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sexta-feira, 17 de julho de 2009

JURID - Homicídio. Art. 121, § 2º, incs. I e IV, c.c. art. 71 do CP. [17/07/09] - Jurisprudência


Homicídio. Art. 121, § 2º, incs. I e IV, c.c. art. 71 (quatro vezes), do CP.
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Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

VOTO N. 10.256

REVISÃO CRIMINAL N. 993.05.026370-3

(896.232-3/0-00)/ITANHAÉM

1- Vara Judicial - Processo 25/2000,

PETICIONÁRIO: LUIZ HENRIQUE POZETT FILHO

HOMICÍDIO - Artigo 121. parágrafo segundo, incisos I e IV, c.c. artigo 71 (quatro vezes), do Código Penal. Peticionário condenado em definitivo, ao cumprimento da pena de 36 (trinta e seis) de reclusão, em regime integralmente fechado. Insurgência contra as qualificadoras. Afastamento. Mantida a pena imposta. Alteração do julgado, tão-somente, em relação ao regime prisional, do integral para o INICIAL FECHADO, por força da Lei n. 11.464/2008. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA E DEFERIDA PARA ALTERAR O REGIME PRISIONAL, DE INTEGRAL PARA INICIAL FECHADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal nº 993.05.026370-3, da Comarca de Itanhaém, em que é peticionário LUIZ HENRIQUE POZETT FILHO.

ACORDAM, em 4º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, DEFERIRAM A REVISÃO CRIMINAL TÃO SOMENTE PARA ALTERAR O REGIME PRISIONAL, DE INTEGRAL PARA INICIAL FECHADO, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES SYDNEI DE OLIVEIRA JÚNIOR, CLÁUDIO CALDEIRA E FRANCISCO MENIN QUE DEFERIAM O PEDIDO PARCIALMENTE. DECLARA VOTO VENCIDO O DESEMBARGADOR SYDNEI DE OLIVEIRA JÚNIOR.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLÁUDIO CALDEIRA (Presidente sem voto), CHRISTIANO KUNTZ, MARIA TEREZA DO AMARAL, LUÍS CARLOS DE SOUZA LOURENÇO, SYDNEI DE OLIVEIRA JR., LOURI BARBIERO, POÇAS LEITÃO, FERNANDO MIRANDA E FRANCISCO MENIN.

São Paulo, 23 de outubro de 2008.

Eduardo Braga
Relator

Vistos.

Cuida-se de REVISÃO CRIMINAL requerida por LUIZ HENRIQUE POZETT FILHO, qualificado nos autos, com fundamento no artigo 621 do Código de Processo Penal.

Nas razões de fls. 64/69 alega o peticionário, pela ilustre Defensora Pública, Dra. JULIANA GARCIA BELLOQUE, que as qualificadoras devem ser afastadas. Que a denominada "vingança" efetuada pelo peticionário ocorreu instantes ,após o assassinato de seu primo, sem que houvesse tempo para qualquer reflexão.

