Policial Civil é condenado por corrupção e tráfico de drogas.
PROCESSO nº 015/2.07.0006231-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉUS: MIGUEL DE OLIVEIRA, ANDRÉ AZEVEDO, CARLOS DA SILVA PADILHA, DANIEL BERMANN MACHADO, ELBIA CASSANDRA DOS SANTOS MARTINS, LÚCIO ANTONIO DOS SANTOS FAGUNDES, ROSANGELA MARIA VIANA FLORES, THIAGO FLORES GONZALEZ, VALÉRIO SOUZA DA SILVA.
1ª VARA CRIMINAL - COMARCA DE GRAVATAÍ/RS
JUÍZA: EDA SALETE ZANATTA DE MIRANDA
DATA: 23.06.2010
Vistos etc.
O Ministério Público, com base no Inquérito Policial nº 104/06/350003-A, da Delegacia de Feitos Especiais - COGEPOL, ofereceu denúncia contra:
MIGUEL DE OLIVEIRA, RG n° 9001415661, CPF n° 149.051.240-34, brasileiro, casado, funcionário público estadual (policial civil), instrução secundária, nascido em 07.10.1947, natural de Uruguaiana/RS, filho de Ramona de Oliveira, atualmente recolhido ao Grupamento de Operações Especiais de Porto Alegre/RS - GOE; como incurso nas sanções do art. 33, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006 (1º FATO); art. 33, "caput", combinado com o art. 40, incisos II, III e VI, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (2º FATO); art. 35, "caput", combinado com o art. 40, incisos II, III e VI, ambos da Lei nº 11.343/2006 (3º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (5º FATO); art. 33, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal, por duas vezes, na forma do art. 69, "caput", do Código Penal (6º FATO); art. 35, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006 (7º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (9º FATO); art. 33, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal, por duas vezes, na forma do art. 69, "caput", do Código Penal (10º FATO); art. 35, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006 (11º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (13º FATO); art. 33, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (14º FATO); art. 35, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006 (15º FATO); art. 33, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (16º FATO); art. 35, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006 (17º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (19º FATO); e art. 316, "caput", do Código Penal (20º FATO);
ANDRÉ AZEVEDO, RG n° 3092961873, vulgo "Dedé" ou "Gordo", brasileiro, solteiro, eletricista, instrução primária, nascido em 28.09.1984, natural de Gravataí/RS, filho de Marlene Azevedo, atualmente recolhido na Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas/RS; como incurso nas sanções do art. 35, "caput", da Lei n° 11.343/2006 (11º FATO); e art. 333, parágrafo único, do Código Penal (12º FATO);
CARLOS DA SILVA PADILHA, RG n° 7091498861, vulgo "Cocota", brasileiro, solteiro, sem profissão definida, instrução primária incompleta, nascido em 23.08.1987, natural de Gravataí/RS, filho de Carlos Roberto Padilha e de Elisabete Martins da Silva, atualmente recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre/RS; como incurso nas sanções do art. 35, "caput", da Lei n° 11.343/2006 (7º FATO); e art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", ambos do Código Penal (8º FATO);
DANIEL BERMANN MACHADO, RG n° 4080364831, vulgo "Danielzinho", brasileiro, solteiro, sem profissão definida, instrução primária incompleta, nascido em 27.10.1984, natural de Gravataí/RS, filho de Artidor dos Santos Machado e de Irene de Fátima Franca Bermann Machado, atualmente recolhido na Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas/RS; como incurso nas sanções do art. 35, "caput", da Lei n° 11.343/2006 (7º FATO); e art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", ambos do Código Penal (8º FATO);
ÉLBIA CASSANDRA DOS SANTOS MARTINS, brasileira, solteira, sem profissão definida, instrução desconhecida, nascida em 21.08.1972, natural de Porto Alegre/RS, filha de Breno Alves Martins e de Santina dos Santos Martins, atualmente recolhida no Anexo Feminino da Penitenciária Modulada de Charqueadas/RS; como incursa nas sanções do art. 33, "caput", da Lei n° 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (14º FATO); e art. 35, "caput", da Lei n° 11.343/2006 (15º FATO);
LÚCIO ANTÔNIO DOS SANTOS FAGUNDES, RG nº 8004091669, brasileiro, solteiro, comerciante, instrução secundária, nascido em 20.11.1956, natural de Pelotas/RS, filho de Dimas Rabelo Fagundes e de Angelina dos Santos Fagundes, atualmente recolhido no Presídio Central de Porto Alegre/RS; como incurso nas sanções do art. 33, "caput", da Lei n° 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (16º FATO); art. 35, "caput", da Lei n° 11.343/2006 (17º FATO); e art. 333, § único, do CP (18º FATO);
ROSÂNGELA MARIA VIANA FLORES, RG n° 1047555303, vulgo "Rô", brasileira, divorciada, faxineira, instrução primária incompleta, de cor branca, nascida em 29.08.1965, natural de Canoas/RS, filha de Antônio Flores e de Ernestina Viana Flores, atualmente cumprindo prisão domiciliar; como incursa nas sanções do art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", ambos do Código Penal (4º FATO);
THIAGO FLORES GONZALEZ, RG n° 1083816247, brasileiro, solteiro, pintor, instrução primária, de cor branca, nascido em 27.11.1986, natural de Porto Alegre/RS, filho de Mário Raul Gonzalez e de Rosângela Maria Viana Flores, atualmente recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre/RS; como incurso nas sanções do art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", ambos do Código Penal (4º FATO); e
VALÉRIO SOUZA DA SILVA, RG n° 2053007718, brasileiro, solteiro, frentista, instrução primária incompleta, de cor branca, nascido em 08.09.1969, natural de Canoas/RS, filho de Fabrício Boeira da Silva e de Eloá Souza da Silva, atualmente recolhido na Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas/RS; como incurso nas sanções do art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", ambos do Código Penal (4º FATO); pela prática dos seguintes fatos delituosos:
1º FATO: No dia 10 de outubro de 2007, por volta das 08h, na rua Aldrovando Leão, n° 1.131, no interior da residência, bairro Morada do Vale I, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Miguel de Oliveira tinha em depósito e guardava, para o fim de comércio, 02 "pedras" de "crack", pesando cerca de 0,172 grama, em forma de "buchinha", conforme auto de apreensão da fl. 335 do I.P., auto de constatação preliminar de natureza da substância da fl. 458 do I.P. e laudo pericial definitivo da fl. 537 do I.P. (laudo pericial n° 23.069-40/2007 do LP/IGP), substância entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Naquela oportunidade, o denunciado tinha em depósito e guardava a substância entorpecente acima descrita, no interior do seu quarto, mais precisamente dentro de um sapato, embalada em um plástico branco, junto a um pedaço de papel, contendo anotações, já estando a mesma pronta para a venda, ocasião que foi apreendida por policiais civis da COGEPOL, em cumprimento a mandado judicial de busca e apreensão, tendo a droga sido encontrada pela escrivã de polícia Eunice de Fátima Albuquerque de Almeida. Além da droga, também foram apreendidos, no interior da residência, diversos objetos e valores utilizados na traficância de drogas e em outros crimes e contravenções, conforme auto de apreensão das fls. 330/332 do I.P. O denunciado praticou o delito prevalecendo-se da função pública, vez que era policial civil lotado na 2a Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS.
2º FATO: No dia 23 de maio de 2007, por volta das 07h, na rua Guilherme Schmidt, n° 569, no interior da residência, bairro Parque Olinda, na cidade de Gravataí/RS, os imputáveis Rosângela Maria Viana Flores, Thiago Flores Gonzalez e Valério Souza da Silva (réus no processo criminal n° 015/2.07.0002592-0, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS), em comunhão de esforços e conjugação de vontades com o denunciado Miguel de Oliveira, tinham em depósito e guardavam, para o fim de comércio, (1) 807 "pedras" de "crack", pesando 124,01g (Cento e vinte e quatro gramas e um decigrama), envoltas em alumínio; (2) 05 "pedras" de "crack", pesando 56,95g (Cinqüenta e seis gramas e noventa e cinco decigramas), com a embalagem; (3) 41 "petecas" de "cocaína", pesando 17,75g (Dezessete gramas e setenta e cinco decigramas), envoltas em plástico; (4) 01 "pedra" de "cocaína", pesando 24,54g (Vinte e quatro gramas e cinqüenta e quatro decigramas), com a embalagem; (5) 01 "pedra" de "cocaína", pesando 49,49g (Quarenta e nove gramas e quarenta e nove decigramas), com a embalagem; (6) 01 "pedra" de "cocaína", pesando 101,38g (Cento e um gramas e trinta e oito decigramas), com a embalagem; tudo conforme auto de apreensão (fls. 83/85 do processo criminal n° 015/2.07.0002592-0), autos de constatação preliminar de natureza das substâncias (fls. 101/104 do processo criminal n° 015/2.07.0002592-0) e laudos periciais nº 12.896-40/2007, nº 12.897-40/2007 e nº 12.992-40/2007 do LP/IGP (fls. 291/292 e 298 do processo criminal n° 015/2.07.0002592-0), substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Naquela oportunidade, Rosângela, Thiago e Valério tinham em depósito e guardavam as substâncias entorpecentes acima descritas, no interior de peças da residência, parte delas dentro de um armário localizado no quarto de Rosângela, já estando a maioria das drogas prontas para a venda, ocasião que foram apreendidas por policiais civis do DENARC, em cumprimento a mandado judicial de busca e apreensão, tendo sido presos em flagrante delito. Além da droga, também foram apreendidos, no interior da residência, diversos objetos utilizados para separar, pesar e embalar a droga a ser vendida, quais sejam, 01 balança digital de precisão; 01 rolo de papel laminado, tipo alumínio; 01 rolo de papel filme transparente; 02 tesouras, marca "Tramontina"; diversos potes utilizados para acondicionar as drogas, marca "M&M'S"; 01 rolo de fita larga transparente; 01 colher, tamanho pequeno; 01 fita dupla face, marca "Eurocel"; 01 caixa de gilete, contendo 02 lâminas; 01 rolo de fita larga, de cor bege; 01 rolo de etiquetas; saquinhos plásticos transparentes e azuis; e retalhos de sacos plásticos, de cor branca, com resquícios de droga, conforme auto de apreensão (fls. 83/85 do processo criminal n° 015/2.07.0002592-0). Os imputáveis Rosângela, Thiago e Valério estavam praticando a mercancia nas imediações da "Escola Antônio José de Alencastro" (estabelecimento de ensino), inclusive vendendo a droga a alunos da referida escola, portanto, visando atingir crianças e adolescentes. O denunciado Miguel de Oliveira intermediou a aquisição de drogas, inclusive aquelas apreendidas, proporcionando aos demais agentes, através de suas relações com o fornecedor identificado apenas como "João Polenta", o repasse da mercadoria ilícita. Incumbia-se, pessoalmente, de contatar tal fornecedor, sempre que necessário o reabastecimento do ponto de tráfico, estabelecendo com "João Polenta" as diretrizes do negócio, em prol de sua efetivação de forma segura e habitual. Ao denunciado Miguel de Oliveira também competia, com prevalecimento de sua função pública, a proteção ao ponto de tráfico e a garantia da continuidade do negócio, o que fazia fornecendo aos co-autores informações privilegiadas a respeito de possíveis investigações ou ações policiais no local, desviando a atenção dos demais agentes de repressão estatal e afastando traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
3º FATO: Durante os anos de 2005, 2006 e 2007, com marco final nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar do delito anterior, os imputáveis Rosângela Maria Viana Flores, Thiago Flores Gonzalez, Valério Souza da Silva, (réus no processo criminal n° 015/2.07.0002592-0, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS) e o denunciado Miguel de Oliveira associaram-se para o fim de praticarem traficância - crime previsto no art. 33 da Lei n° 11.343/2006 - de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Os agentes, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, usavam a residência situada na rua Guilherme Schmidt, n° 569, bairro Parque Olinda, na cidade de Gravataí/RS, como ponto de venda das substâncias entorpecentes, local esse onde possuíam diversas armas de fogo e munições, para fins de proteção ao local, bem como vários objetos utilizados para separar, pesar e embalar a droga a ser vendida (auto de apreensão das fls. 83/85 do processo criminal n° 015/2.07.0002592-0). O grupo, além de muito bem estruturado materialmente para a prática contínua de venda ilícita de entorpecentes, era muito bem organizado, com divisão de tarefas entre seus agentes. Aos agentes Rosângela, Thiago e Valério cabia a venda direta da droga no ponto, revezando-se para o atendimento dos consumidores, praticando a mercancia nas imediações da "Escola Antônio José de Alencastro" (estabelecimento de ensino), inclusive vendendo a droga a alunos da referida escola, portanto, visando atingir crianças e adolescentes. O denunciado Miguel de Oliveira intermediava a aquisição de drogas, proporcionando aos demais agentes, através de suas relações com o fornecedor identificado apenas como "João Polenta", o repasse da mercadoria ilícita. Incumbia-se, pessoalmente, de contatar tal fornecedor, sempre que necessário o reabastecimento do ponto de tráfico, estabelecendo com "João Polenta" as diretrizes do negócio, em prol de sua efetivação de forma segura e habitual. Ao denunciado Miguel de Oliveira também competia, com prevalecimento de sua função pública, a proteção ao ponto de tráfico e a garantia da continuidade do negócio, o que fazia fornecendo aos co-autores informações privilegiadas a respeito de possíveis investigações ou ações policiais no local, desviando a atenção dos demais agentes de repressão estatal e afastando traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
4º FATO: No período compreendido entre os meses de abril de 2006 e maio de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, a denunciada Rosângela Maria Viana Flores, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com os denunciados Thiago Flores Gonzalez e Valério Souza da Silva, ofereceu e efetivamente entregou vantagem indevida ao funcionário público Miguel de Oliveira, remunerando-o, semanalmente, com a quantia de R$ 100,00 (Cem reais), verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar a prisão de seus comparsas e proporcionando-lhes meios para esquivarem-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, a denunciada Rosângela alcançava, periodicamente, ao seu comparsa Miguel, por conta da associação vigente entre eles e os demais denunciados, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir o ponto de distribuição de drogas instalado na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava ele como investigador.
5º FATO: No período compreendido entre os meses de abril de 2006 e maio de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Miguel de Oliveira, policial civil lotado na 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, recebeu, para si, diretamente, em razão da função pública, vantagem indevida de Rosângela Maria Viana Flores, consistente na quantia semanal de R$ 100,00 (Cem reais), verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar a prisão da traficante Rosângela e de seus demais comparsas, e lhes proporcionando meios para esquivarem-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, o denunciado Miguel recebia, periodicamente, de sua comparsa Rosângela, por conta da associação vigente entre eles e os demais agentes, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir o ponto de distribuição de drogas instalado na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava ele como investigador.
6º FATO: No dia 12 de julho de 2007, por volta das 15h50min, na rua Etiópia, n° 10, no pátio e no interior da residência, Vila Cruzeiro, na cidade de Gravataí/RS, o imputável Carlos da Silva Padilha (réu no processo criminal n° 015/2.07.0003668-9, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS), em comunhão de esforços e conjugação de vontades com o denunciado Miguel de Oliveira, trazia consigo e guardava, para o fim de comércio, 50 pedras de "crack" e 01 porção de "maconha", conforme auto de apreensão (fl. 23 do processo criminal n° 015/2.07.0003668-9), autos de constatação preliminar de natureza da substância (fls. 26/29 do processo criminal n° 015/2.07.0003668-9) e laudos periciais nº 16.519-41/2007 e nº 16.542-40/2007 do LP/IGP (fls. 99/100 do processo criminal n° 015/2.07.0003668-9), substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Naquela oportunidade, a Brigada Militar foi acionada, via denúncia anônima, recebendo a informação de que no local acima descrito havia tráfico de drogas, sendo que, ao aproximar-se da residência, o imputável Carlos empreendeu fuga, sendo abordado pelos policiais militares. Após revista pessoal, verificou-se que o acusado trazia consigo as pedras de "crack" supramencionadas, além da quantia de R$ 243,00 (Duzentos e quarenta e três reais), em espécie (auto de apreensão da fl. 23 do processo criminal n° 015/2.07.0003668-9). Logo após a apreensão das pedras de "crack" nas vestes do meliante, foi efetuada revista no imóvel em que Carlos estava, tendo também sido localizada 01 "bucha" de "maconha". Em outra ocasião, já no dia 10 de outubro de 2007, por volta das 08h15min, na rua Ângelo Dourado, n° 254, no interior da residência, bairro Morada do Vale I, na cidade de Gravataí/RS, o imputável Daniel Bermann Machado (réu no processo criminal n° 015/2.07.0005402-4, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS), em comunhão de esforços e conjugação de vontades com o imputável Ricardo Moraes Severo (réu no processo criminal n° 015/2.07.0005402-4, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS) e o denunciado Miguel de Oliveira, tinha em depósito e guardava, para o fim de comércio, 01 pedra de "crack", tamanho grande, pesando cerca de 10,70 gramas, conforme auto de apreensão (fl. 12 do processo criminal n° 015/2.07.0005402-4), auto de constatação preliminar de natureza da substância (fls. 26/27 do processo criminal n° 015/2.07.0005402-4) e laudo pericial nº 23.221-40/2007 do LP/IGP (fl. 50 do processo criminal n° 015/2.07.0005402-4), substância entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Naquela oportunidade, os imputáveis Daniel e Ricardo tinham em depósito e guardavam a droga supramencionada, a qual se encontrava enterrada no terreno da residência, próxima a um cano de "PVC", ocasião que foi apreendida por policiais civis da COGEPOL e pela Brigada Militar, em cumprimento a mandado judicial de busca e apreensão, sendo os flagrados, então, conduzidos à Delegacia de Polícia para lavratura da prisão em flagrante. O denunciado Miguel de Oliveira, valendo-se das relações que mantinha com um fornecedor ainda não identificado, incumbia-se de intermediar o repasse de drogas aos imputáveis Carlos e Daniel, firmando com tal fornecedor as diretrizes do negócio, de forma a assegurar o abastecimento dos pontos que eles exploravam com segurança e habitualidade. Embora vinculados entre si e com Miguel de Oliveira, Carlos e Daniel, para ampliar a clientela, trataram de efetuar a venda em seus respectivos domicílios dos entorpecentes que o policial civil lhes assegurava o repasse, estabelecendo-se com dois pontos distintos de distribuição. Ainda com o propósito de maior difusão da ilícita mercadoria, Carlos e Daniel recrutaram, por sua exclusiva conta e risco, outros indivíduos, para que também a ofertassem, em outros locais, sobretudo em via pública, caso dos imputáveis Éverton Luiz Sartoretto (réu no processo criminal n° 015/2.07.0003165-2, em tramitação na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS), Jonn Mateus da Conceição (réu no processo criminal n° 015/2.07.0002237-8, em tramitação na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS) e Ricardo Moraes Severo (réu no processo criminal n° 015/2.07.0005402-4, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS). Além de assegurar, com seus contatos, aos demais agentes, o abastecimento dos pontos que eles exploravam, o denunciado Miguel de Oliveira, prevalecendo-se de sua função pública, protegia os pontos de tráfico de drogas de Carlos e Daniel, localizados em suas residências, bem como lhes assegurava a continuidade e a lucratividade do negócio, fornecendo-lhes informações privilegiadas a respeito de possíveis investigações ou ações policiais, desviando a atenção dos demais agentes de repressão estatal e afastando traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
7º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, os denunciados Carlos da Silva Padilha, Daniel Bermann Machado e Miguel de Oliveira associaram-se para o fim de praticarem traficância - crime previsto no art. 33 da Lei n° 11.343/2006 - de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Os agentes, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, atuavam em pontos de tráfico de drogas situados na rua Etiópia, n° 10, Vila Cruzeiro, e na rua Ângelo Dourado, n° 254, bairro Morada do Vale I, ambos na cidade de Gravataí/RS, locais esses onde possuíam armas de fogo e munições, para fins de proteção ao local. O grupo, além de muito bem estruturado materialmente para a prática contínua de venda ilícita de entorpecentes, era muito bem organizado, com divisão de tarefas entre seus agentes. O denunciado Miguel de Oliveira, valendo-se das relações que mantinha com um fornecedor ainda não identificado, incumbia-se de intermediar o repasse de drogas aos denunciados Carlos e Daniel, firmando com tal fornecedor as diretrizes do negócio, de forma a assegurar o abastecimento dos pontos que eles exploravam com segurança e habitualidade. Aos agentes Carlos e Daniel cabia, por sua vez, a venda direta da droga nos pontos de tráfico. Embora vinculados entre si e com Miguel de Oliveira, Carlos e Daniel, para ampliar a clientela, trataram de efetuar a venda em seus respectivos domicílios dos entorpecentes que o policial civil lhes assegurava o repasse, estabelecendo-se com dois pontos distintos de distribuição. Ainda com o propósito de maior difusão da ilícita mercadoria, Carlos e Daniel recrutaram, por sua exclusiva conta e risco, outros indivíduos, para que também a ofertassem, em outros locais, sobretudo em via pública, caso dos imputáveis Éverton Luiz Sartoretto (réu no processo criminal n° 015/2.07.0003165-2, em tramitação na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS), Jonn Mateus da Conceição (réu no processo criminal n° 015/2.07.0002237-8, em tramitação na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS) e Ricardo Moraes Severo (réu no processo criminal n° 015/2.07.0005402-4, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS). Além de assegurar, com seus contatos, aos demais agentes, o abastecimento dos pontos que eles exploravam, o denunciado Miguel de Oliveira, prevalecendo-se de sua função pública, protegia os pontos de tráfico de drogas de Carlos e Daniel, localizados em suas residências, bem como lhes assegurava a continuidade e a lucratividade do negócio, fornecendo-lhes informações privilegiadas a respeito de possíveis investigações ou ações policiais, desviando a atenção dos demais agentes de repressão estatal e afastando traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
8º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, os denunciados Carlos da Silva Padilha e Daniel Bermann Machado ofereceram e efetivamente entregaram vantagem indevida ao funcionário público Miguel de Oliveira, remunerando-o, semanalmente, com a quantia aproximada de R$ 200,00 (Duzentos reais), verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar a prisão dos denunciados e proporcionando-lhes meios para esquivarem-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, incumbia ao denunciado Carlos, de forma pessoal, alcançar, periodicamente, ao seu comparsa Miguel, por conta da associação vigente entre eles e Daniel, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir os pontos de distribuição de drogas instalados na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava Miguel como investigador.
9º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Miguel de Oliveira, policial civil lotado na 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, recebeu, para si, diretamente, em razão da função pública, vantagem indevida de Carlos da Silva Padilha e Daniel Bermann Machado, consistente na quantia semanal aproximada de R$ 200,00 (Duzentos reais), verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar a prisão dos traficantes Carlos e Daniel, proporcionando a eles meios para esquivarem-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, o denunciado Miguel recebia, periodicamente, de seu comparsa Carlos, por conta da associação vigente entre eles e Daniel, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir os pontos de distribuição de drogas instalados na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava Miguel como investigador.
