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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Informativo STF 614 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 1º a 4 de fevereiro de 2011 - Nº 614.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
ADPF e vinculação ao salário mínimo - 4
ADPF e vinculação ao salário mínimo - 5
ADPF e vinculação ao salário mínimo - 6
ADPF e vinculação ao salário mínimo - 7
Direito à nomeação: existência de cargos vagos e omissão - 5
Direito à nomeação: existência de cargos vagos e omissão - 6
Ausência de procuração e vista dos autos
Atividade gráfica: fabricação de embalagens e tributação - 1
Atividade gráfica: fabricação de embalagens e tributação - 2
Atividade gráfica: fabricação de embalagens e tributação - 3
Norma de trânsito e competência legislativa
Juízes substitutos e inamovibilidade - 1
Juízes substitutos e inamovibilidade - 2
Repercussão Geral
CSLL: EC 10/96 e anterioridade nonagesimal - 1
CSLL: EC 10/96 e anterioridade nonagesimal - 2
1ª Turma
Exame criminológico e tratamento de usuário de drogas
Agravo em matéria penal e deficiência do traslado
Repercussão geral e sobrestamento
2ª Turma
IPI e “leasing” internacional - 1
IPI e “leasing” internacional - 2
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão - 4
Clipping do DJ
Transcrições
Direito de Resposta - Autonomia Constitucional - Natureza Jurídica (AC 2695-MC/RS)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO


ADPF e vinculação ao salário mínimo - 4

Em conclusão, o Plenário, por maioria, deferiu pedido de medida cautelar formulado em argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços – CNS contra o art. 16 da Lei 7.394/85, que estabelece que o salário mínimo dos profissionais (técnicos em radiologia) que executam as técnicas definidas em seu art. 1º será equivalente a 2 salários mínimos profissionais da região, incidindo sobre esses vencimentos 40% de risco de vida e insalubridade — v. Informativo 611. Ao se reportar à orientação fixada no julgamento do RE 565714/SP (DJe de 7.11.2008), reputou-se, em princípio, que o art. 16 da Lei 7.394/85 seria incompatível com art. 7º, IV, da CF, mas, a fim de evitar uma anomia, resolveu-se continuar aplicando os critérios estabelecidos pela lei em questão, até que sobrevenha norma que fixe nova base de cálculo, seja lei federal, editada pelo Congresso Nacional, sejam convenções ou acordos coletivos de trabalho, ou, ainda, lei estadual, editada conforme delegação prevista na Lei Complementar 103/2000. Determinou-se, ainda, o congelamento da base de cálculo em questão, para que seja calculada de acordo com o valor de 2 salários mínimos vigente na data do trânsito em julgado desta decisão, de modo a desindexar o salário mínimo, valor este que deverá ser corrigido com base nos índices de reajustes de salários.
ADPF 151 MC/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.2.2011. (ADPF-151) Audio

ADPF e vinculação ao salário mínimo - 5

Prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes que, inicialmente, relembrou precedente do Tribunal no qual apresentada distinção entre salário mínimo regional e piso salarial. Segundo o aresto, o salário mínimo, nos termos do art. 7º, IV, da CF, haveria de ter valor único, já que as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família não variariam de acordo com a região do país, não sendo possível, assim, que cada Estado-membro o fixasse por lei própria. Por outro lado, em relação ao piso salarial, o inciso V desse mesmo dispositivo constitucional, ao se referir à respectiva extensão e complexidade, agasalharia a consideração do próprio trabalho desenvolvido. Asseverou que a União, partindo dessa premissa, teria editado a Lei Complementar 103/2000, que autorizou os Estados e o Distrito Federal a instituir, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, piso salarial para os empregados que não o tivessem definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho. Verificou, entretanto, que os técnicos em radiologia já possuíam piso salarial definido pelo preceito impugnado, razão por que a edição da citada Lei Complementar não causaria impacto no piso salarial dessa categoria.
ADPF 151 MC/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.2.2011. (ADPF-151)Audio

ADPF e vinculação ao salário mínimo - 6

O Min. Gilmar Mendes registrou que a disciplina do piso salarial fixado pela Lei 7.394/85 teria sido posteriormente alterada pelo art. 2º, § 1º, do Decreto-lei 2.351/87, que substituiu a vinculação ao salário mínimo regional pela vinculação ao salário mínimo de referência, e pelo art. 5º da Lei 7.789/89, por meio da qual teriam deixado de existir o salário mínimo de referência e o piso nacional de salários, passando a vigorar apenas o salário mínimo. Afirmou que, a partir daí, o piso salarial dos radiologistas previsto na Lei 7.394/85 teria passado a ser interpretado como de 2 salários mínimos. Destacou, a seguir, que a Súmula Vinculante 4, por si só, não seria capaz de resolver a controvérsia, haja vista que, não obstante a vedação do uso do salário mínimo como indexador, a discussão que dera origem ao verbete não se referiria ao piso salarial, mas à base de cálculo do adicional de insalubridade, o qual, conforme disposto no art. 192 da CLT e nas Súmulas 17 e 228 do TST, era o salário mínimo. Aduziu que isso seria relevante, visto que uma interpretação sistemática do art. 7º, IV e V, da CF poderia levar à conclusão de que este último inciso, ao viabilizar a fixação de piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho, seria uma exceção constitucional à norma que proíbe a vinculação ao salário mínimo para qualquer fim. Citou, no entanto, a existência de diversos precedentes do STF no sentido da impossibilidade de fixação de piso salarial com base em múltiplos do salário mínimo.
ADPF 151 MC/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.2.2011. (ADPF-151)Audio

ADPF e vinculação ao salário mínimo - 7

No que se tange ao adicional de insalubridade de 40%, constante da parte final do art. 16 da Lei 7.394/85, citou a Súmula Vinculante 4, já mencionada, editada diante da consolidada jurisprudência da Corte segundo a qual o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado. Por fim, entendeu aplicável, à espécie, a solução dada no aludido julgamento do RE 565714/SP (DJe de 7.11.2008), no qual se julgara não recepcionado dispositivo legal por violação ao 7º, IV, da CF, mas se reconhecera não ser da competência do Poder Judiciário o estabelecimento de nova base de cálculo, sob pena de atuar como legislador positivo. Vencidos o Min. Marco Aurélio, que deferia a cautelar em maior extensão, e os Ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ellen Gracie que a indeferiam. Alguns precedentes citados: ADI 2358 MC/RJ (DJU de 27.2.2004); RE 170203/GO (DJU de 15.4.94); AI 357477 AgR/PR (DJU de 14.10.2005); AI 277835 AgR/PR (DJe de 26.2.2010).
ADPF 151 MC/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.2.2011. (ADPF-151)Audio

Direito à nomeação: existência de cargos vagos e omissão - 5

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, concedeu mandado de segurança impetrado contra ato omissivo do Procurador-Geral da República e da Procuradora-Geral da Justiça Militar, consistente na negativa de nomeação da impetrante, aprovada em concurso público para o cargo de Promotor da Justiça Militar, não obstante a existência de 2 cargos vagos — v. Informativos 437 e 440. Prevaleceu o voto proferido pela Min. Cármen Lúcia que reputou haver direito líquido e certo da impetrante de ser nomeada, asseverando existir, à época da impetração, cargo vago nos quadros do órgão e necessidade de seu provimento, o que não ocorrera em razão de ilegalidade e abuso de poder por parte da segunda autoridade tida por coatora. Inicialmente, aduziu estar em vigor o art. 3º da Lei 8.975/95 — que prevê a existência de 42 cargos de promotor da Justiça Militar —, já que este não poderia ter sido vetado, implicitamente, em decorrência do veto ao art. 2º do projeto dessa lei, por não haver veto implícito ou tácito no direito constitucional brasileiro. Além disso, ainda que vetado o art. 3º, teriam sido excluídos os 42 e não 2 cargos de promotor previstos na norma, uma vez que o veto não poderia incidir sobre palavras ou expressões (CF, art. 66, § 2º).
MS 24660/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 3.2.2011. (MS-24660) Audio

Direito à nomeação: existência de cargos vagos e omissão - 6

A Min. Cármen Lúcia assinalou que, nos termos do parecer do relator designado pela Mesa em substituição à Comissão de Finanças e Tributação, o Projeto de Lei 4.381/94, convertido na Lei 8.975/95, estaria de acordo com a LDO e com o orçamento e que o art. 2º trataria da lotação, enquanto que o art. 3º, da criação dos cargos na carreira, ou seja, neste estaria estabelecido o número de cargos existentes. Considerou, ainda, que o pronunciamento da segunda autoridade coatora, perante o Conselho Superior do Ministério Público Militar — no sentido de que seria realizado novo concurso para provimento da vaga existente e que preferia não nomear a impetrante porque ela se classificara em último lugar no certame — teria motivado, expressamente, a preterição da candidata. Ademais, reputou demonstrado, nos autos, como prova cabal da existência de vaga, que a promoção de promotores para cargos mais elevados da carreira não fora providenciada exatamente para evitar a nomeação da impetrante. Entendeu que essa autoridade teria incorrido em ilegalidade, haja vista a ofensa ao princípio da impessoalidade, eis que não se dera a nomeação por questões pessoais, bem como agido com abuso de poder, porquanto deixara de cumprir, pelo personalismo e não por necessidade ou conveniência do serviço público, a atribuição que lhe fora conferida. Por fim, o Colegiado destacou que a eficácia da presente decisão abrangeria não apenas os efeitos pecuniários, mas todos os decorrentes da nomeação. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio que denegavam o writ.
MS 24660/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 3.2.2011. (MS-24660) Audio

Ausência de procuração e vista dos autos

O art. 7º, XIII, da Lei 8.906/94 (Estatuto dos Advogados) assegura ao advogado o direito de examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos. Nesse sentido, o Plenário, tendo em conta não se tratar de processo sigiloso, concedeu mandado de segurança impetrado contra decisão do Tribunal de Contas da União - TCU, que indeferira requerimento de vista e cópia integral de processo a advogado, em razão da inexistência de procuração a ele outorgada. Precedente citado: MS 23527 MC/DF (DJU de 4.2.2002).
MS 26772/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.2.2011. (MS-26772) Audio

