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terça-feira, 18 de agosto de 2009

JURID - Inquérito policial. Trancamento. Necessidade. [18/08/09] - Jurisprudência


Inquérito policial. Trancamento. Necessidade. Pretendida apuração de eventual crime de falsidade ideológica.


Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

INQUÉRITO POLICIAL - Trancamento - Necessidade - Pretendida apuração de eventual crime de falsidade ideológica - Declaração de pobreza e requerimento do benefício da justiça gratuita quando do ingresso dos embargos do devedor - Juntada de declaração de imposto de renda - Veracidade das informações que decorre de presunção legal - Inexistência de prova em contrário - Trancamento determinado - Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 990.08.073537-3, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante ANA LÚCIA LIMA FERREIRA, FABRÍCIO SCALIONI DE SOUSA e JOÃO SOARES DOS SANTOS NETO.

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONCEDERAM A ORDEM. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SOUZA NERY (Presidente) e RENÉ NUNES.

São Paulo, 12 de novembro de 2008.

UBIRATAN DE ARRUDA - RELATOR

HABEAS CORPUS Nº 99008073537/3 - SÃO PAULO

Ação Penal nº 008.08.001361-6 - 1ª Vara Criminal

IMPETRANTE: LÚCIA DE LIMA FERREIRA

PACIENTES: FABRÍCIO SCALIONI DE SOUSA e JOÃO SOARES DOS SANTOS NETO

VOTO Nº 15157

A advogada LÚCIA DE LIMA FERREIRA impetrou a presente ordem de habeas corpus, com pedido liminar, em favor de FABRICIO SCALIONI DE SOUSA e JOÃO SOARES DOS SANTOS NETO, sob o fundamento de que sofrem eles constrangimento ilegal em decorrência de atos dos MM. Juizes de Direito do Juizado Especial Cível do Foro Regional do Tatuapé, da 1ª Vara Criminal do mesmo Foro, do Promotor de Justiça ali oficiante, assim como do Doutor Delegado de Polícia do 52º Distrito Policial, ao que se depreende, em razão da instauração de inquérito policial que tramita perante o 52º Distrito Policial, onde recebeu o nº 288/08, visando a apuração de eventual crime de falsidade ideológica.

Tira-se da inicial que os pacientes, condenados à revelia em ação de cobrança ajuizada por Aparecida Souza Oliveira, ao tomarem conhecimento da ação, depois de penhora on line que resultou em bloqueio de contas bancárias, ingressaram com embargos do devedor, oportunidade em que firmaram declaração de pobreza e requereram o benefício da justiça gratuita, juntando declaração de imposto de renda, pessoa física. Apesar de não serem possuidores de bens imóveis, com renda mensal comprometida com o sustento da família, o MM. Juiz de Direito do Juizado Especial Cível, determinou a extração de cópias do processo e o envio ao Ministério Público, para apuração de eventual crime de falsidade ideológica. As tais cópias, depois de distribuídas à Primeira Vara Criminal, receberam o nº. 008.08.001361-6. Ordenada "vista" ao D. Promotor de Justiça ali oficiante, este requereu o envio do procedimento (peças extraídas dos citados embargos tirados pelos pacientes) à Delegacia de Polícia, onde foi instaurado o inquérito policial nº 228/08, visando a apuração do sobredito crime de falsidade ideológica. Alega a impetração que não há justa causa para tanto, que inexiste crime, bem como que em nenhum momento agiram os pacientes com dolo ou má-fé. Postulam, nesta via, concessão liminar para que o paciente Fabrício não tenha que depor perante o 52º Distrito Policial, que seja sobrestado o andamento do inquérito policial e trancada por atipicidade a referida ação penal.

Prestadas as informações pela D. Autoridade impetrada, a liminar foi concedida, por despacho desta relatoria, para "sobrestar o andamento do inquérito policial, até julgamento do mérito". A D. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

As informações prestadas pela D. Autoridade impetrada e demais elementos dos autos, dão conta que Aparecida Souza Oliveira moveu contra os pacientes, no Juizado Especial Cível do Foro Regional Tatuapé, uma ação de condenação em dinheiro, visando o recebimento da importância de R$ 2.566,00 (dois mil, quinhentos e sessenta e seis reais). Citados via postal e não tendo comparecido à audiência designada, a demanda foi Julgada procedente, fls. 27.

Em fase de execução do julgado, procedida a penhora mediante o bloqueio de contas correntes bancárias, fls.51/52, tomando conhecimento da ação, os pacientes ingressaram com embargos do devedor, efetuaram o depósito da importância de R$3.067,49 (três mil e sessenta e sete reais e quarenta e nove centavos), e pediram o desbloqueio das contas bancárias, arguindo, além disso, outras matérias de defesa, assim como postularam o benefício da gratuidade, apoiados nas declarações firmadas de próprio punhos, trazidas por cópias, fls. 20 e 21.

Em decorrência dessas declarações, o MM. Juiz, depois de ordenar a juntada de cópias de declarações enviadas à Receita Federal, proferiu o seguinte despacho: Extraiam-se cópias dos autos para remessa ao Ministério Público, à vista das declarações de pobreza de fls. 11 e 12, caracterizadoras do delito de falsidade ideológica", fls.25. Ao receber as ditas cópias, o D. representante do Ministério Público as encaminhou, por ofício, ao MM. Juiz Corregedor Permanente do Cartório Distribuidor, para distribuição a uma das Varas Criminais. Operada a distribuição, o D. Promotor de Justiça em exercício perante a Vara Criminal sorteada na distribuição, requereu "a remessa dos autos (na verdade as peças extraídas da ação cível) à Autoridade policial, encarecendo a instauração de inquérito policial", fls. 28.