Qualquer espírito humano minimamente sensível que se coloque na dinâmica dos acontecimentos vai enxergar no íntimo do peticionário uma série de sentimentos que o tomavam, como medo, desespero, revolta, indignação, enfim, todo tipo de alteração emocional, que podem não ter o condão de justificar penalmente sua conduta, mas impedem por completo o reconhecimento da indigitada qualificadora subjetiva. Tem decidido a jurisprudência que a vingança nem sempre configura torpeza. Nos conceitos doutrinários, aproxima-se muito mais o motivo do crime in casu das hipóteses de relevante valor moral ou social do que dos exemplos de torpeza. Seria exata hipótese de homicídio praticado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, se as pessoas atingidas pelos disparos tivessem sido comprovadamente responsáveis pela morte do primo do peticionário. O requisito temporal "logo após" e o domínio da violenta emoção estão, de modo incontornável, presentes. Ocorre que não foram as vítimas aquelas responsáveis pela injusta agressão; mas não sabia disso, ou não tinha plena consciência disso, o peticionário, quando cometeu o crime, porque todos estavam na casa quando do desentendimento inicial que não foi por ele presenciado. Daí a incrível distorção do reconhecimento da circunstância qualificadora em comento. Que, a mesma dinâmica dos fatos também afasta por completo a qualificadora do emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas. Que não houve dolo, pois imaginava o peticionário que aquelas pessoas tinham acabado de ceifar a vida de seu primo, o sangue visto no quintal poderia se transformar no seu próprio sangue, de forma que, na visão dos fatos do peticionário, as vítimas não foram pegas desprevenidas, despreparadas, já que tinha, momentos antes, perpetrado um ataque. Havia razão para a espera de uma reação, mesmo que apenas no imaginário do peticionário, o que basta para afastar o dolo em relação a esta qualificadora. Afirma ainda o peticionário, que é indevida majoração da pena no máximo permitido pelo artigo 71, parágrafo único, do Código Penal. Que o peticionário ostentava menoridade relativa à época dos fatos. Era primário e, diferentemente das vítimas, não possuía mais antecedentes. Cometeu o crime logo em seguida e em razão do assassinato de seu primo. Como explicar ter sido a pena-base aplicada no mínimo legal, tanto na sentença como no acórdão, e a majoração da continuidade.delitiva ter sido aplicada no máximo legal?

A DOUTA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA opinou pelo não conhecimento da presente REVISÃO CRIMINAL, ou quando não, pelo seu indeferimento. - (fls. 71/78).

Encontram-se apensados os autos do Processo n. 25/2000, da Egrégia Primeira Vara Judicial da Comarca de Itanhaém (três volumes).

É O RELATÓRIO.

Conhece-se, data vênia, da presente revisional, nos termos do previsto no artigo 621,I, do CPP.

Conforme lição de Júlio Fabbrini Mirabete, "A intangibilidade da coisa julgada, no processo penal, deve ceder ante os imperativos da Justiça, dando-se prevalência à verdade real e não à verdade formal. Permite-se, portanto, pela revisão criminal, que o condenado possa pedir a qualquer tempo aos tribunais, nos casos expressos em lei, que reexamine o processo já findo, a fim de ser absolvido ou beneficiado de alguma outra forma."- (Código de Processo Penal Interpretado, Oitava Edição, Editora Atlas, São Paulo, pág: 1347).

Em assim sendo, portanto, é de rigor o conhecimento de ação revisional, mesmo que o pedido não esteja expressamente elencado nas hipóteses do artigo 621 e incisos do Código de Processo Penal, na medida em que a revisão é a derradeira oportunidade que tem o sentenciado de ver reparados eventuais erros ou injustiças. Neste sentido: RJDTACRIM 30/482.

Pois bem.

O peticionário foi submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri (Primeira Vara Judicial) da Comarca de Itanhaém, tendo decidido os senhores jurados ter o réu, ora peticionário, Cometido homicídio duplamente qualificado de José Antônio dos Santos, de Ailton Iversen Júnior, de Vera Lúcia Leite e de Ailton Iversen. Em razão disso, foi condenado como incurso no artigo 121, parágrafo segundo, incisos I e IV, c.c. o artigo 69 "caput" (por quatro-vezes), todos do Código Penal, à pena de.48 (quarenta e oito) anos de reclusão, para cumprimento em regime fechado, nos termos da Lei n. 8.072/90 - (fls. 558/559 dos autos em apenso).

Todavia, o v. acórdão de fls. 617/621 dos autos em apenso, proferido em Egrégia Primeira Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, sendo relator o eminente Desembargador DAVID HADDAD, com a participação dos não menos eminentes Desembargadores PÉRICLES PIZA (Presidente) e RAUL MOTTA (Revisor), com votos vencedores, por unanimidade de votos, deu parcial provimento à apelação defensiva para reduzir a pena a 36 (trinta e seis) anos de reclusão, mantida no mais a r. sentença.