Atividade gráfica: fabricação de embalagens e tributação - 1

O Plenário iniciou julgamento de medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade propostas, respectivamente, pela Associação Brasileira de Embalagem – ABRE e pela Confederação Nacional da Indústria – CNI contra o art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003, bem como do subitem 13.05 da lista de serviços a ela anexa. Os preceitos impugnados prevêem a tributação pelo ISS da atividade de composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia, fotolitografia. Preliminarmente, admitiu-se o Estado de São Paulo como amicus curiae, permitindo-lhe a realização de sustentação oral. Salientou-se que se estaria em sede de medida cautelar e que o processo passaria por nova instrução para o exame de fundo da controvérsia.
ADI 4389 MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2011. (ADI-4389) Audio
ADI 4413 MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2011. (ADI-4413)

Atividade gráfica: fabricação de embalagens e tributação - 2

No mérito, o Min. Joaquim Barbosa, relator, concedeu as medidas liminares pleiteadas e deu interpretação conforme à Constituição ao art. 1º, caput e § 2º, da LC 116/2003 e ao subitem 13.05 da lista de serviços anexa para reconhecer que o ISS não incidiria sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens destinadas à integração ou à utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Enfatizou que o STF tem sido constantemente provocado a se manifestar sobre a repartição de competência tributária como salvaguarda imanente da autonomia dos entes federados. Observou que a diferença entre prestação de serviços e operação de circulação de mercadorias seria sutil e que, no caso, nenhuma qualidade intrínseca à produção de embalagens resolveria o impasse relativamente ao aparente conflito entre o ISS e o ICMS nos serviços gráficos. Asseverou que a solução estaria no papel que a atividade questionada teria no ciclo produtivo. Destacou que, consoante se depreenderia dos autos, as embalagens teriam função técnica na industrialização ao permitirem a conservação das propriedades físico-químicas dos produtos, assim como o transporte, manuseio e armazenamento dos produtos. Acrescentou que, por força da legislação, tais embalagens poderiam exibir, ainda, informações relevantes aos consumidores. Em razão disso, entendeu se tratar de típico insumo.
ADI 4389 MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2011. (ADI-4389)Audio
ADI 4413 MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2011. (ADI-4413)

Atividade gráfica: fabricação de embalagens e tributação - 3

Tendo isso em conta, o relator reputou plausível a caracterização desse tipo de atividade como circulação de mercadorias (venda), ainda que as embalagens sejam fabricadas de acordo com especificações do cliente e não como contratação de serviços. Aduziu que, diante da crescente complexidade técnica das atividades econômicas e da legislação regulatória, não seria razoável esperar que todos os tipos de invólucros fossem produzidos de antemão e postos indistintamente à disposição das partes para eventual aquisição. De igual forma, também não seria adequado pretender que as atividades econômicas passassem a ser verticalizadas, de modo a levar os agentes de mercado a absorver todas as etapas do ciclo produtivo. Assim, não haveria como equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial e a produção personalizada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a colocar bens no comércio. Destacou, por fim, que a alíquota média do ICMS (18%) seria superior à alíquota máxima do ISS (5%) e que, se o primeiro imposto incidisse, o valor cobrado poderia ser usado para calibrar o tributo devido na operação subseqüente, nos termos da regra constitucional da não-cumulatividade, compensação esta inviável para o ISS. Concluiu que, presentes os requisitos constitucionais e legais, incidiria o ICMS. Após, pediu vista a Min. Ellen Gracie.
ADI 4389 MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2011. (ADI-4389)Audio
ADI 4413 MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.2.2011. (ADI-4413)

Norma de trânsito e competência legislativa

O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 6.457/93, do Estado da Bahia, que determina a instalação de cinto de segurança em veículos de transporte coletivo de passageiros. Reputou-se, conforme precedentes da Corte, violado o disposto no art. 22, XI, da CF (“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ... XI - trânsito e transporte”). Vencido o Min. Marco Aurélio que, por considerar a particularidade da norma discutida — voltada à segurança do cidadão — entendia ser concorrente, entre Estado-membro e União, a competência legislativa atinente à matéria e julgava improcedente o pleito.
ADI 874/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.2.2011. (ADI-874) Audio

Juízes substitutos e inamovibilidade - 1

O Plenário iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado por juiz substituto contra ato do Conselho Nacional de Justiça - CNJ que julgara improcedente pedido de providências por ele formulado, sob o fundamento de que o instituto da inamovibilidade (CF, art. 95, II) não alcança os juízes substitutos, ainda que assegurados pela vitaliciedade. Na espécie, o magistrado alega que, ao ingressar na magistratura do Estado do Mato Grosso, fora lotado em uma determinada comarca, mas, posteriormente, tivera sua lotação alterada, várias vezes, para comarcas distintas. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, concedeu parcialmente a ordem para anular a decisão do CNJ por entender que a garantia da inamovibilidade se estenderia aos juízes substitutos. Asseverou que a Constituição, ao falar de juízes, faria referência às garantias da magistratura, condicionando apenas a vitaliciedade, no primeiro grau, a dois anos de exercício. Dessa forma, a irredutibilidade de subsídio e a inamovibilidade estariam estabelecidas desde o ingresso do magistrado na carreira, ou seja, aplicar-se-iam imediatamente. Em seguida, tendo em conta o que disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79) quanto à inamovibilidade (“Art. 30 - O Juiz não poderá ser removido ou promovido senão com seu assentimento, manifestado na forma da lei, ressalvado o disposto no art. 45, item I. Art. 31 - Em caso de mudança da sede do Juízo será facultado ao Juiz remover-se para ela ou para Comarca de igual entrância, ou obter a disponibilidade com vencimentos integrais. ... Art. 45 - O Tribunal ou seu órgão especial poderá determinar, por motivo de interesse público, em escrutínio secreto e pelo voto de dois terços de seus membros efetivos: I - a remoção de Juiz de instância inferior;”), reputou que a regra seria o juiz que ostenta o predicamento da inamovibilidade ser removido apenas com seu assentimento, consistindo exceção isso ocorrer quando, por escrutínio secreto, o tribunal ou seu órgão especial assim o determinar por motivo de interesse público.
MS 27958/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 3.2.2011. (MS-27958) Audio

Juízes substitutos e inamovibilidade - 2

O relator acrescentou que a inamovibilidade seria uma garantia da magistratura para que fosse assegurada independência e imparcialidade do próprio Poder Judiciário. Aduziu, por outro lado, ser possível que a substituição fosse exercida por meio de escala sem que se removesse compulsoriamente o magistrado de sua comarca ou vara, de modo que respondesse temporariamente pelo serviço nos casos em que o juiz titular estivesse afastado ou sobrecarregado, nos termos do art. 50, § 1º, do Código de Organização do Estado de Mato Grosso (“Art. 50. Em suas faltas ou impedimentos, os Juízes de Direito serão substituídos, uns pelos outros, segundo escala anual aprovada pelo Conselho da Magistratura. § 1º Cada Juiz terá três substitutos sucessivos.”). Em divergência, o Min. Marco Aurélio denegou a ordem por considerar que a inamovibilidade não guardaria pertinência com o cargo de juiz substituto, haja vista que o juiz seria nomeado substituto para atender às necessidades de substituição. Ressaltou que assentar que o juiz substituto goza da prerrogativa inerente à inamovibilidade descaracterizaria o próprio cargo por ele ocupado e que eventual abuso do poder se resolveria em outro campo, sendo que cada Estado poderia ter a organização judiciária, limitando a movimentação do juiz substituto. Após, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto.
MS 27958/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 3.2.2011. (MS-27958)Audio

REPERCUSSÃO GERAL

CSLL: EC 10/96 e anterioridade nonagesimal - 1

É indevida a cobrança da contribuição social sobre lucro líquido – CSLL, tal como exigida pela EC 10/96, relativamente ao período de 1º.1.96 a 6.6.96, em observância ao princípio da anterioridade nonagesimal. Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário no qual a União sustentava a possibilidade dessa exação já a partir de janeiro de 1996. Rejeitou-se, de início, a tese da recorrente no sentido de que o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no § 6º do art. 195 da CF (“As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’.”), não se aplicaria ao poder constituinte derivado. Enfatizou-se que esse poder não seria ilimitado, submetendo-se ao que fixado no art. 60 da CF. Registrou-se, ademais, que o princípio da anterioridade nonagesimal configuraria uma garantia individual e, como conseqüência, cláusula pétrea, não passível de supressão por emenda constitucional.
RE 587008/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 2.2.2011. (RE-587008) Audio

CSLL: EC 10/96 e anterioridade nonagesimal - 2


Em seguida, assinalou-se que a controvérsia teria origem na Emenda Constitucional de Revisão – ECR 1/94 que, ao instituir o Fundo Social de Emergência para os exercícios de 1994 e 1995, estabelecera como parcela integrante desse fundo o produto da arrecadação que resultara da elevação da alíquota da CSLL para 30% exclusivamente para os contribuintes por ela mencionados (ADCT, art. 72, III), dentre os quais a recorrida, empresa de arrendamento mercantil. Ocorre que, depois de expirado o prazo de vigência da aludida ECR, sobreviera, em 4.3.96, a EC 10/96, a qual, em seu art. 2º, alterara a redação do art. 72, III, do ADCT para estender a cobrança da CSLL “bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997”. Reputou-se que, embora o objetivo da emenda questionada tivesse sido a não interrupção de vigência do referido inciso III, no caso, não houvera mera prorrogação, pois ocorrera solução de continuidade entre o término do prazo de vigência da ECR 1/94 e a promulgação da EC 10/96. Enfatizou-se que a expressão em apreço procedera da demora na tramitação da emenda. Assim, destacou-se que, vencido o prazo de vigência daquela, a contribuinte passara a recolher o tributo à alíquota de 18% (Lei 9.249/95, art. 19). Entendeu-se que a EC 10/96 seria um novo texto, veiculador de norma nova e retroativa a janeiro de 1996, devendo, pois, respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal, haja vista que teria havido majoração da alíquota da CSLL.
RE 587008/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 2.2.2011. (RE-587008)Audio

