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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

JURID - DF terá que indenizar ex-paciente. [26/10/09] - Jurisprudência


DF terá que indenizar ex-paciente por erro em diagnóstico de HIV.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2007.01.1.053334-7

Vara: 112 - SEGUNDA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF

Processo: 2007.01.1.053334-7

Ação: INDENIZAÇÃO

Requerente: ALAOR PEREIRA DA SILVA

Requerido: DISTRITO FEDERAL

ALAOR PEREIRA DA SILVA ajuíza ação contra DISTRITO FEDERAL. Afirma que no dia 29/9/2007, foi internado no Hospital Regional do Gama após longo período de indisposição, que culminou em dificuldades de locomoção e nervosismo. Internado, recebeu diagnóstico de: etilismo, desnutrição, problemas neurológicos periféricos, psicose de Korsakoff, encefalopatia de Wernick, sequela de neurosistercecose, seqüela psiquiátrica irreversível, catarata. Diagnosticado, ainda, que o autor era portador do vírus HIV.

Em 17 de novembro de 2003, recebeu alta. Deixou o hospital de cadeira de rodas, pois não podia se locomover. Continuou o tratamento com o auxílio de seu irmão Ivo e da Fundação Lucas Evangelista - FALE. Em abril de 2004, a médica que o atendia solicitou novos exames, oportunidade que descobriu não ser portador do vírus HIV.

Noticia que sua esposa faleceu vítima de um derrame provocado pelo estresse causado pela notícia. Aduz que entre novembro de 2003 e novembro de 2004 foi submetido a convívio diário com pessoas portadoras de doença terminal. Assevera que a situação causou-lhe a angústia de acreditar ser portador de tão grave doença, o desprezo e o abandono de amigos, os danos causados pelos medicamentos tomados desnecessariamente.

Afirma que, suspenso o tratamento, recuperou-se paulatinamente e retornou ao convívio social.

Pede que o réu seja condenado a pagar indenização pelo dano moral causado, cujo valor estima em R$ 100.000,00.

Deferida a gratuidade de justiça (fl.32).

Contestação às fls. 36/48. Reconhece que o autor este em tratamento no Hospital Regional do Gama entre 29.9.2003 e 17.11.2003. Afirma que o autor recebeu todo o tratamento necessário.

Realizados exames no autor, foi constatado o resultado reagente para o exame que detecta a presença do HIV, fato comunicado com respeito e dignidade. Na oportunidade, foi posta a necessidade de realização de novos testes para confirmar o diagnóstico. Feitos novos exames, foi verificado que o autor não era portador do vírus.

Afirma que seus agentes procederam conforme a Portaria n. 59 do Ministério da Saúde. Nega que tenha praticado ato capaz de causar prejuízo moral ao autor, pois lhe ministrou técnicas médicas aptas a recuperação de sua saúde. Afirma ser necessária a prova do dano e do nexo causal para a configuração do dever de indenizar.

Pugna pelo julgamento de improcedência do pedido.

Réplica às fls. 66/67.

Deferida a produção da prova oral (fls. 74/75).

Colhida a prova oral (fl. 88, 105 e 116).

Alegações finais às fls. 121/122 e 123/128.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

Trata-se de ação que se objetiva reparação por danos morais decorrentes do fato de o autor ter sido diagnosticado como portador do vírus HIV.

O dever de indenizar o prejuízo derivado da prática de ato ilícito exige, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, a prática de ato ilícito capaz de causar prejuízo, ocorrência de dano e que a conduta atribuída à parte seja a causa do dano experimentado.

Como se trata de responsabilidade derivada de dano provocado pela prestação de serviço público, a responsabilidade do Estado independe de culpa, como previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

O ato ilícito atribuído ao réu consiste no erro de diagnóstico.

A testemunha Cândida Elizabeth de Almeida Kaniak, médica encarregada pelo Diretor do Hospital Regional do Gama de elaborar relatório sobre o caso do autor, afirmou que foram colhidas amostras de sangue do autor para dois exames de triagem, com o fim de se averiguar se o autor era portador do vírus HIV. Ambos os exames constataram que o autor era portador do vírus. Iniciado o tratamento, com a melhora do quadro clínico do autor, desconfiou-se que o autor não era portador do vírus. Realizados novos exames, foi constatado o erro de diagnóstico. Confira-se:

(...) que os testes aplicados pelo Distrito Federal para detectar o HIV são precisos, mas existe possibilidade de apresentar um falso positivo. Que tomou conhecimento do caso do autor porque o Diretor do Hospital do Gama solicitou à depoente que elaborasse um relatório sobre o caso do autor em razão do ajuizamento da presente ação; que a depoente esclarece que nunca foi médica do autor e que tomou conhecimento do caso do autor por meio do prontuário médico; que ao examinar o prontuário médico do autor constatou que o autor era portador de alcoolismo, úlcera de decúbito, anemia, neuropatia periférica (comprometimento dos membros inferiores pelo consumo excessivo de álcool, caso em que o paciente perde a capacidade de locomoção, que é recuperada a partir do momento em que o paciente é submetido a tratamento e passa a se alimentar de forma adequada), desnutrição; que diante do quadro clínico do autor solicitou-se o exame de AIDS; que os resultados dos exames dois testes de triagem foram positivos. Que o paciente foi diagnosticado como portador do HIV e recebeu alta com esse diagnóstico e foi tratado por cinco meses como portador do HIV. Que diante da melhora do quadro clínico do autor, suspeitou-se que ele não era portador do HIV e por essa razão repetiu-se o exame, exame que concluiu que o autor não era portador do vírus. Que em decorrência de suas investigações para elaboração do laudo solicitado pelo diretor do seu hospitala depoente concluiu, juntamente com o responsável pelo laboratório central, que diante da exatidão dos testes o que possivelmente ocorreu foi a troca de amostras de sangue. Que o resultado de falso-positivo em um exame HIV pode ser acarretado por outras doenças como Lúpus, ou doença viral em uma expressiva carga de anticorpos. Dois testes de triagem positivos mais o exame clínico podem gerar o diagnóstico de portador do vírus HIV; que no caso do autor foram realizados dois testes de triagem e o exame clínico que constataram que o autor era portador do vírus; que no caso específico do autor o exame confirmatório foi apresentado após a alta do autor, veio com resultado negativo; que de acordo com as regras no Ministério da Saúde, na época, para que se diagnosticasse um portador de HIV bastavam dois testes de triagem e a evidência clínica. Que não sabe dizer se os testes de triagem foram feitos com a mesma amostra de sangue. Que ao autor foi prescrito terapia anti-retroviral. Que a medicação retroviral, a longo prazo pode reduzir a capacidade de locomoção; que o autor já apresentava redução da capacidade de locomoção antes de tomar a medicação retroviral. Que a depoente não tem conhecimento de que a medicação retroviral pode causar cegueira. Que a depoente não se lembra as datas em que foram realizados os exames de triagem. Que as datas encontram-se no relatório apresentado pela depoente.

Segundo a testemunha Maria Inês Hernandez Lopes, para o diagnóstico do HIV, a Portaria 59 do Ministério da Saúde determina a colheita do material para exame. Constatada a presença do vírus, colhe-se novamente outro material e realiza-se novo exame. Se positivo, conclui-se que a pessoa é portadora do vírus (fls.106/107).

O autor reconheceu em seu depoimento que o segundo teste foi realizado enquanto esteve internado.

Ao que tudo indica, foi observado o procedimento estabelecido na Portaria n. 59 do Ministério da Saúde. Contudo, algo aconteceu para o erro de diagnóstico. Conforme relatado pela testemunha Cândida, a exatidão dos testes realizados indicam que erro não ocorreu nos testes. Possivelmente o erro de diagnóstico derivou de troca de amostras.

Observo que, consoante declaração do autor na petição inicial, foi ele internado em razão de uma série de doenças, dentre as quais alcoolismo, desnutrição, problemas neurológicos periféricos. Possível que, em razão de seu quadro clínico, um de seus exames, possivelmente o primeiro, tenha apresentado resultado falso positivo, e a amostra de sangue do segundo exame tenha sido trocada.

Constatada a falha na prestação do serviço. Configurado o ilícito.

No que diz respeito aos danos sofridos pelo autor, passo a tecer as seguintes considerações. Não há qualquer elemento nos autos que permita concluir que a esposa do autor faleceu em decorrência da notícia de ser o autor portador do vírus HIV.

Argumenta o autor que em razão dos medicamentos tomados para o controle do HIV teve paralisação dos membros inferiores e cegueira. Não há prova de que a medicação ministrada para o controle do HIV tenha causado no autor paralisia e cegueira. As médicas ouvidas, Maria Inez (fls.106/107) e Cândida Elizabeth (fls. 117/118) informaram que a medicação de controle do HIV não causa cegueira e pode causar paralisia após extenso período de uso. O autor tomou a medicação por aproximadamente um ano. Não tomou a medicação por tempo suficiente para sofrer de paralisia.