Tal aresto transitou em julgado, conforme certidão de fls. 624 dos autos de origem.

Pois bem, a denúncia de fls. 03/06 dos autos em apenso, da conta de que no dia 27 de dezembro de 1999, por volta das 03 horas, na Rua Projetada 6, n. 688, no Jardim Oásis, na cidade e comarca de Itanhaém, ADALBERTO JOSÉ DE ANDRADE, qualificado nos autos, matou Edson Ramalho Júnior, utilizando-se de recurso que tornou impossível a sua defesa, causando-lhe os ferimentos descritos no exame necroscópico encartado nos autos, a fls. 89/90.

Consta dos autos também, que no mesmo dia e local, instantes após, LUIZ HENRIQUE POZETT FILHO, qualificado nos autos, matou José Antônio Santos, Vera Lúcia Leite, Ailton Iversen e Ailton Iversen Júnior, mediante motivo torpe e utilizando-se de recurso que tornou impossível as suas defesas, causando-lhes os ferimentos descritos nos exames necroscópicos juntados a fls. 91/98 dos autos em apenso.

Segundo se apurou, LUIZ HENRIQUE havia negociado uma casa, de sua propriedade, na cidade de Praia Grande, por uma chácara, localizada em Itanhaém, no Jardim Oásis, na Rua Projetada n. 565, da vítima José Antônio Santos, conhecido por "Zelão". Da troca realizada, LUIZ HENRIQUE ainda deu parte em dinheiro. Entretanto, ainda havia "pendências- a serem resolvidas quanto ao negócio. No dia dos fatos, LUIZ HENRIQUE, que morava na Praia Grande, foi à cidade de Itanhaém, juntamente com seu primo Edson Ramalho Júnior. Pouco tempo da chegada, este foi a casa palco do evento, onde se encontrava "Zelão", tendo LUIZ HENRIQUE permanecido conversando com um vigia próximo ao local. Passaram a conversar a respeito da negociação realizada entre os imóveis acima mencionados, demonstrando Edson Júnior a intenção de nada mais pagar pelo negócio. Na casa encontravam-se, além de José Antônio, Vera Lúcia Leite, Aiton Iversen, Ailton Iversen Júnior, Mario Hugo Monti Neto, conhecido por "Índio", e o indiciado ADALBERTO. A certa altura, não chegando a um ponto comum, Edson postou-se na porta da residência impedindo a saída de todos, colocando a mão nas costas. Neste momento, José Antônio, Vera, Aiton e Ailton Júnior foram para os quartos, permanecendo na sala somente Mário e ADALBERTO, que aproveitou um momento de distração de Edson para apoderar-se de um facão, colocando-o nas costas. Assim, partiu em direção à saída da casa, onde estava Edson e, repentinamente, puxou o facão e desferiu diversos golpes em Edson, na cabeça e no tórax, causando sua morte. Após a queda da vítima ao chão, ADALBERTO desferiu outros golpes, para ter certeza de sua morte. Em seguida, arrastou seu corpo para perto de uma árvore e o cobriu, saindo correndo com o facão, coberto por um pano branco, às mãos, juntamente com "Índio", que a tudo presenciou. LUIZ HENRIQUE, e o vigia que estava com ele, viram a fuga de ADALBERTO, que primeiro se dirigiu à casa de "Índio", para depois embrenhar-se no mato. Desta forma, LUIZ HENRIQUE e o vigia Ed Carlos foram em local próximo à casa de "Índio", onde encontraram um pano branco todo ensanguentado, tendo LUIZ HENRIQUE telefonado para Carlos Antonio, chefe da vigilância, a fim de que trouxesse uma lanterna para procurar seu primo. Carlos trouxe um isqueiro, indo os três para a casa onde Edson havia sido morto. Os vigias ficaram na rua enquanto LUIZ HENRIQUE, com o isqueiro, entrou na casa e, no quintal, avistou sangue, concluindo que mataram Edson Júnior. Desta forma sacou uma pistola que portava, entrou na casa e, para vingar a morte de seu primo, repentinamente, sem dar qualquer chance de defesa, desferiu diversos tiros nas vítimas José Antonio Santos, Ailton Iversen Júnior, Vera Lúcia Leite e Ailton Iversen, nesta ordem.

