduos coletivamente considerado";

n) que "Portanto, é inequívoco o cabimento da presente ação civil pública, eis que voltada para a tutela de um direito individual homogêneo, cuja tutela importa interesse social, eis que o direito à educação é direito social tutelado constitucionalmente".

O que ora se perquire, portanto, é se a manutenção ou não do turno escolar noturno na unidade São Cristóvão do Colégio Pedro II constitui 'direito individual homogêneo', como entendeu o decisum, ou 'direito coletivo e difuso', como quer o Ministério Público Federal, ora apelante.

Por expressa determinação legal (art. 90 do CDC e art. 21 da Lei 7.347/85), as definições legais de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, incisos I a III, do CDC) são aplicáveis a todas as situações em que é reclamado o exame desses conceitos e não apenas às lides de consumo. Com efeito:

'Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.'

Depreende-se, portanto, que estudar no turno da noite na Unidade São Cristóvão do Colégio Pedro II é um direito titularizável por qualquer atual ou futuro aluno de tal Unidade do Colégio Pedro II, que lá estude, ou venha a estudar, no turno noturno. Direito titularizável, destarte, por pessoas indeterminadas e indetermináveis, o que é o caso dos futuros alunos (direito difuso), e por pessoas determinadas, ou seja, por uma 'classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base', o que é o caso dos atuais alunos do turno noturno (direito coletivo).

Exsurge clara, outrossim, a sua 'natureza indivisível', na medida em que não podem ser compartilhados individualmente entre seus titulares, ou seja, atendido o direito de um aluno a estudar no turno noturno, será atendido o de todos. Desse modo, não se pode afirmar com precisão a quem pertencem, nem em que medida quantitativa são compartilhados, o que por si só já afasta a sua caracterização como direito individual homogêneo, categoria em que o titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível.

Trata-se, pois, de direito coletivo e difuso, conforme a titularidade considerada, nos termos dos incisos I e II, do art. 81, da Lei 8.078/90, o que atrai a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, in casu, ex-vi do art. 1º, inciso V, da Lei 7.347/85.

Pelo exposto, dou provimento à apelação e anulo a sentença recorrida.

É como voto" (fls. 332-334).

Suscitando contrariedade aos arts. 81, parágrafo único, I, II e III, e 90 do Código de Defesa do Consumidor-CDC e aos arts. 1º, V, e 21 da Lei nº 7.347/85, o recorrente defende a tese de que o Ministério Público Federal não detém legitimidade para ajuizar ação civil pública com o escopo de impedir o encerramento do curso noturno do Colégio Pedro II, uma vez que os discentes não teriam sofrido prejuízo e, mesmo que houvesse algum gravame, envolveria somente direito individual disponível.

Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso especial, passando a examinar o mérito da controvérsia.

A orientação adotada pela Corte de origem merece ser prestigiada, uma vez que os interesses envolvidos no litígio revestem-se da qualidade de coletivos e, por conseguinte, podem ser defendidos pelo Ministério Público em ação civil pública, cuja legitimidade ativa decorre expressamente do texto constitucional (art. 129, III, da Carta Magna).

Dito de outra maneira, a manutenção da oferta do curso noturno no Colégio Pedro II abrange "direitos transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base" e direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato" (art. 81, parágrafo único, II e I, do CDC).

Primeiro, destaco que a mais saliente diferenciação entre os direitos coletivos e os individuais homogêneos reside na divisibilidade do interesse, pois estes podem ser decompostos e possuem origem comum, enquanto aqueles têm sua gênese na comunhão de uma relação jurídica básica e não são suscetíveis de segmentação.

A corroborar esse posicionamento, trago à baila a lição de Hugo Nigro Mazzilli:

"Por sua vez, os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos têm também um ponto de contato: ambos reúnem grupo, categoria ou classe de pessoas determináveis; contudo, distinguem-se quanto à divisibilidade do interesse: só os interesses individuais homogêneos são divisíveis, supondo uma origem comum.

Exemplifiquemos com uma ação coletiva que visa à nulificação de cláusula abusiva em contrato de adesão. No caso, a sentença de procedência não irá conferir um bem divisível aos integrantes do grupo lesado. O interesse em ver reconhecida a ilegalidade da cláusula é compartilhado pelos integrantes do grupo de forma não quantificável e, portanto, indivisível: a ilegalidade da cláusula não será maior para quem tenha dois ou mais contratos em vez de apenas um: a ilegalidade será igual para todos eles (interesse coletivo, em sentido estrito)" (A Defesa dos Interesse Difusos em Juízo. São Paulo: Editora Saraiva, 21ª ed., 2008, p. 55).

Em sede doutrinária, o eminente Ministro Teori Albino Zavascki adverte:

"É preciso, pois, que não se confunda defesa de direitos coletivos com defesa coletiva de direitos (individuais). Direitos coletivos são direitos subjetivamente transindividuais (= sem titular individualmente determinado) e materialmente indivisíveis. Os direitos coletivos comportam sua acepção no singular, inclusive para fins de tutela jurisdicional. Ou seja, embora indivisível, é possível conceber-se uma única unidade da espécie de direito coletivo. O que é múltipla (e indeterminada) é a sua titularidade, e daí a sua transindividualidade. 'Direito coletivo' é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo stricto sensu. É denominação que atribui a uma especial categoria de direito material, nascida da superação, hoje indiscutível, da tradicional dicotomia entre interesse público e interesse privado. É direito que não pertence à administração pública nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em seu sentido amplo.

