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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

JURID - Dano moral. Dispensa de empregado por estar com restrição. [26/02/10] - Jurisprudência


Dano moral. Dispensa de empregado por estar com restrição de crédito. Indenização devida.
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Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR.

PROCESSO N. 00813-2008-087-15-00-6

RO - RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: MARIA LÚCIA RODRIGUES

RECORRIDO: LOJAS CEM S.A.

ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE PAULÍNIA

SENTENÇA: F. 166/70 (PROCEDENTE EM PARTE)

RECURSO: F. 173/9 (RECLAMANTE)

E M E N T A

DANO MORAL. DISPENSA DE EMPREGADO POR ESTAR COM RESTRIÇÃO DE CRÉDITO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Inconcebível que, no momento mesmo em que cresce e se firma no âmbito do direito a preocupação com a proteção daquele que, por uma razão ou outra, não conseguindo resistir à pressão que o leva a consumir, contraí dívidas que não tem como saldar, se endividando além do que pode, sucumbindo, assim, aos apelos de consumo que se apresentam em uma sociedade de consumo, seja um empregado dispensado por esse motivo. Claro o dano moral, na espécie. Indenização devida.

Vistos.

Da r. decisão que julgou procedentes em parte os pedidos, recorre a reclamante a f. 173/9; pretendendo o reconhecimento do elastecimento da jornada consoante declinado na exordial e o deferimento do pleito de diferenças de horas extras, intervalo intrajornada e reflexos, direitos decorrentes do descumprimento da convenção coletiva, dano moral e honorários advocatícios. Pugna pela procedência da reclamação.

Contrarrazões pela reclamada a f. 183/90.

Os autos não foram encaminhados à D. Procuradoria Regional do Trabalho, em atendimento ao disposto no art. 111, inciso II, do Regimento Interno desse Eg. Tribunal.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

DAS HORAS EXTRAS E INTERVALO INTRAJORNDA

Alega a recorrente que há reformar o r. Decisum, a fim de determinar a condenação em labor extraordinário e reflexos e pela falta de fruição do horário completo de intervalo, uma vez que os testemunhos colhidos em juízo deixam firme que a jornada de trabalho era extrapolada e o intervalo intrajornada suprimido parcialmente.

Estou com a Instância Primeira quando, na r. Sentença, f. 167, anotou que a reclamante, em depoimento, f. 48/9, reconheceu estarem corretas as anotações contidas nos controles de frequência acostados aos autos, ao que apenas acrescento que, em determinadas assertivas procurou desmerecê-los, no que não logrou êxito, pois, vale repisar, acabou por admitir que escorreitas as marcações nos mesmos feitas; assim, para ser possível cogitar em horas extras não-pagas, haveria a apelante de oferecer demonstrativo de diferenças, comprovando a incorreção entre as horas extraordinárias prestadas e o quantum recebido à esse título, o que nã o foi feito. Aliás, o próprio excerto de seu depoimento, reproduzido pela obreira, f. 175, se tivesse ido um pouco além, com a reprodução também do asserto em sequência feito, faria soçobrar a alegação em que no mesmo se sustentava. Pelas mesmas razões, não há conhecer êxito a irresignação, quanto ao reconhecimento de que não usufruído regularmente o intervalo destinado ao repouso e alimentação.

Ainda que assim não fosse, de referir, ainda acompanhando a Origem, que a prova testemunhal não possui o necessário poder de convencimento, eis que "certo é que a prova testemunhal produzida revelou-se muito contraditória quanto à jornada de trabalho da reclamante, entre si e com o depoimento pessoal do autor, não se prestando a destruir a prova documental carreada", f. 167, fundamentação essa que não restou abalada com as razões recursais, valendo lembrar, nesse passo, da proximidade da prova testemunhal, cuja produção é feita na presença das próprias partes e do Juízo, que faz sua aferição, também, de imediato.

O ônus da prova das alegações pertence à parte que as fizer, competindo à autora demonstrar o fato constitutivo do direito. Assim, em vista das assertivas contraditórias prestadas pelas testemunhas consoante a tese exordial sobre as jornadas de labor e, tornando-se incontroversa a jornada de trabalho anotada nos controles escritos e tendo em vista, ainda, a atividade probatória ficou restrita como suso-salientado, a demonstração de diferenças, o que deveria ocorrer por meio da apresentação de um demonstrativo matemático específico, com a resultante do confronto entre as horas efetivamente prestadas, as pagas e as porventura devidas, não sendo suficiente mera alegação da existência de horas extras não remuneradas, mesmo em razão de redução do intervalo intrajornada.