Anota-se que o processo restou desmembrado em relação ao réu ADALBERTO JOSÉ DE ANDRADE, condenado pela morte de Edson Ramalho Júnior à pena de 12 anos de reclusão(fls 468/469 e 488, dos autos em apenso), mantida em Segundo Grau (Apelação nº 392.899-3/8), conforme está registrado no v. acórdão de fls. 617/621 dos autos em apenso.

Quanto à materialidade e autoria do quádruplo homicídio, recaindo esta sobre a pessoa do peticionário, dúvida não há è nem contra isso se insurge a presente Revisão Criminal.

Esta se insurge contra as qualificadoras previstas nos incisos I[motivo torpe - vingança] e IV [mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas], do parágrafo segundo, do artigo 121, do Código Penal.

Não merece guarida tal insurgência.

As teses agora esposadas nas razões da presente Revisão Criminal já foram rechaçadas pelos jurados, quando responderam aos quesitos a eles formulados, ou seja, "3º - O réu agiu sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, acreditando-a responsável pelo assassinato de seu (do réu) primo Edson Ramalho Júnior?" "4º - O crime foi praticado mediante motivo torpe, ou seja, a vingança?" "5º - O réu praticou o crime utilizando-se da surpresa, recurso que impossibilitou a defesa do ofendido?"

Tais quesitos foram efetuados em quatro séries, tendo em conta serem quatro as vítimas.

Portanto, não há como modificar tal decisum, mesmo porque, nada veio para os autos que pudesse contrariá-lo.

Como está dito no v. acórdão, o que se adota, data vênia: "Daí ser impossível admitir-se que os senhores jurados, ao repelirem a tese defensiva, tenham contrariado, de modo manifesto, a prova dos autos; ao contrário, acolhendo a versão acusatória, optaram corretamente, por unanimidade de votos, pela condenação, o que se mostra incensurável, até porque a notícia de desentendimento anterior com uma das vítimas, aliada aos fatos de ter,anteriormente declarado que pretendia matá-la e de trazer consigo uma arma de fogo, demonstraram que, muito embora tenha sofrido algum nervosismo com a morte de Edson, já alimentava .desejo de se vingar dos moradores daquela casa, surpreendidos com a sua ação, afastando o Júri, acertadamente, a figura privilegiada." - (fls. 620 dos autos em apenso) - (destaques nossos).

A considerar, ademais, que segundo a prova dos autos, o peticionário invadiu a casa, de arma de fogo em punho, atirando nas vítimas, valendo dizer que duas delas estavam dormindo. Por nenhum momento parou para saber se tais vítimas eram culpadas pelo assassinato de seu primo Edson. Aliás, nenhuma delas tinha participado do assassinato de Edson. De qualquer maneira, repisando, o peticionário já tinha a intenção de matar uma das vítimas, com a qual tinha tido um desentendimento. Tanto é verdade que foi para o local dos fatos armado com um revólver.

A pena foi corretamente aplicada, valendo dizer que a fundamentação constante do v. acórdão, em relação à continuidade delitiva (quatro vítimas), igualmente, está escorreita. Destarte, não se levou em conta tão-somente o fato de ser o peticionário primário, naquela oportunidade, para o acréscimo de 1/3 (um terço), mas tendo em conta o elevado número de vítimas.

Quanto à sua menor idade relativa, na época dos fatos, tem-se que a pena-base foi aplicada em seu mínimo legal, e, bem por isso, não podia ser reduzido aquém desse mínimo.