10º FATO: No dia 30 de maio de 2007, por volta das 11h, na rua Leivas Lemos, nº 01, no interior da residência, bairro Morada do Vale II, na cidade de Gravataí/RS, o imputável André Azevedo (réu no processo criminal n° 015/2.07.0003537-2, em tramitação na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS), em comunhão de esforços e conjugação de vontades com o denunciado Miguel de Oliveira, tinha em depósito, para o fim de comércio, uma porção de Cannabis sativa Lineu, vulgarmente conhecida como "maconha", na forma de um tijolo prensado, pesando cerca de 31,7g (trinta e um gramas e sete decigramas), conforme auto de apreensão (fls. 12/14 do processo criminal n° 015/2.07.0003537-2) e auto de constatação preliminar de natureza da substância (fl. 21 do processo criminal n° 015/2.07.0003537-2), substância entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Na ocasião, policiais civis da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, munidos de mandado judicial, aportaram na residência de André, ali não o encontrando. Presente o pai deste (José Luiz Souto), passaram, então, a realizar buscas na casa, vindo a localizar, em meio aos pertences de André, um tijolo prensado de "maconha", valores que ele havia angariado com a venda de entorpecentes (R$ 342,40, em cédulas e moedas), um coldre para revólver, 03 cartuchos intactos de calibre 38, além de cheques e documentos de terceiros. Na ausência do responsável pelos objetos e valores localizados, os servidores limitaram-se a apreendê-los (auto de apreensão das fls. 12/14 do processo criminal n° 015/2.07.0003537-2) e a encaminhá-los à Delegacia de Polícia, para o registro da ocorrência. Em outra ocasião, no dia 11 de julho de 2007, por volta das 08h30min, na rua Leivas Lemos, nº 38, no interior da residência, bairro Morada do Vale II, em Gravataí/RS, o imputável André Azevedo (réu no processo criminal n° 015/2.07.0003634-4, em tramitação na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS), em comunhão de esforços e conjugação de vontades com o denunciado Miguel de Oliveira, tinha em depósito, para o fim de comércio, 03 porções de Cannabis sativa Lineu, vulgarmente conhecida como "maconha", pesando cerca de 2,05kg (dois quilos e cinco gramas), na forma de tijolos; outras 17 buchinhas da mesma substância, pesando, globalmente, 19g (dezenove gramas); 09 buchinhas de "cocaína", pesando, no total, 2,42g (dois gramas e quarenta e dois decigramas); e 55 torrões petrificados de "cocaína", vulgarmente conhecidos como pedra de "crack", com o peso aproximado de 8,82g (oito gramas e oitenta e dois decigramas), conforme autos de apreensão (fls. 16/17 do processo criminal n° 015/2.07.0003634-4), autos de constatação preliminar de natureza das substâncias (fls. 31/42 do processo criminal n° 015/2.07.0003634-4) e laudos periciais nº 16.158-41/2007, nº 16.156-41/2007, nº 16.154-41/2007, nº 16.155-41/2007 e nº 16.134-40/2007 do LP/IGP (fls. 91/95 do processo criminal n° 015/2.07.0003634-4), substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal. Na ocasião, policiais do DENARC, munidos de um outro mandado judicial, motivado pelo recebimento de denúncias de que André persistia na prática da traficância, dirigiram-se à casa nº 38 da mesma rua Leivas Lemos, local para onde havia ele se mudado, depois que seu domicílio anterior fora vasculhado. Ali chegando, surpreenderam o denunciado, na posse de farta quantidade de entorpecentes. Assim que ingressaram, visualizaram, sobre uma mesa, 55 pedras de "crack", 09 buchinhas de cocaína e 17 buchinhas de "maconha", todas já embaladas e prontas para disposição no mercado de usuários. Prosseguindo nas buscas, nos fundos do prédio, precisamente entre uma pilha de tijolos de construção, os policiais encontraram mais 03 tijolos prensados de "maconha", acondicionados em uma bolsa. Ainda no mesmo recinto, foram arrecadados instrumentos para a embalagem da droga, e a quantia, em cédulas e moedas, de R$ 297,00 (Duzentos e noventa e sete reais). Em face do apurado, os objetos, o dinheiro e as porções de entorpecentes foram apreendidos, sendo o denunciado apresentado na Delegacia de Polícia, para a lavratura do competente auto de prisão em flagrante. O imputável André, que pessoalmente obtinha as drogas comercializadas de um fornecedor ainda não identificado, associou-se ao policial civil Miguel de Oliveira, para garantia da continuidade do negócio ilícito e de sua lucratividade. Enquanto André ocupava-se com a prática da traficância, no local de sua residência, Miguel de Oliveira se encarregava de fornecer-lhe informações privilegiadas a respeito de investigações e ações policiais, de desviar a atenção dos demais agentes de repressão estatal e de afastar traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais. Ao abrigo da proteção de Miguel de Oliveira, o imputável André logrou se desvencilhar de uma primeira ação em seu domicílio, quando policiais que atuavam naquela circunscrição (2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS) ali aportaram, de posse de um mandado judicial de busca e apreensão (fato objeto do expediente criminal nº 015/2.07.0002439-7), com vistas à localização da arma de fogo que ele utilizara na prática de uma tentativa de homicídio qualificado (fato objeto do processo criminal nº 015/2.07.0002763-9). Lá chegando, tais servidores já não o encontraram em casa e a porção de entorpecente que apreenderam em seu interior era bastante inferior àquelas que costumava manter em depósito, situação que lhe rendeu, inicialmente, a imputação por porte de droga para consumo (fato objeto do Termo Circunstanciado nº 015/2.07.0003537-2). Apenas com a intervenção do DENARC, por conta de investigações que fugiam ao conhecimento do denunciado Miguel de Oliveira, foi possível, em ação posterior, a prisão de André, em situação de flagrância que retratava, com fidelidade, a magnitude do negócio ilícito que estava a desenvolver (fato objeto do processo criminal nº 015/2.07.0003634-4).
11º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, os denunciados André Azevedo e Miguel de Oliveira associaram-se para o fim de praticarem traficância - crime previsto no art. 33 da Lei n° 11.343/2006 - de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. O imputável André, que pessoalmente obtinha as drogas comercializadas de um fornecedor ainda não identificado, associou-se ao policial civil Miguel de Oliveira, para garantia da continuidade do negócio ilícito e de sua lucratividade. Enquanto André ocupava-se com a prática da traficância, no local de sua residência, Miguel de Oliveira se encarregava de fornecer-lhe informações privilegiadas a respeito de investigações e ações policiais, de desviar a atenção dos demais agentes de repressão estatal e de afastar traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
12º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado André Azevedo ofereceu e efetivamente entregou vantagem indevida ao funcionário público Miguel de Oliveira, remunerando-o, semanalmente, com valores pecuniários ainda não precisados, verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar sua prisão e proporcionando-lhe meios para esquivar-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, o denunciado André alcançava ao seu comparsa Miguel, por conta da associação vigente entre eles, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir o ponto de distribuição de drogas instalado na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava ele como investigador.
13º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Miguel de Oliveira, policial civil lotado na 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, recebeu, para si, diretamente, em razão da função pública, vantagem indevida de André Azevedo, consistente em valores pecuniários semanais ainda não precisados, verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar a prisão do traficante André e proporcionando a este meios para esquivar-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, o denunciado Miguel recebia de seu comparsa André, por conta da associação vigente entre eles, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir o ponto de distribuição de drogas instalado na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava ele como investigador.
14º FATO: No dia 10 de outubro de 2007, por volta das 08h05min, na rua Nova Zelândia, n° 516, no interior da residência, bairro Vista Alegre, na cidade de Cachoeirinha/RS, a denunciada Élbia Cassandra dos Santos Martins, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com o denunciado Miguel de Oliveira, tinha em depósito e guardava, para o fim de comércio, 01 porção de "crack", pesando cerca de 0,30 grama, conforme auto de apreensão da fl. 361 do I.P. e auto de constatação preliminar de natureza da substância da fl. 364 do I.P., substância entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Naquela oportunidade, a denunciada Élbia tinha em depósito e guardava a droga supramencionada em sua residência, a qual se encontrava escondida no interior de uma bota de sua propriedade, envolta em um plástico de cor preta, ocasião que foi apreendida por policiais civis da COGEPOL, em cumprimento a mandado judicial de busca e apreensão. O denunciado Miguel de Oliveira, valendo-se das relações que mantinha com um fornecedor ainda não identificado, incumbia-se de intermediar o repasse de drogas à denunciada Élbia, firmando com tal fornecedor as diretrizes do negócio, de forma a assegurar o abastecimento do ponto que ela explorava com segurança e habitualidade. Além de garantir, com seus contatos, o abastecimento da droga, o denunciado Miguel de Oliveira, prevalecendo-se de sua função pública, protegia o ponto de tráfico, localizado na residência de Élbia, bem como lhe assegurava a continuidade e a lucratividade do negócio, fornecendo-lhe informações privilegiadas a respeito de possíveis investigações ou ações policiais, desviando a atenção dos demais agentes de repressão estatal e afastando traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
15º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, os denunciados Élbia Cassandra dos Santos Martins e Miguel de Oliveira associaram-se para o fim de praticarem traficância - crime previsto no art. 33 da Lei n° 11.343/2006 - de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. O denunciado Miguel de Oliveira, valendo-se das relações que mantinha com um fornecedor ainda não identificado, incumbia-se de intermediar o repasse de drogas à denunciada Élbia, firmando com tal fornecedor as diretrizes do negócio, de forma a assegurar o abastecimento do ponto que ela explorava com segurança e habitualidade. Cabia à denunciado Élbia, por sua vez, a venda direta dos entorpecentes que o policial civil lhes assegurava o repasse, estabelecendo o ponto de tráfico em seu domicílio. Além de garantir, com seus contatos, o abastecimento do ponto de tráfico que explorava em conjunto com Élbia, o denunciado Miguel de Oliveira, prevalecendo-se de sua função pública, protegia o ponto de tráfico de drogas, bem como lhe assegurava a continuidade e a lucratividade do negócio, fornecendo-lhe informações privilegiadas a respeito de possíveis investigações ou ações policiais, desviando a atenção dos demais agentes de repressão estatal e afastando traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
16º FATO: No dia 19 de fevereiro de 2007, por volta das 07h40min, na rua Álvares Machado, n° 131, em via pública, na cidade de Gravataí/RS, o imputável Uguaraci Souza dos Santos (réu no processo criminal n° 015/2.07.0000813-8, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS), em comunhão de esforços e conjugação de vontades com os denunciados Lúcio Antônio dos Santos Fagundes e Miguel de Oliveira, trazia consigo, para o fim de comércio, 22 pedras de "crack", conforme auto de apreensão (fl. 20 do processo criminal n° 015/2.07.0000813-8), auto de constatação preliminar de natureza da substância (fl. 23 do processo criminal n° 015/2.07.0000813-8) e laudo pericial nº 4.591-40/2007 do LP/IGP (fl. 138 do processo criminal n° 015/2.07.0000813-8), substância entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. Naquela oportunidade, o imputável Uguaraci trazia consigo, em via pública, no interior de um dos bolsos de sua bermuda, a droga supramencionada, acondicionada em 22 papelotes, envolvidas por papel alumínio, bem como a quantia de R$ 100,00 (Cem reais), em espécie (auto de apreensão da fl. 20 do processo criminal n° 015/2.07.0000813-8), conforme relato dos policiais militares que efetuaram a abordagem do flagrado, ocasião que a substância entorpecente e os valores foram apreendidos, tendo sido Uguaraci preso em flagrante delito. O denunciado Lúcio, que pessoalmente obtinha as drogas comercializadas de um fornecedor ainda não identificado, associou-se ao policial civil Miguel de Oliveira, para garantia da continuidade do negócio ilícito e de sua lucratividade, tratando de efetuar a venda de entorpecentes em seu domicílio. Ainda com o propósito de maior difusão da ilícita mercadoria, recrutou, por sua exclusiva conta e risco, outros indivíduos, para que também a ofertassem, em outros locais, sobretudo em via pública, caso do imputável Uguaraci Souza dos Santos. Enquanto Lúcio se ocupava com a prática da traficância, no local de sua residência e em suas imediações, contratando "soldados" e entregando-lhes a droga para a venda (caso de Uguaraci), o policial civil Miguel de Oliveira se encarregava de fornecer-lhe informações privilegiadas a respeito de investigações e ações policiais, de desviar a atenção dos demais agentes de repressão estatal e de afastar traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
17º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, os denunciados Lúcio Antônio dos Santos Fagundes e Miguel de Oliveira associaram-se para o fim de praticarem traficância - crime previsto no art. 33 da Lei n° 11.343/2006 - de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar. O denunciado Lúcio, que pessoalmente obtinha as drogas comercializadas de um fornecedor ainda não identificado, associou-se ao policial civil Miguel de Oliveira, para garantia da continuidade do negócio ilícito e de sua lucratividade, tratando de efetuar a venda de entorpecentes em seu domicílio. Ainda com o propósito de maior difusão da ilícita mercadoria, recrutou, por sua exclusiva conta e risco, outros indivíduos, para que também a ofertassem, em outros locais, sobretudo em via pública, caso do imputável Uguaraci Souza dos Santos (réu no processo criminal n° 015/2.07.0000813-8, em tramitação na 1a Vara Criminal de Gravataí/RS). Enquanto Lúcio se ocupava com a prática da traficância, no local de sua residência e em suas imediações, contratando "soldados" e entregando-lhes a droga para a venda (caso de Uguaraci), o policial civil Miguel de Oliveira se encarregava de fornecer-lhe informações privilegiadas a respeito de investigações e ações policiais, de desviar a atenção dos demais agentes de repressão estatal e de afastar traficantes concorrentes que procuravam se instalar nas imediações, com prisões e intimidações pessoais.
18º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Lúcio Antônio dos Santos Fagundes ofereceu e efetivamente entregou vantagem indevida ao funcionário público Miguel de Oliveira, remunerando-o, semanalmente, com valores pecuniários ainda não precisados, verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar sua prisão e proporcionando-lhe meios para esquivar-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, o denunciado Lúcio alcançava, periodicamente, ao seu comparsa Miguel, por conta da associação vigente entre eles, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir o ponto de distribuição de drogas instalado na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava ele como investigador.
19º FATO: No período compreendido entre os anos de 2006 e de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Miguel de Oliveira, policial civil lotado na 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, recebeu, para si, diretamente, em razão da função pública, vantagem indevida de Lúcio Antônio dos Santos Fagundes, consistente em valores pecuniários semanais ainda não precisados, verba de prestação continuada, que representava seu quinhão nos lucros auferidos com a prática da traficância de drogas e destinava-se a determinar que o policial civil em questão omitisse atos de ofício e infringisse deveres funcionais, deixando de efetuar a prisão do traficante Lúcio e proporcionando a este meios para esquivar-se dos órgãos locais de repressão e investigação criminal. No período citado, o denunciado Miguel recebia, periodicamente, de seu comparsa Lúcio, por conta da associação vigente entre eles, vantagem pecuniária indevida, que motivou o citado policial a não coibir o ponto de distribuição de drogas instalado na área de circunscrição da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, na qual atuava ele como investigador.
20º FATO: Em data não precisada, mas no mês de julho de 2007, na rua Antônio Divan, nº 35, em frente à residência, bairro Morada do Vale I, na cidade de Gravataí/RS, o denunciado Miguel de Oliveira, policial civil lotado na 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, exigiu, para si, diretamente, em razão da função pública, vantagem indevida de Júlio César Balduíno da Silva, consistente no valor de R$ 200,00 (Duzentos reais), por semana, a fim de que o ofendido não fosse alvo de investigações policiais ou prisões. Naquela oportunidade, o denunciado, aproveitando-se da condição funcional de ser lotado no setor de investigação da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Gravataí/RS, se dirigiu até a residência de Júlio César, habitual traficante desta cidade, tendo o interpelado e lhe dito que "se tu quer trabalhar, tem que pagar, senão vai preso", exigindo de Júlio César a quantia de R$ 200,00 (Duzentos reais), por semana, para que este pudesse continuar traficando livremente no local, sem ser investigado ou preso. Júlio César, contudo, se negou a pagar a "propina" (denominada como "PP") exigida pelo policial civil, e, diante de sua negativa, como forma de retaliação, Miguel de Oliveira fez chegar aos demais policiais civis do setor de investigação da 2a Delegacia de Polícia de Gravataí/RS a notícia sobre o tráfico de entorpecentes que acontecia na residência de Júlio César, ocasião em que, sem mandado de busca e apreensão judicial, tais policiais acabaram por prender o traficante, em sua residência, em 16 de agosto de 2007 (processo criminal n° 015/2.07.0004309-0, em tramitação na 2ª Vara Criminal de Gravataí/RS).
O feito seguiu o rito previsto na Lei nº 11.343/2006.
Os réus foram notificados e apresentaram defesa prévia.
Recebida a denúncia em 13.05.2008, fls. 2207/2213.
Encerrada a instrução, os debates orais foram convertidos em memoriais.
O Ministério Público requereu a procedência da ação nos termos da peça inaugural, fls. 3282/3614.
A defesa dos réus Rosângela Maria Viana Flores, fls. 3652/3658; Carlos da Silva Padilha, fls. 3652/3658; e Daniel Bermann Machado, fls. 3811/3814, requereram, em síntese, a extinção da punibilidade pelo perdão judicial, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e a redução da pena pela delação premiada.
A defesa dos réus Miguel de Oliveira, fls. 3829/3837; André Azevedo, fls. 3694/3718; e Élbia Cassandra dos Santos Martins, fls. 3794/3799, arguiram preliminares; e no mérito, assim como as defesas dos réus Valério da Silva, fl. 3660; Lúcio Antônio dos Santos Fagundes, fls. 3735/3739; e Thiago Flores Gonzales, fls. 3800/3802; requereram, em síntese, a improcedência da ação penal e a absolvição dos acusados por negativa da autoria e insuficiência de provas.
Certificados os antecedentes criminais, fls. 2978/3001.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
O presente processo conta com 13 volumes, afora os apensos, sendo 09 réus denunciados, e 20 fatos ilícitos apurados.
Diante disso, para melhor compreensão acerca do conteúdo da ação penal e seu julgamento, inicio apreciando os postulados cujos conteúdos configuram questões passíveis de análise preliminar - embora, em alguns memoriais, não tenham sido expressamente denominadas dessa forma.
Ainda, em razão de haver mais de uma manifestação suscitando uma mesma questão de direito, as preliminares serão individualizadas conforme a matéria a ser apreciada, e não com relação a cada acusado separadamente - o que se fará apenas quando da análise do mérito - a fim de evitar desnecessária tautologia.
Passo, pois, à apreciação das prefaciais.
I - PRELIMINARES
1. NULIDADE - ESCUTAS TELEFÔNICAS - PROVA ILÍCITA - DECISÃO FUNDAMENTADA - DEGRAVAÇÃO INTEGRAL - PRORROGAÇÕES.
a) As provas produzidas mediante escutas telefônicas realizadas durante a investigação da Delegacia de Feitos Especiais da Corregedoria-Geral de Polícia foram produzidas em sintonia com as disposições legais, com respeito aos preceitos constitucionais e garantias individuais. Portanto, de antemão afasto qualquer arguição de nulidade, eis que lícitas.
Pontuo que as interceptações telefônicas foram feitas em consonância com a legislação, ou seja, mediante autorização judicial, objetivando esclarecer os graves fatos investigados.
Neste diapasão, a Corregedoria-Geral de Polícia, através de seu Corregedor-Geral, postulou judicialmente as interceptações, que foram realizadas pelo Sistema Guardião da Secretaria da Segurança Pública do Estado, mediante sigilo das investigações, como forma de preservar os meios operacionais de investigação assim como as provas que visavam reprimir e coibir as ações praticadas por organizações criminosas, nos exatos termos da Lei n º 9.034/1995.
Com efeito, houve prévia autorização judicial para interceptação de comunicações telefônicas. Não se trata, pois, de prova ilícita, haja vista que estava autorizada e foi utilizada como fonte de provas para a investigação da Corregedoria de Polícia, que elucidou vários crimes.
A Constituição Federal consagra, no inciso XII, do art. 5º, a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Dessa sorte, como as interceptações foram precedidas de competente pronunciamento judicial, não há suporte para as alegações defensivas que reclamam a ilicitude do procedimento.
Cito precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça.
"Não há ilegalidade na decisão que decreta a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do paciente, se devidamente demonstrada tanto a presença de indícios suficientes de participação em crime, como a peculiaridade de ser a única forma eficaz e disponível para a elucidação dos fatos Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida." (HC 20.087/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 29/09/2003.)
b) Igualmente não prospera a irresignação defensiva com relação às prorrogações operadas nas escutas telefônicas, sob o argumento de que a lei permite o período máximo de 15 dias nas interceptações, autorizando somente uma única prorrogação.
O art. 5º da Lei nº 9.296/96 tem o seguinte teor:
"A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova".
A propósito, leciona Vicente Greco Filho, in Interceptação Telefônica, Saraiva, 1996, p. 31, que "A lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas forem necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo".
Destaco, ainda, que os fatos investigados pela Corregedoria de Polícia, envolviam policial civil da ativa, que estaria envolvido na prática de diversos ilícitos, tais como corrupção, concussão e tráfico ilícito de substância entorpecente em associação.
Nesse contexto, em virtude da atribuição funcional pelo réu exercida, a investigação tornava-se muito mais complexa e trabalhosa, na medida em que os réus agiam ardilosamente e com astúcia, evitando levantar suspeitas, além de estarem em constante vigilância, o que reprimia o trabalho da equipe especializada.
Nestes termos, foi a explicação do Delegado de Polícia, Dr. PAULO ROGÉRIO LEMMERTZ GRILO, fls. 2.820/2.834:
Testemunha: (...) E no caso em tela, envolvendo um Policial Civil, claro que guardava algumas peculiaridades, a gente sabia que uma ação talvez precipitada poderia comprometer toda a investigação. O Miguel é um Policial experiente, um Policial que conhece os agentes da própria Corregedoria, as viaturas da Corregedoria. Então, nós tínhamos, digamos assim, essa circunstância prejudicial em relação ao trabalho normal de investigação em cima de um traficante. Se a Corregedoria se aproximasse dele, ele ia observar: "Olha, eu tô sendo..." e poderia retroceder a nossa... Então, isso era um componente prejudicial ao bom andamento da investigação, porque nos exigia mais cautela e mais cuidado. Nós não podíamos errar o momento de fazer um fecho dessa operação. Então, realmente, demorou um pouco, e isso eu tenho observado nas investigações da Corregedoria, isso já aprendi. A gente aprende muito com a experiência. Cada Órgão tem a sua peculiaridade, tem a sua circunstância e nós temos que trabalhar muito em cima da formação da prova, muito técnica, mas com muito cuidado de não precipitar a investigação, porque os policiais da Corregedoria normalmente são conhecidos dos outros policiais, as viaturas, enfim (...).
Ministério Público: O senhor explicou que, na verdade, a sua investigação foi pouco demorada, levou mais de um ano em termos das peculiaridades do caso, inclusive, pela questão de ser Policial Civil o Miguel já bastante experiente aqui na cidade e poderia, de certa forma, descobrir a própria investigação. Pergunto: Quanto a essa questão de fazer o pedido, de preventiva, de fazer o mandado de busca, existia uma ação controlada? Que é o que fala a lei do crime organizado realmente.
Testemunha: Com certeza, o momento de nós desencadearmos uma operação em busca da prova material, ele tem que ser no momento certo, como eu me referi. Se nós precipitássemos alguma ação, nós poderíamos colocar em risco toda a investigação. (...). Então, nós usávamos essa possibilidade da ação controlada. (...).
Os elementos que aportavam naquela especializada, indicando o envolvimento do policial civil Miguel na organização criminosa se constituíam, basicamente, em informações de moradores dos locais onde ocorria o comércio ilícito por ele fomentado.
Evidente que tratando-se de delito de extrema gravidade e considerando a periculosidade dos agentes envolvidos, onde funciona a "lei do silêncio" imposta pelo tráfico, especialmente considerando o envolvimento de agente da polícia civil na empreitada criminosa, revelou-se totalmente justificável o anonimato, e tornou-se imperiosa a prorrogação das escutas, como forma de consolidação das denúncias, descortinando toda a organização criminosa.
Nessa linha, é o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar a Apelação Crime nº 70027995125, oriunda da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, da lavra do Des. Marcel Esquivel Hoppe - julgado em 19.06.2009, cujo trecho do acórdão colaciono:
(...) Para se se tomar conhecimento acerca do funcionamento, composição e "hierarquia" de toda uma organização criminosa, indispensáveis as interceptações telefônicas, como bem observou o Ministério Público no pedido das fls. 45/49 - no qual, diga-se, encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no parágrafo único do artigo de lei acima transcrito.
Note-se que a prova testemunhal, em casos de tráfico de drogas - nos quais se sabe existir uma "lei" paralela imposta pelos traficantes, de forma a impedir a ação dos chamados "caguetes" - dificilmente contribui para a captura de um único traficante, pelo que beira a ingenuidade a alegação de que tal seria suficiente para a desarticulação de uma organização criminosa inteira."
Com efeito, os fatos denunciados no presente feito se revelaram extremamente complexos, envolvendo rede de tráfico de entorpecentes, a ensejar investigação policial diferenciada, cujas peculiaridades foram cuidadosamente avaliadas pela Magistrada que conduziu a medida cautelar.
Em alinho, é a remansosa jurisprudência:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE ABSOLUTA. PROVA ILÍCITA PRORROGAÇÃO DE ESCUTAS TELEFÔNICAS. LEI Nº 9.296/96. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A interceptação telefônica de fato não pode exceder quinze dias. Porém, pode ser renovada por igual período, não havendo qualquer restrição legal ao número de vezes em que possa ocorrer sua renovação, desde que comprovada a necessidade. 2. A proclamação de nulidade do processo por prova ilícita se vincula à inexistência de outras provas capazes de confirmar autoria e materialidade; em caso contrário deve ser mantido o decreto de mérito, uma vez fundado em outras provas. 3. Writ denegado. (HC nº 40.637-SP (2004/0183030-8) - STJ - Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa - DJ 26.09.2005)
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO ILEGAL DE CÂMBIO. ART. 16 DA LEI N.º 7.492/86. ALEGADA ILEGALIDADE NA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. EXCESSO DE PRAZO NO ENCERRAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. SUPERVENIÊNCIA DE DENÚNCIA. PERDA DE OBJETO. 1. A decisão que deferiu a primeira interceptação telefônica, bem como a que em momento posterior estendeu a medida ao Paciente - porque apontado durante as investigações como um dos autores da atividade ilícita -, foram fundamentadas na existência de indícios de autoria e na necessidade da medida, porque não se poderia apurar a conduta criminosa de outra maneira. 2. O prazo previsto para a realização de interceptação telefônica é de 15 dias, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 9.296/96, prorrogável por igual período, quantas vezes for necessário, até que se ultimem as investigações, desde que comprovada a necessidade mediante decisão fundamentada, como ocorreu no caso. Precedentes do STJ e do STF. 3. Denunciado o Paciente como incurso no crime descrito no art. 16 da Lei n.º 7.492/86, c.c. art. 29 do Código Penal, eventual excesso de prazo no encerramento das investigações foi superado e quaisquer vícios ocorridos durante o procedimento investigatório não têm o condão de contaminar a ação penal, quando a denúncia está fundada em indícios legalmente obtidos de autoria e materialidade do crime. Precedentes do STJ. 4. Habeas corpus denegado no que diz respeito a nulidade da interceptação telefônica e prejudicado na parte em que se pretende o trancamento do inquérito policial. (HC Nº 95.487 - DF (2007/0282562-4) - 5ª TURMA - STJ - Rel. Ministra Laurita Vaz - DJ - 31.07.2009).
HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO ANACONDA. DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL APOSENTADO. CONDENAÇÃO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARGÜIDA ILEGALIDADE DE INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. MATERIAL QUE NÃO SERVIU PARA SUBSIDIAR AS INVESTIGAÇÕES, TAMPOUCO O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. 1. O prazo previsto para a realização de interceptação telefônica é de 15 dias, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 9.296/96. 2. A jurisprudência assente e remansosa aponta, contudo, para a possibilidade de esse prazo ser renovado, quantas vezes for necessário, até que se ultimem as investigações, desde que comprovada a necessidade. 3. (...) Ordem denegada. (HC 43.958/SP, 5.ª Turma, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJ de 12/06/2006.) grifei
Derradeiramente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações.