1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo
3ª parte Vídeo


PRIMEIRA TURMA

Exame criminológico e tratamento de usuário de drogas

A 1ª Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se alegava a possibilidade da progressão de regime prisional a despeito de o tribunal de origem ter negado a referida benesse com base em exame criminológico. O laudo psicológico atestava a necessidade de tratamento do paciente — condenado por tráfico de drogas — que ainda se comportava como usuário. Entendeu-se plenamente justificada a realização do exame criminológico. Contudo, concedeu-se a ordem de ofício para assegurar ao paciente, usuário de droga, que o Estado lhe ofereça tratamento psicológico por profissional habilitado. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ por reputar não ser exigível tal exame em face da supressão do dispositivo que o condicionava para progressão de regime prisional pela norma que alterou a Lei de Execução Penal.
HC 106477/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.2.2011. (HC-106477)

Agravo em matéria penal e deficiência do traslado

A 1ª Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende seja conhecido agravo de instrumento que visa à subida de recurso especial em matéria penal. Discute-se, na situação dos autos, sobre o traslado de peça não legível quanto ao carimbo do protocolo do recurso especial, na Secretaria do Tribunal de Justiça, determinante para a verificação de sua tempestividade. O Min. Marco Aurélio, relator, na sessão de 31.8.2010, concedeu a ordem para que fosse: ou requisitado o agravo de instrumento que baixara à origem; ou determinado juntada de imediato, pela referida Secretaria, de peça em que estivesse legível o mencionado carimbo. De início, ressaltou não haver óbice para efeito de impetração decorrente do trânsito em julgado do aludido aresto. Assentou a necessidade de se distinguir a formação do instrumento considerado o processo civil e o processo criminal. Aduziu, no ponto, que, tendo em conta o civil, a própria parte agravante deveria produzir o traslado de documentos, ao passo que, quanto ao criminal, incumbiria a ela indicar as peças e à Secretaria providenciar o instrumento. Asseverou que, na espécie, a regência se faria pela Lei 8.038/90. Reputou, então, descaber na hipótese, pela deficiência na formação do instrumento, a cominação do processo civil relativa ao não-conhecimento do agravo. Observou, por fim, que a agravante indicara os documentos e não fora responsável pelo traslado de peça imperfeita. Nesta assentada, o Min. Dias Toffoli, em divergência, denegou o writ. Enfatizou que seria obrigação da parte fiscalizar a formação do instrumento. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.
HC 96647/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.2.2011. (HC-96647)

Repercussão geral e sobrestamento

A 1ª Turma, por maioria, acolheu segundos embargos de declaração para sobrestar recurso extraordinário até o julgamento do AI 768491-RG/RS, em que reconhecida a repercussão geral da questão constitucional discutida nos autos. Entendeu-se que, uma vez admitida a repercussão geral e submetida ao Plenário, dever-se-iam sobrestar os processos em que debatida a mesma matéria. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que reputava não preenchidos os requisitos de embargabilidade, bem como desnecessário o sobrestamento, pois o agravo regimental fora julgado antes do reconhecimento da repercussão geral.
RE 511696 AgR-ED-ED/MG, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 1º.2.2011. (RE-511696)


SEGUNDA TURMA


IPI e “leasing” internacional - 1

A 2ª Turma desproveu recurso extraordinário em que discutida a incidência do Imposto de Importação – II e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI sobre operação de importação amparada por arrendamento mercantil financeiro (leasing). A recorrente sustentava: a) insubmissão do arrendamento mercantil, que seria um serviço, ao fato gerador do imposto de importação; b) violação do princípio da isonomia, na medida em que seria proibida a adoção do regime de admissão temporária para as operações amparadas por arrendamento mercantil; c) contrariedade à regra da legalidade, uma vez que a alíquota do imposto de importação teria sido definida por decreto e não por lei em sentido estrito; e d) vilipêndio ao dever fundamental de prestação de serviços de saúde, pois o bem tributado seria equipamento médico.
RE 429306/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.2.2011. (RE-429306)

IPI e “leasing” internacional - 2

Aduziu-se, inicialmente, que a importação de produto mediante contrato de arrendamento mercantil implicaria tanto prestação de serviço (leasing) quanto a própria importação, de maneira que a incidência de tributos diferentes não significaria bitributação. Ademais, entendeu-se não ter sido violado o princípio da isonomia, uma vez que o objetivo da tributação do arrendamento mercantil seria não torná-lo mais atrativo que as operações de compra e venda financiada apenas por vantagens fiscais. Nesse sentido, operações idênticas ou bastante semelhantes deveriam gerar cargas tributárias muito próximas, independentemente da formatação do negócio jurídico. Além disso, reputou-se ausente ofensa à regra da legalidade, pois a Constituição, no § 1º do seu art. 153, permitiria expressamente que as alíquotas do imposto de importação fossem definidas pelo Poder Executivo, observados os limites estabelecidos em lei. Por fim, reconheceu-se não haver transgressão ao dever fundamental de prestação de serviços de saúde, pois, embora o princípio da seletividade impusesse que a carga tributária fosse graduada conforme a essencialidade da operação ou do produto, não haveria imunidade, considerados os princípios da capacidade contributiva, da concorrência, da livre iniciativa e da solidariedade no custeio das atividades estatais.
RE 429306/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.2.2011. (RE-429306)

Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão - 4

A 2ª Turma retomou julgamento de agravo regimental interposto pelo Município de São Paulo contra decisão que o condenara a indenizar os ora agravados pelos danos ocasionados em virtude de explosão (em junho de 1985) de estabelecimento destinado ao comércio de fogos de artifício — v. Informativo 601. Acolheu-se proposta formulada pelo Min. Gilmar Mendes, no sentido de prover o agravo regimental para cassar a decisão agravada e afetar o julgamento do recurso extraordinário ao Pleno, com reconhecimento, desde logo, da repercussão geral da matéria, nos termos dos artigos 543-A e 543-B do CPC. Trata-se, na espécie, de saber se cabível, ou não, o pedido de indenização contra o mencionado Município, em razão de provável responsabilidade objetiva do ente público, ainda na vigência da EC 1/69, em virtude de explosão de estabelecimento destinado ao comércio de fogos de artifício. Na espécie, a municipalidade fora informada da instalação daquele comércio em zona residencial, proibida pela Lei municipal 7.433/70, porém, omitira-se na realização da vistoria prévia disciplinada naquela norma local. Consignou-se que os precedentes desta Corte referir-se-iam à responsabilidade estatal por omissão em situações completamente distintas, que não se amoldariam aos elementos fáticos do presente caso, e, por isso, a matéria deveria ser examinada pelo Plenário.
RE 136861 AgR/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.2.2011. (RE-136861)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno2.2.20113.2.201113
1ª Turma1º.2.2011333
2ª Turma1º.2.2011233




C L I P P I N G  D O  DJ

1º a 4 de fevereiro de 2011

HC N. 93.930-RJ
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Habeas corpus. 2. Poder de investigação do Ministério Público. 3. Suposto crime de tortura praticado por policiais militares. 4. Atividade investigativa supletiva aceita pelo STF. 5. Ordem denegada.

QUEST. ORD. EM AP N. 421-SP
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PENAL. DEPUTADO FEDERAL ARROLADO COMO TESTEMUNHA. NÃO INDICAÇÃO DE DIA, HORA E LOCAL PARA A OITIVA OU NÃO COMPARECIMENTO NA DATA JÁ INDICADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O NÃO ATENDIMENTO AO CHAMADO JUDICIAL. DECURSO DE MAIS DE TRINTA DIAS. PERDA DA PRERROGATIVA PREVISTA NO ART. 221, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Passados mais de trinta dias sem que a autoridade que goza da prerrogativa prevista no caput do art. 221 do Código de Processo Penal tenha indicado dia, hora e local para a sua inquirição ou, simplesmente, não tenha comparecido na data, hora e local por ela mesma indicados, como se dá na hipótese, impõe-se a perda dessa especial prerrogativa, sob pena de admitir-se que a autoridade arrolada como testemunha possa, na prática, frustrar a sua oitiva, indefinidamente e sem justa causa. Questão de ordem resolvida no sentido de declarar a perda da prerrogativa prevista no caput do art. 221 do Código de Processo Penal, em relação ao parlamentar arrolado como testemunha que, sem justa causa, não atendeu ao chamado da justiça, por mais de trinta dias.

ADI N. 4.033-DF
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL PATRONAL. ISENÇÃO CONCEDIDA ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. SIMPLES NACIONAL (“SUPERSIMPLES”). LEI COMPLEMENTAR 123/2006, ART. 13, § 3º.
ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 3º, III, 5º, CAPUT, 8º, IV, 146, III, D, E 150, § 6º DA CONSTITUIÇÃO.
1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o art. 13, § 3º da LC 123/2006, que isentou as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional (“Supersimples”).
2. Rejeitada a alegação de violação da reserva de lei específica para dispor sobre isenção (art. 150, § 6º da Constituição), uma vez que há pertinência temática entre o benefício fiscal e a instituição de regime diferenciado de tributação. Ademais, ficou comprovado que o Congresso Nacional não ignorou a existência da norma de isenção durante o processo legislativo.
3. A isenção concedida não viola o art. 146, III, d, da Constituição, pois a lista de tributos prevista no texto legal que define o campo de reserva da lei complementar é exemplificativa e não taxativa. Leitura do art. 146, III, d, juntamente com o art. 170, IX da Constituição.
3.1. O fomento da micro e da pequena empresa foi elevado à condição de princípio constitucional, de modo a orientar todos os entes federados a conferir tratamento favorecido aos empreendedores que contam com menos recursos para fazer frente à concorrência. Por tal motivo, a literalidade da complexa legislação tributária deve ceder à interpretação mais adequada e harmônica com a finalidade de assegurar equivalência de condições para as empresas de menor porte.
4. Risco à autonomia sindical afastado, na medida em que o benefício em exame poderá tanto elevar o número de empresas a patamar superior ao da faixa de isenção quanto fomentar a atividade econômica e o consumo para as empresas de médio ou de grande porte, ao incentivar a regularização de empreendimentos.
5. Não há violação da isonomia ou da igualdade, uma vez que não ficou demonstrada a inexistência de diferenciação relevante entre os sindicatos patronais e os sindicatos de representação de trabalhadores, no que se refere ao potencial das fontes de custeio.
6. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.
* noticiado no Informativo 600

HC N. 102.683-RS
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. DESNECESSIDADE DE LESÕES CORPORAIS. EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O PACIENTE E A MÃE DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1. A questão diz respeito à legitimidade do Ministério Público para propor a ação penal no caso concreto.
2. É dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da violência real nos crimes de estupro. Precedentes.
3. Caracterizada a ocorrência de violência real no crime de estupro, incide, no caso, a Súmula 608/STF: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
4. Tem a jurisprudência admitido também a posição do mero concubino ou companheiro para tornar a ação pública incondicionada.
5. Havendo o vínculo de união estável entre o paciente e a mãe da vítima, aplica-se o inciso II do § 1º do art. 225 do Código Penal (vigente à época dos fatos).
6. Writ denegado.

