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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

JURID - Estatuto da criança e do adolescente. Nulidade da sentença. [19/02/10] - Jurisprudência


Estatuto da criança e do adolescente. Nulidade da sentença. Princípio da identidade física do juiz.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT.

Órgão 1ª Turma Criminal

Processo N. Apelação da Vara da Infância e da Juventude 20080130018473APE

Apelante(s) J. C. O. E OUTROS

Apelado(s) M. P. D. F. E T.

Relator Desembargador MARIO MACHADO

Acórdão Nº 404.412

E M E N T A

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NULIDADE DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INCOMPATIBILIDADE. NECESSIDADE DE PREJUÍZO CONCRETO. ATOS INFRACIONAIS CORRESPONDENTES A HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO. medida SOCIOEDUCATIVA. INTERNAÇÃO.

A aplicação supletiva da legislação processual penal ao procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente, conforme o art. 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente tem lugar quando não se chocar com as regras específicas deste. E estas estabelecem procedimento que, se antes era análogo, hoje é bem diverso daquele vigente no processo penal. Como, no procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente não há única audiência com a concentração de todos os atos relativos à coleta de prova, impossível a aplicação do princípio da identidade física do juiz hoje abrigado no novo § 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal. Ademais, o aludido princípio não é concebido em termos absolutos, merecendo respeito princípios outros como os da celeridade e da economia, além de ser imperiosa a demonstração de efetivo prejuízo à parte que o alega (art. 563, CPP).

Tratando-se de atos infracionais de natureza gravíssima, havendo o cometimento reiterado de outras infrações igualmente graves e o descumprimento de medidas socioeducativas anteriormente aplicadas, adequada é a medida socioeducativa de internação. Ademais, o contexto social e familiar apresentado está a determinar intervenção estatal mais enérgica (§ 1º do art. 112 e art. 122, do ECA).

Apelações desprovidas.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, MARIO MACHADO - Relator, SANDRA DE SANTIS - Vogal, LUCIANO VASCONCELLOS - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador MARIO MACHADO, em proferir a seguinte decisão: DESPROVER. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 21 de janeiro de 2010

Certificado nº: 38 81 4C 93 00 03 00 00 0A D6

01/02/2010 - 20:57

Desembargador MARIO MACHADO
Relator

R E L A T Ó R I O

Julgada procedente a pretensão posta na representação em relação aos adolescentes J. C. O. e G. A. M., qualificados nos autos, pela prática de atos infracionais correspondentes ao tipo penal do art. 121, § 2º, incisos I e IV (duas vezes), e art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II (três vezes), todos do Código Penal, tendo sido aplicada a medida socioeducativa de internação a ambos os menores (fls. 233/241).

Inicialmente, suscita a Defesa preliminar de nulidade sob a alegação de ferimento ao princípio da identidade física do juiz. No mérito, postula a absolvição dos adolescentes por alegada insuficiência probatória e, alternativamente, requer a aplicação de medida socioeducativa de semiliberdade (fls. 271, 273, 276/283 e 289/292).

Contrarrazões do Ministério Público, às fls. 301/315, pela manutenção da sentença.

Em observância ao disposto no art. 198, inciso VII, do ECA, o Juízo a quo manteve o decisum (fl. 317).

Parecer da i. Procuradoria de Justiça, à fl. 328, ratificando os termos das contrarrazões ministeriais.

É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Relator

Presentes os requisitos de admissibilidade dos recursos, dele conheço.

Não obstante os combativos argumentos da Defesa, a preliminar de nulidade arguida não merece prosperar.

A introdução do princípio da identidade física do juiz no Código de Processo Penal ocorreu com o advento da Lei nº. 11.719, de 20/06/2008, em vigor a partir de 24/08/2008, com seguinte redação: "Artigo 399. ... § 2º. O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença".

No caso, uma primeira juíza, Dra. Andréia Lemos Gonçalves de Oliveira, em 24/03/2008, interrogou os jovens e ouviu suas genitoras (fls. 95/98); um segundo juiz, Dr. Weiss Webber Araújo Cavalcante, em 02/04/2008, ouviu seis testemunhas e deferiu vista para alegações finais escritas das partes (fls. 120/125). Por fim, um terceiro juiz, Dr. Renato Rodovalho Scussel, em 28/08/2008, proferiu a sentença que impôs aos menores a medida socioeducativa de internação (fls. 233/241).

Prevê, realmente, o artigo 152 do ECA: "Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente". Sucede que a aplicação supletiva da legislação processual penal ao procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, somente tem lugar quando não se chocar com as regras específicas deste. E estas estabelecem procedimento que, se antes era análogo, hoje é bem diverso daquele vigente no processo penal.