Cumpria, assim, à autora a demonstração, de forma objetiva e matemática, da existência das diferenças de horas - eventualmente não quitadas - a seu favor, de modo a certificar nos autos a presença da alegada lesão, sem a qual o pedido da respectiva reparação não teria -tem- como conhecer êxito.

Considere-se que, após a oitiva das duas testemunhas e com o conhecimento das provas documentais patronais juntadas, prescindiu da produção de outras provas, requerendo o encerramento da instrução processual e, ainda, lançando razões finais remissivas, f. 50, com o que a Instância Primeira julgou o feito, segundo as provas existentes no mesmo, como de rigor, as quais não apontam para alegado inadimplemento.

DA MULTA NORMATIVA

Confirmada a inexistência de lesão a direito expressamente regulamentado no instrumento coletivo, horas extras + reflexos e intervalo intrajornada, via de conseqüência impõe-se corroborar o r. julgado de Origem no tocante à inaplicabilidade da respectiva multa normativa na hipótese, f. 168. De salientar que a autora declinou na exordial ser devida uma multa por cada norma infringida sobre os temas ausência de quitação das horas extras e do pagamento do "Dia do Comerciário", títulos que não foram-lhe deferidos, sendo certo que a inovação em sede de inconformismo recursal, no sentido de que devida a penalidade pelas diferenças salariais reconhecidas pelo acúmulo de funções, a teor das respectivas cláusulas normativas, não empolga.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Pretende a autora o deferimento da indenização por danos morais decorrente da fraude que entende cometida quando da determinação para o transporte de valores durante a jornada de trabalho e mesmo acompanhada por segurança, em vista do temor de realizar funções perigosas e para as quais não fora contratada. Refere também ser passível a reparação sob o título em face da discriminação pela dispensa por possuir restrições de créditos.

Estou em que o transporte de valores não justifica a indenização pretendida.

Especificamente quanto à discriminação por possuir restrições de crédito, entendo como caracterizado o dano moral, chegando mesmo a ser uma invasão na privacidade da obreira, a par de, num País como o nosso, em que os trabalhadores vivem com baixos salários, com um sem-número de pessoas com restrições de crédito, ser surreal pretender que um trabalhador, por algum motivo, em determinado momento de sua vida, se veja às voltas com problemas dessa espécie. Qualquer "pessoa de bem", para empregar locução singela mas aceita no meio social, pode passar por uma situação dessas, e não será por isso que poderá ter seu contrato de trabalho rompido, aliás e curiosamente, no momento em que mais precisa do emprego!

Curioso que, no momento mesmo em que cresce e se firma no âmbito do direito a preocupação com a proteção daquele que, por uma razão ou outra, não conseguindo resistir à pressão que o leva a consumir, contraí dívidas que não tem como saldar, se endividando além do que pode, sucumbindo, assim, aos apelos de consumo que se apresentam em uma sociedade de consumo, seja um empregado dispensado por esse motivo. Claro o dano moral, na espécie. Apenas para melhor expor meu raciocínio, transcrevo precioso trecho que demonstra a preocupação com o consumidor, com sua proteção:

"Podemos efetivamente identificar na nova relevância jurídica deste fator 'pressão', a origem das normas sobre o direito de reflexão, direito de arrepender-se sem causa dos contratos concluídos sobre a pressão das vendas diretas, normas que impõem um grande formalismo informativo para o consumidor, como que tentando protegê-lo de sua condição de inferioridade, de leigo, de vulnerável, normas tentando protegê-lo da pressão do marketing, dos médicos de venda, do consumismo exagerado, do superendividamento, das posições monopolistas dos fornecedores, das novas necessidades criadas pela sociedade de consumo", in "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", Cláudia Lima Marques, RT, 3ª edição, páginas 128/9.

