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quinta-feira, 23 de julho de 2009

JURID - Agravo interno. Reconsideração. Art. 543-B, § 3º. Prescrição [23/07/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Agravo interno. Reconsideração. Art. 543-B, § 3º. Prescrição. LC 118/2005 arts. 3º e 4º.

Tribunal Regional Federal - TRF2ªR.

RELATOR: JUIZ FEDERAL CONVOCADO JOSE ANTONIO LISBOA NEIVA

APELANTE: SERVIBRAS SERVIÇOS ESPECIAIS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

ADVOGADO: WAGNER FACUNDO FANTONI E OUTROS

APELANTE: UNIÃO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL

APELADO: OS MESMOS

ORIGEM: PRIMEIRA VARA FEDERAL VITÓRIA (9900076737)

AGRAVO INTERNO

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL

AGRAVADO: SERVIBRAS SERVIÇOS ESPECIAIS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

DECISÃO AGRDA: DECISÃO DE FLS. 214/230

RELATÓRIO

Foi negado provimento ao agravo interno interposto pela UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL, às fls. 235/263, contra decisão de fls. 214/230, como se verifica do acórdão de fls. 286/288.

A agravante interpôs Recurso Extraordinário, que foi admitido, por força da decisão de fls. 342/344, proferida pelo Des. Fed. Vice-Presidente Fernando Marques, diante da plausibilidade da tese formulada no recurso, relativa à violação do art. 97 da Constituição Federal.

Decisão de fls. 369/370 determinando o retorno dos autos para o órgão julgador originário, na forma do art. 543-B, § 3º do CPC, tendo em vista o reconhecimento da existência de repercussão geral do tema, pelo C. STF, no Recurso Extraordinário supracitado.

Passo ao exame do tema.

Sustenta a recorrente, em seu recurso, que, com relação à Lei Complementar nº 118/2005, deve ser aplicado o prazo qüinqüenal para a ação em espécie., por se tratar de norma interpretativa, por força do inciso I do artigo 106 do CTN, e, portanto, tem aplicação retroativa. Argumenta, ainda, que, sendo o artigo 3º da LC nº 118/05 norma claramente interpretativa, outra não poderia ser a solução legal que não a sua aplicabilidade também a atos ou fatos pretéritos, ainda não definitivamente julgados, como ocorre no presente processo. Diante de interpretação do STF, seria imprescindível o cumprimento do artigo 97 da Constituição Federal.

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

Rio de Janeiro, 10 de julho de 2009.

JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA
Juiz Federal Convocado
Relator

VOTO

Inicialmente, reconsidero o julgamento do agravo interno interposto pela União Federal/Fazenda Nacional, às fls. 235/263, nos termos do art. 543-B, § 3º, do CPC, tendo em vista o pronunciamento definitivo pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 580.108/SP, que reconheceu a existência de repercussão geral do tema relativo à ofensa à cláusula de reserva de Plenário (CF, Art. 97).

Realizo novo julgamento, sem remessa ao plenário, tendo em vista fato superveniente (CPC, art. 462), qual seja, o julgamento pelo plenário, em 12 de março de 2009, da argüição de inconstitucionalidade do processo nº 2002.51.01.019373-1, a dispensar a remessa por força do art. 97 da CF em virtude do efeito expansivo daquela decisão plenária atribuído pelo parágrafo único do art. 481 do CPC.

Passo à análise da questão de inconstitucionalidade dos arts. 3º e 4º da LC 118/05 argüido pela recorrente, que foi objeto do Recurso Extraordinário provido no sentido de anular o acórdão recorrido.

No que se refere à prescrição, vale destacar que o art. 3º da Lei Complementar n.º 118, publicada em 09 de fevereiro de 2005, assim dispõe:

"Art. 3º. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o §1o do art. 150 da referida Lei."