Merece reparo a r. sentença, nesta parte mantida pelo v. acórdão, apenas em relação ao regime prisional, o qual deve ser o INICIAL FECHADO, por força, agora, da Lei n. 11.464/2007 (que deu nova redação ao artigo 2º e parágrafos, da Lei n. 8.072/90). E isto porque a progressão de regime prisional, em se tratando de crimes hediondos, não era permitida antes da nova Lei, à toda evidência, bem por isso, mais benéfica.

Em assim sendo, conhece-se e defere-se a presente Revisão Criminal, apenas para alterar o regime prisional, de integral, para INICIAL FECHADO.

EDUARDO BRAGA
Relator

VOTO DIVERGENTE EM PARTE

1. Os presentes autos versam sobre pleito de revisão criminal (fls. 2-3 e 64-69) interposto em face de V. Acórdão (fls. 617-621 do apenso), já alcançado pelo trânsito em julgado e passado pela Egrégia Primeira Câmara Criminal deste Sodalício, que, em sede de apelação defensiva, mesmo reafirmando a justeza dos veredictos do Tribunal do Júri da Comarca de Itanhaém, a acolheu em parte, com o fito de redimensionar-se a sanção penal para 36 (trinta e seis) anos de reclusão, em regime integral fechado, pela prática de 4 (quatro) homicídios consumados e circunstanciados pela motivação torpe (vingança) e pelo recurso impediente da defesa dos ofendidos, reconhecendo-os cometidos em continuidade delitiva específica (cf. artigo 121, parágrafo segundo, incisos I e IV, c. c. o artigo 71, parágrafo único, do Código Penal), bem ao reverso do Juiz Presidente do Conselho de Sentença, que, em seu ato decisório, os teve em concurso material. Mais uma vez insatisfeito com essas diretrizes jurisdicionais, o peticionário agora busca, de um lado, o afastamento das propaladas qualificadoras, sustentando que o reconhecimento delas se fez com manifesta afronta ao caderno processual (cf. artigo 621, inciso I, do CPP); e, de outra banda, a mitigação da reprimenda que lhe fora imposta, entendendo-a por demais exacerbada, pois, para a re-estimação penal, utilizou-se da exasperação máxima, em função da continuidade delitiva (cf. artigo 71, parágrafo único, do CP). Chamada à fala, a Procuradoria Geral de Justiça, a um só tempo, aduz que a revisional não deve sequer ser conhecida, porquanto o aventado instituto processual não se presta à mera reapreciação da prova, como se fora um segundo apelo; e, no mérito, opina por seu indeferimento, garantindo-se, porém, o direito à progressão de regime penitencial (fls. 71-78).

2. Bem ao reverso da sugerida suposição do ilustrado Procurador de Justiça oficiante, e respeitando, como sói acontecer, sua intelecção diversa, nada impede o conhecimento desta ação revisional em seu conteúdo meritório.

Como se sabe, um dos motivos de desfiguração da coisa julgada é o de decisão proferida em contradição à evidência dos autos (cf. artigo 621, inciso I, segunda parte, do Código de Processo Penal). Nessa hipótese legal, fala-se de um quase-recurso, porquanto se está diante de uma causa imprópria de revisão (cf. Queijo, Maria Elisabeth. In Da revisão criminal. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 209), uma "espécie de apelo em terceira instância", tomando de empréstimo a terminologia de Florêncio de Abreu (In Comentários ao código de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1945, Volume 5º, p. 426).

Manifesta-se sempre desse modo, conquanto haja uma generalizada e em grande medida inexplicável ojeriza judicial à expressão segundo apelo, dês que exigível um re-sopesar da moldura probante sobre-existente à revisão, a fim de chegar-se à conclusão a respeito do haver ou não evidente contrariedade entre ela e o que decidido na sentença ou no acórdão profligado nos limites revisionais.

Não há fórmula diversa para se alcançar esse desiderato. Assim, não tem sentido, data máxima venia, o clamor de certos Juizes Revisores para que não se conheça da revisional como se fora uma nova insatisfação recursal assemelhada à apelação.