Tenho que a simples declaração de pobreza, até prova em contrário, é suficiente para que a parte obtenha o benefício da gratuidade. O fato de ter a parte constituído Advogado, por outro lado, não lhe retira o direito ao benefício, pois não se pode confundir pobreza com miserabilidade. O benefício é concedido a quem não tem condições de arcar com as custas e despesas do processo, sem prejuízo de seu sustento e daqueles que dependem de sua renda para sobreviver.

Embora não se lhes exigia prova alguma, os pacientes trouxeram cópias de suas declarações à Secretaria da Receita Federal, onde se constata que Fabrício Scalioni de Souza, casado, bancário, tem uma renda mensal em torno de R$3.873,48 (três mil, oitocentos e setenta e três reais e quarenta e oito centavos), fls.51, e João Soares dos Santos Neto, separado, comerciante, tem um renda anual de R$13.313,00 (treze mil, trezentos e treze reais).

É entendimento do Col. Superior Tribunal Federal: Para que a parte possa gozar do benefício da assistência judiciária gratuita, prevista na Lei 1.060/50, basta que declare que não tem condições de arcar com as custas e despesas do processo sem prejuízo de seu próprio sustento e de sua família. De fato, a lei não exige comprovação da miserabilidade do pleiteante, contentando-se com a sua firmação, pois o escopo da legislação é facilitar o acesso de qualquer pessoa à Justiça - (Rec.Esp. 472413-SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.20/3/2003, DJU. 19.05.2003).

Nesse Julgado, o E. Ministro Relator faz referência a precedentes nos quais a Col. Corte expressou o entendimento no sentido de que "não se tem aceito que a contratação de advogado e contador ou o exercício de atividade remunerada sejam indícios contrários à pretensão".

Não há impedimento, contudo, de ser indeferida o requerimento da parte, se o juiz tiver fundadas razões para isso - (Rec.Esp. nº 151943-GO, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU.29.06.1998).

Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal: Rec.Ext. 207.382-2/RS. 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU. 19.09.97; Rec.Ext. 206.958-2/RS., Rel. Min. Moreira Alves, DJU. 26.07.98; Rec.Ext. 205.746-1/RS., 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 26-11-96; Rec.Ext. 206.531-5/RS. Rel. Min. Francisco Rezek, DJU. 07/02/97.

Segundo os elementos dos autos, o MM. Juiz da Vara Cível, nos autos dos Embargos de Devedor, determinou "aos embargantes a anexação, em cinco dias, da cópia da declaração de bens e rendimentos entregue em 2007 (ano base 2006)". Idêntica determinação fez em relação à embargada, "posto que todos os contendores se declaram pobres, ainda que comerciantes e representados por causídicos particulares", fls. 34, para na sequência, data vênia, sem expor as fundadas razões para o indeferimento, de quebra, ordenou a extração de cópias e remessa ao Ministério Público, por entender, sem a mínima fundamentação, ideologicamente falsas as declarações de pobreza firmadas pelos pacientes.

Sequer houve apuração em autos apartado, como determina a lei. Aliás, o artigo 5º, da supracitada lei, exige que o Juiz "se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julga-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de 72 (setenta e duas) horas".

A justa causa para o trancamento do inquérito policial, respeitados entendimento em contrário, é manifesta.

As declarações firmadas pelos pacientes, no sentido de que são pobres, sem condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo da própria subsistência e da família, são verdadeiras, até prova em contrário, pois, essa veracidade decorre de presunção legal. O artigo 4º, da citada lei, estatui: "A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação ...". E, acrescenta o parágrafo primeiro: Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição, nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais".

A exigida prova em contrário, para superar a presunção legal, inexiste, nem fez a ela qualquer referência a r. decisão judicial que determinou a instauração de inquérito policial para apuração do crime de falsidade ideológica.

Não vejo, respeitados entendimentos em contrário, a mínima possibilidade de ser considerada típica a conduta de quem firma declaração de pobreza, na própria petição da ação ou em documento separado, para os fins da Lei 1.061/50, até porque, a própria lei já estabelece uma sanção extrapenal para quem firmar declaração inverídica. Aliás, aqui vale destacar Julgado desta Col. Corte, de que foi Relatora a E. Desembargadora Rachid Vaz de Almeida, que instrui a impetração: "Provada ser inverídica a situação afirmada pelo peticionário, a própria lei civil descreve a sanção a ser aplicada, qual seja, o pagamento até o décuplo das custas judiciais" (HC. 972.766.3/0, 10ª.Câmara Criminal, j.13.12.2006). Nesse mesmo julgado, a E. Desembargadora Relatora traz expressivo julgado, também desta Corte: "Falsidade ideológica - Declaração de pobreza firmada pelo réu para beneficiar-se da Justiça Gratuita - Inocuidade do documento - Alvo de posterior comprovação e sanção extrapenal se inverídico o afirmado - inteligência do artigo 299, do Código Penal. A declaração de pobreza para fins judiciais e firmada pelo interessado ou procurador, goza tão-só de presunção relativa, motivo de não se prestar como documento na tipificação do ilícito de falsidade ideológica, ademais de se prever em lei sanção extrapenal caso se comprove inverídico o afirmado (Apelação Criminal 163.543-3 - 3ª Câmara Criminal, Rel. Desembargador Gonçalves Nogueira).

Do exposto, por meu voto, concedo a ordem para ordenar o trancamento do inquérito policial nº228/08, que tramita pelo 52º Distrito Policial, em que constam como indiciados os pacientes Fabrício Scalioni de Souza e João Soares dos Santos Neto, qualificados nos autos, acusados da pratica do delito de falsidade ideológica.

Ubiratan de Arruda - Relator




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