HC N. 98.447-RS
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
DIREITO PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS. ART. 290, CPM. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 11.343/06. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM DENEGADA.
1. Habeas corpus impetrado contra ato do Superior Tribunal Militar que, no julgamento de embargos infringentes, manteve a condenação do paciente pela prática do crime previsto no art. 290, do Código Penal Militar.
2. Tratamento legal acerca da posse e uso de substância entorpecente no âmbito dos crimes militares não se confunde com aquele dado pela Lei n° 11.343/06, como já ocorria no período anterior, ainda na vigência da Lei n° 6.368/76.
3. Direito Penal Militar pode albergar determinados bens jurídicos que não se confundem com aqueles do Direito Penal Comum.
4. Bem jurídico penal-militar tutelado no art. 290, do CPM, não se restringe à saúde do próprio militar, flagrado com determinada quantidade de substância entorpecente, mas sim a tutela da regularidade das instituições militares.
5. Art. 40, III, da Lei n° 11.343/06, não altera a previsão contida no art. 290, CPM.
6. Inaplicabilidade do princípio da insignificância em relação às hipóteses amoldadas no art. 290, CPM.
7. Habeas corpus denegado.

Acórdãos Publicados: 615




T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Direito de Resposta - Autonomia Constitucional - Natureza Jurídica (Transcrições)

AC 2695-MC/RS*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: LEI DE IMPRENSA (LEI Nº 5.250/67). FORMULAÇÃO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DESSE DIPLOMA LEGISLATIVO PELA VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ADPF 130/DF). AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE RESPOSTA (CF, ART. 5º, V). CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO, INDEPENDENTEMENTE DE REGULAÇÃO LEGISLATIVA. ESSENCIALIDADE DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL, ESPECIALMENTE SE ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA SOCIEDADE QUE VALORIZA O CONCEITO DE “LIVRE MERCADO DE IDÉIAS”. O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DO “MERCADO DE IDÉIAS”: UMA METÁFORA DA LIBERDADE? O DEBATE EM TORNO DA QUESTÃO DO OLIGOPÓLIO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E A PROPOSTA DE REVISÃO CONCEITUAL DA ANTIGA NOÇÃO DO “FREE MARKETPLACE OF IDEAS”: DE OLIVER WENDELL HOLMES, JR. A JEROME A. BARRON. UMA NOVA VISÃO DO DIREITO DE RESPOSTA (SUA IDENTIFICAÇÃO COMO DIREITO IMPREGNADO DE TRANSINDIVIDUALIDADE): MEIO DE REALIZAÇÃO, EM CASOS DE INDETERMINAÇÃO SUBJETIVA DOS INTERESSADOS (MESMO DAS PESSOAS NÃO DIRETAMENTE AFETADAS PELA PUBLICAÇÃO), DO DIREITO À INFORMAÇÃO CORRETA, PRECISA E EXATA. PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE TRADUZ, EM CONTEXTO METAINDIVIDUAL, VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO PÚBLICO. A QUESTÃO DO DIREITO DIFUSO À INFORMAÇÃO HONESTA, LEAL E VERDADEIRA: A POSIÇÃO DE L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO, DE GUSTAVO BINENBOJM E DE FÁBIO KONDER COMPARATO. “A PLURIFUNCIONALIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA” (VITAL MOREIRA, “O DIREITO DE RESPOSTA NA COMUNICAÇÃO SOCIAL”) OU AS DIVERSAS ABORDAGENS POSSÍVEIS QUANTO À DEFINIÇAO DA NATUREZA JURÍDICA DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL: (a) garantia de defesa dos direitos de personalidade, (b) direito individual de expressão e de opinião, (c) instrumento de pluralismo informativo e de acesso de seu titular aos órgãos de comunicação social, inconfundível, no entanto, com o direito de antena, (d) garantia do “dever de verdade” e (e) forma de sanção ou de indenização em espécie. A FUNÇÃO INSTRUMENTAL DO DIREITO DE RESPOSTA (DIREITO-GARANTIA?): (1) NEUTRALIZAÇÃO DE EXCESSOS DECORRENTES DA PRÁTICA ABUSIVA DA LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO JORNALÍSTICA, (2) PROTEÇÃO DA AUTODETERMINAÇÃO DAS PESSOAS EM GERAL E (3) PRESERVAÇÃO/RESTAURAÇÃO DA VERDADE PERTINENTE AOS FATOS REPORTADOS PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. O DIREITO DE RESPOSTA/RETIFICAÇÃO COMO TÓPICO SENSÍVEL E DELICADO DA AGENDA DO SISTEMA INTERAMERICANO: A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 14) E A OPINIÃO CONSULTIVA Nº 7/86 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A OPONIBILIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA A PARTICULARES: A QUESTÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. NECESSÁRIA SUBMISSÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS AO ESTATUTO JURÍDICO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DOUTRINA. PRECEDENTES DO STF. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DIREITOS DA PERSONALIDADE: ESPAÇO DE POTENCIAL CONFLITUOSIDADE. TENSÃO DIALÉTICA ENTRE PÓLOS CONSTITUCIONAIS CONTRASTANTES. SUPERAÇÃO DESSE ANTAGONISMO MEDIANTE PONDERAÇÃO CONCRETA DOS VALORES EM COLISÃO. RESPONSABILIZAÇÃO (SEMPRE) “A POSTERIORI” PELOS ABUSOS COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À INTEGRIDADE MORAL (HONRA, INTIMIDADE, PRIVACIDADE E IMAGEM). INCIDÊNCIA DO ART. 220, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CLÁUSULA QUE CONSAGRA HIPÓTESE DE “RESERVA LEGAL QUALIFICADA”. O PAPEL DO DIREITO DE RESPOSTA EM UM CONTEXTO DE LIBERDADES EM CONFLITO. PRETENDIDA SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DO ACÓRDÃO QUE CONDENOU O REQUERENTE A EXECUTAR OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA (“ASTREINTE”). A FUNÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA COMO INSTRUMENTO DE COERÇÃO PROCESSUAL NO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (CPC, ART. 461, § 4º). AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA POSTULAÇÃO CAUTELAR EM EXAME. “AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL” A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

DECISÃO: Trata-se de “ação cautelar incidental” na qual se busca atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto pela parte ora requerente, que se insurge contra decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e que, confirmada em sede de embargos de declaração, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INTRUMENTO. AÇÃO PENAL PRIVADA. CRIME CONTRA A HONRA. LEI Nº 5.250/67. PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM JORNAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. FIXAÇÃO DE ‘ASTREINTE’. COMINAÇÃO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE.
O fato de ser o agravante beneficiário da assistência judiciária gratuita não o isenta do custo do cumprimento da obrigação de fazer, consistente na publicação de sentença de improcedência proferida em ação penal privada.
A sentença contrária ao pedido do querelante faz nascer para o querelado, que foi o vencedor, a faculdade de exigir do querelante que a sentença seja publicada em jornal pela parte perdedora. Assim, embora não seja um efeito imediato da sentença, sendo requerido pelo querelado, deve o autor da queixa proceder à publicação, independentemente de ser ou não beneficiário de assistência judiciária gratuita.
Tratando-se, a publicação de sentença, de obrigação de fazer, é cabível a fixação de multa, nos termos do art.  461, § 4º, do CPC, que faculta ao juiz a imposição de multa diária quando da imposição do cumprimento da obrigação de fazer, não sendo abusivo o valor da ‘astreinte’, de R$ 50,00 por dia de descumprimento.
Viável também a determinação da Magistrada de submeter o agravante às sanções pertinentes ao crime de desobediência, em caso de descumprimento.
Precedente do E. STJ.
REVOGAÇÃO DA LEI DE IMPRENSA. DIREITO DE RESPOSTA. ‘STATUS’ CONSTITUCIONAL.
Considerando que o direito de resposta possui status constitucional (artigo 5º, V, da CRFB), eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo STF, não impede o exercício dessa prerrogativa.
.......................................................
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO EM DECISÃO UNÂNIME.”
(AGRAVO REGIMENTAL nº 70032900326, Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREISS - grifei)

Assinalo que o recurso extraordinário em questão sofreu juízo positivo de admissibilidade na origem.
A parte ora requerente sustenta, em síntese, para justificar sua pretensão cautelar, o que se segue:

“O provimento da medida cautelar se justifica pelo fato de o recorrente ter ingressado com o Recurso Extraordinário visando a determinação da impossibilidade jurídica de aplicação de qualquer artigo da chamada Lei de Imprensa, que sequer foi recepcionada pela CF/88, visto o julgamento da ADPF nº 130, reconhecendo-se pois, a necessária incidência dos incisos II, XXXIX, XL e §§ 2º e 3º, todos do art. 5º da Constituição Federal.
.......................................................
Assim, estando o requerente (cardíaco, diabético, com sérios problemas de visão) na iminência de sofrer graves danos nas esferas patrimonial e moral, vez que o Juízo Criminal da Comarca de Osório onde tramita o feito originário (059/2.04.0002800-9), determinou sua intimação urgente, para que publique a sentença de improcedência no prazo de 05 dias, e, em caso de desobediência, pague multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) sujeitando-o às sanções pertinentes ao crime de desobediência (mandado juntado no dia 20 do corrente), o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário está suficientemente justificado.
Portanto, tendo o requerente o prazo de 05 dias para providenciar na publicação da sentença de improcedência, e ainda sujeitando-se às demais implicações em caso de descumprimento, a atribuição de efeito suspensivo é medida que se impõe, até porque, em caso contrário, o Recurso Extraordinário perderia seu objeto.” (grifei)