Nessa esteira, não há restrição legal ao número de vezes de renovação das interceptações, se comprovada a sua necessidade.
c) A reprodução integral das interceptações telefônicas realizadas no decorrer da investigação é totalmente dispensável, conforme decisão já proferida quando do recebimento da denúncia, fls. 2207/2213.
Na verdade, se fossem transcritas comunicações telefônicas desnecessárias à finalidade das interceptações é que a prova impugnada poderia ser considerada ilegal, portanto, nula.
Cito o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO QUALIFICADO, RECEPTAÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS[...]. ARGUMENTAÇÃO DE TER SIDO JUNTADO AOS AUTOS APENAS PARTE DA DEGRAVAÇÃO, IMPEDINDO O PACIENTE DE EXERCER SUA AMPLA DEFESA. TRANSCRIÇÃO DAS DEGRAVAÇÕES ENVOLVENDO O PACIENTE. PREJUÍZO NÃO CONFIGURADO, UMA VEZ QUE O RÉU TEVE ACESSO ÀS FITAS MAGNÉTICAS ANTES DA SENTENÇA CONDENATÓRIA E NÃO APRESENTOU QUALQUER IMPUGNAÇÃO OU PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA COMPLEMENTAR. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA, EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. 1. A alegação de que as interceptações telefônicas que embasaram a condenação foram determinadas por Juízo diverso do processante e sem autorização deste por meio de alvará, não foi objeto de análise pelo acórdão impugnado, o que inviabiliza o exame da matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 2. Não há que se falar em cerceamento de defesa ou ofensa ao princípio do contraditório se o réu teve acesso às fitas magnéticas, bem como oportunidade de impugná-las antes da prolação da sentença condenatória. 3. O art. 9º. da Lei 9.296/96 autoriza até mesmo a inutilização, por decisão judicial, da gravação que não interessar ao feito; assim, não configura nulidade a ausência nos autos de todo conteúdo da interceptação telefônica, mormente quando se procura resguardar a intimidade de terceiros que não dizem respeito ao processo. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada." (HC 88098/RS, HABEAS CORPUS 2007/0178533-5, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, julgado em 20/11/2008) grifei
De mais a mais, já naquela oportunidade ficaram disponibilizados às partes os CD's (que encontram-se na Distribuição do Foro), para que fossem ouvidas pela parte interessada, podendo, inclusive, ser requerida a degravação de eventual trecho que se mostrasse importante às defesas. Porém, ninguém postulou acesso aos áudios, permanecendo inertes. Pois agora pretendem pedir a nulidade total, em evidente manobra defensiva.
Por derradeiro, todas as degravações realizadas pela autoridade policial estão consubstanciadas no expediente nº 015/2.07.00005377-0, que esteve durante todo o tempo em cartório, à disposição das partes, assim como a integralidade das conversações, que encontram-se nos CD's.
Logo, nenhuma nulidade se configura com a transcrição parcial impugnada. Afastada a preliminar arguida.
2. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE MEMORIAIS
O feito seguiu o rito da Lei nº 11.343/2006, que dispõe:
Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz. (grifo meu).
Assim, teria a defesa pouco mais de 20 minutos para expor suas razões e sustentar - oralmente - os fundamentos defensivos.
Contudo, tendo em conta a complexidade da causa e o número de acusados, foi concedido às partes o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de memoriais, e para cada um dos defensores, visando justamente ampliar a defesa dos réus (fl. 3025), já que nos termos do §3º, do art. 600, do CPP, o prazo seria comum para todos os defensores.
Nesse sentido, entendimento do E. Tribunal de Justiça.
"(...) 2. Havendo multiplicidade de apelantes e apelados não há qualquer irregularidade em serem comuns os prazos, consoante artigo 600, §3º, permanecendo os autos em cartório, a fim de que ninguém seja prejudicado. (...) PRELIMINARES REJEITADAS. NEGADO PROVIMENTO AOS APELOS... (Apelação Crime nº 70031577711 - 3ª Câmara Criminal - TJRS - Rel. Desª Elba Aparecida Nicolli Bastos - julgado em 08.04.2010)
Ou seja, os 20 minutos previstos em LEI foram transformados em 5 dias, com direito à carga dos autos e prazos individuais, ao invés de simples análise em cartório, com prazo comum, como prevê a legislação.
E mais, igual prazo também foi ofertado ao Ministério Público, que apresentou sua tese contra todos os acusados. Por evidente, não há que se falar em cerceamento de defesa, já que de todas as formas os prazos foram dilatados e sempre buscou-se a melhor interpretação legal para beneficiar as partes.
De qualquer sorte, poderiam as defesas terem postulado o aumento do prazo, se assim entendessem necessário. Novamente mantiveram-se silentes e somente agora apontam o que (erroneamente) entendem representar uma nulidade.
Desta forma, afasto tal preliminar.
II - MÉRITO
A instrução processual confirmou a autoria delitiva dos acusados nos ilícitos descritos na denúncias, nos termos seguintes.
FATO 1º - TRÁFICO DE DROGAS
RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA
A existência do fato está comprovada segundo registro de Ocorrência Policial, fls. 1381/1382; Auto de apreensão, fl. 1.383; Laudo preliminar de constatação da natureza da substância, fl. 1.509; Laudo, fl. 1.588; e demais provas.
A autoria, da mesma forma comprovada, em que pese a negativa do réu.
MIGUEL DE OLIVEIRA, quando interrogado, fls. 2.365/2.368 e fls. 2.616/2.654, negou todas as acusações. Disse não saber sobre as pedras de crack que estavam na sua residência, pois no momento da apreensão estava em Porto Alegre. Referiu que trabalhava no combate ao tóxico, pois possuía 06 filhos, sendo um ainda jovem. Em função disso, o que mais combatia era o tóxico, negando que as pedras pudessem pertencer a algum de seus familiares, ainda que na condição de usuário.
Os policiais civis que cumpriram a busca e apreensão na residência do réu, informaram que as pedras de crack foram localizadas no interior do sapato de Miguel.
A policial civil ROBERTA MARIANA BERTOLDO DA SILVA, quando ouvida em Juízo, fls. 2.401/2.403 e fls. 2.709/2.716, referiu que localizou a droga na residência do réu.
Juíza: E efetivamente o que é que foi apreendido, se foi apreendido algo, o que aconteceu?
Testemunha: Bom, lá foram apreendidos inúmeros objetos, entre eles, o mais significativo, na ocasião, foi duas pedrinhas, que posteriormente, na perícia, se revelou ser crack. Várias moedas, tinha vários saquinhos contendo inúmeras moedas, dinheiro tinha também. Nós apreendemos uma CPU, alguns documentos, era a escrita, acho que boleto, provavelmente proveniente dessas máquinas de caça-níqueis, que era que, pelo menos, o que o Delegado tinha nos informado. Não lembro mais. O sapato no qual foi encontrada essa droga. Não lembro mais. Eu lembro que tinha bastante coisas que foram apreendidas, que tá no auto.
Juíza: No caso, o Miguel se encontrava no local?
Testemunha: Não.
Juíza: E, com relação a essa droga que foi apreendida, o crack...
Testemunha: Isso.
Juíza: A senhora sabe de quem seria? (...)
Testemunha: Essa droga, ela foi encontrada dentro do quarto do Policial. Estava dentro de um sapato, que o filho dele disse que era dele.
EUNICE DE FÁTIMA DE ALBUQUERQUE DE ALMEIDA, fls. 2404/2406 e fls. 2717/2722, policial civil que também participou das buscas na residência do réu, afirmou:
Testemunha: (...) Passamos, após, para o quarto, que era uma suíte, quarto de casal e neste cômodo, então, foi que em uma sapateira ao lado do roupeiro, eu localizei, dentro de um sapato, uma bola de papel em um dos pés, o pé direito, e eu comecei a abrir, até porque, em princípio não tinha porque estar aquilo ali em apenas um dos pés, não era um sapato novo e me chamou atenção, então comecei a abrir e no último, eram vários papéis embolados, no último deles havia uma anotação com alguns nomes que não lembro quais, mas em torno de três ou quatro e com uma sequência de números que eu presumi ser de RG. Imediatamente após este papel, havia um saquinho branco que eu manuseei e pelo tato presumi que se tratasse de droga e passei imediatamente para o Delegado D'Artagnan que estava também no mesmo cômodo; ele chamou o Delegado Grillo, apresentou a ele a apreensão, disse que tínhamos apreendido e estava com ele já, ali, no mesmo cômodo, o filho do Miguel, que eu não recordo o nome e perguntou a ele de quem era o sapato e ele disse que se era sapato de homem, se estava no quarto do pai dele, deveria ser do pai. (...) Já na Corregedoria, eu tomei conhecimento, então, de que o resultado do exame da substância que havia apreendido tinha dado positivo para crack, seriam duas pedras de crack. (grifei)
O Delegado de Polícia, responsável pelas buscas, Dr. PAULO ROGÉRIO LEMMERTZ GRILO, fls. 2493/2495 e fls. 2820/2834, referiu que a droga foi efetivamente localizada na residência do réu Miguel, dentro de um sapato. Narrou, ainda, que perguntou ao filho do acusado de quem seria aquele sapato, tendo o mesmo respondido que "aquele quarto, aqueles calçados eram do Miguel".
Por oportuno, em nenhum momento resultou comprovado que estes servidores públicos teriam interesse particular na condenação do réu, de forma a imputarem-lhe a autoria de crime que saberiam ser inocente, ou mesmo, que teriam os policiais atuado no caso para atenderem motivos outros que não o cumprimento de atribuição funcional, como insinuou a defesa técnica de Miguel, ao alegar que a droga teria sido "providencialmente" localizada em um sapato desse acusado.
Ora, se de fato estivessem interessados em prejudicar o réu, não teriam realizado as buscas na presença de seu filho e de um Delegado-Corregedor, que facilmente poderiam denunciar a arbitrariedade dos policiais. Procurariam um momento oportuno, longe de testemunhas, e certamente não lhe imputariam o depósito de duas petecas de crack, mas de grande quantidade de drogas, afastando assim, eventual tese defensiva de que seriam para o consumo.
Em sendo o testemunho dos policiais dotado de credibilidade em razão da função pública que exercem, caberia à defesa, se insatisfeita, explicar os motivos pelos quais duas pedras de crack foram encontradas no quarto do acusado, escondidas no interior de seu sapato.
Logo, a palavra dos policiais é forte e robusta, merecedora de credibilidade.
Ainda, com relação à indagação defensiva dos motivos pelos quais não foi lavrado termo circunstanciado de posse de entorpecente contra o filho do réu - presente no momento do achado - certamente deve-se ao fato de que substância tóxica não lhe pertencia, conforme confirmado pelo próprio réu em seu interrogatório.
Os elementos de prova produzidos nos autos revelaram a participação do réu Miguel em diversos delitos de tráfico de drogas.
Nestes termos, merece destaque o depoimento do delegado da Corregedoria-Geral de Polícia, responsável pelas investigações.
PAULO ROGÉRIO LEMMERTZ GRILO, fls. 2.820/2.834, referiu: "no ano passado, em 2007, quando nós chegamos na Corregedoria, em abril, essa investigação já vinha transcorrendo. Ela já estava em desenvolvimento desde meados de 2006, me parece, e o principal meio de investigação utilizado era a interceptação das comunicações telefônicas do investigado principal, que era o Miguel e de alguns outros com quem ele se vinculava. Me lembro que existiam várias denúncias anônimas a respeito de tráfico, pessoas que traficavam na área de Gravataí e que teriam acobertamento, proteção, abastecimento que fosse de drogas por parte do Inspetor Miguel. Aliás, com relação a isso, desde o tempo em nós trabalhamos no Denarc, já recebíamos essas denúncias, envolvendo o Inspetor Miguel de Oliveira. Então, a partir daí, da nossa chegada à Corregedoria, nós passamos a tomar pé da investigação. (...)"
Muito importantes, também, pela relevância da prova, são os incontáveis 'disque-denúncias' enviados pela população gravataiense aos órgãos competentes, relatando a participação de Miguel no tráfico de drogas, nos mais diversos pontos de drogas existentes na cidade.
Vejamos:
* DISQUE-DENÚNCIA noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com os réus Rosângela e Thiago, (2º, 3º, 4º e 5º fatos), fls. 1.121, 1.215/1.216, 1.217/1.218, 1.229, 1.261/1.263 e 1.271.
* DISQUE-DENÚNCIA noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com os réus Daniel e Carlos Padilha (6º, 7º, 8º e 9º fatos), fls. 1.127 e 1.133.
Além dos réus denunciados, outros tantos disque-denúncias apontaram tal prática por parte do réu Miguel de Oliveira com diferentes traficantes, como nos disque-denúncias de fls. 1.053, 1.071, 1.098, 1.116, 1.139, 1.149, 1.156/1.157, 1.169/1.170, 1.175, 1.199, 1.259, 1.260, 1.286, 1.291, 1.296, 1.318, 1.322, 1.527 e 1.574, que traduziram o mesmo modus operandi por parte do acusado.
Cito:
1. Disque-Denúncia noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com o traficante "Ervinha", fl. 1.080.
2. Disque-Denúncia informando o envolvimento de Miguel de Oliveira com Éder da Silva Torres, conhecido como "Éder Gordo", que responde processo por tráfico de drogas junto à 2ª Vara Criminal desta Comarca, fls. 1.086, 1.107 e 1.110.
3. Disque-Denúncia noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com Michele Toledo Braga, conhecida por "Michele", traficante de drogas já condenada por este Juízo nos Processos n° 015/2.05.0006149-3 e nº 015/2.08.0002732-0, fls. 1.092, 1.103 e 1.242.
4. Disque-Denúncia noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com Diego Farias de Alencastro e Anderson Conai Ribeiro de Moraes, conhecidos pelas alcunhas de "Dieguinho" e "Bocão", respectivamente. Ambos foram condenados pelo delito de homicídio praticado contra o traficante "Ervinha", motivados por disputas de pontos de venda de drogas. Além disso, os dois indivíduos relacionados na informação respondem a tantos outros processos criminais na Comarca, inclusive Anderson já foi condenado por tráfico de drogas.
5. Disque-Denúncia informando o envolvimento de Miguel de Oliveira com um indivíduo conhecido pela alcunha de "Pisca", referente ao tráfico de drogas, fls. 1.187, 1.193, 1.205, 1.211, 1.235, 1.237 e 1.276.
6. Disque-Denúncia informando o envolvimento de Miguel de Oliveira com um indivíduo conhecido pela alcunha de "João Polenta", sendo apontado como um grande fornecedor de drogas da Comarca, fl. 1.301.
7. Disque-Denúncia noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com o traficante de drogas Luis Satiro de Melo, conhecido como "Luis Bicudo", asseverando que "fez registros na 2ª DP, mas nada foi feito, acrescenta que o Policial civil MIGUEL da 2ª DP dá cobertura ao traficante", fl. 1.071.
8. Disque-Denúncia noticiando o envolvimento de Miguel de Oliveira com o tráfico de drogas, e os indivíduos João, Leandro, Rogério e Neco. Há referência para que a 2ª Delegacia de Polícia não seja informada "pois o policial mais conhecido por 'Véio Miguel' e o soldado da BM mais conhecido por 'Miltão' recebem propina de João para avisar quando vai ter batida, tanto da Polícia Civil como da Brigada", fl. 1.098.
9. Disque-Denúncia informando o envolvimento de Miguel de Oliveira com o indivíduo João Carlos Lopes, de alcunha "Charlon", possivelmente traficante de drogas, fl. 1116.
10. Disque-Denúncia informando que Miguel de Oliveira (branco, cabelos grisalhos, 58 anos), Inspetor de Polícia da 2ª DP de Gravataí, era traficante de drogas, fl. 1139.
11. Disque-Denúncia informando que Marcelo e Roni traficam drogas na Rua 13 de Maio, nº 571, Bairro São Geraldo, em Gravataí/RS; e que policiais da 1ª e 2ª Delegacia de Polícia estavam envolvidos, fl. 1.149.
12. Disque-Denúncia noticiando a ocorrência de tráfico de drogas e o envolvimento de Miguel de Oliveira no crime. Noticiou que os traficantes eram protegidos pelo policial civil, lotado na 2ª DP de Gravataí/RS, sendo que este policial era visto seguidamente pegando dinheiro com os traficantes. Que Miguel fazia o seguinte comentário: "Quem trabalha comigo nunca é preso", fls. 1.156/1.157.
13. Disque-Denúncia noticiando que o fornecedor da droga para o ponto de tráfico existente na Rua Barnabé, nº 55, Bairro Bonsucesso era o "Véio Miguel" (Miguel de Oliveira), que fornecia drogas para "Lindomar", fls. 1.169/1.170.
14. Disque-Denúncia informando que "Fernando" traficava drogas na Rua Brochado da Rocha, esquina com a Rua São Luis, na Vila City, em Cachoeirinha/RS. Salientou que o traficante trazia a droga da cidade de Gravataí/RS, sob custódia do policial civil Miguel, fl. 1.175.
15. Disque-Denúncia noticiando que na Rua Barnabé, ao lado do número 100, Vila Bonsucesso, parada 66, tinha um ponto de tráfico de drogas (crack). Salientou que a traficante tinha a proteção de um Inspetor lotado na Delegacia da parada 69, em Gravataí/RS, o qual a visitava semanalmente para apanhar propina, fl. 1199.
16. Disque-Denúncia informando que Miguel, inspetor de polícia, que trabalhava na 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí/RS, estava contribuindo para o tráfico de drogas na Cidade, na medida em que este recebia as denúncias de tráfico, ia até os locais denunciados e oferecia proteção policial em troca de pagamento mensal de dinheiro. Acrescentou que Miguel recebia grandes quantias em dinheiro de traficantes das vilas Vera Cruz, Bonsucesso, Garibaldino, Morro do Côco e outras, fl. 1.286.
17. Disque-Denúncia noticiando que na parada 63, Av. Elisa, próximo ao "Bar Snack Beer", no beco existente ao lado da ponte e na Travessa Mauá, havia tráfico de drogas, e que o policial civil Miguel comparecia nos locais para receber propina e não interferir no funcionamento das vendas, fl. 1.296.
18. Disque-Denúncia apontando que Miguel, policial lotado na 2ª DP de Gravataí/RS, fornecia drogas para o tráfico de cocaína na Rua Barboza Filho, nº 731, B. Salgado Filho, Parada 77, em Gravataí/RS, fl. 1318.
19. Disque-Denúncia noticiando que o inspetor Miguel da 2ª DP de Gravataí/RS era o fornecedor de drogas para o traficante "Batata", fl. 1.322.
20. Disque-Denúncia informando que o inspetor Miguel da 2ª DP de Gravataí/RS tinha envolvimento com o tráfico de drogas na Rua Pirapó, nº 110, Bairro Parque Florido, em Gravataí/RS, fl. 1.527.
E foi com base na vasta quantidade de denúncias, é que a Corregedoria de Polícia passou a investigar o réu Miguel de Oliveira, conforme narrou o policial civil SALIMEN GIOVANI BALDUZZI PAVAN, fls. 2.662/2.698.
Testemunha: Em relação, esse inquérito teve seu início devido a um grande número de denúncias anônimas que chegavam na corregedoria, onde mencionavam a prática seja de tráfico de drogas, corrupção, que o policial civil lotado aqui, na 2ª DP de Gravataí, estaria envolvido. A partir desse volume, o delegado, então corregedor na época, delegado Pedro Urdangarin, determinou que se fosse instaurado um inquérito para apurar a veracidade dessas denúncias. Uma vez instaurado, foram efetuadas algumas diligências para ver pelo menos a veracidade de alguns pontos de tráfico de drogas que eram mencionados naquelas primeiras denúncias. Foi feito levantamentos e tal, e foi chegado que era necessário implementar uma interceptação telefônica do policial civil Miguel, o que foi feito e perdurou um ano e meio ou por volta disso.
Juíza: Então, na realidade, teve início através de denúncias?
Testemunha: Sim.
Juíza: As denúncias eram anônimas ou as pessoas se identificavam?
Testemunha: A nossa grande fonte era denúncia anônima, oriundas do GI, desse serviço, do Disque Denúncia, do 181.
Juíza: O que seria esse outro serviço que o senhor referiu, GI?
Testemunha: GI era gabinete de inteligência da polícia civil que também recebe denúncias e encaminham para os órgãos competentes, seja para DEIC, DENARC, Corregedoria.
Juíza: E sempre, nessas denúncias, havia relação com o Miguel de Oliveira?
Testemunha: Isso.
Juíza: Que é o policial que atuava na 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí?
Testemunha: Isso.
Juíza: Quanto das denúncias, havia identificação? Era um policial que estaria participando de delitos ou identifica o nome do policial?
Testemunha: Não, tinha vários tipos de denúncia. Algumas denúncias mencionavam o nome por completo, outras só com as iniciais, outras com o policial com apelido de "Véio" ou "Cabeça Branca", que faziam menção a esse policial, fora o nome dos traficantes e seus endereços onde que efetuaria o tráfico. (...)
Ministério Público: O senhor referiu no início do depoimento que haviam vários disque-denúncias oriundos da Secretaria de Segurança do Estado. Constam aqui nos autos, precisamente a partir das folhas 1.069 em diante, vários disque-denúncias com alguns nomes de traficantes conhecidos aqui, da cidade, Luiz Sátiro de Melo, o Ervinha, o Éder, a Michele Toledo Braga, o Éder e o Dudu, o Antônio Carlos Lopes, João Carlos Lopes, Thiago, Daniel Bermann Machado, Diego Fraga, Anderson Bocão, Marcelo, Roni, Alex, Toco, Miltão e aí vai vários outros, Pisca, André, Cafuringa, Ângela Maria, inclusive João Polenta, entre outros tantos nomes. De alguma forma, a Corregedoria também apurou, ou seja, aqui no Poder Judiciário, ou seja, no Ministério Público, ou seja, nos órgãos policiais, através de ocorrências policiais, que realmente esses disque-denúncias tinham fundamento com relação aos traficantes, por exemplo?
Testemunha: Com certeza, até a gente fazia isso justamente para poder embasar seja a prorrogação ou a interceptação. Por exemplo, vamos dizer, a Michele Toledo Braga, ela já havia sido presa pelo DENARC também, seja por corrupção ou tal, mas relacionado ao tráfico de drogas. Então, a partir de vários desses aí, tipo Pisca, André Fernandes, o que nos chamava a atenção era justamente isso, pelo menos o dado em relação ao traficante estava batendo, sempre batia, seja pela vida pregressa ou pela atualidade dos fatos que estariam ocorrendo.
Ministério Público: Ainda com relação a esses disque-denúncia, muitas vezes, quando o senhor disse que se referiam ao Miguel, ou se referiam pelo apelido Véio, "Cabeça Branca", mas também eles davam características do indivíduo, podia se entender que era o Miguel que estava falando, falavam que era policial civil?
Testemunha: Com certeza e lotado na 2ª, isso certamente ta presente, está materializado. Policial civil, da 2ª DP, de nome Miguel, cabeça branca, sessenta e poucos anos de idade, fornecia as características físicas dele, que levavam à pessoa de Miguel de Oliveira.
Assim, a vasta prova produzida é inconteste e revela a prática do delito de tráfico de drogas por parte do réu Miguel de Oliveira.
Nessa linha, infundada a tese defensiva de que não restou comprovado o tráfico, sob o fundamento de que não teria sido demonstrado qualquer ato de comércio da droga.
O delito de tráfico de drogas é crime de ação múltipla, bastando que a conduta do réu esteja enquadrada em um dos tantos verbos elencados no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, para a sua configuração. Com efeito, a atitude de Miguel em ter em depósito e guardar a substância entorpecente - crack - para a inquestionável comercialização, por si só já caracteriza o tráfico, sendo dispensável a prática de atos de venda.
Por evidente, como veremos nos demais fatos analisados, Miguel utilizava-se de linguagem cifrada para comunicar-se com os corréus, quando das conversações telefônicas mantidas, o que por si só já é um indicativo de que algo de ilegal precisava ser escondido.
Nestes termos, destaco a conversa mantida com um indivíduo identificado como "Ricardo", que seria afilhado do réu, que lhe pede 5 "camisas brancas", em evidente referência à cocaína, tendo o réu lhe respondido que iria arrumar, mas precisava "estourar" um local que estava sendo investigado para conseguir a droga, fl. 307 dos autos da interceptação telefônica.
Dia: 29/05/07, às 21h25min
- Alô. (1)
- E aí, padrinho, tudo bem? (2)
- E daí, moço, como é que está: Tranqüilo?. (1)
- Tranqüilo. E daí, não pintô nada pra mim aí? (2)
- Não, eu tirei uns dias de férias, tô de licença. (1)
- É? Mas, tá na praça? (2)
- Tô, agora eu tô, tô começando, comecei ontem. (1)
- É? (2)
- É. (1)
- Eu tenho uma encomenda dumas camisa branca aí. Precisava dumas cinco. (2)
- É? Faz o seguinte... Vamo... vamo fazê um... iniciei um serviço ali na Rondon de novo, temo que estorá, tá?. (1)
- Tá. (2)
- Tá oká. (1)
- Amanhã, tu vai tá por ali? (2)
- Eu falo por ali contigo. (1)
- Então tá. Feito. (2)
- Feito.
Desta forma, como veremos nos demais delitos apurados, Miguel também utilizava-se da função de policial civil para "estourar" pontos de venda de drogas que não aceitavam pactuar com o esquema criminoso por ele liderado, apreendendo as drogas e desviando parte delas, para abastecer os pontos de tráfico por ele mantidos em associação com os demais traficantes arrolados na denúncia.
PERDA DO CARGO PÚBLICO
Diante do exposto, certa é a perda do cargo público que exercia o réu Miguel de Oliveira, a teor do art. 92, inciso I, do CP.
Com base no contexto probante, resultou evidente a incompatibilidade absoluta entre o réu e o exercício da função pública, violando obrigações funcionais e éticas.