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu artigo 184, impõe que, "oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação". Adiante, no artigo 186, prescreve que, "comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado". O § 1º do aludido artigo prevê que, "se a autoridade judiciária entender adequada a remissão, ouvirá o representante do Ministério Público, proferindo decisão". Mas, conforme o § 2º, "sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semi-liberdade, a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo, audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo do caso". É no prazo de três dias, a partir da audiência de apresentação, que devem ser oferecidos a defesa prévia e o rol de testemunhas, conforme o § 3º: "O advogado constituído ou o defensor nomeado, no prazo de três dias contado da audiência de apresentação, oferecerá defesa prévia e rol de testemunhas". E, por fim, de acordo com o § 4º: "Na audiência em continuação, ouvidas as testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe interprofissional, será dada a palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente, pelo tempo de vinte minutos para cada um, prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em seguida proferirá decisão".

Tudo diferente da audiência única do Processo Penal (ritos ordinário e sumário) onde um só juiz colhe, de uma só vez, toda prova oral, ficando, por isso mesmo, vinculado, nos termos do novo § 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal.

Como no procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente, na Vara da Infância e da Juventude, não há audiência única, pelo contrário, impõe a Lei Menorista primeiro a audiência de apresentação e oitiva do adolescente, depois defesa prévia, seguindo-se audiência de instrução, não há identidade de razões que permita a importação do princípio da identidade física do juiz hoje abrigado no Código de Processo Penal. Nem mesmo a estrutura de funcionamento do Juízo da Vara da Infância e da Juventude possibilitaria adequada observância desse princípio, em face de serem mais de uma as audiências com um mesmo menor, em datas diversas, não se podendo assegurar a permanência dos mesmos juízes, além do titular, para presidir todas, em face do grande volume de procedimentos naquele Juízo e das necessidades de deslocamentos dos magistrados para atender as necessidades do primeiro grau de jurisdição no Distrito Federal. Candente exemplo disto é que, no processo de que se cuida, atuaram três diferentes juízes.

Concorre, ademais, outro fundamento, autônomo, suficiente à denegação da ordem. No direito processual pátrio contemporâneo, o princípio da identidade física do juiz não é concebido em termos absolutos, merecendo respeito princípios outros como os da celeridade e da economia. Além disso, a teoria das nulidades orienta-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, não se decretando qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo para a parte, incumbindo o ônus da demonstração a quem a alega. Isso, inclusive, está expresso no artigo 563 do Código de Processo Penal: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Aliás, em sede de direito processual, a alegação de prejuízo, necessariamente, deverá estar plasmada em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, porque têm as partes direito à prestação jurisdicional e não a um determinado resultado por elas perseguido.

Assim, em tema de alegada violação do princípio da identidade física do juiz não basta dizer que o prejuízo é intuitivo, ou seja, que é ínsito ao fato de outro juiz, que não o recolhedor da prova, ter sentenciado. É necessário demonstrar efetivo prejuízo.

Confira-se:

"Direito Civil. Agravo no recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e morais. Transporte rodoviário. Acidente de trânsito. Morte. Rejeição dos embargos de declaração. Rejeição. Princípio da identidade física do juiz. Fundamentação deficiente. Reexame fático-probatório. Correção monetária sobre o valor dos danos morais. Termo inicial. Data em que foi arbitrado o valor definitivo. Dissídio não comprovado. Ausência de similitude fática. - (omissis). - O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, só ensejando nulidade do acórdão se importar em violação ao contraditório e à ampla defesa. - Prejuízo dito intuitivo não é suficiente para reconhecer violação ao art. 132 do CPC. - (omissis). Agravo no recurso especial não provido." (STJ, AgRg no REsp 913.471/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 21/02/2008, DJe 10/03/2008; grifou-se)

Ora, no caso concreto, limitam-se os apelantes a sugerir prejuízo intuitivo, sem demonstrar prejuízo concreto, sequer especificado. Não foi demonstrada, sequer superficialmente, a existência de qualquer prejuízo para a defesa. Aliás, mera leitura da sentença demonstra que bem observou todos os elementos probatórios produzidos ao longo do processo.

Inexistente, pois, também só por este fundamento, a alegada violação ao princípio da identidade física do juiz.

Logo, inaplicável ao procedimento de apuração de ato infracional o princípio da identidade física do juiz, e também não configurada violação a este.