Passo a apreciar o pedido de concessão de medida cautelar. E, ao fazê-lo, assinalo, na perspectiva do pleito em questão, que a outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário reveste-se de excepcionalidade absoluta, especialmente em face do que dispõe o art. 542, § 2º, do CPC.
O Supremo Tribunal Federal, bem por isso, e atento ao caráter excepcional da medida cautelar cujo deferimento importe em concessão de eficácia suspensiva ao apelo extremo (RTJ 110/458 - RTJ 111/957 – RTJ 112/957, v.g.), somente tem admitido essa possibilidade processual, quando satisfeitas determinadas condições.
Com efeito, a concessão de medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal, quando requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte interessada, quer se busque a outorga de efeito suspensivo ao apelo extremo, quer se pretenda a sustação da eficácia do acórdão impugnado, supõe, para legitimar-se, a conjugação necessária dos seguintes requisitos: (a) que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo); (b) que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual, caracterizada, dentre outras, pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição; (c) que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica; e (d) que se demonstre, objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do “periculum in mora” (RTJ 174/437-438, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Observo, desde logo, considerado o juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário em questão, que se acha regularmente instaurada, na espécie, a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal, circunstância que permite o exame dos demais pressupostos concernentes ao deferimento, ou não, do provimento cautelar requerido.
Impõe-se analisar, desse modo, se a pretensão cautelar deduzida pela parte requerente – suspensão da obrigação de publicação da sentença e de pagamento da multa, por eventual descumprimento de referida determinação, até o julgamento final do recurso extraordinário em questão – acha-se, ou não, impregnada de plausibilidade jurídica.
O autor da presente “ação cautelar incidental”, como resulta do acórdão local impugnado em sede recursal extraordinária, viu repelida a sua pretensão jurídica pelo eminente Relator da causa, que assinalou, a propósito da controvérsia instaurada perante o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que “o fato de o E. STF haver revogado a Lei de Imprensa não significa que se tenha tornado inviável o direito de resposta. Ocorre que o direito de resposta no Brasil já ganhou ‘status’ constitucional (artigo 5º, V, da CRFB). Por essa razão, eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo STF, não impedirá o exercício daquela prerrogativa” (grifei).
Vê-se, pois, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao proferir a decisão objeto do recurso extraordinário em causa, bem sintetizou a questão básica a ser examinada por esta Suprema Corte e que se pode traduzir na afirmação, constante do julgamento local, de que a qualificação constitucional do direito de resposta, por conferir-lhe estatuto jurídico autônomo, torna prescindível, para efeito de sua prática efetiva, a “eventual ausência de lei”.
Sendo esse o contexto, tenho para mim que o pleito cautelar ora em exame não se mostra revestido de relevo jurídico, eis que a pretensão de direito material deduzida na causa principal encontra, ela mesma, óbice na orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou no exame da matéria.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, na decisão final da ADPF 130/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO, ao julgar procedente o pedido formulado naquela sede processual, o fez sem prejuízo do regular exercício do direito de resposta previsto no art. 5º, inciso V, da Constituição:

“11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, ‘de eficácia plena e de aplicabilidade imediata’, conforme classificação de José Afonso da Silva. ‘Norma de pronta aplicação’, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.” (grifei)

O direito de resposta, como se sabe, foi elevado à dignidade constitucional, no sistema normativo brasileiro, a partir da Constituição de 1934, não obstante a liberdade de imprensa já constasse da Carta Política do Império do Brasil de 1824.
O art. 5º, inciso V, da Constituição brasileira, ao prever o direito de resposta, qualifica-se como regra impregnada de suficiente densidade normativa, revestida, por isso mesmo, de aplicabilidade imediata, a tornar desnecessária, para efeito de sua pronta incidência, a “interpositio legislatoris”, o que dispensa, por tal razão, ainda que não se lhe vede, a intervenção concretizadora do legislador comum.
Isso significa que a ausência de regulação legislativa, motivada por transitória situação de vácuo normativo, não se revela obstáculo ao exercício da prerrogativa fundada em referido preceito constitucional, que possui densidade normativa suficiente para atribuir, a quem se sentir prejudicado por publicação inverídica ou incorreta, direito, pretensão e ação cuja titularidade bastará para viabilizar, em cada situação ocorrente, a prática concreta da resposta e/ou da retificação.
É interessante assinalar, por oportuno, que o direito de resposta somente constituiu objeto de regulação legislativa, no Brasil, com o advento da Lei Adolpho Gordo (Decreto nº 4.743, de 31/10/1923, arts. 16 a 19), eis que – consoante observa SOLIDONIO LEITE FILHO (“Comentários à Lei de Imprensa”, p. 188, item n. 268, 1925, J. Leite Editores) – “Não havia na legislação anterior à lei de imprensa nenhum dispositivo regulando o direito de resposta” (grifei).
O que me parece relevante acentuar, neste ponto, é que a ausência de qualquer disciplina ritual regedora do exercício concreto do direito de resposta não impede que o Poder Judiciário, quando formalmente provocado, profira decisões em amparo e proteção àquele atingido por publicações inverídicas ou inexatas.
É que esse direito de resposta/retificação não depende, para ser exercido, da existência de lei, ainda que a edição de diploma legislativo sobre esse tema específico possa revelar-se útil e, até mesmo, conveniente.
Vale insistir na asserção de que o direito de resposta/retificação tem por base normativa a própria Constituição da República, cujo art. 5º, inciso V, estabelece os parâmetros necessários à invocação dessa prerrogativa de ordem jurídica, tal como o decidiu, na espécie, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao enfatizar “que o direito de resposta possui status constitucional”, razão pela qual, presente o contexto em exame, mostrava-se desnecessária a “interpositio legislatoris”.
Correto esse julgamento, pois sempre caberá ao Poder Judiciário, observados os parâmetros em questão, garantir, à pessoa lesada (ainda que se cuide do próprio jornalista), o exercício do direito de resposta.
A ausência, momentânea ou não, de regramento legislativo não autoriza nem exonera o Juiz, sob pena de transgressão ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, do dever de julgar o pedido de resposta, quando formulado por quem se sentir ofendido ou, então, prejudicado por publicação ofensiva ou inverídica.
Não se pode desconhecer que é ínsito, à atividade do Juiz, o dever de julgar conforme os postulados da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade, em respeito ao que está previsto no art. 126 do Código de Processo Civil (“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”), consoante assinala, sem maiores disceptações, o magistério da doutrina (ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO, “Código de Processo Civil Interpretado e Anotado”, p. 405, 2ª ed., 2008, Manole; LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO, “Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo”, p. 174/175, 2008, RT; HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. I/38 e 40, itens ns. 35 e 38, 50ª ed., 2009, Forense, v.g.).
Isso significa, portanto, considerado o que prescreve o art. 126 do CPC, que, em situação de “vacuum legis” (tal como sucede na espécie), o magistrado poderá valer-se de dispositivos outros - tais como aqueles existentes, p. ex., na Lei nº 9.504/97 (art. 58 e parágrafos) -, aplicando-os, no que couber, por analogia, ao caso concreto, viabilizando-se, desse modo, o efetivo exercício, pelo interessado, do direito de resposta e/ou de retificação.
O fato é que o reconhecimento da incompatibilidade da Lei de Imprensa com a vigente Constituição da República não impede, consideradas as razões que venho de expor, que qualquer interessado, injustamente atingido por publicação inverídica ou incorreta, possa exercer, em juízo, o direito de resposta, apoiando tal pretensão em cláusula normativa inscrita na própria Lei Fundamental, cuja declaração de direitos assegura, em seu art. 5º, inciso V, em favor de qualquer pessoa, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (grifei).
O exame do contexto fático, tal como foi este soberanamente delineado pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 - RTJ 153/1019 - RTJ 158/693, v.g.), permite-me reconhecer a compatibilidade da decisão recorrida com o texto da Constituição, notadamente no ponto em que o julgamento em causa põe em destaque a circunstância de que uma das funções subjacentes ao direito de resposta reside, primariamente, no restabelecimento e/ou na preservação da verdade, o que se pode viabilizar, dentre os diversos meios de sua concreta realização, mediante publicação da sentença cujo conteúdo revele a veracidade e a correção dos fatos veiculados pelos meios de comunicação social.
O direito de resposta/retificação traduz, como sabemos, expressiva limitação externa, impregnada de fundamento constitucional, que busca neutralizar as conseqüências danosas resultantes do exercício abusivo da liberdade de imprensa, pois tem por função precípua, de um lado, conter os excessos decorrentes da prática irregular da liberdade de comunicação jornalística (CF, art. 5º, IV e IX, e art. 220, § 1º) e, de outro, restaurar e preservar a verdade pertinente aos fatos reportados pelos meios de comunicação social.
Vê-se, daí, que a proteção jurídica ao direito de resposta permite, nele, identificar uma dupla vocação constitucional, pois visa a preservar tanto os direitos da personalidade quanto assegurar, a todos, o exercício do direito à informação exata e precisa.
Mostra-se inquestionável que o direito de resposta compõe o catálogo das liberdades fundamentais, tanto que formalmente positivado na declaração constitucional de direitos e garantias individuais e coletivos, o que lhe confere uma particular e especial qualificação de índole político-jurídica.
Se é certo que o ordenamento constitucional brasileiro ampara a liberdade de expressão, protegendo-a contra indevidas interferências do Estado ou contra injustas agressões emanadas de particulares, não é menos exato que essa modalidade de direito fundamental – que vincula não só o Poder Público como, também, os próprios particulares – encontra, no direito de resposta (e na relevante função instrumental que ele desempenha), um poderoso fator de neutralização de excessos lesivos decorrentes da liberdade de comunicação, além de representar um significativo poder jurídico deferido a qualquer interessado “para se defender de qualquer notícia ou opinião inverídica, ofensiva ou prejudicial (...)” (SAMANTHA RIBEIRO MEYER-PFLUG, “Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio”, p. 86, item n. 3.2, 2009, RT).
Cabe relembrar, neste ponto, que a oponibilidade do direito de resposta a particulares sugere reflexão em torno da inteira submissão das relações privadas aos direitos fundamentais, o que permite estender, com força vinculante, ao plano das relações de direito privado, a cláusula de proteção das liberdades e garantias constitucionais, pondo em destaque o tema da eficácia horizontal dos direitos básicos e essenciais assegurados pela Constituição da República, tal como tem acentuado o magistério da doutrina (WILSON STEINMETZ, “A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais”, 2004, Malheiros; THIAGO LUÍS SANTOS SOMBRA, “A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Jurídico-Privadas”, 2004, Fabris Editor; ANDRÉ RUFINO DO VALE, “Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas”, 2004, Fabris Editor; INGO WOLFGANG SARLET, “A Constituição Concretizada: Construindo Pontes entre o Público e o Privado”, 2000, Livraria do Advogado, Porto Alegre; CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, “Aplicação dos Direitos Fundamentais às Relações Privadas”, in “Cadernos de Soluções Constitucionais”, p. 32/47, 2003, Malheiros; DANIEL SARMENTO, “Direitos Fundamentais e Relações Privadas”, p. 301/313, item n. 5, 2004, Lumen Juris; PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais”, in “Direito Público”, ano I, nº 2, p. 170/174, out/dez de 2003, v.g.), em lições que possuem o beneplácito da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RTJ 164/757-758, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 209/821-822, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES - AI 346.501-AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 161.243/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.).
Cabe insistir na afirmação de que qualquer pessoa (tanto quanto a própria coletividade) tem o direito de obter e de ter acesso a informações verazes, honestas e confiáveis, de tal modo que a violação desse direito, se e quando consumada, poderá justificar, plenamente, o exercício do direito de resposta.
Desse modo, longe de configurar indevido cerceamento à liberdade de expressão, o direito de resposta, considerada a multifuncionalidade de que se acha impregnado, qualifica-se como instrumento de superação do estado de tensão dialética entre direitos e liberdades em situação de conflituosidade.
O exercício dessa prerrogativa fundamental, de extração eminentemente constitucional – que pode ser identificada tanto no plano individual quanto no da metaindividualidade (GUSTAVO BINENBOJM, “Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa”) -, permite qualificá-la (examinado o tema sob uma perspectiva pluralística) como instrumento concretizador do convívio harmonioso entre as liberdades de informação e de expressão do pensamento e o direito à integridade moral, o que se mostra compatível com padrões que distinguem sociedades democráticas.
Torna-se importante salientar, bem por isso, que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais – como aqueles concernentes à liberdade de informação, de um lado, e à preservação da honra, de outro - há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar em cada caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203, “Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito Constitucional”, tomo I/363-366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, “Direito à Intimidade. Liberdade de Imprensa. Danos por Publicação de Notícias”, “in” “Constituição Federal de 1988 - Dez Anos (1988-1998)”, p. 230/231, item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica).
Cabe reconhecer que os direitos da personalidade (como os pertinentes à incolumidade da honra e à preservação da dignidade pessoal dos seres humanos) representam limitações constitucionais externas à liberdade de expressão, “verdadeiros contrapesos à liberdade de informação” (L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO, “Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira”, p. 137, 2ª ed., 2003, Renovar), que não pode - e não deve - ser exercida de modo abusivo (GILBERTO HADDAD JABUR, “Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada”, 2000, RT), mesmo porque a garantia constitucional subjacente à liberdade de informação não afasta, por efeito do que determina a própria Constituição da República, o direito do lesado à resposta e à indenização por danos materiais, morais ou à imagem (CF, art. 5º, incisos V e X, c/c o art. 220, § 1º).
Na realidade, a própria Carta Política, depois de garantir o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe parâmetros - dentre os quais avulta, por sua inquestionável importância, o necessário respeito aos direitos da personalidade (CF, art. 5º, V e X) – cuja observância não pode ser desconsiderada pelos órgãos de comunicação social, tal como expressamente determina o texto constitucional (art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto.
Lapidar, sob tal aspecto, o douto magistério do eminente Desembargador SÉRGIO CAVALIERI FILHO (“Programa de Responsabilidade Civil”, p. 129/131, item n. 19.11, 6ª ed., 2005, Malheiros):