Portanto, a mencionada lei passou a prever que o direito de pleitear a compensação ou a restituição do crédito tributário, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos contados do pagamento antecipado.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento do EREsp. 327.043/DF, na sessão de 27/04/2005, por unanimidade, no sentido de ser possível interpretar o art. 4o da LC n.º 118/05 "conforme a Constituição, desde que os efeitos retroativos ali previstos limitem-se às ações ajuizadas após a vacatio legis de 120 dias prevista na parte inicial do dispositivo. Ajuizada a ação após 9 de junho de 2005, poderá o art. 3o da LC n.º 118/05 ser aplicado aos fatos geradores ocorridos antes de sua publicação. O prazo de cinco anos poderá ser contado a partir do pagamento indevido, e não da homologação expressa ou tácita, desde que a ação tenha sido proposta depois de 9 de junho de 2005 e mesmo que o pagamento antecipado pelo contribuinte tenha sido realizado antes da vigência da Lei".

Posteriormente, a aludida Corte veio a declarar a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da citada Lei Complementar. Vejamos:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.

1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.

2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.

3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.

4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.

5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).

6. Argüição de inconstitucionalidade acolhida". (AI nos EREsp 644736 / PE, Corte Especial, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 27/08/2007 p. 170).

Nessa linha de entendimento, o Plenário deste Tribunal, na sessão de 12 de março de 2009, na Argüição de Inconstitucionalidade no processo nº 2001.51.01.019373-1, da relatoria do eminente Desembargador Cruz Netto, decidiu "por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade da expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, nos termos do voto do Relator, tendo sido aprovada, ainda, por unanimidade, a expedição de súmula".

A fundamentação do julgado seguiu a orientação esposada no STJ, nos seguintes termos:

"1. Para adequada compreensão do tema, importa ter presente o teor dos seguintes dispositivos:

LC 118/2005:

"Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional".

CTN:

"Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados"

O que aqui se questiona é, fundamentalmente:

(a) a natureza - se interpretativa ou não - do art. 3º da LC 118/05, e, conseqüentemente,

(b) a legitimidade constitucional do art. 4º, segunda parte, da mesma Lei, que determina a aplicação retroativa do artigo 3º, tal como prevê o art. 106, I, do CTN.

Em voto proferido perante a 1ª Seção, no julgamento dos ERESP 327.043/DF, sustentei que o citado art. 3º tem natureza modificativa (e não simplesmente interpretativa) e, conseqüentemente, não pode ter aplicação retroativa, sendo inconstitucional, portanto, a parte final do art. 4º. As razões de tal entendimento são as que seguem.

II - Lei interpretativa no sistema constitucional brasileiro

2. Em nosso sistema constitucional, as funções legislativa e jurisdicional estão atribuídas a Poderes distintos, autônomos e independentes entre si (CF, art; 2º). Legislar, função essencialmente conferida ao Parlamento, é criar os preceitos normativos, é impor modificação no plano do direito positivo. Já a função jurisdicional - de assegurar o cumprimento da norma, que pressupõe também a de interpretá-la previamente -, é atribuída ao Poder Judiciário. A atividade legislativa está submetida à cláusula constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI), razão pela qual as modificações do ordenamento jurídico, impostas pelo Legislativo, têm, em princípio, apenas eficácia prospectiva, não podendo ser aplicadas retroativamente. A função jurisdicional, ao contrário, atua, em regra, sobre fatos já

ocorridos ou em via de ocorrer. Só excepcionalmente pode o Legislativo atuar sobre o passado, assim como só excepcionalmente pode Judiciário produzir sentenças com efeitos normativos futuros.

Todos sabemos que essa bipartição não tem caráter absoluto, comportando algumas exceções. Mas a regra geral é essa: o Legislativo produz o enunciado normativo, que vai ter aplicação para o futuro; produzido o enunciado, ele assume vida própria, cabendo ao Judiciário, daí em diante, zelar pelo cumprimento da norma que dele decorre, o que comporta a função de, mediante interpretação, descobri-la e aplicá-la aos casos concretos. São atividades complementares. Como dizia Calamandrei, "O Estado defende com a jurisdição sua autoridade de legislador" (CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1986, vol. I, p. 175).