Mesmo porque, como já se lembrou:

"O superendividamento do consumidor surge como a face negra da democratização do crédito ao consumo. Tão antigo como a história do crédito, este fenômeno tornou-se um problema coletivo relevante quando da massificação do crédito. Por isso, ele deve ser encarado tanto como problema social, como um problema jurídico, justamente porque a idéia de ser devedor sempre esteve associada ao sentimento de fracasso, de infelicidade, de pobreza, de indignidade humana", in "O Superendividamento do Consumidor como Hipótese de Revisão dos Contratos de Crédito", Brunno Pandori Giancoli, Editora Verbo Jurídico, 2008, página 09.

À título de indenização por dano moral fixa-se o valor de R$ 7.000,00, correspondente a, aproximadamente 10 salários da obreira, que percebia, à época da rescisão R$ 705,16, f. 21, razoável e de acordo com o dano experimentado, que leva "em conta a necessidade de, com aquela quantia, satisfazer a dor do trabalhador e dissuadir de igual e novo atentado o autor da ofensa", como bem dilucidado por Beatriz Della Giustina, em artigo inserto na Revista "Trabalho & Doutrina", nº 10, Saraiva, p. 11, ou, nas palavras de Carlos Alberto Bittar: "de bom alvitre analisar-se, primeiro, a) a repercussão na esfera de lesado, depois, b) o potencial econômico-social de lesante e c) as circunstâncias do caso, para finalmente se definir o valor da indenização, alcançando-se, assim, os resultados próprios: compensação a um e sancionamento a outro" ("in" "Revista do Advogado", nº 44, p. 27) e, irrecusavelmente, esses parâmetros são os seguidos e observados, importando salientar que, se a indenização não for fixada em valor que faça quem ofendeu sentir, profundamente, o mal que fez, não se estará atendendo, integralmente, os fins visados com sua imposição, em linguagem simples e por isso mesmo muito elucidativa, o Juiz Cláudio Ost definiu a situação, verbis: "Aquele que causa o dano moral deve sofrer no 'bolso' dor igual a que fez sofrer moralmente a outra pessoa" (in "Sentenças Trabalhistas Gaúchas", 3ª Série, HS Editora, Abril/2000).

Assim, a indenização fixada está de acordo com as circunstâncias fáticas, condições das partes, inclusive econômicas; e há de constituir-se em fator de desestímulo à pratica adotada pela reclamada, em relação aos seus empregados.

Nesse passo, útil o evocar-se a advertência de Rui Manuel de Freitas Rangel, eminente jurista português, o qual, com pena de mestre, afirmou que:

"actualmente, a responsabilidade civil não cumpre verdadeiramente o seu desiderato principal que assenta na reparação justa e equitativa dos interesses jurídicos do lesado que foram violados através do comportamento culposo do lesante.

É no domínio da profundidade ou densidade da reparação que este instituto tem falhado, quer quanto à indemnização a fixar no âmbito dos danos morais ou não patrimoniais (onde se torna difícil, sobretudo fixar um valor, atenta a natureza de tais danos).

O lesado é aqui confrontado, ao nível da indenização pelos danos não patrimoniais resultantes da violação, com um julgador que, a coberto de uma aparente equidade, se baseia em critérios miserabilistas e insensíveis, desajustados da prova integral dos factos que lhe competia provar, para ter direito a uma indenização justa e adequada. Esta é, sem dúvida, a melhor forma de se 'matar' o instituto da responsabilidade civil" (in "A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade Civil", Livraria Almedina-Coimbra, 2002, p. 07.

Tenho em que correta a retro-transcrita observação, e acredito mesmo que isso faz parte, de certo modo, da nossa cultura jurídica, como a da Pátria-mãe também, pelo que enxergo aqui, em algumas situações, entre nós, o mesmo que enxergou o citado jurista lusitano, no sentido de que: "A prática dos nossos Tribunais tem sido a de nivelar por baixo, na avaliação econômica que fazem destes danos, a circunstância a que não é alheia e que se encontra associada ao tipo de mentalidade e cultura próprios do nosso país, economicamente pobre, com deficiências estruturais e assimetrias sociais graves"(in ob. Cit., p. 37).

De inferir, então, que é preciso cuidado para que a indenização fixada não fique muito aquém do que, razoavelmente e até mesmo por uma questão de justiça, bem poderia esperar o obreiro.

