Anúncios


segunda-feira, 27 de julho de 2009

JURID - Ação de indenização. Danos materiais. Acidente de trânsito. [27/07/09] - Jurisprudência


Ação de indenização por danos materiais. Acidente de trânsito. Veículo conduzido por servidor público.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2009.005108-0, de São Miguel do Oeste

Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros

RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - VEÍCULO CONDUZIDO POR SERVIDOR PÚBLICO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CF, ART. 37, § 6º

1 O ente municipal tem o dever de ressarcir os danos a que deu causa ou deveria evitar. A responsabilidade é objetiva (CF, art. 37, § 6º) e dela somente se exonera o ente público se provar que o evento lesivo foi provocado por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

2 Embora se prescinda da análise do elemento subjetivo, a configuração da culpa do servidor público envolvido em acidente automobilístico e a inexistência de qualquer hipótese excludente de responsabilidade, impõem ao Município o dever de indenizar a vítima.

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MATERIAIS - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO EFETIVA

A reparação dos danos materiais está condicionada à efetiva comprovação dos prejuízos noticiados pelo lesado. Logo, havendo prova suficiente dos prejuízos decorrentes do sinistro, a reparação pecuniária é medida imperativa.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.005108-0, da Comarca de São Miguel do Oeste (2ª Vara Cível), em que é apelante o Município de São Miguel do Oeste e apelado Edson Glienke:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Edson Glienke ajuizou ação de indenização por danos materiais decorrentes de acidente automobilístico contra o Município de São Miguel do Oeste. Referiu que conduzia a motocicleta descrita na inicial, de propriedade de Alberto Bertoldo Glienke, quando foi abalroado por veículo oficial, que invadiu a sua pista de direção ao efetuar manobra de conversão à esquerda. Requereu, por isso, indenização no valor de R$ 1.497,00, para o conserto da moto.

Após a regular tramitação do feito, o Meritíssimo Juiz julgou parcialmente procedente o pedido, em sentença cuja parte dispositiva foi lançada nos seguintes termos:

"POSTO ISTO,

"JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na presente Ação de Reparação de Danos para CONDENAR o MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE a pagar a EDSON GLIENKE a importância de R$ 1.436,99 (mil quatrocentos e trinta e seis reais e noventa e nove centavos), a título de danos materiais, acrescida de juros de mora legais, na ordem de 01% (um por cento) ao mês (CC, artigo 406), aplicáveis desde a data do ilícito [04/09/2006 (conforme Súmula 54 do STJ)], e correção monetária, pelos índices do INPC/IBGE, desde a data da propositura da demanda, consoante artigo 1º, §2º, da Lei nº 6.899/81 - 26/10/2006 - fl. 02, verso.

"Sem ônus de sucumbência, porquanto isento o MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE do pagamento de custas, por se tratar de pessoa jurídica de Direito Público Interno, face o contido nas LCs nºs 156/97 e 161/97, e por ser indevida a fixação de honorários advocatícios, em razão de o postulante ser representado no feito por causídicos integrantes do quadro funcional de instituição de ensino de curso superior em Direito, na forma do item 3 das notas gerais da LC nº 156/97.

"Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

"Após o trânsito em julgado, arquivem-se." (fls. 110/116).

Sobreveio recurso de apelação do réu, que afirmou, em síntese, que o sinistro ocorreu por culpa exclusiva do autor, que ingressou em via preferencial sem a devida cautela.

Ofertadas as contrarrazões, ascenderam os autos a este Tribunal de Justiça.

VOTO

1 Pretende o apelante a reforma da sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão de reparação por danos materiais decorrentes de acidente de trânsito envolvendo veículo oficial, deduzida pelo autor.

2 Cumpre esclarecer, inicialmente, que o caso sub judice deve ser analisado sob a ótica da responsabilidade objetiva, que dispensa à vítima a prova da culpa do causador do dano. Este, por sua vez, só se exime da responsabilidade se comprovar que o evento danoso ocorreu por culpa do lesado ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Essa conclusão deflui do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, que preceitua: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Sobre a matéria, esclarece Hely Lopes Meirelles:

"A doutrina civilística ou da culpa civil comum, por sua vez, vem perdendo terreno a cada momento, com predomínio das normas de Direito Público sobre as regras de Direito Privado na regência das relações entre a Administração e os administrados.