Convenha-se, quando presente à tese acerca da contradição à evidência dos autos, a revisão criminal sempre tenderá a revestir-se com essa conotação mesmo, queiram ou não inúmeros julgadores ou outros operadores do direito. Afinal de contas, a contradição só será verificável com um novo balanceamento do conjunto de provas, com vistas à indicação de um possível entrechoque com a motivação definidora do juízo de reprovação penal.

O legislador pátrio, ao fazer expressa opção pela revisão dos julgados criminais condenatórios, quando contrários à evidência dos autos, não impediu, mas autorizou, a re-apreciação conjunta e conjugada das provas coletadas no feito criminal. Possibilitou o confronto lógico-formal delas, como o intuito de se desvendar a justeza do julgado, como é da lição de Nilo Batista (In Decisões criminais comentadas. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1976, pp. 120-121).

Aliás, o destacado jurista, em irrespondível argumentação, ressalta ser possível que a decisão, objeto do pedido revisional, tenha se amparado, de certa forma, em alguma prova e assim mesmo vilipendiar a evidência dos autos. Para que tal seja pesquisado, não há diferente solução senão proceder-se a uma nova análise e conjugação dos elementos probatórios constantes do processo no qual fora fixada a condenação.

Reconhece-se, tal e qual fizera José Frederico Marques (In Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro Forense, 1965, p. 348), não ser fácil conceituar o sentido processual da palavra "evidência", como destacado no texto legal sob reflexão. Aquilo que é evidente, porém - queiram ou não muitos -, confunde-se com a certeza. É, em substância, nos lindes da Filosofia, um conhecimento que não comporta nenhuma dúvida quanto à sua verdade ou falsidade. A evidência, para Antônio Bento de Faria, significa "a clareza exclusiva de qualquer dúvida, por forma a demonstrar de modo incontestável a certeza do que emerge dos autos" (In Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Record, 1960, Volume 2º, p. 345).

Assim, a prova judiciária, para dar margem a um juízo seguro de reprovação da conduta endereçada a qualquer acusado, com todas as suas conotações possíveis, há de ser conclusiva e certeira, não bastando um forte grau de probabilismo sobre ter determinada pessoa cometido o crime desta ou daquela maneira. Qualquer outro juízo tirado diferentemente dessa preconizada orientação atine ao campo da probabilidade, exteriorizando incerteza ou dúvida. E, na dúvida, a melhor solução ainda é julgar-se sempre a favor do réu, sob pena de cometerem-se as mais esdrúxulas e deslavadas injustiças.

Em poucas palavras: a evidência dos autos, no horizonte bem delineado por Nilo Batista, "só pode ser alguma coisa que resulte de uma apreciação conjunta e conjugada da prova. Não basta que o decisório se firme em qualquer prova: é mister que a prova que o ampare seja oponível, formal e logicamente, às provas que militem em sentido contrário" (Obra citada, p. 120). Dentro desse horizonte, crê-se recomendável e até necessária à análise de cada um dos pontos trazidos a lume nesta revisão criminal, sob pena de negar-se mesmo a jurisdição.

A se pesquisar o mosaico probante, verifica-se que o requerente foi o único executor das sendas criminosas. De maneira tresloucada, segundo observado por ele quando de sua fala em Plenário de julgamento (fls. 517-520), após ver abatido o primo, que momentos antes havia sido esfaqueado e morto, adentrou a moradia - onde as quatro vítimas residiam e no quintal da qual aconteceu o declinado ato criminoso -, desfechando contra elas vários tiros, levando-as a óbito. No entanto, a partir disso, lançar-se sobre seus ombros o pesado fardo da circunstância atinente à motivação torpe (vingança), como de resto reconheceram os Senhores Jurados (fls. 557), foi ir longe demais.