Quiçá, no momento de fixar a indenização, possa ser de alguma valia utilizar o método sugerido, já em tempos idos, pelo maior da Companhia de Jesus, Ignácio de Loyola, em seu livro de Exercícios, no qual:

"Em primeiro lugar é notado o inferno na plenitude do seu horror, cheio de turgas de réprobos, que soltam queixumes de dor. Esse exercício começa fazendo com que o discípulo, antes de mais nada, meça ' com os olhos da imaginação ', o 'comprimento, a largura e a profundidade do inferno'; mas depois os demais sentidos também devem entrar em jogo, pois nessas estranhas contra-regras, com sua exata subdivisão em 'pontos', consta o seguinte:

'O primeiro ponto consiste em que eu entreveja com os olhos da imaginação esses braseiros imensos e as almas encerradas como que em corpos de fogo.

O segundo ponto consiste em que eu ouça com o ouvido da imaginação o pranto, os gemidos, os gritos, as blasfêmias contra Nosso Senhor Jesus Cristo e contra todos os seus santos.

O terceiro ponto consiste em que eu sinta com o olfato da imaginação a fumaça, o enxofre, o odor da sentina e das cousas podres do inferno.

O quarto ponto consiste em que eu deguste com o paladar da imaginação as cousas amargas, as lágrimas, a tristeza, esse verme roedor.

O quinto ponto consiste em apalpar, com o tato da imaginação, a intensidade com que esse ardor envolve as almas e as queima'." (in "Os Jesuítas, seus Segredos e seu Poder", René Fulop-Miller, Edição da Livraria do Globo, 1946, p. 25/6, respeitada a grafia da impressão).

Questões jesuíticas à parte e pedindo escusas pelo, digamos assim, ligeiro desvio de rota, esclareço que pretendo, com a lembrança, ponderar que, não-raro, para se entender o que algo significa para alguém, de mister colocarmo-nos na, passe a pobreza do vocábulo, "pele" desse alguém, para, com os olhos e demais sentidos imaginando-nos na situação dessa pessoa e atento ao que de ora se trata, avaliarmos da sua dor, do seu sofrimento e das suas angústias, o que, acredito, possibilitará, já agora com maiores tranquilidade e segurança, estabelecer a indenização devida.

Por derradeiro, quanto a esse ponto, quero deixar consignado que não desconheço que se há de levar em conta as possibilidades do responsável pela satisfação da indenização, bem como a intensidade e gravidade do dano, por óbvio, apenas parto do princípio de que esses argumentos não podem eclipsar o direito a uma reparação que, do que também se tem consciência, embora não possa ter plena equivalência com o dano, represente um verdadeiro consolo àquele que lhe experimentou os efeitos, e não venha a fazer com que este acabe por sentir, aumentando-lhe a dor e o sofrimento, que mínimas e/ou mesmo ineficaz a atuação do Estado, face ao dano que tanto lhe abalou e tão mal lhe causou!

Por fim, quanto a esse tópico, cumpre notar que a ofensa moral, em sede trabalhista, praticada ou permitida pelo empregador, é de ser considerada mais grave do que se cometida em outras situações, ou, pelo menos, em algumas outras situações, pois traduz abuso ou descaso reprovável, diante da inferioridade econômica do trabalhador e do pavor do desemprego, podendo mesmo, em determinados casos, resvalando para ato de desumanidade, o que, por seu turno, deve, também, ser considerado, na e para a fixação da indenização.

Assim, a indenização fixada está de acordo com as circunstâncias fáticas, as condições das partes, inclusive econômicas e há de constituir-se em fator de desestímulo à pratica e postura adotada pela reclamada, em relação aos seus empregados

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Ausentes os requisitos da Lei nº 5.584/70 e Súmula n.219, cuja validade foi confirmada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, pela Súmula n. 329 do C. TST, indevidos os honorários advocatícios, porquanto em pleno vigor o artigo 791, da CLT, não revogado pelo artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.906/94. Ademais, o E. STF decidiu que referido dispositivo legal não se aplica na forma pretendida. Ainda, não atendidos os requisitos da OJ. n.305 do C.TST.

CONCLUSÃO

POSTO ISTO, decido CONHECER do recurso interposto por MARIA LÚCIA RODRIGUES e, no mérito, O PROVER EM PARTE, para acrescer à condenação o pagamento de indenização por dano moral, no importe de R$ 7.000,00, nos termos da fundamentação.

Rearbitro o valor da condenação em R$ 10.000,00, custas em R$ 200,00.

FRANCISCO ALBERTO DA MOTTA PEIXOTO GIORDANI
JUIZ RELATOR




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