"Resta, portanto, a teoria da responsabilidade civil sem culpa como a única compatível com a posição do Poder Público perante os cidadãos.

"Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade.

"A doutrina do Direito Público propôs-se a resolver a questão da responsabilidade civil da Administração por princípios objetivos, expressos na teoria da responsabilidade sem culpa ou fundados numa culpa especial do serviço público quando lesivo de terceiros.

"Nessa tentativa surgiram as teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no tronco comum da responsabilidade objetiva da Administração Pública, mas com variantes nos seus fundamentos e na sua aplicação, sem se falar nas submodalidades em que se repartiram essas três correntes. Vejamos, em síntese, essas teorias objetivas, para verificarmos qual a acolhida pelo Direito Administrativo Atual.

"[...]

"Teoria do risco administrativo - A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração.

"Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes dessa doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946.

"Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente" (Direito administrativo brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 611-612).

E complementa o festejado doutrinador Rui Stoco:

"Não se pode deslembrar que a responsabilidade do Estado se assenta no risco administrativo e independe de prova da culpa, bastando que se demonstre o nexo causal entre o acidente e o dano.

"Aliás, sequer se exige a prova de culpa do servidor causador do dano.

"Em casos que tais o ônus da prova é invertido: ao Estado é que compete provar a existência de uma das causas de exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior" (Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 282).

O mesmo entendimento é sufragado por esta Corte:

"As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis 'pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa' (CF, art. 37, § 6º). E, 'para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização' (Hely Lopes Meirelles; REsp N. 38.666, Min. Garcia Vieira, in RSTJ 58/396)" (AC n. 2000.006852-7, Des. Newton Trisotto).

E, nesse âmbito, oportuna é a lição de Carlos Roberto Gonçalves:

"Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível. (...)

"Há casos em que se prescinde totalmente da prova da culpa. São as hipóteses de responsabilidade independente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano.

"Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiro. E deve ser obrigada repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa" (Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 18).

Por derradeiro, sobre a teoria do risco administrativo, argumenta Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

"No risco administrativo, há duas nuances fundamentais. Sua própria compreensão e a deslocalização do ônus probatório. Nele, basta o A. provar o dano sofrido e seu nexo causal com a atividade estatal prestada. O respeito à esfera jurídica alheia, patrimonial ou moral é que gera a obrigação de indenizar. A responsabilidade nasce de uma presunção: houve falta anônima da administração pública, o que, na doutrina francesa, se chama faute de service. O A. da ação não necessita comprovar qualquer culpa ou dolo, visto ser a responsabilidade objetiva, nem comprovar que existiu a falta anônima. Tanto a culpa quanto a falta do serviço são presumidas. A nosso sentir, trata-se, quanto à primeira, de presunção absoluta, não se admitindo prova em contrário; quanto à segunda, só se admitem específicas excludentes.

"'No entanto, a carga probatória, para se eximir da responsabilidade, passa a ser do Estado, e assim mesmo limitadamente. Não basta comprovar a inocorrência de culpa de seu agente, ou do próprio Estado, ou se pretender provar que não houve, concretamente, falta anônima da administração. Prova neste sentido é irrelevante e desimporta ao julgamento da causa ou à definição do ressarcimento. O que passa a ser ônus do Estado e, em compreensão, útil à isenção da responsabilidade é provar uma das excludentes admitidas: culpa exclusiva da vítima, ou de terceiro que não agente público em atividade, e caso fortuito ou força maior [...]" (Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Aide, 1993. p. 19).

Dessa feita, em se tratando de argüição de responsabilidade do Estado com fulcro no risco administrativo, não se faz necessária, por parte do lesado, a investigação da culpa do agente público. Basta-lhe tão-somente a prova do evento danoso e da relação de causalidade com a atividade administrativa.