Quem, como o então acusado, imediatamente após a causada morte de ente querido, assim agiu, decerto, estava imbuído de impensada atitude reflexiva, ou sob o domínio de "algum nervosismo", como foi o endereçamento proposto pelo V. Acórdão em debate (fls. 620 do apenso - primeiro parágrafo, in fine). Mas, dizer-se que isso ou aquilo se caracterizou como algo abjeto (do latim: abjacio, ou mais que baixo ou mais que vil), semelhante à vingança, por exemplo, não encontra, vênia seja concedida, parâmetro legal. Não se pode confundir o exercício de um ato criminoso, praticado em função de um imposto descontrole emocional ao agente, que por vezes até o privilegia (cf. artigo 121, parágrafo primeiro, do CP), com motivo desonesto, nojento, asqueroso ou enodoado, como parece ser próprio à torpeza.

Nem se argumente, para deixar-se ao largo a destacada conclusão, que, anteriormente aos homicídios, o peticionário já nutria discórdias com as vítimas, a ponto de ter-lhes inclusive prometido à morte, como noticiado por certa testemunha (fls. 549-550 do apenso), pois tal desavença não se apresentou como o móvel imediato dos delitos. Veja-se que, segundo a mesma testemunha (fls. 544 do apenso), tão logo se comprovou a morte do primo do outrora acusado, "ele ficou desnorteado"; em seguida, abriu a porta da casa na qual estavam as vítimas, acendeu a luz e passou a atirar contra todos.

Claro que, por esse relato, a motivação que o impeliu aos crimes sequenciais nada teve a haver com a decantada prévia animosidade. O processo criminal-decisório nele foi inculcado a partir da morte de seu primo, sem qualquer liame àquela pré-existente aversão, decorrente do provável furto de sua casa por uma das vítimas, também como explanado pela mesma testemunha, não se sustentando, destarte, a premeditada vindita. Nada importa, é de ver-se, se os ofendidos não tenham sido os reais patrocinadores da morte do familiar do aqui requerente; e, sim, pessoa diversa, que momentos antes havia saído da casa, posto que, disso, o agente não era, ao tempo da infeliz ação, sabedor.

Superada essa inicial questão, tem-se que a outra circunstância criminal em pauta foi bem recepcionada pelos julgadores de fato. É que, as vítimas, indistintamente, foram colhidas de surpresa, sem esperarem a inconsequente reação do outrora incriminado, remanescendo impossibilitadas à defesa própria, até porque, além do nada a haver com a morte do primo do então acusado, duas delas receberam os disparos enquanto dormiam (fls. 214-218 do apenso).

Mesmo afastada, como se propõe, a motivação torpe, não se há de falar, no caso em debate, em alteração da penalidade básica, posto que, preservada a qualificadora da surpresa, conforme aduzido, tal dimensionamento repressivo há de permanecer a rés do mínimo legal (fls. 620 do apenso - ou doze anos de reclusão), sem espaço, portanto, para sua modificação, seja para - mais ou para menos.

Por derivação do reconhecido crime continuado específico (cf. artigo 71, parágrafo único, do CP), pensa-se que se deve fazer um reajustamento no julgado sob revista. É que, nele, sem melhores explicações, optou-se de maneira simplista por triplicar a pena-base, atingindo-se desde logo o limite máximo de acréscimo (fls. 620 do apenso), levando-se em conta só o número de vítimas (quatro), com manifesto esquecimento dos princípios da individualização penal e da proporcionalidade.

É certo que não se têm especiais regras para se calcular, com absoluta exatidão, o acréscimo da pena, tratando-se do chamado crime continuado qualificado. Mas, a partir dos indicativos legais constantes do parágrafo único do artigo 71 do Código Penal podem ser vislumbrados certos parâmetros que, se bem associados aos demais regramentos componentes dos sistemas sobre o concurso de crimes, chega-se a um razoável enfoque da matéria, permitindo-se uma justa fixação da reprimenda penal.