FATOS 2°, 3°, 4° E 5°
RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA - TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO PASSIVA
RÉUS ROSÂNGELA, THIAGO E VALÉRIO - CORRRUPÇÃO ATIVA
A existência dos delitos descritos nos 2º e 3º fatos está consubstanciada através do registro de Ocorrência Policial de fls. 186/192; Auto de Apreensão das fls. 193/195; Laudos Preliminares de Constatação da Natureza das Substâncias, fls. 208/211; Laudos Periciais de fls. 260/261 e 263; e demais prova.
A autoria, da mesma forma comprovada.
Primeiramente, pontuo que com relação aos 2º e 3º fatos, os réus Rosângela, Thiago e Valério já foram condenados por este Juízo no Processo nº 015/2.07.0002592-0, cuja sentença encontra-se às fls. 3146/3180.
Assim, considerando a existência de decisão naquele feito que englobou o fato descrito na presente denúncia contra os acusados acima referidos, esta demanda visa apurar somente a prática dos delitos imputados ao réu Miguel de Oliveira (2º e 3º fatos) já que para os demais, verifica-se a identidade de lides.
Apenas saliento que naquele processo restou analisada a conduta delituosa dos réus Rosângela, Thiago e Valério, como incursos nas sanções do art. 33, caput, combinado com o art. 40, incisos III e VI; e art. 35, caput, combinado com o art. 40, incisos III e VI; todos da Lei nº 11.343/2006; e art. 180, caput, do Código Penal; na forma do art. 69 do mesmo Diploma Penal.
Quando da análise da prova, este Juízo se manifestou da seguinte maneira, quando daquela sentença:
"Assim, não há dúvidas de que os réus Rosângela, Thiago e Valério guardavam e tinham em depósito as drogas. Ainda, que intencionavam sua comercialização.
Primeiro, porque restou fartamente comprovada a traficância, em razão das circunstâncias acima analisadas.
Segundo, a forma como a droga estava acondicionada, ou seja, em (a) 807 "pedras" de "crack", pesando 124,01g (Cento e vinte e quatro gramas e um decigrama), envoltas em alumínio; (b) 05 "pedras" de "crack", pesando 56,95g (Cinqüenta e seis gramas e noventa e cinco decigramas), com a embalagem; (c) 41 "petecas" de "cocaína", pesando 17,75g (Dezessete gramas e setenta e cinco decigramas), envoltas em plástico; (d) 01 "pedra" de "cocaína", pesando 24,54g (Vinte e quatro gramas e cinqüenta e quatro decigramas), com a embalagem; (e) 01 "pedra" de "cocaína", pesando 49,49g (Quarenta e nove gramas e quarenta e nove decigramas), com a embalagem; (f) 01 "pedra" de "cocaína", pesando 101,38g (Cento e um gramas e trinta e oito decigramas), com a embalagem; igualmente comprovam o tráfico.
Terceiro, a quantidade e a diversidade das substâncias denunciam a mercancia, pois nenhum consumidor possui tanta droga consigo, tampouco nesta variedade, atingindo um maior número de consumidores, além de ter sido a droga apreendida na residência de Rosângela e Thiago. Nesse sentido, ambos confessaram o tráfico e indicaram a participação do réu Valério.
Quarto, a equipe policial atuou no caso após longa investigação - mais de um ano - originada em razão de diversas denúncias anônimas, as quais davam conta da traficância pelos réus no local.
Quinto, além da droga apreendida foram encontrados também com os acusados a quantia de R$ 400,30, certamente quantia oriunda da venda do tóxico.
Sexto, os réus eram muito bem estruturados para a traficância, com divisão de tarefas, além de usarem a própria residência de Rosângela e Thiago como ponto de tráfico, a qual tinha muros altos, com arames farpados, portão, e outros tantos obstáculos para assegurar a execução de um ilícito. Além disso, teriam o apoio de um policial civil, o qual intermediaria o reabastecimento das drogas com o indivíduo conhecido como "João Polenta", além de informar aos réus, de antemão, sobre eventuais buscas no local a serem realizadas pela polícia.(grifei)
Sétimo, foram apreendidos, ainda, diversos objetos utilizados para separar, embalar e pesar a droga a ser vendida, quais sejam, 01 balança digital de precisão; 01 rolo de papel laminado, tipo alumínio; 01 rolo de papel filme transparente; 02 tesouras, marca "Tramontina"; diversos potes utilizados para acondicionar as drogas, marca "M&M'S"; 01 rolo de fita larga transparente; 01 colher, tamanho pequeno; 01 fita dupla face, marca "Eurocel"; 01 caixa de gilete, contendo 02 lâminas; 01 rolo de fita larga, de cor bege; 01 rolo de etiquetas; saquinhos plásticos transparentes e azuis; e retalhos de sacos plásticos, de cor branca, com resquícios de droga. Também foram apreendidos diversos potes plásticos da marca "M&M'S", potes de filme fotográfico.
Os réus praticavam a mercancia nas imediações de estabelecimento de ensino: "Escola Antônio José de Alencastro", de forma que deve ser acatada a causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da Lei nº 11.343.2006.
Igualmente deve ser reconhecida a causa prevista no art. 40, inciso VI do mesmo diploma legal, pois tal escola era de ensino médio - fato notório nesta Comunidade Gravataiense - e nessas circunstâncias, o tráfico de drogas também visava e alcançava crianças e adolescentes." (grifei)
Desta forma, passo à analise da participação do réu Miguel de Oliveira na empreitada criminosa desenvolvida com os demais réus.
JOÃO PEDRO DE SOUZA CARDOSO, policial civil lotado no DENARC, relatou às fls. 2.451/2.453 e 2.767/2.777, que desenvolveram um trabalho de campana na casa de Rosângela. Observaram a movimentação característica de tráfico de drogas, viram como funcionava quando as pessoas chegavam no portão, um descia, ia até os fundos da casa, e voltava com a droga. Pediram o mandado e cumpriram em um dia pela manhã, e lá encontraram drogas, armas, dinheiro e balança.
A ré ROSÂNGELA MARIA VIANA FLORES, quando ouvida em Juízo, fls. 2.305/2.308 e 2.548/2.558, confessou a prática dos ilícitos, delatando o comparsa Miguel de Oliveira, revelando que a este competia o abastecimento do ponto de venda.
Juíza: Com relação (...), a senhora chegou a referir a pessoa de nome "Polenta", o que seria?
Interroganda: É um repassador, ele me passou. Depois que o meu menino (Thiago) teve os tiros, ele me passou este moço, devido ao tiro, para repassar a droga.
Juíza: Ele repassava a droga ou a senhora repassava a droga para ele?
Interroganda: Eu pegava do João Polenta para vender.
(...).
Juíza: Mas ele, no caso, indicou o João Polenta?
Interroganda: Sim.
(...)
Ministério Público: Consta aqui a seguinte afirmação: o denunciado Miguel de Oliveira intermediou a aquisição de drogas, inclusive aquelas apreendidas, proporcionando aos demais agentes, através das relações com fornecedor identificado apenas como João Polenta, o repasse da mercadoria ilícita, e que ele pessoalmente contata o tal fornecedor. Só para explicar bem esta situação, Rosângela, Miguel e João Polenta. Quem te apresentou o João Polenta?
Interroganda: Miguel.
Ministério Público: Onde ele te apresentou. Tu tens lembrança?
Interroganda: Tenho. Na Delegacia.
Ministério Público: O Miguel falou que na verdade João Polenta é que poderia fornecer drogas para ti?
Interroganda: Sim.
Ministério Público: Quanto tu precisavas de mais drogas, tu contatava, depois deste primeira intermediação, o Miguel ou (...)?
Interroganda: Que eu precisava falar com o João Polenta.
Ministério Público: Tu contatava o Miguel e aí o João Polenta entrava em contato contigo, ou o próprio Miguel?
Interroganda: Não. Com o seu Miguel.
Ministério Público: Para entender bem, então, agora com relação ao terceiro fato também. A função do Miguel dentro desta organização: ele intermediava o repasse das drogas que tu adquirias indiretamente do João Polenta. Ele, também, para garantir a continuidade do teu negócio, dava uma proteção ao ponto, seja com informações privilegiadas, seja também não prendendo a ti e aos demais que vendiam droga na tua residência?
Interroganda: Sim.
Ademais, as interceptações telefônicas apenas confirmaram uma realidade que há muito tempo vinha sendo denunciada pela população daquele local, através dos Disque-Denúncias.
O Disque-Denúncia de fl. 1.121, noticiou a existência de tráfico de drogas no local, detalhando que "o policial civil MIGUEL (branco, cabelo grisalho), da 2ª DP Gravataí estava envolvido no tráfico junto com os réus (Rosângela, Thiago e Valério)".
Também, no mesmo sentido foram os Disque-Denúncias de fls. 1.229 e 1.215/1.216, demonstrando a indignação da comunidade com a constante presença do réu Miguel no ponto em que Rosângela, Thiago e Valério traficavam, referindo o seguinte: "porque um policial civil, como já falamos, freqüenta a casa?". Por fim, o denunciante clama: "acabem com esse ponto de tráfico escandaloso, vizinho a uma escola, com envolvimento de policiais, por favor, se quiserem deixar os policiais de fora, pois que deixem, mas terminem com isto, por favor!!!". (grifei)
Nas fls. 1.217/1.218, o Disque-Denúncia relata: "Ligue para o 190: resposta: não adianta, nem vamos atender porque serão liberados na segunda delegacia. Ligue para a segunda delegacia: não é conosco, isto é coisa do DENARC". E complementa: "Mas, de antemão, se mandaram para os órgãos do município de Gravataí, ou para órgãos que para lá mandarão 'para averiguar', logo saberei, pois quando a 'denúncia' chegar a esses órgãos locais, mais uma vez a traficante e o restante da quadrilha serão avisados e debocharão dos cidadãos e da polícia, com gritos, algazarra e ameaças aos 'dedo-duros', tudo com tiros para o alto, provando que realmente quem manda lá são eles, apoiados sabemos por quem...".
Na mesma linha, é o documento de fl. 1.271, que novamente refere o envolvimento do réu Miguel, conferindo inclusive suas exatas características: "branco, cabelos grisalho, 50 anos".
Quando indagado sobre as imputações que lhe foram feitas, também sobre o contundente depoimento da ré Rosângela, Miguel justificou seu envolvimento com os demais réus referindo que estaria "infiltrado na organização criminosa".
Interrogando: Eu conheço a Rosângela, bati na casa dela duas ou três vezes, me infiltrei, consegui me infiltrar quando ela tava com uma quantidade mais ou menos, eu pedi para os colegas do Denarc fazer um serviço e prender ela, porque pra mim ficava ruim.
Juíza: O senhor conhece de batidas, então?
Interrogando: Conheço de batidas. Apesar de ter falado com ela várias vezes, pedir um serviço, pedindo algum traficante, quando eu via que ela tava me enrolando, simplesmente digo: "Eu não posso fazer".
Juíza: O senhor conhece de batidas, o senhor quer dizer como Policial, quando o senhor fazia, no caso, apreensões nesse endereço aqui. É isso?
Interrogando: Exato.
Juíza: E com relação ao Thiago e Valério. O senhor conhece também esses dois?
Interrogando: O Valério eu não sei quem é. O Thiago eu sei que é o filho dela.
Juíza: O senhor disse que com a Rosângela o senhor teve vários contatos.
Interrogando: Vários contatos. Inclusive na casa dela nós pedimos busca e apreensão na casa dela e não achamos nada.
Juíza: E com relação ao Thiago, o senhor teve também contatos, conversava com ele?
Interrogando: Conversava eventualmente com ele. Conversava eventualmente com ele nessa de Polícia conversar com todo mundo.
Juíza: Que tipo de conversa seria?
Interrogando: Sempre pedindo informações, doutora.
Juíza: Informações sobre?
Interrogando: Sobre tóxicos, sobre homicídio, sobre furto, sobre tudo.
Juíza: E ele? Como é que se portava? Ele repassava?
Interrogando: Alguma coisa ele repassava, alguma coisa ele repassava.
Juíza: Mas especificamente com relação ao tóxico, ele chegou a repassar alguma coisa para o senhor?
Interrogando: Ele sempre, eles empurram sempre pra outro. "Ó, quem tá vendendo tóxico é A ou B ou C ou é lá em cima, ou é na outra quadra".
Juíza: Alguma vez o senhor realizou algum tipo de batida para o Thiago ou contra o Thiago?
Interrogando: Ele morava com a mãe dele, né. Então, nós fizemos a batida na casa dele.
Juíza: Mas com relação a quê?
Interrogando: A tóxico.
Juíza: Drogas?
Interrogando: A drogas.
Juíza: Nenhum outro tipo de batida? Algum tipo de diligência, de investigação?
Interrogando: Não. Eu não me recordo, parece que uma vez furto de moto, uma coisa assim talvez tenha batido lá na casa dele.
Juíza: Nas ocasiões em que o senhor foi lá o Thiago sempre estava lá?
Interrogando: Não, nem sempre.
Juíza: Ele morava lá?
Interrogando: Morava, ele morava com a mãe dele.
Juíza: E ao mesmo tempo trabalhava lá também?
Interrogando: Ele tinha um, como é que se diz, uma garagem onde ele arrumava moto ali, tipo uma meia oficina, tava sempre cheio de rapazes ali, três, quatro motos ali.
Juíza: Então, ele trabalhava durante o dia, supõe-se, e à noite ele dormia na mesma casa do que a Rosângela?
Interrogando: Sim, eles moravam junto.
Todavia, absolutamente infundada a tese de que o réu Miguel estaria infiltrado na organização, visando investigar o narcotráfico.
Na verdade, se de fato estivesse agindo com esta intenção, inexplicável a conduta de apresentar Rosângela ao fornecedor conhecido pela alcunha de "João Polenta", já que conforme a ré referiu no depoimento prestado às fls. 304v/307v, passou a ter uma quantidade maior de drogas para comercializar após conhecer o referido traficante, por intermédio de Miguel. Ou seja, Miguel lhe "ajudava" na prática do comércio ilícito, vale repetir - Miguel traficava com Rosângela, Thiago e Valério.
Também, com relação aos 4º e 5º fatos, há elementos fortes e suficientes à procedência da ação penal.
A ré Rosângela Maria Viana Flores, quando ouvida em Juízo, fls. 2.305/2.308 e 2.548/2.558, relatou:
Juíza: D. Rosângela, com relação a este fato, a senhora sabe do que se trata, sabe do que está sendo acusada?
Interroganda: Sim.
Juíza: Especificamente, a senhora está sendo acusada no quarto fato que consta da denúncia e tem relação com a corrupção ativa. Isto procede, não procede, é parcialmente verdadeiro? O que aconteceu?
Interroganda: É verdadeiro.
Juíza: O que houve?
Interroganda: Eu pagava propina. De vez em quando ele ia até a minha casa para pegar.
Juíza: Ele quem?
Interroganda: O sr. Miguel. E passou para pegar a droga do João ... É isso aí.
Juíza: Em que circunstâncias a senhora repassava dinheiro para o Miguel? O Miguel a que a senhora se refere é o Miguel de Oliveira, Policial da 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí - ex-Policial, no caso, da Delegacia. Como a senhora repassava o valor? Quanto era o valor?
Interroganda: Cem real por semana.
Juíza: Cem reais por semana a título de quê? Por que a senhora dava este dinheiro para ele?
Interroganda: Por que quando ia haver alguma batida ele me avisava.
Juíza: Batida em relação a quê?
Interroganda: Ao DENAC ou à 2ª DP mesmo.
Juíza: Por que eles iriam realizar batida? A senhora estava praticando algum delito.
Interroganda: Eu estava praticando o delito.
Juíza: Qual o delito que a senhora estava praticando.
Interroganda: De droga.
Juíza: A senhora estava traficando droga?
Interroganda: Isto.
Juíza: A senhora tinha um ponto específico?
Interroganda: Tinha.
Juíza: Onde era este ponto?
Interroganda: Era na Guilherme Schmitz, 569.
Juíza: No caso, a senhora vendia que tipo de droga ali?
Interroganda: Eu vendia cocaína e a pedra.
(...).
Interroganda: Isso. Para ter informações.
Juíza: Que tipo de informações mais ele lhe passava?
Interroganda: Se fosse ter uma batida do DENARC, ou do GOE ou se a 2ª mesmo ia lá para investigar alguma coisa.
Juíza: A 2ª Delegacia?
Interroganda: Isto.
Em que pese a negativa do réu Thiago no esquema criminoso, também restou incontestável nos autos sua participação, vez que cabia a este a entrega das drogas, situação já consolidada na sentença condenatória transitada em julgado.
Também, foi no mesmo sentido o depoimento de Rosângela:
Juíza: E a senhora vendia sozinha, tinha mais pessoas associadas com a senhora?
Interroganda: Tinha eu e quem morava em casa.
Juíza: Quem morava em casa?
Interroganda: Meu filho menor.
Juíza: O seu filho Thiago Flores Gonzalez?
Interroganda: Isto.
Juíza: Quem é o Valério Souza da Silva?
Interroganda: É um rapaz que trabalhava de noite.
Juíza: Então ambos também traficavam?
Interroganda: Sim.
Juíza: Junto com a senhora?
Interroganda: Mas o Valério ficou muito pouco tempo.
(...).
Juíza: A senhora vendia por quanto?
Interroganda: Fechava e vendia a R$ 5,00 (cinco reais) e R$ 10,00 (dez reais).
Juíza: O seu filho também participava?
Interroganda: Meu filho trabalhava mais era nas motos, né.
Juíza: Tele-entrega?
Interroganda: Não. Ele tinha uma mini-oficina de motos.
Juíza: Trabalhando com motos, não com entrega de drogas?
Interroganda: É. Porque eu não gostava que ele entregasse.
Juíza: Mas ele chegou a entregar, já?
Interroganda: Sim.
Também, a ré Rosângela revelou a forma como era realizado o pagamento da corrupção (4º fato).
Juíza: Aqui consta, na narrativa do quarto fato que no período compreendido entre os meses de abril de 2006 e maio de 2007, por diversas vezes, em diversos locais, na Cidade de Gravataí, a senhora, juntamente com o Thiago e o Valério, teriam oferecido e também entregaram a vantagem devida ao Miguel de Oliveira, sendo que por semana entregavam a quantia de R$ 100,00 (cem reais). É isto?
(...).
Juíza: Mas este período que eu narrei na denúncia?
Interroganda: Era pago.
Juíza: A senhora pagava. E como era feita a entrega deste valor? A senhora ia até onde eles estavam? Eles vinham até a senhora?
Interroganda: Às vezes ele ia até a minha casa, às vezes a gente marcava no mercado ou no posto de gasolina. Era assim.
Juíza: Mas tinha local certo?
Interroganda: Não tinha local certo nem hora certa.
Juíza: E dia certo. Tinha?
Interroganda: Toda sexta-feira.
Juíza: Sextas-feiras. Como era feito o contato para saber o horário, afinal de contas, e o local?
Interroganda: Ele me dava um toque no telefone ou eu dava um toque no telefone para ele?
Juíza: Como assim um toque?
Interroganda: Mandava uma mensagem por telefone ou eu dizia para ele "ó, já estou passando aí, me espera no mercado que eu vou fazer alguma compra", ou ...
Juíza: Está. E o telefone era celular ou convencional?
Interroganda: Telefone celular.
Juíza: Qual era o seu telefone celular?
Interroganda: Eu não lembro o número. Já faz muito tempo.
Juíza: E do Miguel, a senhora recorda o número?
Interroganda: Lembro que é 917 alguma coisa, não lembro todo o número dele.
Juíza: Então a senhora uma vez por semana ligava ou passava mensagem para o celular dele ?
Interroganda: Ele passava lá em casa quando eu não ia ou quando eu não dava sinal. Ele passava lá para pegar.
Juíza: E quando ele ia na sua casa, ele ia sozinho ou ia com mais alguém?
Interroganda: Às vezes ia alguém com ele, da Delegacia mesmo, ia alguém com ele.
Juíza: A senhora sabe dizer o nome de quem ia junto?
Interroganda: Não sei dizer o nome.
Juíza: Mas era da 2ª Delegacia?
Interroganda: Era da 2ª também.
Juíza: A senhora saberia identificar quem era essa outra pessoa?
Interroganda: Posso identificar, mas mais era de noite do que de dia.
Juíza: Ele ia com uma viatura discreta ou com o carro da Delegacia?
Interroganda: Ela ia com o carro dele.
Juíza: Carro dele.
Interroganda: Umas duas vezes ele foi com a viatura.
Juíza: No caso este valor era repassado para não ser presa?
Interroganda: Isso. Para ter informações.
Segundo Rosângela, a organização criminosa prevaleceu por cerca de um ano, com pagamentos semanais. Inclusive, em determinada ocasião, policiais da 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí cumpririam mandado de busca e apreensão na residência da ré, medida que era de seu conhecimento, pois a respeito havia sido avisada por Miguel.
Juíza: Na realidade, ao total, durante quanto tempo a senhora repassou este valor para o Miguel?
Interroganda: Mais ou menos um ano.
(...)
Juíza: A senhora chegou a verificar se nas ocasiões em que o Miguel chegou para a senhora e disse: "Olha, hoje vai ter batida." se efetivamente foi alguém fazer batida lá?
Interroganda: Teve uma vez que a 2ª foi na minha casa.
Juíza: A 2ª Delegacia?
Interroganda: Sim.
Juíza: E ele estava junto na batida?
Interroganda: Estava. Estava junto.
Juíza: E além dele estava quem?
Interroganda: Outros policiais.
Juíza: Além da batida da 2ª Delegacia, alguma outra batida também foi feita precisamente no dia e horário que ele afirmou, tipo DENARC.
Interroganda: Era pra ter, mas como eu estava na área e vi o carro do DENARC, aí o DENARC não foi lá.
Juíza: Não que eles não tivessem ido, a senhora saiu, evadiu-se.
Interroganda: É isso aí.
Juíza: Mas efetivamente fechou a história. Disse (Miguel) que iriam e foram. Foi a Polícia, no caso.
Interroganda: Sim.
Assim, a alegação apresentada pelo réu Miguel de que estaria "infiltrado" no grupo com a intenção de investigar o abastecimento dos pontos de venda de drogas efetivamente não merece acolhimento. Miguel objetivava claramente proteger os pontos de droga e os traficantes, impedindo o exitoso cumprimento das buscas realizadas por seus colegas policiais, na medida em que avisava aos traficantes com antecedência a realização dessas operações.
Aliás, não há como aceitar estivesse ele com a intenção de investigar quem seriam os fornecedores da droga, já que ele próprio era o responsável por esta função.
Todos esses detalhes esquecidos pela defesa quando do exame da prova, evidenciaram a participação de Miguel no narcotráfico.
O fato de estar "interessado" em obter elementos para outras investigações não elide a responsabilização penal daquele servidor público que está sendo remunerado para combater exatamente aquilo que ele insiste em promover: o tráfico de drogas.
E mais, a proteção à organização criminosa era tamanha, que impedia justamente que outros traficantes se instalassem nas redondezas, evitando a 'concorrência', conforme relatos da traficante Rosângela.
Ministério Público: Se tivesse algum traficante que quisesse fazer concorrência contigo?
Interroganda: Não ficava.
Ministério Público: Por quê?
Interroganda: Porque ele não deixava.
Juíza: Ele no caso é quem?
Interroganda: O sr. Miguel.
Quanto ao réu THIAGO FLORES GONZALEZ, interrogado às fls. 2.310/2.313 e 2.559/2.567, apesar de negar a autoria, confirmou o tráfico de drogas no local, imputando-o à Rosângela. Também, afirmou a relação do grupo com o réu Miguel de Oliveira.
Juíza: Não é verdade que o senhor, juntamente com a Rosângela e com o Valério, ofereceram vantagens indevidas para o funcionário da 2ª Delegacia de Polícia Miguel de Oliveira.
Interrogando: Não é verdade.
(...)
Juíza: Rosângela também informou que traficava, que vendia drogas.
Interrogando: Sim.
Juíza: O senhor nunca viu isso também?
Interrogando: Saber, eu sabia. Eu era ciente disso e também contra, mas eu, participar, eu nunca participei.
Juíza: Ela traficava onde?
Interrogando: Na casa.
Desta forma, descabida a tese defensiva de Thiago no sentido de que trabalhava apenas no conserto de bicicletas "velhas", e que assistia a tudo sem qualquer envolvimento. É nítido que tanto Rosângela quanto Thiago desenvolviam a atividade criminosa na residência da família e que Miguel, por receber a 'propina semanal', lhes fornecia proteção e assistência.
Por tais motivos, em diversas oportunidades Thiago acabou sendo flagrado desenvolvendo conversas telefônicas com o réu Miguel, programando encontros e idas à residência do policial civil, para o pagamento da propina, que lhe garantia proteção e impunidade.
Da mesma forma, não prospera a tese de que Rosângela teria incriminado Thiago para proteger Valério, pois com relação a este, a ré também confirmou sua participação no tráfico de drogas, apenas descartando a participação de Valério no esquema de corrupção, que envolvia apenas o núcleo familiar, eis que donos do ponto de venda de drogas, ao passo que Valério era empregado, exercendo a função de segurança.
Quanto ao réu VALÉRIO SOUZA DA SILVA, a prova dos autos é insuficiente a ensejar segura convicção de seu envolvimento no delito de corrupção ativa. Ficou comprovado que Valério seria o responsável pela segurança do ponto de venda de drogas, situação já consolidada por sentença condenatória. Contudo, não prestou a prova a demonstrar estivesse ele envolvido com o réu Miguel e de alguma forma lhe tivesse oferecido qualquer vantagem.
Na verdade, Valério foi contratado por Rosângela, para proteger o ponto do tráfico de eventuais ataques de traficantes rivais, especialmente por que dias antes seu filho Thiago havia sido vítima de uma tentativa de homicídio, o que lhe causou insegurança.