No que pertine ao mérito, tanto a materialidade como a autoria do ato infracional restaram inabaladas, eis que cabalmente evidenciadas (fls. 14/17, 132/135, 95/99 e 122/125).

Note-se que a confissão de J. C. O. (fl. 97) se encontra amparada na confissão de G. A. M. (fl. 95), no interrogatório de L. P. V. (fl. 99) e nos depoimentos das testemunhas acostados às fls. 124/125.

Ademais, coaduno com a argumentação exposta pelo i. Promotor de Justiça, in verbis:

"(...) No mais, ao contrário daquilo afirmado pela Defesa de G., não houve qualquer demonstração de que o apelante G. tivesse assumido a sua participação nos homicídios e tentativas de homicídio com o propósito de isentar o imputável Everton, que seria o verdadeiro co-autor das infrações, trata-se tal afirmativa de mera especulação defensiva.

(...)

Noutro giro, em que pese nenhuma das vítimas inquiridas em Juízo terem reconhecido os apelantes como sendo os autores dos disparos, provavelmente em decorrência do temor de futuras represálias, também não excluíram a participação deles no evento. Inclusive, Luiz Melo Rodrigues relatou ter ouvido comentários de que os responsáveis pelos disparos seriam J. e G. (fl. 124). Por seu turno, Eduardo Cardoso Dantas confirmou que estava no local dos fatos e presenciou dois elementos se aproximarem do grupo do qual fazia parte e desferir vários tiros em sua direção, acrescentando que também ouviu comentários de que os representados seriam os autores dos disparos (fl. 125) (...)." (fl. 310)

Quanto à medida socioeducativa, sem razão a Defesa ao requerer seu abrandamento para semiliberdade.

Primeiro, o fato descrito na representação é de natureza gravíssima, eis que violado bem jurídico precioso e único - a vida humana, sendo que a conduta dos apelantes ceifou a vida de dois jovens de apenas quinze anos de idade, os quais se encontravam divertindo-se em festa, não se importando com o fato de que na residência havia outras pessoas que também poderiam ser feridas, quiçá mortas, diante da empreitada criminosa. Além disso, o fato decorreu de famigerada guerra de gangues de jovens, que tanto perturbam a paz da comunidade e desvirtuam a juventude.

Assim, preenchido o requisito elencado no inciso I do art. 122 do ECA.

Segundo, observado o pressuposto do inciso II do aludido artigo, quando se analisa a folha de passagens infracionais dos adolescentes (fls. 228/230), que apresenta incursões graves. Assim, manifesto que os menores têm trilhado costumeiramente a senda da delinquência, necessitando, pois, de uma ação mais enérgica por parte do Estado.

Neste ponto, o relatório social de fls. 191/199, referente ao menor G. A. M., atesta a desestrutura familiar em que estava inserido o menor e o contexto de risco que o mesmo vivencia, a saber, a influência de más amizades, a falta de submissão a quaisquer autoridades e as ameaças que sofre de outros jovens, por praticar condutas infracionais. Todo esse quadro, por si só, já é suficiente para determinar a segregação do menor em instituição que possa redirecionar suas atenções para o estudo regular, bem como reabilitá-lo na sociedade (§1º do art. 112 do ECA).

Em que pese o relatório social apresentado pelo jovem J. C. O. ser-lhe, até certo ponto, favorável, ao constatar a boa unidade familiar, sua vinculação ao ensino regular e o fato de o mesmo estar arrependido do fato representado (fls. 160/167), ainda se fazem presentes os requisitos arrolados no art. 122 do ECA, na medida em que, como já delineado, trata-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa e a presença de outras incursões em sua folha de passagens infracionais, por ato análogo a furto e tráfico de entorpecentes (fl. 228).

Feitas essas considerações, verifica-se, in casu, que a medida socioeducativa de internação é a que melhor suprirá as necessidades apresentadas pelos adolescentes. Saliente-se que a execução da medida de internação vem agregada à obrigatoriedade de escolarização e profissionalização do menor, conforme inciso XI do art. 124 do ECA. Ademais, após o cumprimento de no máximo seis meses, a aludida medida poderá ser reavaliada, nos moldes do § 2º do art. 121 do Estatuto da Criança.

Pelo exposto, nego provimento aos recursos para manter integralmente a r. sentença recorrida.

É o voto.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Vogal

Com o Relator.

O Senhor Desembargador LUCIANO VASCONCELLOS - Vogal

Com o Relator.

D E C I S Ã O

DESPROVER. UNÂNIME.

DJ-e: 11/02/2010




JURID - Estatuto da criança e do adolescente. Nulidade da sentença. [19/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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