3. Interpretar um enunciado normativo é buscar o seu sentido, o seu alcance, o seu significado."A interpretação", escreveu Eros Grau, "é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições , alcançamos a determinação de um conteúdo normativo . (...) Interpretar é atribuir um significado a um ou

vários símbolos lingüísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar , portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição)" (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito , 2ª ed., SP, Malheiros, 2003, p. 78). E observa, mais adiante: "As disposições são dotadas de um significado, a elas atribuído pelos que operaram no interior do procedimento normativo, significado que a elas desejaram imprimir . Sucede que as disposições devem exprimir um significado para aqueles aos quais são endereçadas. Daí a necessidade de bem distinguirmos os significados imprimidos às disposições (enunciados, textos), por quem as elabora e os significados expressados pelas normas (significados que apenas são revelados através e mediante a interpretação, na medida em que as disposições são transformadas em normas )" (op. cit., p.79).

Prossegue o autor: "A interpretação, destarte, é meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições , meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. Do que diremos ser - a interpretação - uma atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados ) em normas . Observa Celso Antônio Bandeira de Mello (...) que '(...) é a interpretação que especifica o conteúdo da norma. Já houve quem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma, mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, é a própria norma, porque o conteúdo dela é pura e simplesmente o que resulta da interpretação . De resto, Kelsen já ensinara que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, afinal, o conteúdo específico é o intérprete, (...)'. As normas , portanto, resultam da interpretação. E o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações , isto é, conjunto de normas . O conjunto das disposições (textos, enunciados ) é apenas ordenamento em potência , um conjunto de possibilidades de interpretação , um conjunto de normas potenciais . O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete . (...) As disposições , os enunciados , os textos, nada dizem; somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando - através e mediante a interpretação - são transformados em normas ). Por isso as normas resultam da interpretação , e podemos dizer que elas, enquanto disposições , nada dizem - elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (...)" (op. cit., p. 80).

4. Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são.

5. Nesse contexto, a edição, pelo legislador, de lei interpretativa, com efeitos retroativos, somente é concebível em caráter de absoluta excepcionalidade, sob pena de atentar contra os dois postulados constitucionais já referidos: o da autonomia e independência dos Poderes (art. 2º, da CF) e o do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF). Lei interpretativa retroativa só pode ser considerada legítima quando se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance. Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil concreção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente. "Interpretar uma norma", escreveu Juarez Freitas, "é interpretar um sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito" (FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito , SP, Malheiros, 1995, p. 47). Ora, lei que simplesmente reproduz a já existente, ainda que com outras palavras, seria supérflua; e lei que não é assim, é lei que inova e, portanto, não pode ser considerada interpretativa e nem, conseqüentemente, ser aplicada com efeitos retroativos.

III - Natureza modificativa (e não simplesmente interpretativa) do art. 3º da LC 118/05

6. Ainda que se admita a possibilidade de edição de lei interpretativa, como prevê o art. 106, I, do CTN, mas considerando o que antes se disse sobre o processo interpretativo e seus agentes oficiais (= a norma é aquilo que o Judiciário diz que é), evidencia-se como hipótese paradigmática de lei inovadora (e não simplesmente interpretativa) aquela que, a pretexto de interpretar, confere à norma interpretada um conteúdo ou um sentido diferente daquele que lhe foi atribuído pelo Judiciário ou que limita o seu alcance ou lhe retira um dos seus sentidos possíveis.

É o que ocorre no caso em exame. Com efeito, sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.