Vejamos:
Interroganda: Mas o Valério não estava nesse período. O Valério não entregava nada. O Valério começou a trabalhar na minha casa no momento em que o meu filho tinha levado os tiros.
(...).
Juíza: Quem sabia que a senhora estava entregando? O Thiago sabia, o Valério sabia?
Interroganda: O Valério não sabia, porque o Valério era contra pagar para a Polícia. Se ele soubesse, não trabalharia comigo.
Assim a condenação dos réus Miguel, Rosângela e Thiago e a absolvição do réu Valério (4º fato) é corolário lógico.
FATOS 6º, 7º, 8º e 9º
RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA - TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO PASSIVA
RÉUS DANIEL BERMANN MACHADO E CARLOS DA SILVA PADILHA - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO ATIVA
A existência dos delitos está comprovada pelo registro das Ocorrências Policiais de fls. 327/330, 1.440/1.443; Autos de Apreensão das fls. 331 e 1.444; Laudos Preliminares de Constatação da Natureza das Substâncias, fls. 334/337 e 1.462; Laudos Periciais, fls. 364/365; e demais provas.
A autoria, da mesma forma comprovada.
Registro que com relação ao 6º fato descrito na denúncia, os réus Carlos Padilha e Daniel Bermann Machado já foram condenados por este Juízo nos Processos nº 2.07.0003668-9 e nº 2.07.0005402-4, com sentença transitada em julgado.
Colaciono ementa do E. Tribunal de Justiça, que confirmou a condenação relacionada ao réu Carlos.
TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO. Provados os termos da denúncia, a condenação dos réus apelantes com amparo no art. 33 da Lei n.º 11.343/2006, é de se manter a sentença condenatória por seus próprios fundamentos. Apelo defensivo desacolhido. (Apelação Crime nº 70025013426 - 3ª Câmara Criminal - TJRS - Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi - julgado em 23.10.2008)
Quanto ao réu Daniel Bermann Machado, quando da análise da prova, este Juízo firmou convicção nos seguintes termos, deduzidos na sentença condenatória.
"Com efeito, não há dúvidas de que os réus Daniel e Ricardo tinham em depósito e guardavam a droga apreendida para a comercialização.
Primeiro, os policiais encontraram a substância entorpecente na casa do denunciado Daniel após longa investigação e várias denúncias de que este traficava e estava associado para tanto.
Segundo, os réus foram presos na casa de Daniel, onde Ricardo também ficava - inclusive pernoitava - evidenciando a relação de amizade e de afinidade entre ambos, o que corrobora a afirmação do réu Daniel de que ambos traficavam.
Terceiro, logo após ser preso, no "calor dos acontecimentos", o acusado Ricardo admitiu que efetivamente estava com a substância entorpecente - 10,7g de crack - ao passo que o réu Daniel também confirmou que tinha em depósito e que guardava esta droga [depoimento do Processo nº 015/2.07.0006231-0] e que ambos objetivavam o tráfico.
Quarto, a quantidade da droga apreendida também comprova o efetivo tráfico: 10,7g de crack, em uma pedra grande, que após fracionada seria suficiente para a confecção de mais de 100 pedras de tal substância.
Quinto, igualmente demonstrada a mercancia, em função do material encontrado com a droga, que certamente serviria para embalar e acondicionar a substância para a comercialização, já que ainda estava sob a forma de uma única pedra.
Sexto, o crack estava sob o assoalho da casa, juntamente com o material para embalagem, na parte externa da residência, bem perto da porta da casa. Vale detalhar: a droga estava em condições para o repasse a consumidores, próxima à via pública, em local de fácil e rápido acesso para os réus Daniel e Ricardo.
Sétimo, o delito de tráfico de entorpecentes caracteriza-se pela previsão de diversas condutas, sendo 18 os verbos constantes no "caput" do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, dentre eles o de "ter em depósito" e "guardar" para fins de comércio, nos quais restaram enquadradas as condutas dos acusados na denúncia.
Desta forma, não se exige que os autuados estejam efetivamente comercializando a substância entorpecente, repassando a terceiro com o recebimento do dinheiro.
Oitavo, e por derradeiro, os réus não conseguiram manter as versões combinadas, de forma a afastarem a presente denúncia. Como ambos acusaram-se reciprocamente, de pronto resultaram frágeis suas versões defensivas. Por fim, Daniel acabou admitindo que realmente traficava com Ricardo, além de apontar outras pessoas que teriam envolvimento no tráfico de drogas na Cidade de Gravataí.
Portanto, a condenação pelo delito de tráfico de drogas é corolário lógico."
Nesse passo, a autoria do delito de tráfico de drogas com relação aos réus Carlos e Daniel é certa, restando analisar neste processo a associação de tais agentes em comunhão de esforços com o réu Miguel de Oliveira e o delito de corrupção.
O réu CARLOS DA SILVA PADILHA, quando ouvido em Juízo, fls. 2.296/2.298 e 2.536/2.547, confessou a prática dos ilícitos, delatando o comparsa Miguel.
Juíza: Com relação ao 7º e ao 8º fato, o que o senhor tem a narrar? O que houve aqui? O senhor praticou efetivamente esses delitos?
Interrogando: No tráfico, sim. O tráfico, eu traficava mesmo.
Juíza: E como é que efetuava esse tráfico? Com quem, como é que trabalhava, como é que era isso aí?
Interrogando: A gente trabalhava, e o Miguel dava proteção pra nós. No caso, ele avisava.
Juíza: O Miguel avisava o quê?
Interrogando: Avisava né. "Não trabalhem quinta-feira que vai o Denarc lá. Não trabalha segunda de tarde porque vai a Civil lá".
Juíza: Tá. O senhor disse o Miguel. E o Daniel também ou não?
Interrogando: Claro, através do Daniel chegava até o Miguel.
Juíza: Tá, mas o tráfico era feito entre vocês três?
Interrogando: Claro, ele que largava a droga pra nós, o Miguel.
Juíza: E com relação ao Daniel, como é que era? A sua droga era vendida também pelo Daniel?
Interrogando: Não, eu pegava com o Miguel e ele pegava com o Miguel.
Juíza: Ambos pegavam com o Miguel?
Interrogando: Sim.
Juíza: Mas entre vocês havia uma troca, uma parceria? No caso, o senhor e o Daniel?
Interrogando: No caso, o fato que o Miguel ajudava eu e ele, né, (se organizava), no caso, não ia preso, porque ele fazia o que quisesse não ia preso.
Juíza: Eu digo especificamente com relação à droga em si, se havia uma troca entre vocês.
Interrogando: A gente saia junto pra festa.
Juíza: Mas a venda de drogas?
Interrogando: Droga, eu tinha os meus contatos junto com o Miguel só. Faltava na dele, ele pegava na minha, faltava na dele, eu (levava) da minha pra ele.
Juíza: Com relação a quem?
Interrogando: À droga.
Juíza: Mas quem? Com que pessoa?
Interrogando: Com o Miguel.
Inclusive Carlos informou detalhes sobre a associação e a forma como eram efetuados os pagamentos.
Juíza: Como era feita essa troca? Também com relação a informação que o Miguel repassava, como é que era? (...)
Interrogando: De mês em mês, ele tinha o meu telefone, de mês em mês ele ligava ou de semana em semana. "E aí, guri, cadê o meu dinheiro"?
Juíza: Qual é o seu telefone que ele ligava?
Interrogando: Eu não sei. E daí (...) o celular do Macedo que me prendeu. Não sei onde ele botou o telefone.
Juíza: Tá, mas é um telefone celular?
Interrogando: É um telefone celular. (...).
Interrogando: Ah, isso faz o quê? Uns oito meses que ele avisou. Mas depois ele trocou de número, continuava ligando. O cara marcava com ele nas praça, ele ia nas boca de viatura. Entrava na boca (...) na Delegacia lá conversar. (...)
Juíza: E com relação à troca de dinheiro, como é que era o repasse do dinheiro?
Interrogando: Ah, ele cobrava duzentos por semana, às vezes por mês. A gente deixava ele cobrar primeiro.
Juíza: Ele dizia o valor.
Interrogando: É. Daí, se tu não pagasse ele, ele ia atrás de ti ou te prendia, te dava uma desculpa. "Eu quero te prender, eu posso dizer que tu roubou uma padaria". Eu não roubei padaria nenhuma, mas ele queria um motivo pra nós dar dinheiro pra ele. Se nós não pagasse, ele matava o cara.
Juíza: Alguma vez o senhor deixou de pagar o valor?
Interrogando: Eu? Não, eu nunca deixei de pagar.
Juíza: Sempre pagou?
Interrogando: Sempre paguei.
Juíza: Durante quanto tempo o senhor pagou?
Interrogando: Ah, eu comecei a fazer negócio com ele faz mais que um ano e meio, quase dois anos. (...).
Juíza: O senhor chegou a totalizar o valor, a quantia que o senhor entregou para ele?
Interrogando: R$ 200,00. Era duzentos por semana ou por mês. Eu deixava ele cobrar. Enquanto ele não cobrar, eu não tô nem aí.
O "pacote" de vantagens oferecido por Miguel a quem com ele se aliasse não se resumia apenas no descumprimento de seu dever legal, mas também impedia que outros policiais praticassem o ato, avisando sobre eventuais operações realizadas pela polícia.
Juíza: Nessa época, então, para não ser pego, ele cobrava esse valor que o senhor pagava.
Interrogando: Cobrava, e eu pagava.
Juíza: E ele lhe informava quando é que ia ter batida, quando a Polícia ia ir no ponto?
Interrogando: Ah, isso ele ligava: "Ó, não trabalha amanhã, que amanhã em tal hora eles vão ir".
Juíza: E o senhor reparou se alguma vez a Polícia efetivamente foi?
Interrogando: Foi, mas claro.
Juíza: E nesse dia, então, o senhor não trabalhava?
Interrogando: Sim.
Juíza: E o senhor observou que nesse dia, então, a Polícia efetivamente foi lá?
Interrogando: Sim.
Juíza: Que Polícia que o senhor está falando? Da 2ª DP ou polícia...
Interrogando: O Miguel, ele mesmo ia. Os outros cara que iam com ele não sabia, mas ele sabia que ia ter operação na tal boca. Aí ele já avisava, vinha o pessoal, mas o pessoal dele não sabia de nada, só ele sabia, porque só ele ganhava dinheiro.
Juíza: Mas era só da 2ª Delegacia de Polícia ou também uma outra polícia lá de Porto Alegre?
Interrogando: Não, era só da 2ª, só da 2ª. No caso, só o Miguel que fazia esse (...) na 2ª. Que eu saiba, era só ele.
O réu Carlos esclareceu a forma como Miguel lhes fornecia a droga, bem como a maneira como estavam organizados, sendo que cada um tinha seu ponto de venda e Miguel seria o responsável por abastecer ambos.
Quando ocorria a falta da droga um emprestava ao outro, de maneira a não deixar o ponto desabastecido, em uma demonstração clara da associação mantida por todos.
Ministério Público: Carlos, tu mencionaste, só para esclarecer, tu e o Daniel recebiam a droga do Miguel. De quem ele conseguia essa droga tu não sabes?
Interrogando: Aí eu não sei, mas deve conseguir, suponho, deve ser de uma batida numa boca, ele vai ali e pega 100, 200 grama ali e já vende pra outro.
Ministério Público: Certo. Podia ser de uma batida e podia ser de um fornecedor graúdo, enfim...
Interrogando: Claro.
Ministério Público: Certo. Tu mencionaste antes que tu e o Daniel, quando faltava droga no teu ponto, o Daniel emprestava a droga dele para abastecer o teu?
Interrogando: Sim.
Ministério Público: Vocês faziam isso?
Interrogando: Claro, era o mesmo fornecedor.
Ministério Público: Certo. Então, se faltou droga aqui, ele emprestava um pouco da droga dele, depois, na contabilidade, vocês organizavam isso.
Interrogando: Sim.
Ministério Público: Tá, então a relação de parceria de vocês era essa. É isso?
Interrogando: Sim.
A prova igualmente demonstrou que a ação do réu Miguel não estava limitada a sua atividade funcional (9º fato), mas também aos atos que envolviam a traficância, na medida em que além de abastecer os pontos de venda, também era responsável por proteger as "bocas".
Ministério Público: Qual era a quantidade de droga que tu recebias para vender? Era por semana que tu recebias?
Interrogando: Ah, eu pegava pouquinho, eu pegava 50, 100.
Ministério Público: Pedra?
Interrogando: De pedra.
Ministério Público: Por semana, por mês?
Interrogando: Por semana.
Ministério Público: Tá, e quando tu terminavas a venda, como é que tu fazias?
Interrogando: No caso, eu dava um toque pra ele, e ele me retornava.
Ministério Público: Mas me explica uma questão da droga. Tu compravas a droga do Miguel. É isso?
Interrogando: Comprava.
Ministério Público: Quanto é que tu pagavas? Como é que tu fazias o pagamento?
Interrogando: À vista.
Ministério Público: E quanto é que era?
Interrogando: 50 gramas, oitocentos.
Ministério Público: Ah, por grama.
Interrogando: É, 50 gramas parava oitocentos e 100 gramas pagava mil e seiscentos.
Ministério Público: E os duzentos era uma participação dos lucros da venda?
Interrogando: Os duzentos era por causa da boca, pra ele te dar a informação de quando ia a Civil, o Denarc...
Ministério Público: Tá. Então tu pagavas para ele o valor da droga...
Interrogando: O valor da droga e mais o valor da...
Ministério Público: E mais o valor para ele dar a segurança do ponto. É isso?
Interrogando: É, pra traficar lá tinha que comprar a droga dele e pagar ele, senão não durava em Gravataí.
Ministério Público: E tu achas que essa droga que ele tinha podia ser de batida que não virou ocorrência. É isso?
Interrogando: Claro. Como sempre acontece, eu vi vários fatos lá na cadeia já.
Ministério Público: Ele tirava dos outros traficantes, não fazia ocorrência e revendia. É isso?
Interrogando: Suponho eu que sim.
Além de receber o valor semanal da corrupção - R$200,00 - para que o traficante não fosse preso e obtivesse assegurada a impunidade, o policial também tratava de praticar a traficância ilícita, na medida em que fornecia drogas aos réus, que eram incumbidos de realizar a venda direta aos consumidores.
Em alinho com o réu Carlos, o acusado DANIEL BERMANN MACHADO, fls. 2.292/2.294 e 2.523/2.535, também revelou o esquema criminoso.
Interrogando: Traficava e ele traficava também. Nós era amigos, por isso que nos interligaram no caso também.
Juíza: Mas não traficavam juntos?
Interrogando: Eu traficava sozinho.
Juíza: Mas para traficar o senhor repassava uma quantia para o Miguel?
Interrogando: É.
Juíza: O Miguel é o Policial da segunda Delegacia de Polícia?
Interrogando: Isso.
Juíza: O que é "passar quantia" no ano de 2006 e 2007? O "que é dar dinheiro para ele"? Como funcionava isso?
Interrogando: É o "PP", como eles chamam. Propina. Se não pagar, não trabalha.
Daniel contou como foi realizado o contato com o réu Miguel.
Interrogando: Eu sai da cadeia de 2004 para 2005. Tomei condicional, daí ele me procurou, querendo que nós trabalhasse para ele. Aí me botou preso lá. Fingiu que tinha roubado uma moto para poder falar comigo. Ele tinha conhecimento com Ita - o finado Ita, ou Itamar -, que também é um. Não sei se a senhora já ouviu falar dele.
Juíza: O Itamar seria o outro traficante da região?
Interrogando: Um que morreu, da antiga. Daí o Miguel pegava o dinheiro dele e me conhecia lá, no caso. Quando eu sai de cana, ele ficou sabendo e me procurou: "Se tu não trabalhar com nós, nós vamos te empurrar!" Empurrar, no caso, é ser preso.
(...)
Ministério Público: Tu referiste que o Itamar naquela época já dava dinheiro para o Miguel?
Interrogando: Sim. Foi lá que eu conheci o Miguel, na Ponte.
O réu Daniel informou como foi feita a proposta de 'trabalho' por parte de Miguel, bem como a maneira como os três agiam de forma associada.
Juíza: Como é que foi especificamente com relação a fatos em si? Como é que ele lhe procurou? Ele foi na sua casa? Telefonou para o senhor?
Interrogando: Eu estava na rua, estava de condicional, e roubaram uma moto perto da minha casa, aí ele foi lá na minha casa e falou com a minha madrasta e disse: "Manda o Daniel lá na Delegacia, senão eu vou botar ele preso de novo". Daí ela perguntou: "Por quê?" "Não, é que houve um roubo de moto e ele está envolvido". Daí eu fui sozinho na Delegacia, fui eu e minha madrasta, e falei com ele. E lá ele me explicou: "É assim, assim, assado. Tem que trabalhar". Daí comecei a trabalhar com ele direto.
Juíza: O que é "trabalhar" com ele?
Interrogando: Dá um dinheiro para ele. Enquanto eu ia cobrar um dinheiro noutros lugares, eu ia também.
Juíza: Qual é a quantia repassada para ele?
Interrogando: Várias quantias: R$ 250,00, R$ 300,00...
Juíza: Mas existia um valor fixo, ou ele dizia por semana?
Interrogando: No mínimo uns R$ 300,00 ou R$ 250,00 por semana.
(...)
Juíza: Na denúncia consta que na realidade essa associação seria com relação a Miguel, mas também seria com relação ao Carlos.
Interrogando: Eu tinha ligação direta com o Carlos, porque eu ligava todos os dias para ele. Ele era meu melhor amigo, na real.
Juíza: Inclusive no sentido de ele repassar valores? No caso, a ele incumbia repassar o dinheiro para o Miguel, um dinheiro relacionado ao senhor também, é isso? Alguma vez aconteceu isso?
Interrogando: Já larguei na mão dele, como ele largou na minha, para mim ir por ele também.
(...).
Ministério Público: Tu falaste que cada um de vocês vendia drogas, tanto tu como o "Cocota", o Carlos, e que também um fazia perna para o outro, ou seja, quando tinha que pagar o Miguel, tu davas o dinheiro para o "Cocota" e vice-versa? Confirma?
Interrogando: Confirmo. Não sei se ele vai confirmar, mas da minha parte eu confirmo.
Da mesma forma como ocorria com a associação mantida com a ré Rosângela, também competia a Miguel a proteção do ponto de venda de drogas, avisando aos seus comparsas, ora corréus, sobre eventuais operações policiais que pudessem colocar em risco o comércio ilícito da substância entorpecente.
Vejamos o relato do réu Daniel.
Juíza: O senhor disse que o Miguel cobrava isso para o senhor poder tocar livremente, certo?
Interrogando: Para a Delegacia não pedalar.
Juíza: E efetivamente não aparecia lá?
Interrogando: Não aparecia. Tanto que olha há quantos anos estou em Gravataí, e a segunda alguma vez me prendeu?
Juíza: Desde 2004 o senhor disse que trafica, é isso?
Interrogando: Não. Eu trafico desde que eu tinha 14 anos.
Juíza: E nunca aconteceu de o senhor ser preso em razão disso?
Interrogando: Nunca aconteceu.
Daniel também confirmou que "João Polenta" seria um dos grandes fornecedores de drogas da cidade.
Ministério Público: O "João Polenta", quem seria?
Interrogando: Um dos que trabalhava com ele.
Ministério Público: O "João Polenta" fornecia as drogas?
Interrogando: Ao certo, não sei; eu sei que eles trabalhavam juntos. Ele não mostrava muito o jogo também; ele mostrava bastante no fim de semana, que ia todo mundo lá. Lotava a Delegacia. Mais que uma festa.
O réu Daniel corroborou o fato de Miguel ser o responsável pelo abastecimento de seu ponto de venda de drogas, asseverando que especificamente com relação ao interrogando, se não pegasse a droga fornecida por Miguel, teria que lhe pagar propina. Caso fosse abastecido por Miguel, não lhe era exigido o pagamento.
Ministério Público: Tu já viste drogas com o Miguel?
Interrogando: Já. Quem não pegasse a droga do Miguel tinha que pagar "PP", entendeu? Se eu não pegasse a droga dele para trabalhar, eu tinha que pagar a propina; se eu pegasse a droga dele, passava batido.
Ministério Público: Então tinha isso aí também?
Interrogando: Claro. Esse era todo o segredo do negócio dele. Se não trabalhasse para ele, com a droga dele, tinha que pagar propina para ele.
Ministério Público: E tu pegavas com ele a droga, ou tu tinhas um outro fornecedor?
Interrogando: Peguei muitas vezes com ele. Na maioria das vezes, peguei com ele a droga.
Ministério Público: E ele dizia qual era o fornecedor?
Interrogando: Não. O fornecedor dele, ele nunca me disse. Eu sei que eles trabalhavam entre eles: eles e o João. Sei que trabalhavam juntos, agora quem é o fornecedor do outro, o certo eu não sei.
Infundada a alegação defensiva de que Daniel, Carlos e Rosângela estariam inventando as acusações para beneficiarem-se.
Apesar de Daniel e Carlos estarem relacionados e associados, nenhuma relação existia entre eles e Rosângela, que foi presa pelo DENARC em oportunidade e circunstância diversa dos demais.
Porém, em ambos os casos o modus operandi de Miguel era o mesmo. Ou seja, além de fornecer a droga, traficando em associação com os corréus, ele cobrava para não executar seu dever legal de coibir a prática dos ilícitos, garantindo a impunidade de seus protegidos.
A testemunha ENDRIGO JONKO DOUGLAS, fls. 2.433/2.435 e 2.752/2.756, policial militar lotado no 17º BPM de Gravataí/RS, que prendeu e conduziu o réu Daniel, contou que desde o início ele já acusava Miguel:
Juíza: Pela defesa de Miguel de Oliveira, Dr. José Nilson Espindola Filho.
Defesa: Sr. Endrigo, quando o senhor participou desta operação lá, no momento em que foi encontrada a arma, foi encontrada a droga, o Danielzinho, este rapaz, ou a companheira dele, referiu que isto pertencesse a Miguel Oliveira, ou não?
Testemunha: No local, não. Não citou o nome de ninguém. Para nós, não. Só na condução, depois, ele comentou, na guarnição, que ele era braço direito do Miguel e que o Miguel tinha deixado ele mal. Foi só o que ele comentou para nós, ali na guarnição.
Defesa: O senhor poderia repetir isto?
Testemunha: Sim. Ele comentou que era o braço direito do Miguel e que quando ele precisou do Miguel, o Miguel deixou ele mal.
Juíza: Era o braço direito?
Testemunha: Isto. Foi o que ele comentou para nós na guarnição. Eu e mais dois colegas que conduzimos ele para Porto Alegre. Foi isto o que ele comentou para nós.
Defesa: Anteriormente, antes deste fato, o senhor tem conhecimento, o senhor como Policial, de que o Miguel tinha relacionamento com o Danielzinho, esta coisa toda?
Testemunha: Não. Só estou dizendo o que ele comentou para nós, tanto é que eu não tinha nunca apreendido ele. Nunca pegamos ele com nada, sempre ou dispensava ou alguma coisa.
Defesa: O senhor conhecia o Policial Miguel Oliveira?
Testemunha: Só de apresentar o (inaudível) na 2ª Delegacia, mas nunca tive contato com ele.
No mesmo sentido as declarações do policial militar PAULO FERNANDO COSTA PEREIRA, fls. 2.436/2.438 e 2.757/2.761.
Defesa: Eles fizeram alguma referência ao Miguel de Oliveira, Policial Civil da 2ª DP?
Testemunha: Somente no trajeto, quando nós conduzíamos o Daniel para o Denarc, ali ele soltou mais a voz e informou algumas coisas para nós. Informou que ele trabalhava pro Miguel, ele se referiu até, ele usou um termo assim ó: "Eu sou o braço direito dele". Foi exatamente o termo que ele utilizou na época.
Defesa: E ele referiu mais alguma coisa em relação ao Miguel?
Testemunha: Não, foi somente isso. Ele disse: "Eu vou escancarar". Foi o termo que ele usou pra nós ali. "Eu vou escancarar porque vocês fizeram..." - bem assim, eu vou lhe dizer como ele me falou - "... vocês fizeram uma prisão bem tranqüila, não me agrediram, não fizeram nada pra mim nem pra minha família, eu vou falar porque eu tô invocado". Foi o que ele disse. Exatamente isso.
Defesa: Ele disse que estava?
Testemunha: Que tava invocado com o Miguel, porque o Miguel não deu o suporte que ele tava esperando. Essa foi a verdade.
Defesa: O senhor podia repetir de novo?
Testemunha: Que o Miguel não tinha dado o suporte que ele tava esperando. Eu suponho, não foi palavra dele, são minhas, eu supus, no momento, que fosse em relação ao tráfico.
Defesa: No caso, assim, que tivesse deixado ele na mão. É isso?
Testemunha: É, exatamente, bem assim.
Porém, o que Daniel não sabia era que Miguel também estava sendo preso na mesma oportunidade pela COGEPOL.
E mais, a prova dos autos não se limita nos depoimentos dos réus Carlos e Daniel, pois estes apenas confortaram a prova já colhida quando das investigações, por ocasião das escutas telefônicas.
Neste contexto, são incontáveis os contatos telefônicos mantidos entre Miguel, Daniel e Carlos. Dentre os quais, merece destaque os seguintes diálogos, que revelam a cobrança por parte do policial civil.
Dia 19/08/06, às 08h48min, Daniel ligou para Miguel e pediu ajuda para livrar um indivíduo de alcunha "Bebezão", que foi detido pela Brigada Militar (fl. 1.029, dos autos da interceptação telefônica).
Na mesma data, às 09h01min, o réu Miguel referiu a Daniel que já havia mantido contato com o pessoal da 1ª Delegacia de Polícia para providenciar na liberação do indivíduo. No mesmo diálogo, chegaram a comentar que o indivíduo era foragido do sistema carcerário, o que não causou empecilho a Miguel, que manteve-se firme na tentativa de livrar o amigo de Daniel (fl. 1030 dos Autos da Interceptação Telefônica).