“(...) ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica, ‘e de comunicação’, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a intimidade’, a vida privada, a ‘honra’ e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Isso evidencia que, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do ‘princípio da unidade constitucional’, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém (...).
......................................................
À luz desses princípios, é forçoso concluir que, sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.
Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da ‘proporcionalidade’ como sendo o meio mais adequado para se solucionarem eventuais conflitos entre a liberdade de comunicação e os direitos da personalidade. Ensinam que, embora não se deva atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito, no processo de ponderação desenvolvido para a solução do conflito, o direito de noticiar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar sacrifício da intimidade, da honra e da imagem das pessoas.
Ademais, o constituinte brasileiro não concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto, na medida em que estabeleceu que o exercício dessa liberdade deve-se fazer com observância do disposto na Constituição, consoante seu art. 220, ‘in fine’. Mais expressiva, ainda, é a norma contida no § 1º desse artigo ao subordinar, expressamente, o exercício da liberdade jornalística à ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’. Temos aqui verdadeira ‘reserva legal qualificada’, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos de personalidade em geral. Do contrário, não haveria razão para que a própria Constituição se referisse aos princípios contidos nos incisos acima citados como limites imanentes ao exercício da liberdade de imprensa.
......................................................
Em conclusão: os direitos individuais, conquanto previstos na Constituição, não podem ser considerados ilimitados e absolutos, em face da natural restrição resultante do ‘princípio da convivência das liberdades’, pelo quê não se permite que qualquer deles seja exercido de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. Fala-se, hoje, não mais em direitos individuais, mas em direitos do homem inserido na sociedade, de tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas com enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado Social de Direito, tanto os direitos como as suas limitações.” (grifei)

Daí a procedente observação feita pelo eminente Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, em trabalho concernente à colisão de direitos fundamentais (liberdade de expressão e de comunicação, de um lado, e direito à honra e à imagem, de outro), em que expendeu, com absoluta propriedade, o seguinte magistério (“Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional”, p. 89/96, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor):

“No processo de ‘ponderação’ desenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação. (...).
Como demonstrado, a Constituição brasileira (...) conferiu significado especial aos direitos da personalidade, consagrando o princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional, estabelecendo a inviolabilidade do direito à honra e à privacidade e fixando que a liberdade de expressão e de informação haveria de observar o disposto na Constituição, especialmente o estabelecido no art. 5.º, X.
Portanto, tal como no direito alemão, afigura-se legítima a outorga de tutela judicial contra a violação dos direitos de personalidade, especialmente do direito à honra e à imagem, ameaçados pelo exercício abusivo da liberdade de expressão e de informação.” (grifei)

Inquestionável, desse modo, como anteriormente já enfatizado, que o exercício concreto da liberdade de expressão pode fazer instaurar situações de tensão dialética entre valores essenciais igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição.
Cabe observar, bem por isso, que a responsabilização “a posteriori” (sempre “a posteriori”), em regular processo judicial, daquele que comete abuso no exercício da liberdade de informação não traduz ofensa ao que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em favor da pessoa injustamente lesada, a possibilidade de receber indenização “por dano material, moral ou à imagem” ou, então, de exercer, em plenitude, o direito de resposta (CF, art. 5º, incisos V e X).
Se é certo que o direito de informar, considerado o que prescreve o art. 220 da Carta Política, tem fundamento constitucional (HC 85.629/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE), não é menos exato que o exercício abusivo da liberdade de informação, que deriva do desrespeito aos vetores subordinantes referidos no § 1º do art. 220 da própria Constituição, “caracteriza ato ilícito e, como tal, gera o dever de indenizar”, consoante observa, em magistério irrepreensível, o ilustre magistrado ENÉAS COSTA GARCIA (“Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação”, p. 175, 2002, Editora Juarez de Oliveira), inexistindo, por isso mesmo, quando tal se configurar, situação evidenciadora de indevida restrição à liberdade de imprensa, tal como pude decidir em julgamento proferido no Supremo Tribunal Federal:

“LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO. SITUAÇÃO DE ANTAGONISMO ENTRE O DIREITO DE INFORMAR E OS POSTULADOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INTEGRIDADE DA HONRA E DA IMAGEM. A LIBERDADE DE IMPRENSA EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS, QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO, PELO MÉTODO DA PONDERAÇÃO CONCRETA DE VALORES. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA LIBERDADE DE INFORMAR, DE QUE RESULTE INJUSTO GRAVAME AO PATRIMÔNIO MORAL/MATERIAL E À DIGNIDADE DA PESSOA LESADA, ASSEGURA, AO OFENDIDO, O DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL, POR EFEITO DO QUE DETERMINA A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CF, ART. 5º, INCISOS V E X). INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE INDEVIDA RESTRIÇÃO JUDICIAL À LIBERDADE DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 52 E DO ART. 56, AMBOS DA LEI DE IMPRENSA, POR INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. AMPLA REPARABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME SOBERANO DOS FATOS E PROVAS EFETUADO PELO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REVISÃO EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
- O reconhecimento ‘a posteriori’ da responsabilidade civil, em regular processo judicial de que resulte a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem da pessoa injustamente ofendida, não transgride os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em cláusula expressa (CF, art. 5º, V e X), a reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de informação. Doutrina.
- A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimador de sua prática, a necessária observância de parâmetros – dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade – expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto. Doutrina. (...).”
(AI 595.395/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A discussão em torno da natureza jurídica do direito de resposta, por sua vez, tem estimulado a formulação de abordagens diferenciadas a propósito dessa prerrogativa fundamental, como o evidencia a reflexão que VITAL MOREIRA faz sobre esse instituto, concebido como reação ao abuso do poder informativo de que são titulares os detentores dos “mass media”.
Em obra monográfica (“O Direito de Resposta na Comunicação Social”, p. 24/32, item n. 2.6, 1994, Coimbra Editora), esse ilustre Professor da Universidade de Coimbra e antigo Juiz do Tribunal Constitucional português (1983-1989) expõe as diversas concepções que buscam justificar, doutrinária e dogmaticamente, o direito de resposta, advertindo, no entanto, sobre a insuficiência de uma “explicação unifuncional”, por vislumbrar, no direito de resposta, uma pluralidade de funções, por ele assim identificadas: (a) o direito de resposta como “defesa dos direitos de personalidade”, (b) o direito de resposta como “direito individual de expressão e de opinião”, (c) o direito de resposta como “instrumento de pluralismo informativo”, (d) o direito de resposta como “dever de verdade da imprensa” e, finalmente, (e) o direito de resposta como “uma forma de sanção ‘sui generis’, ou de indenização em espécie”.
Ao sumariar as múltiplas funções que se mostram inerentes ao direito de resposta, esse Autor destaca-lhe, no contexto dessa “plurifuncionalidade”, duas características que reputa mais expressivas (“op. cit.”, p. 32):