Essa jurisprudência certamente não tem a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes. Em muitos casos, eu mesmo já manifestei minha discordância pessoal em relação a ela, como, v;g., no voto vista proferido no ERESP 423.994, 1ª Seção, rel. Min. Peçanha Martins, onde apontei sua fragilidade por desconsiderar inteiramente "um princípio universal em matéria de prescrição: o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Bookseller Editora, 2.000, p. 332)". "Realmente", sustentei, "ocorrendo o pagamento indevido, nasce desde logo o direito a haver a repetição do respectivo valor, e, se for o caso, a pretensão e a correspondente ação para a sua tutela jurisdicional. Direito, pretensão e ação são incondicionados, não estando subordinados a qualquer ato do Fisco ou a decurso de tempo. Mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o direito, a pretensão e a ação nascem tão pronto ocorra o fato objetivo do pagamento indevido. Sob este aspecto, pareceria mais adequado ao princípio da actio nata aplicar, inclusive em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o disposto art. 168, I, combinado com o art. 156, I, do CTN, ou seja: o prazo prescricional (ou decadencial) para a repetição do indébito conta-se da extinção do crédito (art. 168, I), que, por sua vez, ocorre com o pagamento (art. 156, I). Observe-se que, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o pagamento antecipado também extingue o crédito, ainda que sob condição resolutória (CTN, 150, § 1º)." Todavia, inobstante as reservas e críticas que possa merecer, o certo é que a jurisprudência do STJ, em inúmeros precedentes, definiu o conteúdo dos enunciados normativos em determinado sentido, e, bem ou mal, a interpretação que lhes conferiu o STJ é a interpretação legítima, porque emanada do órgão constitucionalmente competente para fazê-lo. Ora, o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele atribuído pelo Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que atribui a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência.

IV - Inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/05

7. Não se nega ao Legislativo o poder de alterar a norma (e, portanto, se for o caso, também a interpretação formada em relação a ela). Pode, sim, fazê-lo, mas não com efeitos retroativos.

Admitir a aplicação do art. 3º da LC 118/2005, sobre os fatos passados, nomeadamente os que são objeto de demandas em juízo, seria consagrar verdadeira invasão, pelo Legislativo, da função jurisdicional, comprometendo a autonomia e a independência do Poder Judiciário. Significaria, ademais, consagrar ofensa à cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Portanto, o referido dispositivo, por ser inovador no plano das normas, somente pode ser aplicado legitimamente a situações que venham a ocorrer a partir da vigência d Lei Complementar 118/2005, que ocorreu 120 dias após a sua publicação (art. 4º), ou seja, no dia 09 de junho de 2005.

Tratando-se de norma que reduz prazo de prescrição, cumpre observar, na sua aplicação, a regra clássica de direito intertemporal, afirmada na doutrina e na jurisprudência em situações dessa natureza: o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo. São precedentes do STF nesse sentido:

"Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-lo" (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58).

"Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência" (AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DJ de 28.04.78).

No mesmo sentido: RE 93.110/RJ, Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 05.11.80; AR 1.025-6/PR, Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 13.03.81.

É o que se colhe, também, de abalizada doutrina, como, v.g., a de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1998, Tomo VI, p. 359), Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1976, volume V, p. 205-207) e Galeno Lacerda, este com a seguinte e didática lição sobre situação análoga (redução do prazo da ação rescisória, operada pelo CPC de 1973):

"A mais notável redução de prazo operada pelo Código vigente incidiu sobre o de propositura da ação rescisória. O velho e mal situado prazo de cinco anos prescrito pelo Código Civil (art. 178, § 10, VIII) foi diminuído drasticamente para dois anos (art. 495). Surge, aqui, interessante problema de direito transitório, quanto à situação dos prazos em curso pelo direito anterior. A regra para os prazos diminuídos é inversa da vigorante para os dilatados. Nestes, como vimos, soma-se o período da lei antiga ao saldo, ampliado, pela lei nova. Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. Assim, por exemplo, no que concerne à ação rescisória, se já decorreram quatro anos pela lei antiga, só ela é que há de vigorar: o saldo de um ano, porque menor ao prazo do novo preceito construa a fluir, mesmo sob a vigência deste. Se, porém, passou-se, apenas, um ano sob o direito revogado, o saldo de quatro, quando da entrada em vigor da regra nova, é superior ao prazo por esta determinado. Por este motivo, a norma de aplicação imediata exige que o cômputo se proceda, exclusivamente, pela lei nova, a partir, evidentemente, de sua entrada em vigor, isto é, os dois anos deverão contar-se a partir de 1º de janeiro de 1974. O termo inicial não poderia ser, nesta hipótese, o do trânsito em julgado da sentença, operado sob lei antiga, porque haveria, então, condenável retroatividade" (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, 1974, pp. 100-101).