- Ele é foragido, ele dá o nome do irmão dele..... Os cara falo.... (2)
- Esse toque aí eu não tenho.... Não, mas ele não tá foragido. (1)
- Ele tá sim, ele fala o nome do irmão dele, é foragido por tráfico. (2)
- Não, ele tá na condicional. (1)
- Tá, falo então. (2)
- Que eu puxei a ficha dele. (1)
- Tá, falo. (2)
- Tá. Agora eu vô faze outro contato pra dá esse toque mais pra eles. (1)
- Tá, falô. (2)
- E na kombi eles deram uma geral, se não levaram, é porque não pegaram arma nenhuma com ele. (1)
- Tá, falô. (2)
- Tá? (1)
Dia 25/08/06, às 19h22min, Daniel ligou a cobrar para Miguel, explicando-se que não atrasou por vontade própria o pagamento da propina, mas porque estava há duas semanas no hospital, prometendo para o dia seguinte até o meio-dia (fl. 1031, autos da interceptação telefônica).
Dia 29/11/06, às 23h46min, Carlos ligou a cobrar para o policial Miguel, que referiu estar "esperando" (propina) desde a semana passada, tendo aquele mencionado que já estaria passando lá (fls. 1046/1057 dos autos da interceptação telefônica).
Dia 08/05/07, às 19h50min, Carlos ligou para Miguel, que mandou levar algo até ele (dinheiro) - (fl. 1048, autos da interceptação telefônica).
Como ocorriam nas denúncias anônimas endereçadas ao disque-denúncia relacionadas à ré Rosângela, sobre os réus Carlos e Daniel também eram realizadas denúncias da população. Nos documentos de fls. 1.127 e 1.133, da mesma forma, as denúncias apontavam o envolvimento do réu Miguel na empreitada criminosa.
No Disque-Denúncia de fl. 1.127, há informação de que "Danielzinho" (branco, baixo, 22 anos, cabelo castanho claro, liso, curto, ex-presidiário) e "Cocota" (branco, 19 anos, baixo, cabelo ondulado, preto, longo) estavam traficando drogas diariamente num beco ao lado do pontilhão da Rua Guarulhos, Bairro Parque Florido, nesta Cidade, sendo que o tráfico era intenso durante à noite. Comunicou também que o policial civil Miguel, da 2ª Delegacia de Polícia, era quem fazia a distribuição da droga para os traficantes e lhes dava cobertura.
Na fl. 1133, o Disque-Denúncia informou que "Daniel Verman" (branco, baixo, porte médio, 22 anos) era dono de um ponto de tráfico de drogas localizado na Rua Guarulhos, na ponte que atravessava um valão, no Bairro Jardim Florido, parada 62, em Gravataí/RS, local onde ficavam diariamente cerca de 20 indivíduos, entre eles, vários menores, os quais trabalhavam para o denunciado. O denunciante disse, também, que havia um possível envolvimento do investigador Miguel, com o tráfico, sendo que este era lotado na 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí/RS, e que haveria falta de interesse da Polícia Civil e Brigada Militar no caso.
É importante mencionar que o envolvimento de Miguel no tráfico de drogas era tão flagrante que ganhou publicidade e notoriedade na comunidade, tamanha a sensação de impunidade que atingia os agentes, justamente por ser o réu policial civil.
O réu MIGUEL DE OLIVEIRA, quando interrogado, fls. 2.365/2.368 e 2.616/2.654, negou as acusações. Asseverou, em síntese, que Carlos e Daniel eram meros informantes.
Assim, certa a autoria de Miguel de Oliveira quanto aos delitos de tráfico de drogas e de associação para o tráfico, assim como quanto ao delito de corrupção passiva.
Igualmente nítida a autoria de Carlos e Daniel quanto aos delitos de associação para o tráfico e de corrupção ativa.
FATOS 10º, 11º, 12º e 13º
RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA - TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO e CORRUPÇÃO PASSIVA
RÉU ANDRÉ AZEVEDO - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO e CORRUPÇÃO ATIVA
A existência dos delitos de corrupção está plenamente comprovada consoante Ocorrências Policiais de fls. 591/592 e 665/668; documento de fls. 1757/1758; Autos de Apreensão de fls. 593/595 e 669/670; Laudos Preliminares de Constatação da Natureza das Substâncias, fls. 602 e 680/691; Laudos Toxicológicos Definitivos, fls. 3.032 e 726/730; e demais provas carreadas.
Resultou absolutamente incontestável o fato de Miguel e André manterem uma relação estreita, conforme constam dos incontáveis contatos telefônicos mantidos entre os acusados.
Porém, a conduta criminosa mantida entre ambos sempre foi nos limites dos tipos penais previstos no art. 317, §1º, do CP (corrupção passiva - réu Miguel) e art. 333, §único, do CP (corrupção ativa - réu André). Senão vejamos.
Dentre tantas, revelou-se esclarecedora a conversa mantida entre os réus no dia 17/02/2007, às 00h33min (fl. 839, dos autos da interceptação telefônica), ocasião em que Miguel avisava André sobre as operações policiais realizadas, ao passo que este reclamava com o policial civil sobre os prejuízos advindos das operações.
- Alô. (D)
- Dedé? (M)
- É o Dedé. Tudo bom, seu Miguel? (D)
- Tudo bem. (M)
- O, meu, é o seguinte, os olho de boi aí ... bah, tão embaçando prá nós aqui. (D)
- Tem.... tem operação em toda a área. (M)
- É? (D)
- Nós temo junto na operação aqui, trabalhando. (M)
- Como é que fica daí prá nós? (D)
- Vai até as duas hora essa operação. (M)
- É? Mas, não dá nada daí? (D)
- Continua jogando mini-snook aí.... (M)
- Aham. (D)
- (trecho não compreendido) (M)
- Aham. (D)
- (trecho não compreendido) mais é com a prefeitura, esse negócio do alvará. Tá? (M)
- Tá. (D)
- Tá oká. (M)
- Tá, falô, um abraço. (D)
Miguel procurou proteger André de eventual ação policial, e o fato de estar "embaçado" significa que com a presença dos policias nas proximidades, os consumidores não se aproximavam, sendo também arriscado aos traficantes manterem-se com as drogas. Porém, o policial lhe confortava, avisando o horário previsto para o fim da operação (duas horas).
Ora, se efetivamente Miguel e André não possuíssem qualquer envolvimento, deixou a defesa de explicar os motivos pelos quais André ligaria para o policial reclamando da operação realizada pela polícia. E pior, Miguel lhe repassaria a informação de que a operação estava prestes a terminar, determinando que se mantivesse jogando mini-snooker, sem envolver-se.
A conversa interceptada no dia 04/07/2007, às 16h37min (fls. 845/846 dos autos da interceptação telefônica), demonstrou que Miguel era chamado, pelos traficantes, aos locais de venda de drogas, quando ocorria alguma operação policial, já que tais investidas prejudicavam ("embaçavam") a movimentação no local. Nesse local, conversava com seus colegas policiais, contornando a situação.
- Alô... Alô... (M)
- Alô. (H)
- Alô. (M)
- Alô, os olho de boi aí sujaram aí. (H)
- Alô. (M)
- É. (H)
- Alô. (M)
- Bah, sujaram. (trecho não compreendido) (H)
- Vô dá uma volta aí. (M)
- Tá? Vai dá a volta aí? (H)
- Vô dá a volta por aí. (M)
- Tá, falô. (H)
Em verdade, André sentia-se no direito de "reclamar" para Miguel, quando alguma operação policial ameaçava seus "negócios", exatamente porque pagava informações e proteção ao policial civil Miguel.
A forma como eram realizados os pagamentos da propina e as explicações do réu André quando atrasava também ficaram comprovados pelos diálogos mantidos nos dias 20/02/2007, às 20h18min; 10/04/2007, às 22h57min e 25/06/2007, às 16h06min, (fls. 839/840 e 845 dos autos da interceptação telefônica).
Dia 10/04/2007:
- E aí, rapaz? (M)
- Deixei... deixei o senhor na mão, né? (D)
- Pois, é. (M)
- Viu.... (D)
- Ahm? (M)
- Sexta-feira, eu vô acertá tudo direitinho. (D)
- Tá oká. Te aguardo sexta então. (M)
- Tá? Certinho, tá? (D)
- Tá, um abraço. (M)
- Falô, tchau. (D)
E mais, no cumprimento do primeiro mandado de busca e apreensão na residência de André, ocasião em que este não foi localizado - 30.05.2007 - as escutas telefônicas demonstraram que André acabou escondendo-se no Estado de Santa Catarina, justamente para "acalmar" as investigações. Quando do retorno, gratificou o comparsa Miguel, depositando em sua caixa de correio o 'prêmio'.
Seguem os diálogos dos dias 13/06/07, às 04h43min e 19/06/2007, a 01h38min.
- Alô. (F)
- Alô. (M)
- Alô, desculpa eu ligá a cobrá. É que o Dedé mandô dizê pro senhor que segunda-feira ele chega de Santa Catarina e ele vai aí, conversá com o senhor. (F)
- Tá oká. (M)
- Tá? (F)
- Tá. (M)
- Então, tá, tá bom. (F)
Diálogo:
(chamada a cobrar)
- Alô. (D)
- Alô. (M)
- Tá dentro da caixinha de correio. (D)
- Tá. (M)
- Tá? (D)
- Tá. (M)
Quando ocorreu a prisão em flagrante do réu André pelos policiais do DENARC, em 11.07.2007, a companheira de André - Carla Patrícia - tomou à frente do esquema, passando a manter contatos periódicos com Miguel, como demonstrado pelas escutas telefônicas.
Da mesma forma que André, Carla Patrícia acabou sendo presa em flagrante pela prática do delito de tráfico de drogas, por policiais do DENARC, em 27.03.2008 - Processo nº 015/2.08.0001527-6 - com condenação transitada em julgado.
Quando interrogado, fls. 2365/2368 e 2616/2654, MIGUEL DE OLIVEIRA não negou seu contato com André. Contudo, referiu que este seria mais um de seus informantes, que conhecia muito bem a região da Morada do Vale. Também referiu que conhecia o pai do réu há muitos anos e por tal razão já lhe ajudou, emprestando cheques e dinheiro.
Juíza: O senhor mantinha contato com o André?
Interrogando: Eu falava com o André eventualmente. O André ele conhece bem aquela área da Morada do Vale 1 e 2, ele é cria dali.
Juíza: O senhor tem algum tipo de relação com ele que não com relação a delitos que ele teria praticado?
Interrogando: Não, eu conheço, conheço bem, conheço a família dele, o pai dele, a esposa dele, eu conheço eles.
Juíza: O senhor conhece da onde e por quê?
Interrogando: Dali da Morada do Vale. O pai dele eu conheço há muitos anos.
Juíza: É seu amigo?
Interrogando: Não, não chega a ser amigo, é uma pessoa que eu conheci na Delegacia ele. Conheci, conheci através de fatos, ficamos, eu pedindo informações pra ele, porque eu trabalho, toda a minha vida, nos últimos vinte anos foi com informações.
Juíza: Tá, mas isso com relação a delitos. Mas algum tipo de relação qualquer, um negócio, um cheque...
Interrogando: Não, um cheque até emprestei numa ocasião, não me lembro se cem ou cento e cinqüenta real pra ele. Emprestei, agora, não sei, emprestei, recebi, a esposa dele depois me disse que não tinha pra cobrir.
Juíza: Mas em que circunstâncias o senhor emprestou um cheque para uma pessoa que estava investigando, que teria praticado crime?
Interrogando: O que eu tava investigando, eu esclareci. Era uma tentativa de homicídio.
Juíza: Mas que ele foi acusado.
Interrogando: Ele foi acusado.
Juíza: E o senhor emprestou um cheque para ele por quê? Não entendi.
Interrogando: Me pediu emprestado.
Juíza: Mas ele era réu num processo.
Interrogando: Não, mas Excelência, não tem nada a ver uma coisa com outra. Eu posso ser amigo de uma pessoa, se a pessoa foi ali e deu um tiro em alguém, se tentou matar, vai responder, agora, fora disso, a pessoa continua sendo meu amigo.
Juíza: Que circunstâncias o senhor emprestou o cheque para ele?
Interrogando: Eu não me recordo. Faz mais de ano isso, eu não me recordo.
Juíza: E ele disse por que estava querendo dinheiro?
Interrogando: Coisa de, na época, problema de doença, alguma coisa, eu não me recordo, e eu tinha. Tinha e emprestei. (...) emprestei quando eu tinha 50, 100 real pra uma pessoa que eu conhecesse e me pedisse eu emprestava.
(...).
Juíza: Com relação a esse cheque, voltando, o senhor emprestou o dinheiro para ele, ele lhe devolveu? Como é que foi?
Interrogando: Ele me deu um cheque, pediu emprestado e depois não tinha fundo.
Juíza: Ele deu um cheque dele?
Interrogando: Eu não me lembro se era dele ou se era da esposa, eu não me recordo.
(...).
Ministério Público: Só, agora, com relação ao André Azevedo, só para ficar bem claro. O senhor disse, com relação ao cheque, não entendi bem o seguinte: o senhor emprestou um cheque a ele ou o senhor emprestou dinheiro em espécie para ele?
Interrogando: Eu não me lembro se eu emprestei um cheque ou se eu emprestei dinheiro. Sei que eu emprestei para ele.
Ministério Público: Quanto?
Interrogando: Não me recordo. Não sei se cem ou cento e cinqüenta. Eu não me recordo.
Ministério Público: Se o senhor tem lembrança se este cheque era seu ou era de terceiro?
Interrogando: Eu não me lembro. Eu não me lembro, Doutor. Eu não tenho lembrança.
Ministério Público: O senhor chegou, alguma vez, a conversar com ele por telefone com relação a este cheque?
Interrogando: Eu não me lembro se em alguma oportunidade ele me disse: "Olha, seu Miguel, eu não vou poder cobrir o cheque." Uma coisa normal.
Ministério Público: Ele lhe emprestou, quer dizer depois ele lhe pagou com cheque?
Interrogando: Me pagou com cheque, não me lembro se da mãe dele ou da esposa, eu não me recordo. Me pagou com cheque e este cheque bateu.
Ministério Público: Bateu em que sentido?
Interrogando: Não sei se sem fundo ou. Não me recordo, Doutor.
Ministério Público: Alguma vez ele foi na sua residência, o André, para justificar o não-pagamento do dinheiro?
Interrogando: Parece que foi, uma vez, de bicicleta, não lembro, parece que foi. Eu não... Isto é coisa de um ano atrás, de um ano atrás, mais de ano.
Ministério Público: Então o senhor não sabe dizer de quem era o cheque tanto o dado pelo senhor, que foi cheque, e não sabe dizer também ...
Interrogando: Não me lembro se foi cheque ou foi dinheiro, não me recordo, não me recordo.
Outrossim, resultou constatado através da quebra do sigilo bancário dos réus, que Miguel teria recebido um cheque no valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), emitido por Carla Patrícia, esposa de André Azevedo. A cópia do cheque nº 000139 está microfilmada e encontra-se às fls. 1.757/1.758 dos autos apartados, sendo que no verso da cártula consta a assinatura do réu Miguel.
A explicação dos réus sobre este cheque foi a de que o cheque seria para pagamento de um advogado (Dr. Nilson, defensor do réu Miguel). Porém, tal versão não foi confirmada nos autos. Aliás, os próprios réus se contradisseram quando tentaram explicar tal versão.
O réu ANDRÉ AZEVEDO, fls. 2.320/2.323 e 2.572/2.589, contou que o advogado teria passado o cheque ao policial, negando a versão de que o cheque seria para pagamento de uma dívida contraída em data pretérita, conforme afirmou Miguel. André também negou que conhecesse Miguel antes de ser indiciado pelo delito de tentativa de homicídio. Referiu que conheceu o policial quando esteve na Delegacia prestando esclarecimentos dos fatos, ignorando os vastos contatos telefônicos mantidos em data anterior, bem como seu comparecimento à residência do corréu.
Juíza: Então, por causa desse processo da tentativa de homicídio (...) é que o senhor foi conhecer ...?
Interrogando: Que eu vi ele lá na delegacia.
Juíza: Que o senhor viu o Miguel na delegacia?
Interrogando: Sim, senhora.
Juíza: Mas vocês tinham mantido contato com ele por telefone, então?
Interrogando: Não, eu tive contato que ele pedia pra mim dar o dinheiro do cheque que voltou.
Juíza: Ele telefonava para o senhor, é isso?
Interrogando: Telefonava pra ele, e eu disse assim pra ele: "Vou te dar dinheiro, vou te dar o dinheiro que eu tenho pra te dar", entendeu?
Juíza: Mas o senhor, pessoalmente, nunca tinha mantido contato com ele?
Interrogando: Nunca tive contato nenhum.
Juíza: O senhor só o conheceu na delegacia, nas dependências ...?
Interrogando: Eu conheci ele na delegacia através da tentativa.
(...)
Ministério Público: Constam aqui algumas ligações em que o senhor disse que iria passar lá na casa do Miguel.
Interrogando: Aí que eu mentia pra ele, que eu não tinha dinheiro pra repor esse cheque.
Ministério Público: Mas o senhor não ía efetivamente na casa?
Interrogando: Não.
André também negou que tivesse colocado algum dinheiro ou cheque na caixa de correio do policial civil, conforme havia mencionado em conversa mantida com o réu Miguel, transcrição acima.
Ministério Público: O senhor alguma vez colocou alguma coisa na caixa de correio dele?
Interrogando: Não.
Ministério Público: Pediu para alguém colocar?
Interrogando: Não. Isso aí eu enrolava tudo ele pra ... porque eu não tinha dinheiro, eu não tinha como pagar. Eu recebia cento e cinqüenta por semana, pagava água, luz e ...
(...).
Ministério Público: O senhor chegou alguma vez a falar para ele - o senhor já respondeu que não, mas vou insistir - sobre a caixinha de correio, o senhor nunca falou com ele?
Interrogando: Não.
Ministério Público: Consta aqui uma ligação, de 19-06-2007, à 01h38min56seg, em que o senhor diz o seguinte: "Tá dentro da caixinha de correio", e o Miguel fala: "Tá", e o senhor pergunta: "Tá?", ele: "Tá".
Interrogando: Não sei disso aí.
Ministério Público: O senhor nega também?
Interrogando: Nego.
Sobre o teor das conversas, explicou:
Ministério Público: O que é "o olho de boi"?
Interrogando: Eu achava tanto ...
Ministério Público: Os "olho de boi"?
Interrogando: Não sei.
Ministério Público: O senhor não sabe?
Interrogando: Não.
Ministério Público: Consta uma ligação, de 17-02-2007, à 00h33min31seg, o senhor com o Miguel. O senhor tem lembrança do número do seu telefone celular?
Interrogando: Não.
Ministério Público: Eu vou lhe falar o número: 84415437.
Interrogando: Não.
Ministério Público: Não tem lembrança?
Juíza: À fl. 70 da interceptação telefônica.
Ministério Público: Eu teria que ver.
Juíza: Para fins de degravação. (...) acha que entende necessário, é necessário.
Ministério Público: É que, na verdade, os "olho de boi" foi uma expressão sua, por isso é que eu gostaria que o senhor esclarecesse o que é os "olho de boi"?
Interrogando: Não tem como...
Ministério Público: Eu não sei se me expressei direito. Quem falou "os olho de boi" foi o senhor, não sou eu que estou dizendo agora. O senhor entendeu essa parte?
Interrogando: Ã-hã.
Ministério Público: Sim? Sim ou não?
Interrogando: Não.
Ministério Público: Nessa interceptação telefônica foi interceptada uma ligação sua com o Miguel. O senhor entendeu?
Interrogando: Entendi.
Ministério Público: Nessa ligação, o senhor está falando o seguinte: "Ô meu, é o seguinte, os olho de boi aí, bah tão embaçando pra nós aqui". Responde o Miguel: "Tem, tem operação em toda a área". O senhor entendeu agora? Quem falou "os olho de boi tão embaçando" é o senhor, por isso que eu estou lhe perguntando o que significa os "olhos de boi"?
Interrogando: Não tem ... não tem ... não sei.
Ministério Público: E essa conversa de operação, o senhor sabe dizer o que é?
Interrogando: Não tem, conversa de operação, eu não sei de ...
O policial civil da Corregedoria-Geral de Polícia, SALIMEN GIOVANI BALDUZZI PAVAN, às fls. 2.395/2.397 e 2.662/2.698, trabalhou durante toda a operação que investigou os fatos apurados nos autos. Precisamente, era o responsável pelas interceptações telefônicas captadas.
Juíza: A Carla Patrícia teve relação com o Dedé?
Testemunha: É, pelo que a gente apanhou seria companheira do Dedé.
Juíza: Seria André Azevedo?
Testemunha: É, André Azevedo. Um outro detalhe também, ela me liga pro policial Miguel, não vou conseguir precisar, isso está tudo nos autos, altas horas da madrugada, informando para o policial que o Dedé estaria chegando. Tipo assim, num sábado, ela liga pra ele dizendo: "olha, o Dedé vai chegar quarta-feira". Mas isso, ela me liga às quatro e meia da manhã, mais ou menos. Aí, tu fica, pô, mas ligar às quatro e meia da manhã pra dizer que vai chegar na quarta-feira, tem um lapso temporal ainda muito grande, poderia fazer essa ligação noutra hora. Depois dessa data é esse contato com o André.
Juíza: No caso, o que o senhor se refere, qual seria o problema com relação ao lapso temporal?
Testemunha: Não, é porque, tipo, eu achei estranho, e nós também achamos estranho lá da corregedoria. Porque tu ligar às quatro e meia para uma pessoa e referi que ela vai chegar daqui a 3, 4 dias, é estranho, eu deixaria pra ligar às 9 horas da manhã, quando ta todo mundo acordado ou estaria dormindo nesse horário.
Juíza: Será que havia alguma coisa envolvida nisso?
Testemunha: É, porque essa gente não anda no mesmo padrão horário das pessoas normais, porque pra ligar às quatro e meia pra afirmar que daqui a 4 ou 5 dias vai chegar outra pessoa, é estranho, isso chamou a atenção. Aliado com a notícia dela do cheque, que ela pediu pra ele segurar, e ele falou que iria segurar, não tinha problema e tal, em virtude certamente da prisão do André, isso aí consolidou um pouquinho mais.
Os policiais civis SILVIO JOSÉ DE OLIVEIRA SARAIVA, fls. 2.454/2.456 e 2.781/2.790, e JÚLIO CÉSAR DE FABRA JÚNIOR, fls. 2460/2462 e 2791/2798, participaram da busca realizada na residência de André Azevedo, que culminou na apreensão das drogas (maconha, cocaína e crack). O último relatou que a operação era mantida em sigilo pela delegacia especializada, como forma de garantir o êxito nas investigações. Para tanto, solicitaram o mandado diretamente ao Juiz da Comarca e posteriormente realizaram o cumprimento da medida, sem comunicar as delegacias locais.
Assim sendo, afastada a alegação defensiva de que se André e Miguel estivessem vinculados, não ocorreria a prisão do primeiro, pela proteção exercida pelo policial. A prisão de André foi fruto de uma operação sigilosa entestada pelo DENARC, que solicitou os mandados de busca e apreensão sem revelar a operação aos colegas das delegacias de Gravataí.
Com efeito, as alegações defensivas de que não existem provas do liame criminoso entre Miguel e André, amparada na tese de que se assim fosse, André não teria sido preso, não possui fundamento.
O poder de controle e persuasão de Miguel restringia-se às ações da polícia de Gravataí, ou nos casos em que esta era informada sobre alguma operação, devido à facilidade de acesso às investigações policiais.
Porém, nos casos em que as prisões ocorriam através da Brigada Militar ou Delegacias Especializadas da Capital, nem sempre era possível evitar, como no caso do réu André e de sua companheira Carla Patrícia.
Do mesmo modo que André Azevedo, o DENARC efetuou as prisões de Rosângela, Thiago e Valério. Ao passo que foi a Brigada Militar que efetuou as prisões de Carlos e Uguaraci, em que pese todos estes traficantes estivessem fixados na zona de atuação da 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí.
Com relação ao trabalho do réu Miguel no combate ao tráfico de drogas, seu colega de Delegacia, o policial civil ROBERTO DE SOUZA, também lotado na 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí/RS, relatou que não lembrava de nenhuma apreensão de drogas ou prisão de traficante que tivesse a participação do réu Miguel, fls. 2.466/2.468 e 2.802/2.812.
Juíza: O senhor está atuando junto à 2ª DP desde quando?
Testemunha: Desde março de 2001.
Juíza: Março de 2001. Então o senhor conhece o Miguel de Oliveira?
Testemunha: Sim. Conheço o Miguel de Oliveira.
Juíza: Quando o senhor estava trabalhando lá, durante todos este período em que o senhor trabalhou, com relação especificamente a esta pessoa, André Azevedo, e este endereço onde foi cumprido o mandado de busca, quais outras informações que tinha com relação a André Azevedo?
Testemunha: Eu, nenhuma.
Juíza: E os seus demais colegas?
Testemunha: Não sei lhe informar. (...).
Juíza: O senhor disse que está lá desde 2001? Faz sete anos que o senhor está lá?
Testemunha: É. Aproximadamente.
Juíza: O senhor pode me apontar um caso em que houve uma prisão de algum traficante com a participação, no caso como Policial, do Miguel de Oliveira?
Testemunha: Doutora, eu não me recordo, até porque eu trabalho pela parte da manhã e o Miguel na parte da tarde. Então, a gente às vezes levava tempo que não se cruzava pela Delegacia.
Juíza: Mas em tendo como objeto de trabalho a mesma coisa, o combate à criminalidade, não ficavam sabendo se de repente o colega em outro turno efetuou uma grande prisão de um grande traficante ou uma pequena prisão de um pequeno traficante? Não ficavam sabendo disto?