“(...) a defesa dos direitos de personalidade (ou, mais genericamente, de um ‘direito à identidade’) e a promoção do contraditório e do pluralismo da comunicação social.
Esquematicamente, o direito de resposta satisfaz dois objectivos: (a) proporciona a todos os que se considerem afectados por uma notícia de imprensa um meio expedito, simples e não dispendioso de defender a sua reputação ou de fazer a valer a sua verdade acerca de si mesmo; (b) permite a difusão de versões alternativas, facultando desse modo ao público o acesso a pontos de vista divergentes ou contraditórios sobre o mesmo assunto. Nas palavras de um especialista italiano são dois os ‘interesses tutelados pelo direito de resposta: por um lado, um interesse eminentemente privatístico – o direito à identidade pessoal, isto é, o direito a não ver deformado o próprio património moral, cultural, político, ideal, etc.; por outro lado, um interesse publicístico – a pluralidade de fontes de informação, permitindo ao leitor julgar depois de ter ouvido também ‘a outra parte’ (...).” (grifei)

Cabe referir, por oportuno, quanto à amplitude e à própria titularidade ativa do direito constitucional de resposta (cujo exercício nem sempre supõe a prática de ato ilícito), o valioso entendimento doutrinário exposto por GUSTAVO BINENBOJM, que ressalta o caráter transindividual dessa prerrogativa jurídica, na medida em que o exercício do direito de resposta propicia, em favor de um número indeterminado de pessoas (mesmo daquelas não diretamente atingidas pela publicação inverídica ou incorreta), a concretização do próprio direito à informação correta, precisa e exata (“Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa. As Liberdades de Expressão e de Imprensa nos Estados Unidos e no Brasil”, p. 12/15, “in” Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico - REDAE, Número 5 - fevereiro/março/abril de 2006, IDPB):

“Ocorre que, de parte sua preocupação com a dimensão individual e defensiva da liberdade de expressão (entendida como proteção contra ingerências indevidas do Estado na livre formação do pensamento dos cidadãos), o constituinte atentou também para a sua dimensão transindividual e protetiva, que tem como foco o enriquecimento da qualidade e do grau de inclusividade do discurso público. É interessante notar que, ao contrário da Constituição dos Estados Unidos, a Constituição brasileira de 1988 contempla, ela mesma, os princípios que devem ser utilizados no sopesamento das dimensões defensiva e protetiva da liberdade de expressão. É nesse sentido que Konrad Hesse se refere à natureza dúplice da liberdade de expressão.
Importam-nos mais diretamente, para os fins aqui colimados, os dispositivos constitucionais que cuidam de balancear o poder distorsivo das empresas de comunicação social sobre o discurso público, que devem ser compreendidos como intervenções pontuais que relativizam a liberdade de expressão em prol do fortalecimento do sistema de direitos fundamentais e da ordem democrática traçados em esboço na Constituição. No vértice de tal sistema se encontra a pessoa humana, como agente moral autônomo em suas esferas privada e pública, capaz de formular seus próprios juízos morais acerca da sua própria vida e do bem comum.
........................................................
Além das normas constitucionais mencionadas logo no intróito deste capítulo, alguns direitos individuais relacionados no art. 5º também mitigam a dimensão puramente negativa da liberdade de imprensa (art. 220, § 1º). Dentre eles, o direito de resposta (art. 5º, inciso V) e o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV) guardam pertinência mais direta com o ponto que se deseja demonstrar.
O direito de resposta não pode ser compreendido no Brasil como direito puramente individual, nem tampouco como exceção à autonomia editorial dos órgãos de imprensa. De fato, além de um conteúdo tipicamente defensivo da honra e da imagem das pessoas, o direito de resposta cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida em que permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do interesse de toda a sociedade. Assim, o exercício do direito de resposta não deve estar necessariamente limitado à prática de algum ilícito penal ou civil pela empresa de comunicação, mas deve ser elastecido para abarcar uma gama mais ampla de situações que envolvam fatos de interesse público. Com efeito, algumas notícias, embora lícitas, contêm informação incorreta ou defeituosa, devendo-se assegurar ao público o direito de conhecer a versão oposta.
A meu ver, portanto, o direito de resposta deve ser visto como um instrumento de mídia colaborativa (‘collaborative media’) em que o público é convidado a colaborar com suas próprias versões de fatos e a apresentar seus próprios pontos de vista. A autonomia editorial, a seu turno, seria preservada desde que seja consignado que a versão ou comentário é de autoria de um terceiro e não representa a opinião do veículo de comunicação.
Na Argentina, a Suprema Corte acolheu esta utilização mais ampla do direito de resposta em caso no qual um famoso escritor concedeu entrevista em programa de televisão na qual emitiu conceitos considerados ofensivos a figuras sagradas da religião católica. A Corte assegurou o direito de resposta a um renomado constitucionalista, com a leitura de uma carta no mesmo canal de TV, baseando-se em um direito da comunidade cristã de apresentar o seu próprio ponto de vista sobre as mencionadas figuras. Considerou-se, na espécie, que o requerente atuou como substituto processual daquela coletividade.” (grifei)

Posiciona-se, no mesmo sentido, L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO (“Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira”, p. 121/122, item n. 7, 2ª ed., 2003, Renovar):

“Nesse contexto, já vimos que o direito de informação, com esta nova ótica constitucional, importa no direito à informação verdadeira, e que esta constitui um direito difuso da sociedade.
Sendo assim, o direito de resposta deve, por sua vez, reajustar-se para adaptar-se a esta nova ordem jurídica.
É primordial que se abandone a concepção do direito de resposta que o configura, apenas, como uma ação de reparação de dano, ou como um instituto afim à legítima
defesa. Ele é tudo isso, mas deve ser mais que isso. Ele deve ser deslocado do particular, ofendido pessoalmente, titular de um direito à indenização, para a sociedade, credora de uma informação verdadeira, imparcial, autêntica.
Aceita a concepção, forçoso é admitir que o direito de resposta, integrante do direito de informação, é também um direito difuso, que pode ser exercido por qualquer legitimado com o fim de preservar a verdade de um fato
Não mais vigerá a estreita via da indenização e da legitimação exclusiva do lesado para opor-se à matéria inexata. O ofendido cederá parte de seu lugar para o ‘interessado’ na exatidão da notícia – a sociedade.” (grifei)

Essa mesma percepção do tema é revelada por FÁBIO KONDER COMPARATO (“A Democratização dos Meios de Comunicação de Massa”, “in” “Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides”, p. 165/166, item n. IV, 2001, Malheiros):
“O direito de resposta, tradicionalmente, visa a garantir a defesa da verdade e da honra individual. Legitimado a exercê-lo, portanto, é sempre o indivíduo em relação ao qual haja sido difundida uma mensagem inverídica ou desabonadora. Ainda que se não possa nele enxergar um direito potestativo, como quer uma parte da doutrina, é inegável que ele se apresenta como um meio de defesa particularmente vigoroso, em geral garantido pela cominação de pesada multa em caso de descumprimento pelo sujeito passivo.
É, sem dúvida, necessário estender a utilização desse mecanismo jurídico também à defesa de bens coletivos ou sociais, que a teoria moderna denomina ‘interesses difusos’. Os defensores do bem comum ou interesse social acham-se sempre em posição jurídica subalterna em relação aos controladores dos meios de comunicação social, só tendo acesso garantido a esses veículos nos raros casos previstos em lei.
A legitimação para o exercício do direito coletivo de retificação deveria caber, analogamente ao previsto no chamado Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990): 1) ao Ministério Público; 2) a órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que despidos de personalidade jurídica, quando especificamente criados para a defesa de interesses difusos ou coletivos; 3) a organizações não-governamentais, existentes sob a forma de associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades estatutárias a defesa desses interesses.” (grifei)

A razão subjacente a tais propostas parece resultar, segundo preconizam esses eminentes autores, da necessidade de intensificar, fortalecendo-o, o processo de democratização dos meios de comunicação de massa (“mass media”), uma vez que o antigo conceito liberal do “livre mercado de idéias” (“free marketplace of ideas”) – defendido por pensadores e intelectuais tão diversos como JOHN MILTON (“Areopagitica”), JOHN STUART MILL (“On Liberty”), THOMAS JEFFERSON (“Letter to William Roscoe”), FRED S. SIEBERT (“The Libertarian Theory”), OLIVER WENDELL HOLMES, JR. (voto vencido em “Abrams v. United States”, in 250 U.S. 616, proferido em 1919), WILLIAM BRENNAN, JR. (voto vencedor em “Keyishian v. Board of Regents of the University of the State of New York”, in 385 U.S. 589, proferido em 1967), v.g. – achar-se-ia gravemente comprometido por uma progressiva concentração da propriedade dos meios de comunicação social, a ponto de autores como JEROME A. BARRON (“Access to the Media – A Contemporary Appraisal” e “Access to the Media – A New First Amendment Right”) e PATRICK GARRY (“The First Amendment and Freedom of the Press: A Revised Approach to the Marketplace of Ideas Concept”) sustentarem que essa “concentration of Media ownership” culminaria por descaracterizar a velha noção expressa na metáfora do “marketplace of ideas”, cujo perfil, agora, deveria ceder à nova fórmula do “revised marketplace model”, que, em decorrência dos dilemas e distorções provocados pelo fenômeno do oligopólio dos meios de comunicação de massa, busca promover a realização de diversos objetivos que se projetam no plano da transindividualidade, assim identificados por PATRICK GARRY, no estudo que venho de referir: “truth, individual and social interaction, citizen participation in public affairs and the maintenance of a non-monopoly press”.
Vale destacar, por sua vez, um outro aspecto que se me afigura relevante. Refiro-me ao fato de que a justa preocupação da comunidade internacional com a preservação do direito de resposta tem representado, no plano do sistema interamericano e em tema de proteção aos direitos de personalidade, um tópico sensível e delicado da agenda dos organismos internacionais em âmbito regional, como o evidencia o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 14), que constitui instrumento que reconhece, a qualquer pessoa que se considere afetada por meio de informação inexata ou ofensiva veiculada pela imprensa, o direito de resposta e de retificação:

“Artigo 14 - Direito de retificação ou resposta
1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.
2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.
3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial.” (grifei)

Cumpre relembrar, no ponto, o magistério doutrinário de VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/138, em co-autoria com LUIZ FLÁVIO GOMES, 2008, RT), cuja análise do mencionado Art. 14 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem ressalta o entendimento que a comunidade internacional confere à cláusula convencional pertinente ao direito de resposta e de retificação:

“A Convenção não se refere à ‘proporcionalidade’ da resposta relativamente à ofensa, não indicando se as pessoas atingidas têm direito de responder em espaço igual ou maior, em que lapso pode exercitar esse direito, que terminologia é mais adequada etc. A Convenção diz apenas que estas condições serão as ‘que estabeleça a lei’, frase que remete às normas internas dos Estados-Partes o estabelecimento das ‘condições’ de exercício do direito de retificação ou resposta, o que poderá variar de país para país. Contudo, tal proporcionalidade da resposta relativamente à ofensa deve entender-se ‘implícita’ no texto da Convenção, não podendo as leis dos Estados-Partes ultrapassar os limites restritivos razoáveis e os conceitos pertinentes já afirmados pela Corte Interamericana.” (grifei)

Cabe mencionar, ainda, fragmento da Opinião Consultiva nº 7/86, proferida, em 29 de agosto de 1986, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao ressaltar a essencialidade desse instrumento de preservação dos direitos da personalidade, entendeu que o direito de resposta deve ser aplicado independentemente de regulamentação pelo ordenamento jurídico interno ou doméstico dos países signatários do Pacto de São José da Costa Rica:

“A tese de que a frase ‘nas condições que estabeleça a lei’, utilizada no art. 14.1, somente facultaria aos Estados Partes a criar por lei o direito de retificação ou de resposta, sem obrigá-los a garanti-lo enquanto seu ordenamento jurídico interno não o regule, não se compadece nem com o ‘sentido corrente’ dos termos empregados nem com o ‘contexto’ da Convenção. Com efeito, a retificação ou resposta em razão de informações inexatas ou ofensivas dirigidas ao público em geral se coaduna com o artigo 13.2.a sobre liberdade de pensamento ou de expressão, que sujeita essa liberdade ao ‘respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas’ (...); com o artigo 11.1 e 11.3, segundo o qual
‘1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade’
‘3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas’
e com o artigo 32.2, segundo o qual ‘Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática’.
O direito de retificação ou de resposta é um direito ao qual são aplicáveis as obrigações dos Estados Partes consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção. E não poderia ser de outra maneira, já que o próprio sistema da Convenção está direcionado a reconhecer direitos e liberdades às pessoas e não a facultar que os Estados o façam (Convenção Americana, Preâmbulo, O efeito das reservas sobre a entrada em vigência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.s 74 e 75), Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982. Série A, n. 2, parágrafo 33).” (grifei)

Impende ressaltar, por oportuno, trecho da manifestação proferida no âmbito de mencionada Opinião Consultiva emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proveniente do eminente Juiz RODOLFO E. PIZA ESCALANTE, que assim se pronunciou:

“Em outras palavras, o direito de retificação ou de resposta é de tal relevância que nada impede respeitá-lo ou garanti-lo, vale dizer aplicá-lo e ampará-lo, ainda que não haja lei que o regulamente, por meio de simples critérios de razoabilidade; no fim das contas, a própria lei, ao estabelecer as condições de seu exercício, deve sujeitar-se a iguais limitações, porque, de outra forma, violaria ela mesma o conteúdo essencial do direito regulamentado e, portanto, o artigo 14.1 da Convenção.” (grifei)

No que diz respeito ao direito comparado, por sua vez, cumpre referir que há países que não estabeleceram qualquer tipo de regulamentação legislativa ao direito de resposta, como os Estados Unidos e a Argentina.
Quanto ao direito argentino, é de assinalar o magistério doutrinário do ilustre jurista RODOLFO PONCE DE LEÓN (“Derecho de réplica”, p. 137/138, “in” “Jerarquía Constitucional de los Tratados Internacionales”, organizado por JUAN CARLOS VEGA e MARISA ADRIANA GRAHAM, 1996, Astrea), que assim se manifesta a respeito do exercício do direito de resposta, considerada a circunstância de que inexiste, na República Argentina, qualquer regulação legislativa disciplinadora do exercício do direito de resposta e/ou de retificação:

“O exercício do direito de retificação ou de resposta supõe o prejuízo à honra ou à reputação de uma pessoa, ocasionado por informações inexatas e ofensivas por intermédio de meios de difusão que se dirijam ao público em geral (art. 14, parágrafo 1, Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
Causado esse prejuízo, nasce o direito específico, que é o de formular, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta.
Se há lei, nos termos dela mesma; se não há lei, como é o nosso caso [argentino] atualmente, a Constituição opera diretamente. Isso não é uma novidade, mas um critério estabelecido por nossa Corte Suprema de Justiça desde o caso ‘Ekmekdjian c/Sofovich’ anterior à reforma constitucional.
Esta ação não é outra que a de amparo prevista no parágrafo 1º do art. 43 da Constituição nacional reformada.
Confirmadas as informações inexatas ou ofensivas, e alegado o prejuízo à honra ou à reputação, o juiz deverá ordenar ao meio de difusão passiva a publicação de resposta ou de retificação que satisfaça ao ofendido.
O primeiro elemento de eqüidade que aparece é o de que a publicação deverá apresentar a imediatidade que o meio impõe. O segundo elemento é o de que a publicação deverá apresentar o mesmo grau de importância jornalística e informativa que a publicação a que se responde ou que se retifica. O terceiro elemento é o de que a publicação deverá ajustar-se ao respondido ou retificado, sem poder apresentar considerações de outro tipo nem, por óbvio, apresentar expressões ofensivas ou injuriosas.
O meio jornalístico deverá publicar nessas condições a resposta ou a retificação. Sendo uma obrigação de fazer, poderão ser impostas multas ao meio de imprensa negligente no cumprimento de sua obrigação constitucional.
Tudo o que foi aqui exposto tem validade no que diz respeito às jurisdições nas quais os Poderes Legislativos locais não hajam estabelecido normas procedimentais específicas em função das quais dar trâmite ao processo.
Se [os Poderes Legislativos locais] houverem estabelecido, e sem prejuízo da crítica a que [essas normas] estejam sujeitas, o juiz deverá observar a idoneidade desse procedimento, no que se refere à proteção que se postula. Se isso acontecer, fica a situação excluída do art. 43 em análise.
Para finalizar, devemos dizer que, desde a reforma de 1994, em nossa opinião, não é saudável que se regulamente o exercício dessa ação nem no âmbito nacional nem no provincial. Cabem aqui as críticas, alertas e reservas manifestadas quando da edição, pelo governo militar, da lei de amparo n. 16.986. Parafraseando VARGAS GÓMEZ, digamos que uma regulamentação inconveniente do direito de réplica poder-se-ia converter em uma regulamentação do silêncio. Com BIDART CAMPOS – que assim se manifestou naquela oportunidade -, digamos que é duvidoso que os problemas que podem decorrer da falta de uma lei possam ser resolvidos com a edição dessa norma.” (grifei)

Devo registrar, finalmente, que se reveste de plena legitimidade jurídica a imposição de multa cominatória (“astreinte”) como instrumento de coerção processual destinado a compelir o devedor, mesmo que se cuide de pessoa jurídica de direito público, a adimplir obrigação de fazer, como aquela que determinou, à parte ora requerente, a publicação de sentença, na linha de orientação que tem sido acolhida pelo Supremo Tribunal Federal:

“TUTELA ANTECIPATÓRIA – POSSIBILIDADE, EM REGRA, DE SUA OUTORGA CONTRA O PODER PÚBLICO, RESSALVADAS AS LIMITAÇÕES PREVISTAS NO ART. 1º DA LEI Nº 9.494/97 – VEROSSIMILHANÇA DA PRETENSÃO DE DIREITO MATERIAL – OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DO ‘PERICULUM IN MORA’ – ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS (CPC, ART. 273, INCISOS I E II) – CONSEQÜENTE DEFERIMENTO, NO CASO, DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL – LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS ‘ASTREINTES’ CONTRA O PODER PÚBLICO – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – DECISÃO REFERENDADA EM MAIOR EXTENSÃO - TUTELA ANTECIPATÓRIA INTEGRALMENTE DEFERIDA.
.......................................................
LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS ‘ASTREINTES’.
- Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A ‘astreinte’ – que se reveste de função coercitiva – tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito. Doutrina. Jurisprudência.”
(RE 495.740-TAR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Com efeito, as “astreintes” podem ser legitimamente impostas até mesmo às pessoas jurídicas de direito público, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, “Algumas Questões sobre as Astreintes (Multa Cominatória)”, “in” Revista Dialética de Direito Processual nº 15, p. 95/104, item n. 7, junho-2004; GUILHERME RIZZO AMARAL, “As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras”, p. 99/103, item n. 3.5.4, 2004, Livraria do Advogado Editora; EDUARDO TALAMINI, “Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de não Fazer: e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84)”, p. 246/247, item n. 9.3.4, 2ª ed., 2003, Editora Revista dos Tribunais, v.g.).
Esse entendimento doutrinário, por sua vez, reflete-se na jurisprudência firmada pelos Tribunais, cujas decisões (RT 808/253-256 – RF 370/297-299 – Resp nº 201.378/SP, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES – Resp nº 784.188/RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI - Resp nº 810.017/RS, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, v.g.) já reconheceram a possibilidade jurídico-processual de condenação da Fazenda Pública na multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC e, com maior razão, a aplicação das “astreintes” aos particulares em geral.
Desse modo, tenho por insuscetível de acolhimento a pretensão cautelar formulada pelo autor, eis que inviável o próprio recurso extraordinário a que o pleito se refere.
Sendo assim, e em face das razões expostas, nego seguimento à presente “ação cautelar incidental”, restando prejudicado, em conseqüência, o exame do pedido de medida liminar.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 25 de novembro de 2010.


Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 1º.12.2010

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
31 de janeiro a 4 de fevereiro de 2011

IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI) - Alteração
Decreto nº 7.435, de 28.1.2011 - Dá nova redação ao art. 305 do Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, que regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Publicado no DOU, Seção 1, p. 1, de 31.1.2011.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Balanço fiscal terceiro quadrimestre 2010
Portaria nº 7/STF, de 25.1.2011 - Tornar público o Relatório de Gestão Fiscal referente ao terceiro quadrimestre de 2010. Publicada no DOU, Seção 1, p. 117, de 27.1.2011.

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