Ressalto que o autor foi internado no Hospital Regional do Gama por ser portador de diversas doenças, algumas relacionadas com o alcoolismo: desnutrição, problemas neurológicos periféricos, sequela de neurosistercecose. Era ainda portador de catarata, psicose de Korsakoff, encefalopatia de Wernick e sequela psiquiátrica irreversível. A cegueira relatada proveio da catarata ou das outras doenças portadas. A paralisia decorreu do alcoolismo relacionado à desnutrição, como especificou a testemunha Cândida.

Concluo que o autor não sofreu as consequências clínicas alegadas.

Contudo, não posso deixar de considerar a discriminação social sofrida pelo portador do HIV. Segundo o autor, permaneceu amparado apenas por seu irmão Ivo e teve que buscar abrigo na instituição FALE. Contudo, não posso atribuir a segregação social exclusivamente ao diagnóstico do vírus. O autor já era portador de etilismo, alcoolismo, doença que, quiçá, segrega com maior amplitude do que o diagnóstico do HIV. Conhecidos os danos familiares e sociais provocados e sofridos pelo alcoólatra. Observo que o alcoolismo do autor era de tal proporção que lhe provocou, inclusive, paralisia nos membros inferiores, diagnosticada no momento de sua internação no HRG. Os danos provocados pelo falso diagnóstico apenas se somaram os danos sociais já provocados pelo alcoolismo.

Não há como ser negado o dano psíquico provocado pela notícia de ser portador do vírus HIV.

Configurado o dano moral.

Há nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado.

Presentes todos os elementos que configuram o dever de indenizar, passa-se à análise do quantum devido.

A fixação da indenização devida a título de dano moral é matéria que exige especial atenção do julgador, principalmente porque a extensão da dor sofrida não pode ser objetivamente quantificada em pecúnia. Vindo em auxílio ao magistrado, a doutrina erige alguns critérios hábeis a balizar a atividade judicial, tais como: a) o nível econômico-financeiro das partes, de sorte a não fazer da indenização arbitrada fonte de enriquecimento indevido do autor ou de miserabilidade do réu; b) o caráter punitivo de que deve ser revestir a indenização, posto ser esta meio de sanção pelo ilícito praticado; c) a função educativa, eis que a indenização também tem como escopo evitar a reiteração do ato lesivo; e d) o grau de culpa do responsável.

Nesse sentido, ressalta Carlos Bittar, citado por Yussef Said Cahali (Dano Moral, Ed. RT, 2ª Edição, pág. 177):

Demarca-se, como dados propiciadores da configuração do dano moral, a necessidade de a ação judicial acarretar a exigível intimidação para que fatos análogos não se repitam, além de se constituir, sob certo aspecto, em forma punitiva civil dirigida ao ilícito, sem desconsiderar que propicia a pecúnia um conforto maior para quem suportou tão grande trauma como a morte violenta do chefe de família". E segue Cahali "o montante do dano moral deve ser estipulado em conformidade com a teoria do valor de desestímulo, que doutrina e jurisprudência vêm propugnando, para elisão de comportamentos lesivos à sociedade. Cuida-se de técnica que, a um só tempo, sanciona o lesante e oferece exemplo à sociedade para que não floresçam condutas que possam ferir valores que o direito protege; a indenização por dano moral não tem caráter unicamente indenizatório, mas também possui caráter pedagógico, ao servir de freio para que atos culpáveis voltem a se repetir.

Atendidos a tais elementos, principalmente ao caráter educativo e punitivo de que deve se revestir a indenização, considerado o reduzido grau de culpa do agente público, uma vez que o quadro clínico então apresentado pelo autor concorreu provavelmente para o erro de diagnóstico, atenta ainda para o fato de ter sido dispensado ao autor o tratamento clínico adequado às doenças portadas e supostamente portadas e, por fim, considerado que as demais doenças portadas pelo autor interferiram na sua reprovação social, reduzindo a repercussão do falso diagnóstico, fixo a indenização pelo dano moral causado em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para condenar o réu a pagar indenização pelo dano moral causado ao autor no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sobre o valor devido incidirá correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, incidentes a partir desta data. Sem condenação em custas, diante da isenção do réu. Deixo de condenar o réu a pagar honorários advocatícios por ser o autor defendido pela Defensoria Pública, mantida pelo réu. Declaro resolvido o mérito, com fundamento no artigo 269, inciso I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Dispensado o reexame necessário.

Brasília - DF, terça-feira, 13/10/2009 às 15h38.

Luciana Pessoa Ramos
Juíza de Direito Substituta



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