Na hipótese, extrai-se do Croqui do Boletim de Ocorrência que às 7h35min do dia 4.09.06 Edson Glienke trafegava pela Rua Itaberaba com a motocicleta de placas MEO 1911, de propriedade de Alberto Bertoldo Glienke, enquanto Valdir Antônio Canalle conduzia o caminhão de placas MBE 2444, de propriedade do Município de São Miguel do Oeste, pela Rua XV de Novembro. Ambos atingiram o cruzamento, ocasião em que o veículo oficial efetuou manobra de conversão à esquerda, para ingressar na Rua Itaberaba, atingindo então a motocicleta, que se encontrava na esquina e pretendia fazer o caminho inverso (fls. 18/24).

Ao que consta dos autos, o caminhão realizou a manobra em curva fechada, invadindo a pista da moto.

Por oportuno, traz-se à colação importante excerto da prova oral:

"[..] Às perguntas formuladas, passou a responder: presenciou o acidente; estava indo trabalhar em torno das 7h25min; trabalha na mesma empresa do autor; o autor passou pela depoente de moto e a depoente, quando chegou na esquina, viu a moto parada e o caminhão 'passando por cima'; viu a cena do autor se jogar quando o caminhão veio; a depoente estava a pé e parou no local; viu o autor levantando e o motorista descendo do caminhão; o senhor do 'caminhão' disse que não precisava chamar a polícia porque era pra chamar 'o meu encarregado, que ele resolve'; a depoente deixou o celular para o autor e foi trabalhar; depois disso não voltou mais para o local; o condutor do veículo réu não queria que chamassem a polícia. Pela parte autora: olhando o croqui de fl. 18 afirma que a moto não estava no meio da pista; a dinâmica do acidente ocorreu na forma retratada no documento de fl. 18; o caminhão ao invés de ir para a pista para entrar à esquerda ele fechou e veio em cima do autor, como se estivesse invadindo a pista onde trafegava o autor; o autor estaria como se fosse em cima da faixa de pedestre; não estava dentro da outra pista; não havia faixa de pedestre no local. Pela parte demandada: olhando o croqui de fl. 18 afirma que estava vindo na Rua Itaberaba em direção à esquina com a XV de Novembro." (fl. 95).

"[...] Às perguntas formuladas, passou a responder: não presenciou o acidente; chegou no local uns 4 minutos depois; quando chegou a moto estava perto da faixa de pedestre e a moto estava debaixo do caminhão; ouviu o condutor do caminhão dizer que ia pagar o conserto; havia outras pessoas no local, dentre elas a outra testemunha, Rosângela. Pela parte autora: ficou no local depois e quando chegou Vilson da garagem este disse que se o condutor assumisse os danos causados na moto a Prefeitura iria cobrar dele; por esse motivo o condutor mudou de opinião e disse então que queria fazer outro acerto. Pela parte demandada: nada." (fl. 97)

Percebe-se, pois, que restou evidenciada nos autos a culpa do condutor do veículo oficial, Valdir Antônio Canalle. Logo, embora a responsabilização do ente público prescinda da configuração do elemento subjetivo, in casu ele foi devidamente comprovado.

Dessarte, presentes o nexo de causalidade entre a apontada ação do agente público e o resultado danoso, e ausente qualquer hipótese excludente, o reconhecimento da responsabilidade do Município de São Miguel do Oeste pelos danos experimentados por Edson Glienke é medida que se impõe.

3 No que toca aos prejuízos apontados pelo autor, melhor sorte não socorre o réu, pois se extrai da documentação acostada à inicial a comprovação necessária a dar sustentáculo ao pedido indenizatório com relação às despesas com o conserto da motocicleta.

Com efeito, os documentos de fls. 27/33 dão conta dos gastos com os reparos e com o combustível utilizado para abastecer o veículo que lhe serviu de transporte durante o período em que a moto estava na oficina.

4 Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 9 de junho de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros e Desembargador Rui Fortes.

Florianópolis, 10 de junho de 2009.

Luiz Cézar Medeiros
RELATOR

Publicado em 21.07.2009




JURID - Ação de indenização. Danos materiais. Acidente de trânsito. [27/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário