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quarta-feira, 1 de julho de 2009

JURID - Administrativo. Arts. 196 e 198, § 1º, da CRFB/1988. SUS. [01/07/09] - Jurisprudência


Administrativo. Arts. 196 e 198, §1°, da CRFB/1988. SUS. Legitimidade passiva da União Federal.

Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro - JFRJ.

2007.51.51.015305-0/02 91001 - RECURSO/SENTENÇA CÍVEL

Autuado em 03/06/2008

RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL

PROCURADOR: ANDRÉ FREITAS DA SILVA

RECORRIDO: MARCO POLO ANDRADE DA FRANCA

ADVOGADO: RENATA DIAS FERREIRA QUINTANILHA

1ª Turma Recursal - 3º Juiz Relator - DANIELA MILANEZ

Objetos: SAUDE

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RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL

RECORRIDO: MARCO POLO ANDRADE DA FRANCA

Juízo de Origem: 4º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro

Relatora: DANIELLA ROCHA SANTOS FERREIRA DE SOUZA MOTTA

VOTO

Presentes os pressupostos recursais.

Trata-se de recurso interposto pela União Federal contra a sentença de fls. 78/81, que julgou procedente o pedido narrado na exordial para condenar a União Federal a fornecer ao autor o medicamento GEMZAR (Gemcitabina 1600 mg), após apresentação de receita médica atualizada prescrita por médico conveniado ao SUS, enquanto se fizer necessário à manutenção da saúde do autor.

Requer a União Federal, em suas razões recursais de fls. 82/89, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Aduz, preliminarmente, sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda e, no mérito, que não obstante o art. 196 da CRFB positivar a garantia à saúde como um direito de natureza social, tal comando constitucional não tornaria a Administração Pública uma devedora universal de todas as prestações de saúde. Assim, argumenta que sua efetividade, não raro, encontra limites econômicos/financeiros que se materializam na prévia alocação de recursos, sustentando ainda que a alocação de recursos não seria tarefa jurisdicional, mas sim do Poder Executivo, no exercício de sua função administrativa, motivo pelo qual o magistrado, ao tentar fazer justiça no caso concreto, pode comprometer o orçamento destinado à saúde de modo a prejudicar um sem-número de pessoas em detrimento de uma única.

Passo ao voto.

Inicialmente, é de se rechaçar a preliminar de ilegitimidade passiva da União Federal, pois ainda que as ações e serviços públicos de saúde sejam informados pela descentralização, conforme a norma constitucional inscrita no art. 198, I, da CRFB (e repetida no art. 7º, IX, da Lei n.º 8.080/1990), certo é que a própria Carta Magna estabelece uma competência concorrente (art. 24, XII) entre os entes constitutivos da federação para legislar sobre o assunto, bem como a competência material comum aos mesmos para realizar as ações correspondentes. Tanto assim que a Lei n.º 8.080/1990 discrimina as competências da União Federal em seu artigo 16. Acrescente-se que, no que toca ao financiamento dos serviços de saúde, a União Federal tem participação direta, ainda que os serviços sejam prestados prioritariamente pelos Estados e Municípios. A Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 1998 prevê a RENAME, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, de responsabilidade do Ministério da Saúde e prevê, igualmente a gestão do SUS pelos três níveis de governo de modo a se promover um fornecimento de remédios racionalizado, padronizado e eficiente. É de se ver, ainda, que a União federal no que toca ao fornecimento de remédios, tem responsabilidade sobre o Financiamento da Assistência farmacêutica Básica, nos termos da Portaria nº 2.084/GM de 26 de outubro de 2005, repassando para os Estados e Municípios a verba para a compra dos medicamentos para Atenção Básica. Assim, justificado está o interesse da União Federal para permanecer no pólo passivo da lide.

No mérito, impõe-se observar que é incontroverso que a parte autora é acometida de colangiocarcinoma e está sob tratamento no Hospital de Jacarepaguá (conforme documentos de fl. 15). Igualmente é incontroverso que a mesma necessita do seguinte medicamento para o seu tratamento, conforme prescrição médica: gemcitabina 1600 mg.

É assente que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos sociais são dotados de fundamentalidade, radicados na própria condição humana, com o mesmo status dos chamados direitos de liberdade. De fato, o direito à saúde revela-se como uma outra faceta do direito à vida, ligado a pretensão de igualdade e solidariedade. A par disso, a Constituição Cidadã trouxe, igualmente, a pretensão de normatividade e efetividade de suas normas, inclusive no que toca àquelas que encerram direitos sociais que não se traduziriam em normas meramente programáticas. De toda sorte, ainda que o processo não seja o meio mais adequado para a exposição de teses jurídicas, no caso dos autos necessária certa digressão no que consiste ao caráter efetivo da norma que institui o direito à saúde.

Com efeito, o direito à saúde, como a própria norma constitucional tratou de detalhar, consiste na garantia a prestações positivas por parte do Estado (artigos 196, 197 e 198 da CRFB). É que a eficácia de tais normas pode ser negativa, interpretativa, de vedação do retrocesso e positiva. Nas três primeiras modalidades de eficácia há uma aplicabilidade imediata e, conseqüentemente, uma sindicabilidade por parte do Poder Jucidiário. Porém, no que toca à eficácia positiva, que envolve a apreciação das políticas públicas para a implementação do direito, há que se observar certos limites à prestação da atividade jurisdicional. E isto porque, tendo em vista a notória escassez de recursos desta pasta, é tarefa dos Poderes Legislativo e Executivo alocá-los, através de atos normativos de cunho geral, para atender o interesse público atinente à saúde na forma e na prioridade estabelecida pela própria Constituição (art. 198, II), que por sua vez dá prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.