Câmara Leal tem pensamento semelhante:

"Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, esse começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo" (Da Prescrição e da Decadência, Forense, 1978, p.90).

Assim, na hipótese em exame, com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.

8. Ocorre que o art. 4º da Lei Complementar 118/2005, em sua segunda parte, determina, de modo expresso, que, relativamente ao seu art. 3º, seja observado "o disposto no art. 106, I, da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", vale dizer, que seja aplicada inclusive aos atos ou fatos pretéritos. Ora, conforme antes demonstrado, a aplicação retroativa do dispositivo importa, nesse caso, ofensa à Constituição, nomeadamente ao seu art. 2º (que consagra a autonomia e independência do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo) e ao inciso XXXVI do art. 5º, que resguarda, da aplicação da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada"

O parágrafo único do art. 481 do CPC dispõe que os "órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão", em sintonia com a interpretação dada pela Suprema Corte quanto à racionalização da aplicabilidade do art. 97 da Constituição Federal (STF, AgRg n. 168.149, rel. Min. Marco Aurélio; AgRg n. 167.444, rel. Min. Carlos Velloso).

Dessa forma, como os fatos são anteriores à LC n. 118/05, aplicável a jurisprudência do STJ (1ª Seção) no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o citado Tribunal, "para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador".

Desse modo, deve permanecer inalterado o acórdão agravado, pelos fundamentos acima narrados.

Isto posto,

Conheço e nego provimento ao recurso.

É como voto.

JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA
Juiz Federal Convocado
Relator

EMENTA

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECONSIDERAÇÃO - ART. 543-B, § 3º - PRESCRIÇÃO. LC 118/2005 ARTS. 3º E 4º. APLICAÇÃO RETROATIVA JULGAMENTO PELO PLENÁRIO TRF-2ª REGIÃO, SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 2009. CUMPRIMENTO DECISÃO DO STJ - ART. 97 DA CF- DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Reconsiderado o agravo interno interposto pela União Federal/Fazenda Nacional, nos termos do art. 543-B, § 3º, do CPC, tendo em vista o pronunciamento definitivo pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 580.108/SP, que reconheceu a existência de repercussão geral do tema relativo à ofensa à cláusula de reserva de Plenário (CF, Art. 97).

2. Realizado novo julgamento, sem remessa ao plenário, tendo em vista fato superveniente (CPC, art. 462), qual seja, o julgamento pelo plenário, em 12 de março de 2009, da argüição de inconstitucionalidade do processo nº 2002.51.01.019373-1, a dispensar a remessa por força do art. 97 da CF em virtude do efeito expansivo daquela decisão plenária atribuído pelo parágrafo único do art. 481 do CPC.

3. No que se refere à prescrição, o Plenário deste Tribunal, na sessão de 12 de março de 2009, na Argüição de Inconstitucionalidade no processo nº 2001.51.01.019373-1, da relatoria do eminente Desembargador Cruz Netto, decidiu "por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade da expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, nos termos do voto do Relator, tendo sido aprovada, ainda, por unanimidade, a expedição de súmula".

4. O parágrafo único do art. 481 do CPC dispõe que os "órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão", em sintonia com a interpretação dada pela Suprema Corte quanto à racionalização da aplicabilidade do art. 97 da Constituição Federal (STF, AgRg n. 168.149, rel. Min. Marco Aurélio; AgRg n. 167.444, rel. Min. Carlos Velloso).

5. Dessa forma, como os fatos são anteriores à LC n. 118/05, aplicável a jurisprudência do STJ (1ª Seção) no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o citado Tribunal, "para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador".

6. Mantido posicionamento do acórdão agravado.

7. Agravo interno conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a. Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2009. (data do julgamento).

JOSÉ ANTONIO LISBÔA NEIVA
Juiz Federal Convocado
Relator




JURID - Agravo interno. Reconsideração. Art. 543-B, § 3º. Prescrição [23/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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