Ao observar os requisitos enumerados na lei (cf. artigo 71, parágrafo único, do CP), o Magistrado deve sopesar, de início, "a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias" do crime, a par de ter em conta - talvez seja até obviedade dizer -, o número de infrações cometidas. Além disso, a exacerbação da pena a ser por ele empreendida não será ilimitada. O aumento máximo permitido cinge-se ao triplo da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, não podendo, entretanto, ultrapassar os lindes previstos para o concurso material, por imposta observância da regra do artigo 70, parágrafo único, do Código Penal, nem ficar aquém da pena que haveria de ser consignada se o concurso de crimes fosse formal, isso por um norte demarcado pela jurisprudência pátria (Recurso Especial nº 33.012, STJ, 5ª Turma).

Dentro desse diapasão, quando todos os fatores e circunstâncias são absolutamente favoráveis ao autor dos fatos delituosos, deve prevalecer, para a estimação do acréscimo de sua reprimenda penal, tão-só a quantidade de crimes, cujo aumento haverá de encontrar perfeita correlação quântica entre a exacerbação máxima possível (triplo) e aquele endereçamento pontificado para o crime continuado simples ou não qualificado (majoração de um sexto até a dois terços, dependendo do número de infrações - cf. artigo 71, caput, do CP, e por diretriz jurisprudencial deveras aceita), sem transbordar-se a limitação penal que seria factível para o cúmulo material.

Disso tudo resulta que, para dois crimes, o acréscimo penal justificável há de ser de metade (ou igual a 1/6 vezes 3); para três crimes, três quintos (ou igual a 1/5 vezes 3); para quatro crimes, três quartos (ou igual 3/4 vezes 3); para cinco crimes, o dobro (ou igual a 1/3 vezes 3); para seis crimes, três meios (ou igual a 1/2 vezes 3); e, para qualquer outro número de crimes, o triplo, diante da determinação legal máxima.

Essas parecem ser as equações perfeitas para bem se distinguir a continuidade delitiva específica das demais formas de concurso de crimes (material, formal ou continuidade não qualificada), pois nelas se tem presente o elevado valor dos bens jurídicos personalíssimos atingidos (relembre-se: quase sempre a vida humana), amoldando-o à razão da triplicidade norteada pelo próprio legislador, e mantém o equilíbrio dentro dos sistemas acerca do concurso de delitos. É, enfim, pensa-se, a fórmula que melhor atende a individualização da pena e mais justamente faz pautar o princípio constitucional da proporcionalidade, em exigida subserviência à quantidade de crimes praticados em interligação continuada.

Como, na presente causa, o requerente cometeu quatro homicídios em continuação delitiva, sua reprimenda penal definitiva deve ser equivalente a 21 (vinte e um) anos de reclusão, no regime inicial fechado (ora alterado em conformação com o artigo 1º da Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007), cuja quantificação é abstraída da elevação da penalidade básica, isto é, doze anos de reclusão, em 3/4 (três quartos), fração mais apropriada ao número de crimes por ele praticados.

Veja-se que, tal endereçamento jurisdicional, ao contrário da decisão aqui hostilizada, que de logo triplicou a pena-base, sem uma plausível e melhor explicação motivadora, faz expressa distinção quando ocorrentes dois, três, quatro, cinco, seis e sete ou mais crimes, em harmonia com a mínima razoabilidade do Direito Penal, e se não presentes outras específicas circunstâncias atreladas às apenadas práticas criminosas.

3. Com essas considerações, ousando divergir das proposições dos doutos Desembargadores Relator e Revisor, pelo meu voto defere-se a revisão criminal para afastar a qualificadora da motivação torpe e redimensionar a sanção penal, pelos 4 (quatro) homicídios continuados (cf. artigo 121, parágrafo segundo, inciso IV, c. c. o artigo 71, parágrafo único, do Código Penal), em 21 (vinte e um) anos de reclusão; no regime inicial fechado.

SYDNEI DE OLIVEIRA JR
RELATOR




JURID - Homicídio. Art. 121, § 2º, incs. I e IV, c.c. art. 71 do CP. [17/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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