(...)

Já os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não altera nem pode desvirtuar essa sua natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, não faz sentido, portanto, sua versão singular (um único direito homogêneo), já que a marca da homogeneidade supõe, necessariamente, uma relação de referência com outros direitos individuais assemelhados. Há, é certo, nessa compreensão, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares indeterminados), a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente dos sujeitos, (que são indivíduos determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria. Não se trata, pois, de uma nova espécie de direito material. Os direitos transindividuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo" (Processo Coletivo - Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2008, p. 38-40).

A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça prestigiou a orientação acima exposta na seguinte assentada:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. CUMULAÇÃO DE DEMANDAS. NULIDADE DE CLÁUSULA DE INSTRUMENTO DE COMPRA-E-VENDA DE IMÓVEIS. JUROS. INDENIZAÇÃO DOS CONSUMIDORES QUE JÁ ADERIRAM AOS REFERIDOS CONTRATOS. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER DA CONSTRUTORA. PROIBIÇÃO DE FAZER CONSTAR NOS CONTRATOS FUTUROS. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

I - O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, em cumulação de demandas, visando: a) a nulidade de cláusula contratual (juros mensais); b) a indenização pelos consumidores que já firmaram os contratos em que constava tal cláusula; c) a obrigação de não mais inseri-la nos contratos futuros, quando presente como de interesse social relevante a aquisição, por grupo de adquirentes, da casa própria que ostentam a condição das chamadas classes média e média baixa.

II - Como já assinalado anteriormente (REsp. 34.155-MG), na sociedade contemporânea, marcadamente de massa, e sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania.

III - Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica.

IV - Direitos individuais homogêneos são aqueles que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo.

V - Embargos acolhidos" (EREsp 141.491/SC, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 1º.08.2000).

Partindo dessa premissa, revela-se inequívoco que o direito à continuidade do curso noturno titularizado por um grupo de pessoas - alunos matriculados no estabelecimento de ensino - deriva de uma relação jurídica base com o Colégio Pedro II e não é passível de divisão, uma vez que a extinção desse turno acarretaria idêntico prejuízo a todos, mostrando-se completamente inviável sua quantificação individual.

Nesse raciocínio, mostra-se patente a inconsistência da tese recursal desenvolvida no sentido de que a querela diria respeito apenas direito individual disponível, pois, como bem percebido pela Corte de origem, "atendido o direito de um aluno a estudar no turno noturno, será atendido o de todos" (fl. 334), a par do efeito ultra partes que rege a extensão subjetiva do julgamento das ações dessa natureza, nos termos do art. 103, II, do Código de Defesa do Consumidor.

No mais, há que se considerar também os interesses daqueles que ainda não ingressaram no Colégio Pedro II e eventualmente podem ser atingidos pela extinção do curso noturno, ou seja, um grupo indeterminável de futuros alunos que titularizam direito difuso à manutenção desse turno de ensino.

Vai-se além: a orientação aqui adotada não decorre apenas de previsão legal genérica, haja vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece expressamente a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ações fundadas em interesses coletivos ou difusos para garantir a oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando, o que confirma o acerto do aresto em tela.

A propósito:

"Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

(...)

IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do educando

(...)".

"Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público

(...)".

Ressalte-se que a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal vêm caminhando para reconhecer que o Parquet detém legitimidade para discutir em juízo direitos indisponíveis - como no caso concreto -, inclusive na hipótese em que a ação se destine a tutelar pessoa individualmente considerada, a exemplo do seguinte precedente:

"RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA - RECURSO CONHECIDO APENAS PELA ALÍNEA "A" - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRATAMENTO DE SAÚDE - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL - LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO PARQUET .

1. O recurso não deve ser conhecido pela alínea 'c', porquanto, na hipótese em questão, trouxe o recorrente como paradigmas julgados desta Corte que não possuem similitude fática com o caso dos autos.

2. O Ministério Público tem legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise tutelar pessoa individualmente considerada. (art. 127 da Constituição Federal/88)

3. Busca-se, com efeito, tutelar os direitos à vida e à saúde de que tratam os arts. 5º, caput; e 196 da Constituição em favor de pessoa carente de medicamento para tratamento de câncer. A legitimidade ativa afirma-se, não por se tratar de tutela de direitos individuais homogêneos, mas por se tratar de interesses individuais indisponíveis.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido" (REsp 913.356/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJU 15.05.07).

Ratificada a legitimidade do Parquet para a propositura dessa ação civil pública, devem os autos retornar à instância ordinária para que se dê prosseguimento ao feito.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2007/0047268-0 REsp 933002 / RJ

Número Origem: 200251010028633

PAUTA: 16/06/2009 JULGADO: 16/06/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA VASCONCELOS

Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: COLÉGIO PEDRO II

PROCURADOR: JORGE GAVINHO SOBRINHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ASSUNTO: Administrativo - Ensino Fundamental / Médio

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 16 de junho de 2009

VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária

Documento: 893157

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 29/06/2009




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