Por outro lado, parece óbvio que, no caso concreto, o juiz está autorizado a analisar o conteúdo e o alcance do direito postulado, minimizando o impacto de uma interpretação econômica deste, quando entender que o Estado não garantiu sequer um mínimo existencial na implementação de tais direitos. Portanto, a alegação de que os direitos sociais estariam adstritos à reserva do possível não poderia contingenciar o direito à vida.

Neste ponto deve ser invocada a lição da professora Ana Paula de Barcellos:

¿Falar de eficácia positiva ou simétrica do mínimo existencial na área de saúde significa dizer que há um conjunto de prestações de saúde exigíveis diante do Judiciário por força e em conseqüência da Constituição. (...) Compete ao Judiciário, portanto, determinar o fornecimento do mínimo existencial independentemente de qualquer outra coisa, como decorrência das normas constitucionais sobre a dignidade da pessoa humana e sobre a saúde ¿ eficácia positiva ou simétrica. Cabe-lhe também, na seqüência, implementar as opções políticas juridicizadas que vierem a ser tomadas na matéria além do mínimo existencial, na forma das leis editadas. Quanto ao mais, compete-lhe apenas zelar pela aplicação das outras modalidades de eficácia: negativa, interpretativa e vedativa do retrocesso. E aqui iniciam as dificuldades dessa área do mínimo existencial que é, certamente, a mais complexa das quatro propostas neste estudo.

A primeira dificuldade diz respeito à atuação do juiz e a suas impressões psicológicas e sociais, que não podem ser desconsideradas. Um doente com um rosto, identidade, presença física e história pessoal, solicitando ao Juízo uma prestação de saúde ¿ não incluída no mínimo existencial nem autorizada por lei, mas sem a qual ele pode vir mesmo a falecer ¿ é percebido de forma inteiramente diversa da abstração etérea do orçamento e das necessidades do restante da população que não são visíveis naquele momento e que tem sua percepção distorcida pela incredulidade do magistrado, ou ao menos da fundada dúvida de que os recursos públicos estejam efetivamente sendo utilizados na promoção da saúde básica.¿ (in Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2002. pp. 274-275)

Considerando que a parte autora demonstrou o fato que lhe cabia, qual seja, a doença e que os medicamentos solicitados foram prescritos por médico de unidade de saúde do Ministério da Saúde (Hospital de Jacarepaguá) e ressaltando, ainda, que a União Federal não demonstrou sequer que o fornecimento de tal medicamento é de extrema onerosidade e que, no curso do processo, sequer trouxe aos autos indicação de outros medicamentos que pudessem surtir os mesmos efeitos terapêuticos para o tratamento da patologia da parte autora, entendo que no caso concreto deve-se privilegiar a máxima efetividade do direito à saúde em detrimento do princípio da correção funcional e da reserva do possível.

Ante todo o exposto, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso da União Federal, para manter a sentença de 1º grau na íntegra.

Condeno, ainda, a União federal em honorários advocatícios de R$ 200,00 (duzentos reais), tratando-se de parte recorrente sucumbente.

Rio de Janeiro, 06 de maio de 2009.

DANIELLA ROCHA SANTOS FERREIRA DE SOUZA MOTTA
Juíza Federal Relatora

RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL

RECORRIDO: MARCO POLO ANDRADE DA FRANCA

Juízo de Origem: 4º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro

Relatora: DANIELLA ROCHA SANTOS FERREIRA DE SOUZA MOTTA

EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ARTIGOS 196 E 198, §1°, DA CRFB/1988. SUS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.

- Recurso interposto contra sentença que julgou procedente pedido de concessão do medicamento GEMZAR (Gemcitabina 1600 mg), sob o fundamento de ilegitimidade passiva e de ausência de obrigatoriedade do Estado de prestar tratamento de saúde específico.

- Autor portador de colangiocarcinoma, com renda familiar não compatível com o custo do tratamento necessário, este prescrito por médico de Hospital vinculado ao Ministério da Saúde.

- Ausência de prova, pela União Federal, de alto custo de fornecimento de medicamento prescrito.

- Recorrente não afastou o direito do autor indicando outros medicamentos fornecidos pelo SUS com efeito terapêutico idêntico.

- Direito à vida tem maior peso do que a reserva do possível.

- Recurso da União Federal a que se nega provimento.

- Sentença de procedência mantida.

- Honorários advocatícios, pela recorrente, fixados em R$200,00 (duzentos reais).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os MM. Juízes Federais da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos da ementa/voto da Relatora. Votaram com a Relatora os MM. Juízes Federais Eduardo André Brandão de Brito Fernandes e Dr. Silvio Wanderley do Nascimento Lima.

Rio de Janeiro, 06 de maio de 2009.

DANIELLA ROCHA SANTOS FERREIRA DE SOUZA MOTTA
Juíza Federal Relatora




JURID - Administrativo. Arts. 196 e 198, § 1º, da CRFB/1988. SUS. [01/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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