Testemunha: Sim. Em tese, sim. Em tese a gente fica sabendo.
Juíza: E com relação ao Miguel, o senhor não tomou conhecimento, durante sete anos, que ele tenha feito a prisão de algum traficante?
Testemunha: Não recordo de nenhuma situação que possa informar no momento.
Assim, certa a autoria de Miguel e André com relação aos delitos de corrupção passiva e ativa, respectivamente.
A mesma certeza não se tem no tocante ao tráfico em associação, pois nenhuma conversação foi verificada nesse sentido, e inexistem outras provas de modo a confirmar essa acusação.
Nenhuma dúvida existe quanto à traficância ilícita praticada por André. Veja-se que foi processado e condenado por delito de tráfico de drogas, à pena de 10 anos de reclusão, em regime fechado, sentença transitada em julgado, Processo nº 015/2.07.0003634-4, que refere-se à segunda parte do 10º fato descrito na denúncia. Também foi condenado no Processo nº 015/2.07.0003537-2, feito que refere-se à primeira parte do 10º fato descrito na denúncia. Ambos os feitos tramitaram na 2a Vara Criminal de Gravataí/RS.
Transcrevo:
"Apesar dessa esperada negativa pelo réu, os policiais civis que atuavam no DENARC foram categóricos em afirmar que houve várias comunicações que ensejaram a expedição de Mandado de Busca e Apreensão na residência do réu, e que este, referido como "Gordo", era o traficante. E no cumprimento desta medida, realmente apreenderam: 2,05kg (dois quilos e cinco gramas) de "cannabis sativa", na forma de 03 (três) tijolos prensados; outras 17 (dezessete) buchinhas da mesma substância, pesando, globalmente, 19g (dezenove gramas); 09 (nove) buchinhas de sal de cocaína, pesando, no total, 2,42g (dois gramas e quarenta e dois decigramas); e 55 (cinqüenta e cinco) pedras de crack, com peso aproximado de 8,82g (oito gramas e oitenta e dois decigramas).
A grande quantidade e diversidade das drogas, além do apropriado acondicionamento comprovam a mercancia.
Comporta registrar sobre a prescindibilidade de 'atos de comércio' para a configuração desse tipo penal.
Ainda no mesmo recinto, foram arrecadados instrumentos para a embalagem da droga, e a quantia, em cédulas e moedas, de R$ 297,00 (duzentos e noventa e sete reais).
Outrossim, consta nos autos um caderno que foi apreendido dentro da residência do réu, juntamente com as drogas, fl. 280. Este caderno contém anotações de valores em pecúnia, e quantia co-relacionada a nomes e alcunhas, bem como "simbologias" e a expressão "fumu", certamente destinando-se à contabilidade do comércio de drogas, demonstrando que estava praticando o tráfico já há longo tempo.
A condenação é medida certa."
A condenação foi mantida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado.
APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. LEI 11.343/06. PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Demonstrado pelo conjunto probatório que o réu mantinha em depósito grande quantidade de entorpecentes (mais de dois quilos de maconha, além de cocaína e crack), bem como caderno de contabilidade, onde registrava a venda das drogas, impositiva a manutenção do juízo condenatório, pois caracterizado o exercício da traficância. PENA-BASE. Diante do elevado grau de censurabilidade das circunstâncias do delito, revelado pela quantidade e variedade dos entorpecentes comercializados pelo acusado, aliado à negatividade dos demais vetores do artigo 59 do Código Penal, razoável a fixação da pena-base no termo médio do tipo penal. Apelo defensivo desprovido. (Apelação Crime nº 70026991836 - 2ª Câmara Criminal - TJRS - Rel. Desª Marlene Landvoigt - julgado em 25.08.2009)
Porém, frágil é o contexto probatório sobre a prática delitiva descrita no 10º fato, com relação ao réu Miguel de Oliveira.
Com efeito, igualmente resulta certa a improcedência da peça acusatória sobre a associação para o tráfico, crime imputado aos réus Miguel e André no 11º fato.
FATOS 14º e 15º
RÉUS MIGUEL DE OLIVEIRA E ELBIA CASSANDRA DOS SANTOS MARTINS - TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
A existência dos delitos está comprovada através do registro de Ocorrência Policial, fls. 1.406/1.408; Auto de Apreensão da fl. 1.409; Laudo Preliminar de Constatação da Natureza da Substância, fls. 1.412/1.413; Laudo Toxicológico Definitivo de Exame de Substância, fl. 2.941; e demais provas.
Demonstrada a autoria dos delitos com relação aos réus.
Na residência da ré Élbia, onde foi cumprida medida cautelar, houve a apreensão de drogas.
A policial civil ELIANA DOS SANTOS CASADO, fls. 2.496/2.498 e 2.835/2.839, relatou como ocorreu o cumprimento da medida. Contou que a droga foi apreendida no interior de uma bota pertencente à ré. Na ocasião, Élbia atribuiu a propriedade da droga ao seu filho, que não estava no local naquele momento.
No mesmo sentido, foi o depoimento do policial civil RENATO BRUSTOLONI ROSCANI, fls. 2.499/2.501 e 2.840/2.841.
As ligações telefônicas interceptadas demonstraram que os réus mantinham contato telefônico quase que diariamente e revelaram o envolvimento de ambos no tráfico de drogas. Vejamos.
Dia 03/03/07, às 17h56min, Élbia ligou para Miguel e comentou sobre a prisão de um indivíduo conhecido pela alcunha de "Buiu" - (fls. 1376/1378 dos autos da Interceptação Telefônica).
- Alô. (M)
- Miguel, é Élbia. (E)
- Fala. (M)
- Miguel, eu tenho uma boa notícia prá te dá. (E)
- Oba! (M)
- Olha só... (E)
- Hum? (M)
- O Buiu foi preso agora, pela Brigada, certo? (E)
- Certo. (M)
- Ele tá sendo conduzido prá primeira DP. Eu não consegui mandá prá segunda. Ele foi preso com armas, bastante roupas que ele furtô de uma loja e o primeiro nome dele é Luis Gabriel, tu qué arrastá prá tua? (E)
- Não, que se tem flagrante, é a DPPA, passa direto... é... que idade ele tem? (M)
- Ele deve tá com que idade? Só um momentinho que eu já vô .... tá com dezenove. Tá com dezenove. (E)
- Quanto? (M)
- Dezenove anos. (E)
- Mas, então, é flagrante. Aí, ele vai lá pro DPPA lá e vai baixá o presídio. (M)
- O, maravilha! Temo rico então! (E)
- Exatamente, pode ficá tranqüila. (M)
- Que alívio! Tu vai aparecê aqui hoje? (E)
- Provavelmente. Eu tô em Porto Alegre agora, somente de noite eu vá prá Gravataí. (M)
Dia 13/03/07, às 14h04min, Élbia ligou para Miguel e conversaram sobre o comércio mantido entre ambos, bem como sobre o acerto de contas (fls. 1378/1380, dos autos da interceptação telefônica).
- É. Me diz uma coisa, como é que tá a nossa situação? Conseguiu alguma coisa prá mim ou não? (E)
- Não, eu voltei só sexta-feira e sábado e domingo eu saí do ar. (M)
- Sim, meu querido. Que dia você acha que eu posso dá um pulinho aí prá gente conversá um pouquinho? (E)
- Amanhã tu me dá um toque, eu vô vê o que que eu consigo fazê (trecho não compreendido) (M)
- Tá, meu anjo. (E)
- (trecho não compreendido) que eu tinha feito, né. (M)
- Sim. (E)
- Ele levô uma amostra do remédio, né. (M)
- Certo. (E)
- Mas, me ligô de volta olha, compadre, não dá. (M)
- Tá. (E)
- Digo, tá, tudo bem. (M)
- Não, mas, tudo bem, se não dá, não dá. Daí assim, ó, aquele troquinho que ficô prá trás, no caso, do primeiro, será que aquele ele não interessa em... pelo a metade prá mim fazê um rancho já... já me contenta muito. (E)
- Eu falo com ele durante a noite, tá. (M)
(...).
- O negócio é o seguinte... (M)
- Sim. (E)
- ... eu tenho na mão aqui... eu não sei se.... como é que tu tá.... eu tenho umas langerie, calcinha, soutian aí.... (M)
- Humhum. (E)
- Hum. (M)
- Aí a gente conversa então, né. (E)
- Tá legal. (M)
- Que que tu acha? A gente conversa daí. Né, vamo vê o que que dá prá gente fazê. (E)
- Exatamente. Não, mas isso... não, não, isso não tem nada a vê, isso é um presente meu prá ti, isso aí não tem.... (M)
- Ah, presente ... obrigada, meu amado. O, tu é do coração, que Oxalá te proteja. (E)
- Eu tenho uma meia dúzia de peça, tudo o mais aqui.... (M)
- Ah, obrigada por ter lembrado de mim. Então, tá, assim, ó, amanhã, nesse horário eu te ligo, aí, se tu tivé desocupado, eu vô ligá prá aquele nosso amigo daí me buscá. Pode sê? (E)
- Pode sê. (M)
- Então, tá. Um beijo. Que Oxalá te abençoe. (E)
- Tá, que assim seja. (M)
- Tchau, querido, uma boa tarde. (E)
- Tá oká, obrigado. (M)
Umas das teses da defesa de Élbia, é a de que a ré vendia peças de roupas, além de salgadinhos e docinhos. Pois bem - se levada em conta tal versão defensiva - cumpre salientar que a defesa não se dedicou em esclarecer parte dessas conversações, ou seja, o motivo de um policial civil da ativa oferecer peças de roupas íntimas à acusada ("... langerie, calcinha, soutian ....").
Ora, ficou derradeiramente comprovado o fato de a conversa referir-se a substâncias entorpecentes, já que ambos traficavam, cabendo ao réu Miguel, neste preciso caso acima, o abastecimento/repasse de drogas para a ré providenciar a venda.
Em outras tantas oportunidades, as encomendas de drogas também eram mantidas em linguagem codificada, utilizando-se de expressões como "salgadinhos" e "doces" para identificar o tipo de droga solicitada, como nas conversas interceptadas a seguir transcritas.
Dia 27/07/07, às 11h16min (fls. 1422/1423 dos autos da interceptação telefônica).
- (...)
- Tá, deixa eu te falá.... Qual é a quantidade que tu qué de salgadinho? Um meio quilo? (E)
- É, o negócio é o seguinte, eu vô vê, vô vê quantas pessoa vão sê convidada, tá. (M)
- Como é que é? (E)
- É pastelzinho, risole e croquetezinho, né? (M)
- Tá jóia, então, antes das duas tu vai tá ali? (E)
- É. (M)
- Então, tá. Tá, beijo. Tá? Vô tá te esperando. Tá bom? Tá, te cuida. (E)
Dia 27/07/07, às 15h26min (fl. 1424 dos autos da interceptação telefônica).
(chamada a cobrar)
- Alô. (M)
- Olá, boa tarde. (E)
- Boa tarde. (M)
- Estou com as encomendas na mão, né. (E)
- Quanto? (M)
- Tá tudo aqui. O produto é de primeira categoria, né, a doceira... sim, pode falar. (E)
- O negócio é o seguinte, eu me lembrei, ela podia tê feito bolo também ou ela só faz os salgadinho, só faz a empadinha e os pastelzinho? (M)
- É, mas deixa eu só te passá assim, ó, a doceira disse que não tem como voltá com esse produto. O que que eu consegui, eu consegui com uma pessoa, um cheque emprestado, no valor total. (E)
- Tá oká. (M)
- Da encomenda. (E)
- Tá. (M)
- Aí, nós teríamos que depositar este valor em uma conta. (E)
- Eu tô dirigindo. Eu dô um pulo na tua casa mais tarde, tá. (M)
- Mais tarde? (E)
- É. Tá? Eu tô dirigindo agora. (M)
- Tá okey. (E)
- Tá oká. (M)
Dia 27/07/07, às 16h03min, (fls. 1424/1425 dos Autos da interceptação telefônica).
- Meu anjo. (E)
- Fala. (M)
- Desculpa te incomodá. Não tem nem como a gente garanti a metade hoje? (E)
- Olha, teria que encontrá o pessoal, eu falo com o pessoal normalmente à noite. (M)
- Certo. (E)
- Tá? (M)
- Tá, então, tá bom. (E)
Mesmo tentando manter a linguagem codificada para tratarem de assuntos relacionados às drogas, em determinados momentos os réus acabavam se confundindo. No diálogo abaixo interceptado, ao invés de ser Élbia a pessoa que mantinha o contato com o fornecedor de "salgados" e "doces", passou a ser Miguel o responsável pelo contato, como no trecho abaixo transcrito.
Dia 02/09/07, às 17h35min (fls. 1430/1431, dos autos da interceptação telefônica). (chamada a cobrar)
- Alô, boa tarde. (E)
- Boa tarde. (M)
- Como está o senhor? (E)
- Tudo bem. (M)
- Aqui também tudo bem. Eu vendi todos os salgados no final de semana.... (E)
- Ótimo. (M)
- E eu preciso te ver amanhã, às duas horas, pode ser? No shopping. (E)
- Tá, eu passo lá, tá. (M)
- Não, meu anjo, aqui eu tô falando com aquele pessoal que eu não consegui alugá a casinha deles, aí a gente se vê lá embaixo, no shopping, na praça de alimentação? (E)
- Já tomamos um cafezinho lá, tá. (M)
- Isso. Então, tá. E você tem condições de ... de providenciá mais uma quantidadezinha dos doces? (E)
- Eu vô vê, mas o negócio é o seguinte, eu vô vê, vô falá com o rapaz lá.... (M)
- Sabe por quê? (E)
- (trecho não compreendido) (M)
- Foi muito bom aceito os produtos em todos os lugares. (E)
- Foi.... o negócio é o seguinte, ele tem um biquinho, que ele faz numa padaria, fora do horário de serviço dele.... (M)
- Ah, que bom, que bom! Tá, daí a gente fala amanhã, às duas, certo? (E)
- Tá legal. (M)
- Um abração, bom final de semana. (E)
- Obrigado. (M)
- Obrigada. (E)
- Tchau, tchau. (M)
- Tchau. (E)
O delegado de polícia PAULO ROGÉRIO LEMMERTZ GRILO, fls. 2.493/2.495 e 2.820/2.834, responsável pelas investigações, explicou que era praxe dos traficantes utilizarem códigos para tentarem dificultar a identificação do tipo de mercadoria que estava sendo negociada, fls. 2.493/2.495 e 2.820/2.834:
Testemunha: (...). Mas o tráfico em si, que é o nosso objeto, exigia esses cuidados e nós ouvimos muitas conversas do Miguel com traficantes, marcando encontros à noite, às vezes falando com familiares dessas pessoas, dando proteção, oferecendo ajuda e até mesmo traficantes que falavam em linguagem que nós conhecíamos: linguagem cifrada, linguagem codificada, mas que se referiam, pelo menos a nosso ver, à droga.
Juíza: Como por exemplo?
Testemunha: Como salgadinho, docinho... Essas coisas assim de códigos que são utilizadas. É natural, é normal, é difícil, muito raro tu acompanhares, numa escuta telefônica, alguém que fale abertamente sobre... Máquinas, por exemplo, não vão falar em máquina caça-níquel, vão falar em televisão, em computador, enfim...
Juíza: Meninas?
Testemunha: Pode ser: meninas, camiseta... Existem vários tipos de linguagem figurada que os traficantes utilizam para essa comunicação.
A associação de Miguel e Élbia não estava restrita ao comércio realizado pela ré, pois esta procurava manter contatos com outros traficantes e assim distribuir maior quantidade de drogas, como revelou a conversa mantida entre ambos no dia 19/09/07, às 23h13min, onde a ré referiu ter "fechado um negócio bom" (fls. 1446/1447 dos autos da interceptação telefônica).
As ligações efetivadas entre Miguel e Élbia dão conta do acentuado vínculo existente entre ambos, de modo que competia ao réu fornecer as drogas para que Élbia e seus "funcionários" efetuassem a venda aos consumidores. Aliás, neste aspecto, ficou claro o esquema criminoso montado por Élbia e seu comparsa, que passaram a manter diversos pontos de venda da substância.
Dia 10/09/07, às 17h43min, diálogo realizado entre Élbia e Wagner (fls. 1454/1456 dos autos da interceptação telefônica).
Diálogo:
- (...).
- Me diz uma coisa, o rapaz chegô prá trabalhá ou não? (E)
- Chegô, eu vô ir trabalhá, eu acho. (trecho não compreendido) (W)
- (trecho não compreendido) (E)
- Escuta! (W)
- Sim. (E)
- Eu fiz aqui ... nada, nada, uns cinqüenta prá ti, sessenta real. (W)
- Prá nós, que bom! (E)
- A Simone pegô.... (W)
- Deixa.... (E)
- A Simone tá devendo quinze, ela disse que dava prá pegá contigo. (W)
- Como é que é? (E)
- A Simone.... (W)
- Ahm... tá, mas não libera mais nada prá ela, tá, só essa cota. (E)
- Não, mas tu não entendeu uma coisa. (W)
- Oi. (E)
- Eu vendi primeiro, fabriquei, prá depois liberá prá ela. Não saí liberando prá nada prá ninguém sem fazê lucro prá ti. (W)
- Tá. Tá okey. Aí você faz assim, ó, deixa dentro do Código Penal, do grande. (E)
- O quê? (W)
- Lá dentro do.. O dinheiro. (E)
- Não, mas eu troquei.... o seguinte, ó.... (W)
- Hum? (E)
- O Jarzinski tá em casa, o .... os.... os cara da empreiteira, sabe, tão de carro verde.... (W)
- Aham. (E)
- Tá? Embaçando .... (W)
- Humhum. (E)
- ... aí eu troquei e botei num forrinho especial aqui. Eu vô mostrá por Lírio aqui e ele te mostra. (W)
- Tá, daí tu deixa mostrado prá ele. O Edson já chegô? (E)
- Não, mãe, o Edson não chegô. Se o Edson chegá, eu vô ir trabalhá, né, dona Cassandra. (W)
- Então, tá okey. Conto contigo então. (E)
- (trecho não compreendido) que não é assim. (W)
- Oi? (E)
- Aí tu vai mandá ele embora, né? (W)
- Vô e ... (E)
- Porque não é assim. (W)
- Sim, aí eu vô demiti ele amanhã. (E)
- Então, tá. (W)
- Se ele ... se ele não for trabalhá hoje, amanhã eu demito ele, tá. (E)
- Certo. (W)
- Certo? (E)
- Certo. (W)
- Beijo, então, meu filho, até logo. (E)
- Te cuida, véia. (W)
- Cuide-se você também, tá. (E)
- Tá. (W)
- E leve uma porção e deixe uma prá mim, tá bom? (E)
- Tá. (W)
- Tá. (E)
- É, já vô te dizê, o que tem aqui vai acabá.... E o seguinte, ó..... (W)
- Humhum. (E)
- Só no tempo que eu vim aqui, o seguinte, ó, veio uns dez de uma vez só no portão, comprá bolo, tá ligado. (W)
- Ah, tá, beleza, então. Ai a gente fala daqui a pouco, tá bom? (E)
- Então, foi. (W)
- Tá, beijo, tchau. (E)
- Tchau. (W)
Do diálogo acima, denota-se que o filho de Élbia, de nome Wagner, seria o responsável por um dos pontos de venda de drogas mantidos pelos réus, sendo que os mencionados "caras da empreiteira" que estariam de carro verde, eram os policiais, que estariam realizando o policiamento ostensivo na região e "embaçando" o negócio ilícito mantido pelos réus.
Aliás, se de fato estivessem os réus mantendo comércio legal de salgados e doces, não haveria razão para manterem uma conversa tão codificada, pois perfeitamente possível falar claramente sobre os tais produtos alimentícios que estariam comercializando.
Todavia, esta não é a realidade dos autos, já que a conversa mantida deixa clara a tentativa de omitir a real intenção dos interlocutores, especialmente quando referem que a mercadoria seria fornecida após a meia-noite, horário nada convencional para entrega de bolos, doces e salgados, sendo "Véio" a alcunha do réu Miguel.
Dia 19/09/07, às 18h05min (fls. 1467/1468 dos autos da interceptação telefônica).
- Oi, mãe. (J)
- Jarzinski, tu tá em casa? (E)
- Tô. (J)
- O Wagner está? (E)
- Tá. (J)
- Passa ele prá mãe. (E)
- Tá, só um minutinho. (J)
(...).
- Cresceu prá dentro, né...... Tá, e aí deu movimento algum? (E)
- Deu, deu vinte e cinco pila. (W)
- Ah, é? Já tive com o velho, tá, depois da meia noite já tá chegando mais uma quantidade. (E)
- Hum. (W)
- Tá? Tô chegando então, tô indo devagarinho, tá. (E)
- Tá, tá certo. (W)
- Meio tonta, cheia de anestesia. Até tinha pensado em pedi prá um dos guri, se tivessem aí, subi, mas não, eu vô tranqüila, tá? (E)
- Tá. (W)
- Tô chegando, tá bom? (E)
- Tá. (W)
- Beijo, meu filho, te cuida. (E)
- Tá, mãe, tá. (W)
- Tá? Tchau. (E)
- Tchau. (W)
- Ah, escuta, não desliga. (E)
- Quê? (W)
- O velho teve com o Picapau hoje, né... (E)
- Aham. (W)
- Aí, disse que o Picapau falô assim, bah, mas não é mole aquela tua gente lá, né, diz o Miguel, por quê? Lá tudo é louco, rapaz, eu quero é passá longe daquela casa. Aí, o velho deu risada. Que é tudo furioso. Heim? (E)
- Tá, mãe, tá. (W)
- Tá? Até logo. (E)
- Tá. (W)
- Tô indo. (E)
- Tá. (W)
- Tchau. (E)
- Tchau. (W)
Quando interrogados, ÉLBIA CASSANDRA DOS SANTOS MARTINS e MIGUEL DE OLIVEIRA asseveram, em suma, que mantinham apenas um grande vínculo de amizade, já que o réu teria "pena" da acusada, por seu histórico trágico de vida, ao passo que esta lhe considerava um pai. Vejamos o que disse Élbia:
Juíza: A senhora conhece o Miguel de Oliveira?
Interroganda: Sim, senhora.
Juíza: É seu conhecido, conhece da onde, é parente?
Interroganda: Na realidade, a nossa relação é afetiva porque sofri abuso sexual por parte de meu pai biológico, então, logo que nós viemos embora para o Sul, eu fui trabalhar na Construtora e Edificadora Elma Tomasi onde conheci a companheira de Miguel Oliveira. Coloquei o problema pra ela e eles me ajudaram a levar à Justiça. Sobre os fatos que tinham acontecido, as torturas que eu estava passando por parte de meu pai. Eu tenho um filho, que completa 14 anos, que é filho de meu pai. Então, ali, a família Oliveira passou a me auxiliar. Este é nosso contato.
Juíza: Com relação ao Miguel, conhece desde que idade ?
Interrogando: Conheci ele e a minha família, o meu menino tinha três anos, fazem onze anos, Excelência.
Juíza: Com relação à profissão do Miguel, a senhora sabe que ele é Policial Civil?
Interroganda: Sim, senhora. (...).
Ministério Público: A senhora, alguma vez se referiu ao Miguel como seu pai?
Interroganda: Sim, senhor.
Ministério Público: Por que isso? A senhora é filha dele?
Interroganda: Não, biologicamente, não, mas por tudo que eles fizeram por mim. Por mim e pelo meu filho.
E assim relatou o réu MIGUEL DE OLIVEIRA (fls. 2.365/2.368 e 2.616/2.654):
Interrogando: A Élbia é amiga minha. A Élbia infelizmente é uma dessas mulheres injustiçada, que precisou do pai, e o pai se tornou pai, amante, marido dela, e através de uma amiga que eu tinha, ela confidenciou isso, que chantageava ela e tudo mais, obrigando a ficar com ela. Ela tem um filho do próprio pai. E me deu pena da situação dela, aí se tornamos amigo, se tornamos amigo. E eu encaminhei ela pra Promotoria, encaminhei ela, vai lá e explica a tua situação, isso tá correndo, e ela se tornou amiga minha. Ela tinha um filho adolescente que tava caído na droga, eu cheguei a levar pra casa tentando tirar o guri disso aí, levei pra minha casa, passei mais de vinte dias com ele, dei roupa dos meus filho pra ele tentando tirar ele da droga, tá. (...).
Quando indagada sobre seu meio de sustento, Élbia Cassandra relatou que trabalharia como vendedora informal de materiais de construção e ferragem, complementando a renda com a venda de cosméticos e produtos femininos. Contudo, quando da realização das buscas em sua residência, nenhum material dessa natureza foi apreendido ou encontrado na residência, de modo a corroborar as alegações da ré.
A policial ELIANA DOS SANTOS CASADO, fls. 2.496/2.498 e 2.835/2.839, que cumpriu o mandado de busca e apreensão, referiu que nenhum objeto relacionado ao trabalho alegado pela ré foi localizado na residência. Assim relatou a policial:
Juíza: A senhora sabe no que ela trabalhava, com o que ela trabalhava? Ela chegou a informar?
Testemunha: Não. A alegação dela, depois, em depoimento na Delegacia, é que ela vendia "natura", só que na casa não havia nenhum livreto dos produtos, nem um produto, porque a pessoa que vende geralmente tem uma sacola, tem um manual, mostruário. Nada. Não tinha nada. Para outros ela disse que venderia Avon. Também não foi encontrado nada.
Juíza: Uma mala ou maleta com os dizeres?
Testemunha: Nada. Tanto que na ligação que ela fala "pede para o Policial Miguel", que ela precisava de mais salgadinhos e doces que, na linguagem policial, é droga, se fosse dizer que ela fazia doce e vendesse salgadinhos para fora, também não havia nada na residência que denotasse isto, tipo forminhas, papelotes para embrulhar, nada, nenhum mantimento em quantidade que denota que a pessoa faz para fora, salgadinhos para vender para festas, estas coisas.
Juíza: Seria a minha próxima pergunta, se a senhora verificou se ela tinha grande quantidade da farinha de trigo, panelas grandes, forno, fogão industrial, forminhas, caixas para colocar os salgadinhos.
Testemunha: Nada. Foi verificado isto e não tinha. Era uma casa simples, comum, uma residência familiar com os objetos básicos para aquela família, panelas pequenas, até com comida dentro, nada que denotasse. Chamou-me muita atenção isto, até em razão da conversa, isto é uma prioridade para nós verificar se ela realmente fazia este tipo de coisa.
Juíza: Mesmo que fosse para consumo, a senhora verificou se havia comida, no caso o tipo de comida que ela consumia, se básica, arroz e feijão ou se algo mais peculiar, uma comida elaborada para quem como tanto salgadinho como a senhora referiu?
Testemunha: Não. Nada. Até eram poucos os mantimentos em casa e era o básico mesmo, feijão, arroz. Sim. Bem simples.
Para tentar justificar a apreensão da droga em sua residência, Élbia referiu que pertenceria à terceira pessoa, colega de seu filho, que jamais apareceu nos autos, nem mesmo sendo identificado.
Juíza: A senhora teve algum outro processo além desse aqui?
Interroganda: Senhora, eu estou respondendo a um processo por posse de drogas, que foi o que o Batalhão de Operações Especiais encontrou em minha residência, dentro de uma bota. Uma pedra de crack, pesando 0,30 decigramas. Ali eu estou respondendo, no próximo dia 23 teve instrução de julgamento a respeito, onde eu fui ouvida, eu coloquei que a droga não era minha, realmente ela não me pertence. Um rapaz amigo de meu filho, ele assumiu a droga, afirmou ser proprietário por ser viciado. Eles tinham uma oficina de ciclista no fundo, ao qual dava passagem pelo meu quarto, e ele alegou ter jogado ali, dentro dos calçados, para evitar que os pais percebessem.
(...).
Ministério Público: Essa droga que foi apreendida na sua residência, então, pertencia a seu filho. É isso?
Interroganda: Não ao meu filho. O Marcelo, colega de meu filho, disse que era dele.
Ministério Público: Afirmou isso?
Interroganda: Afirmou, sim, senhor.
Ministério Público: A quem ele afirmou isso?
Interroganda: A mim e se colocou à disposição se precisasse se apresentar, que ele explicaria à Justiça por que tinha colocado aquela droga ali. Porque eu não tinha conhecimento, porque calçados que estavam num canto, jogados, onde existe uma porta de acesso pra oficina, onde o Vagner trabalhava.
Desta forma, se de fato a droga pertencesse a "um amigo de seu filho", deixou a ré de explicar em que circunstâncias este "amigo" obteve condições de esconder a substância tóxica no interior da bota da acusada.
Contrariando as frágeis alegações da ré, o policial civil SALIMEN GIOVANI BALDUZZI PAVAN, responsável pelos áudios das interceptações telefônicas, fls. 2.395/2.397 e 2.662/2.698, relatou de forma detalhada e conclusiva o teor das escutas.
Testemunha: Tinha vários e inclusive a gente não conseguiu fazer um apanhado total desses contatos. Tinha pessoas que pediam camisa branca ou que ofereciam os produtos com notas em troca de camisas, e aí tu fica pensando, mas sem fazer juízo de valores; outras em relação a docinhos, salgadinhos e assim por diante. Assim tinham algumas que mencionavam.
Juíza: Para que seria os docinhos e salgadinhos, estavam vendendo ou fazendo docinhos?
Testemunha: É, a interpretação que se dá para isso é conseqüência para tráfico.
Juíza: Mas o que especificamente com docinhos, o que falava a pessoa com relação aos docinhos?
Testemunha: Tipo, "fulano, a minha quantidade de docinhos tinha acabado" ou " preciso de meio quilo de docinho".
Juíza: Falavam isso para o policial?
Testemunha: É, para o policial. E vamos marcar um encontro em tal local.
Juíza: Mas qual será, mulher ou homem falava isso?
Testemunha: Nesse caso específico era com a Élbia, que havia essa ligação.
Juíza: Ela pedia docinhos para o policial?
Testemunha: É, "acabou os docinhos, precisamos encontrar contigo na praça de alimentação pra tomar um café". Inclusive essas diligências, quando havia esse contato, era monitorado, nós fazíamos esse monitoramento afastado, nós, corregedoria de polícia e até utilizando outros braços também, seja força tarefa ou coisa parecida nessa linha. Monitorávamos afim de ver se haveria uma troca ou não de substâncias, naquele momento, de objetos. Nesses encontros o interessante era isso "tu pega meio quilo de salgadinhos", se tu vai comprar meio quilo de salgadinho, o cara compra por cento e tal. Até porque, durante o período de investigação, houve uma mudança no quadro da DFE, da Delegacia de Efeitos Especiais, onde agora estão o delegado Grilo e mais alguns colegas oriundo do DENARC. Então, eles pelas experiências deles, aliada com toda a seqüência de investigação que vinha sendo, apontavam realmente para tráfico de drogas e uma solicitação, uma encomenda de tráfico. Eu me recordo com essa senhora, um caso também, em que ela pede num final de semana, "olha, tem muita gente na frente da minha casa querendo pegar os salgadinhos e tal, mas já acabou tudo, como é que a gente faz para conseguir salgadinho de novo", esse aí e um fato. Noutro, eles marcam outro encontro num shopping, pra tomar café, e após esse período de encontro, ela já ta sendo monitorada também, ela liga para o filho dela e diz "olha, o policial vai conseguir por volta da meia-noite mais porção do salgadinho", agora não me lembro bem o termo, mas é mais porção daquilo que ela tava solicitando. Então, isso tudo levava a configurar realmente o que estava acontecendo.
Juíza: Isso com relação a salgadinhos, seria a Élbia?
Testemunha: Isso.
Juíza: Sobre o policial, a Élbia pedia, chamava, os demais pediam a droga, dizia que estava faltando e o policial se comprometia em conseguir, é isso?
Testemunha: Não, então, o que ele fazia, a pessoa fazia essa solicitação e ele marcava um encontro no shopping. O teor da conversa no shopping a gente não tem como ter ideia.
Quanto aos questionamentos defensivos de que não haveria provas no sentido de a casa da acusada servir de ponto de venda de drogas - alegando a ausência de campanas e olheiros no local - por certo, não merecem prosperar. Veja-se que não consta na denúncia a afirmação de que a casa da ré servia como único local de venda da droga. Aliás, restou apurado que Élbia mantinha seus "soldados" em outros pontos de venda.
Com relação à alegação defensiva de que o Ministério Público de Cachoeirinha opinou pelo arquivamento do expediente resultante da apreensão da droga na residência de Élbia, esta deve-se ao fato de que a ré estava sendo acusada pela prática do mesmo fato no presente feito (14º fato descrito na denúncia).
Por certo, havendo identidade de lides, não há como julgar um mesmo fato em duas oportunidades, pois estar-se-ia incorrendo em bis in iden, por isso do arquivamento daqueles autos.
FATOS 16º, 17º, 18º e 19º
RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA - TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO e CORRUPÇÃO PASSIVA
RÉU LÚCIO ANTONIO DOS SANTOS FAGUNDES - TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO e CORRUPÇÃO ATIVA
A existência do delito de tráfico pelo réu Lúcio e dos delitos de corrupção ativa e passiva, respectivamente, réus Lúcio e Miguel, está comprovada segundo registro da Ocorrência Policial, fls. 821/823; Auto de Apreensão, fl. 824; Laudo Preliminar de Constatação da Natureza da Substância, fl. 827; Laudo Toxicológico Definitivo, fl. 845; e demais provas dos autos.
Comprovada a autoria delitiva nos mesmos termos. Logo, de pronto saliento que não dedicou-se a prova em demonstrar a execução do tráfico descrito no 16º fato pelo réu Miguel, ou mesmo, o delito de associação para a traficância, crime imputado a Miguel e Lúcio, 17º fato.
Senão vejamos.
Quanto ao 16º fato descrito na denúncia, Uguaraci Souza dos Santos foi condenado por este Juízo no Processo nº 015/2.07.0000813-8, cuja sentença encontra-se às fls. 3.202/3.219.
Assim, considerando a existência de decisão naquele feito que englobou o fato descrito na presente denúncia contra Uguaraci, esta demanda visa apurar somente a prática dos delitos imputados aos réus Lúcio e Miguel, já que para o outro já há decisão transitada em julgado, condenando-o às sanções do art. 33, da Lei nº 11.343/2006, cujos fundamentos colaciono.
"Neste diapasão, as circunstâncias da abordagem, apreensão da droga e prisão em flagrante do acusado induzem o convencimento do desiderato da mercancia. Vejamos.
A um, pelo modo de acondicionamento da droga. Os relatos dos policiais são taxativos no sentido de que a substância apreendida estava embrulhada em 22 (vinte e duas) embalagens individuais, dentro de um pequeno tubo, utilizado na venda de filmes fotográficos. Ora, se a droga fosse para uso pessoal, por certo o acusado não conduziria tão expressiva quantidade da substância, pois inverossímil que fizesse uso de 22 (vinte duas) pedras no trajeto de sua casa à padaria. Como bem analisou o DD. Promotor de Justiça (fl. 155):
(...) Observe-se que o policial militar Pedro ressaltou que viu o réu 'saindo de um casa'(depoimento judicial de fl. 148), esvaziando a tese do réu de que havia comprado antes a droga. Ora, ninguém sai de casa para comprar pão e leite com varias pedras de 'crack', no interior deum tubo de filme fotográfico, sujeito a ser abordado e preso. Obviamente se a saída consiste tão-somente na ida à padaria ou mercado, para então retornar à residência, a droga ficaria na residência. (...)
Agrega-se ao argumento supra a circunstância de apreensão em poder do réu de significativa quantidade de dinheiro, esparso em cédulas de pequena monta, nos termos do auto de apreensão de fl. 20 e depoimentos policiais já analisados. Nessa esteira, reputo que a apreensão conjunta de diversas cédulas ("trocados") em poder do acusado é fator determinante à aferição do intuito da mercancia, pois pouco crível que qualquer vendedor esteja sem dinheiro. A forma como as coisas habitualmente acontecem indica que um vendedor estará sempre com alguma quantidade de pecúnia: seja porque efetuou alguma(s) venda(s), seja porque dele necessita para fornecer troco ao comprador.
Por derradeiro, na forma dos relatos policiais, o local indicado na denúncia era conhecido pela atividade persecutória como de habitual tráfico ilícito de entorpecentes.
A conjugação de todas essas circunstâncias com a comprovação da apreensão da droga em poder do denunciada torna evidente o intuito da traficância, desnudando a tipicidade do seu agir, na forma do artigo 33, da Lei 11.343/2006.
Aferida a tipicidade e não lhe favorecendo qualquer hipótese legal (ou supralegal) de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade, indesviável afigura-se a condenação do réu, nos exatos termos da denúncia."
Os policiais militares PEDRO GUSTAVO DA SILVA e ALEXANDRE FERRARI CONSTANTE, fls. 2.505/2.507 e 2.843/2.844; 2.508/2.510 2.845/2.846, confirmaram a apreensão da droga e a prisão de Uguaraci naquela oportunidade.
Quando prestou depoimento perante a autoridade policial, fls. 1601/1602, Uguaraci Souza dos Santos disse que: "sabe que Lúcio Antonio dos Santos Fagundes é traficante de drogas que mora na mesma rua que o depoente. Conhece o policial civil Miguel da 2ª Delegacia Polícia de Gravataí, revelando que de vez em quando este aparece na casa de Lúcio. Ouviu comentários de outros viciados de que o policial civil Miguel ia na casa de Lúcio para pegar dinheiro. Contou que em determinada ocasião viu o policial Miguel chegando com carro particular. Que como o depoente estava usando drogas junto com outras duas pessoas, comentou de que a policia civil estava na área, querendo ir embora, foi quando estes outros viciados que estavam consigo lhe disseram que não dava nada, pois Miguel iria pegar dinheiro na casa de Lúcio. Acha que o dinheiro que Miguel recebia de Lúcio era para que protegesse o traficante. Nega que trabalhasse para Lúcio. Que após ter ouvido a interceptação telefônica autorizada judicialmente, tendo com interlocutores Lúcio e Miguel, quando Lúcio diz a Miguel que "pegaram um rapaz que trabalha comigo aqui...com tudo o negócio", pedindo ainda auxilio o traficante ao policial, diz o depoente que não tem nada a dizer sobre tal ligação telefônica, a não ser que reconhece a voz de Lúcio no áudio."
Contudo, em Juízo, fls. 2.892/2.894 e 2.961/2.970, a testemunha Uguaraci tentou mudar a versão apresentada perante a Corregedoria de Polícia, aduzindo que: "Lúcio falou com esse Miguel que eu tinha sido preso" e que falou aquilo (referindo-se ao depoimento da polícia) porque ninguém sabia o que estava acontecendo. Acrescentou ainda que trabalhava para o réu Lúcio fazendo reboco, situação anteriormente negada pela testemunha.
Ora, como Uguaraci vendia drogas a mando de Lúcio, sob a proteção do policial civil Miguel, compreensível este seu evidente receio em contar sobre a conduta criminosa desses réus, quando ouvido em Juízo. Postura diversa foi a adotada no inquérito, pois logo após ser preso é que foi ouvido, ou seja, no "calor dos acontecimentos" confirmou o evento delituoso dos comparsas.
As interceptações telefônicas revelaram o envolvimento de Miguel, Lúcio e Uguaraci na empreitada criminosa, restando certo que o mesmo modus operandi era praticado por Miguel no sentido de cobrar "proteção" dos demais traficantes, também era exercido com o traficante Lúcio, sendo que este recrutou Uguaraci como "soldado do tráfico", e competia ao último a venda direta aos consumidores.
Quando a Brigada Militar acabou prendendo em flagrante Uguaraci, o réu Lúcio prontamente solicitou ajuda ao seu comparsa e protetor Miguel, pois competia a este a tarefa de inibir a ação policial de combate ao narcotráfico.
Com efeito, conforme consta na denúncia, a prisão de Uguaraci se deu em 19 de fevereiro de 2007, por volta das 07h40min. Minutos após a prisão, Lúcio efetua uma ligação para Miguel.
Dia 19/02/07, às 08h15min. (fl. 1076 dos autos da interceptação telefônica).
- Alô. (M)
- O, Miguel. (H)
- Oi. (M)
- Pegaram um rapaz que trabalha comigo aqui. (H)
- Tá. (M)
- Com tudo o negócio. (H)
- Tá. (M)
- (trecho não compreendido) fiquei sabendo agora. (H)
- Tá. (M)
- Ele é irmão do Bira ainda. (H)
- Bah. (M)
- Heim? (H)
- O que que é? (M)
- É irmão do Bira, do Chico. (H)
- DPPA? (M)
- Não, levaram prá 2ª. (H)
- Flagrante é na DPPA. (M)
- Eles tavam falando que iam levar prá 2ª. (H)
- Tá, eu vô ver lá depois. (M)
- Tá. (H)
- Tchau. (M)
Na mesma data, às 08h43min, outra ligação (fls. 1076/1077 dos autos da interceptação telefônica).
- Ligou prá lá, Miguel? (H)
- Liguei. Até agora não tinha nada. (M)
- É Uguaraci Souza dos Santos, irmão do Ubiraci, do Bira. (H)
- Tá, eu te dou retorno. (M)
O réu LÚCIO ANTÔNIO DOS SANTOS FAGUNDES, fls. 2.325/2.328 e 2.590/2600, negou as acusações, afirmando que possuía familiares viciados em drogas e jamais comercializaria tal substância. Seu relacionamento com o réu Miguel resumia-se às pescarias praticadas por ambos. No dia da prisão de Uguaraci, ligou para Miguel na tentativa de ajudar o vizinho, a quem conhecia há vários anos. Trabalhava com jogo do bicho. Diversas vezes foi abordado pela polícia, mas nunca foi pego com drogas. Referiu que Uguaraci trabalhou como pedreiro em sua residência, negando as afirmações referidas na Corregedoria de Polícia de que Uguaraci nunca havia trabalhado para o interrogando. Acrescentou que nunca comentou com Miguel que trabalhava com jogo do bicho.
MIGUEL DE OLIVEIRA, por sua vez, quando interrogado na fase judicial, fls. 2.365/2.368 e 2.616/2.654, referiu que Lúcio era seu conhecido de pescaria. Disse que sabia que o corréu trabalhava com jogo do bicho, mas que Lúcio "sempre me respeitou, chegava perto, até se alguém ia fazer jogo, ele me fazia um sinal, ele me respeitava como Polícia (...)".
Na verdade, a relação entre Miguel e Lúcio era bem mais estreita do que uma simples "pescaria", como tentaram fazer crer nos autos, tanto que ao cumprirem o mandado de busca e apreensão na residência do réu Miguel, foi apreendido no local uma escritura pública de compra e venda de terreno adquirido no balneário Tropical, tendo como adquirente: Lúcio Antonio S. Fagundes, e transmitente: Itapuan Imóveis Ltda, do Tabelionato de Sombrio/SC, fls. 1378/1380. Pois bem, representa circunstância que os compromete e não restou explicada pela defesa.
O policial civil JOSÉ MENEGHINI FERRARESI, fls. 2398/2400 e 2699/2798, foi o responsável pelas escutas telefônicas interceptadas do réu Lúcio e referiu que pelo fato de manter uma linguagem muito cifrada na conversação, já havia indicativos de anormalidade.
Juíza: Especificamente com relação ao Tiago e ao Lúcio, o que ficou apurado? (...)
Testemunha: Do Lúcio. Ele tinha contatos, mas muito cifrados, então, já dava para perceber que era anormal o tipo de contato.
Juíza: Que tipo de comentários ou que tipo de palavras eram referidas?
Testemunha: Palavras curtas, com poucas expressões, até que, determinado dia, ele discutiu com uma pessoa no telefone. Aliás, uma pessoa que ligou para cobrar providências - se não me engano, é Ricardo o nome da pessoa -, que ele não tinha gostado de uma atitude do Lúcio de ter mandado alguém atrás dele. Aí, ele disse: não, mas quem é a pessoa? Daí, eu me recordo que ele disse: Ah, aquele fulano de tal que trafica contigo, um baixinho, parece, que trafica contigo lá no beco.
Juíza: Quem falou isso foi o Miguel?
Testemunha: Não, não. Quem falou isso foi o interlocutor que falava com o Lúcio, que, se não me engano, é Ricardo o nome. Tem dois diálogos importantes do Lúcio, que eu me recordo. Um outro é que ele fala com uma pessoa - até foi identificada a pessoa - que estaria no semi-aberto, que fala de uma disponibilização de armas. Tanto é que, quando fomos cumprir o mandado, tivemos o cuidado de verificar se existia essa possibilidade. Essa pessoa que estava presa, se não me engano, em Mariante, ela oferecia arma. Inclusive ela se reportava a uma matéria que havia no Jornal Zero Hora, de uma apreensão da Polícia Federal. No diálogo, ele diz: Olha, se precisar, nós temos todo esse equipamento aí. É um arsenal considerável, então nos causou uma preocupação. Não localizamos nada, mas...
Juíza: O Ricardo falava isso para o Lúcio?
Testemunha: É, mas o Lúcio, ele nunca... ele queria encerrar a conversa, ele não falava grandes coisas pelo telefone. (...)
Juíza: Mas ele concordava?
Testemunha: É, até a pessoa dizia: Se os parentes precisarem, a gente tem esse equipamento.
FATO 20º
RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA - CONCUSSÃO
A existência do fato está comprovada pelo registro de Ocorrência Policial n° 7482/2007/100441; documentos de fls. 911/980; interceptações telefônicas; e demais provas carreadas aos autos.
Quanto à autoria delitiva, plenamente demonstrada.
A prova colhida revelou que o réu Miguel exigiu remuneração indevida da vítima Júlio César, a fim de deixar de realizar seu trabalho de policial, que em razão das suas atribuições funcionais deveria atender. O acusado exigiu que a vítima Júlio César lhe repassasse vantagem indevida semanal no montante de R$200,00, a fim de que permitisse que a vítima traficasse drogas, impedindo as investidas policiais no local.
Da análise das circunstâncias afeitas ao caso, com segurança se verifica esta prática delitiva. Quando ouvido, Miguel apresentou versão incoerente, mas não negou que foi por sua indicação que os policiais da 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí efetuaram a prisão em flagrante de Júlio César.
Como a exigência indevida não foi aceita por Júlio César, o réu Miguel valeu-se de sua condição de policial e fomentou a prisão em flagrante do traficante, que ocorreu em 16.08.2007, Processo nº 015/2.07.0004309-0, oriundo da 2ª Vara Criminal desta Comarca.
Perante a autoridade policial, a vítima JÚLIO CÉSAR BALDUÍNO DA SILVA, fls. 1608/1610, confirmou os fatos narrados na denúncia. Contou que "traficava maconha em Gravataí, na Morada do Vale I, tendo sido preso em 16/08/2007. Que o depoente conhece o policial civil Miguel de Oliveira, pois este em uma oportunidade foi até a residência do depoente em um carro particular. Nessa ocasião, Miguel abordou o depoente e disse "se tu quer trabalhar tem que pagar, senão vai preso". Que Miguel cobrou do depoente R$ 200,00 (duzentos reais) por semana para que o depoente pudesse traficar no local. Como o depoente traficava pouco, o necessário para sua subsistência, o depoente não aceitou a cobrança do policial civil. Diante da negativa do depoente em pagar a propina exigida pelo policial civil, Miguel disse ao depoente para então parar de traficar no local. Tal fato aconteceu em julho deste ano. Que após este fato ocorrido com o policial Miguel, o depoente continuou a traficar no local, sendo que em 16/08/2007, policiais civis da 2ª DP Gravataí invadiram a residência do depoente, tendo apreendido droga e preso o depoente. Que o depoente acredita que em razão de ter se negado a pagar a propina semanal ao policial civil Miguel acabou sendo "derrubado" pelos policiais que atuam junto com Miguel. Que o depoente já sabia que Miguel cobrava propina de outros traficantes, inclusive cobrava de Célio, seu irmão. Que o comentário de que Miguel é corrupto é geral na vila onde mora."
Em Juízo, a vítima Júlio César, já com visíveis problemas físicos e mentais, fls. 2.457/2.459 e 2.778/2.780, quase não conseguiu expressar-se, apenas referiu que estava louco e que não lembrava de nada.
MIGUEL DE OLIVEIRA, quando interrogado em Juízo, fls. 2.365/2.368 e 2.616/2.654, relatou:
Juíza: Lido o vigésimo fato. O senhor conhece o Júlio?
Interrogando: Conheço desde que praticamente nasceu.
Juíza: E com relação a esse fato de o senhor exigir dinheiro dele para não entregá-lo, para não prendê-lo. Isso aqui é verdade?
Interrogando: Excelência, tudo é mentira. O Júlio não tinha condições de ter dinheiro pra ele. O pai dele tá preso, o Sérgio, tá lá em Charqueadas. Ele mandou me pedir, o (...), que eu mandasse um açúcar, um arroz pra ele. Eu mandei vinte, trinta real pra ele, porque o Júlio não tinha, o Júlio não tem. O Júlio é um pobre diabo.
Juíza: O senhor ajudava, no caso, o Júlio?
Interrogando: Ajudava o pai dele, o pai dele.
Juíza: O senhor sabe se ele tem algum envolvimento, o senhor conhece a família dele, o senhor acha que ele tem envolvimento com a prática delituosa?
Interrogando: Olha, às vezes... nós batemos na casa deles uma vez ou duas eu bati.
Juíza: Mas com relação a ele ou com relação a outra pessoa?
Interrogando: Com relação a ele inclusive.
Juíza: Que tipo de delito, Seu Miguel?
Interrogando: O Júlio traficava, os colega foram lá e prenderam ele, prenderam ele, recolheram, foi dado o flagrante, foi dado o flagrante nele, tudo mais e tal.
Juíza: O senhor já sabia que ele traficava?
Interrogando: Eu ajudei a levantar o serviço, eu ajudei a levantar, eu conheço esse guri desde pequeno.
Juíza: E com relação a algum outro tipo de prisão que ele teve, o senhor sabe?
Interrogando: Não, não, eu não sei. Eu sei que ele esteve preso, mas não sei o delito. Eu sei que ele esteve preso, já tinha tado ou tá preso.
Do relato, conclui-se que efetivamente a negativa de pagamento de Júlio deve-se ao fato de que sequer possuía condições de sustento e somente por tal razão não "colaborava".
Porém, mesmo que ajudasse no sustento do presidiário Sérgio, pai da vítima Júlio, Miguel não fazia concessões: "se quer trabalhar tem que pagar, senão vai preso". Por tal razão, acabou levantando o serviço para os colegas da 2ª DP.
A interceptação telefônica revelou que no dia da prisão de Júlio, Miguel recebeu uma ligação de Célio - irmão da vítima e também apontado como traficante de drogas, já falecido, vítima de homicídio - solicitando a ajuda do policial para liberar o irmão, tendo este prometido auxiliar para "livrar" a mulher de Júlio, já que este teria sido denunciado pelos vizinhos, devido "à zoeira" no local.
Dia 16/08/07, às 16h40min, (fls. 1099/1100, dos autos da Interceptação Telefônica). (chamada a cobrar)
- O, véio... (H)
- E aí? (M)
- E aí? (H)
- (trecho não compreendido) (M)
- O, meu. (H)
- Ahm? (M)
- Fizeram uma caminhada ali do meu irmão ali. (H)
- Ué?! Nosso? (M)
- Teu pessoal aí, é. (H)
- Quando? (M)
- Agora. (H)
- Ah, bom, agora eu tô .... eu tô... cheguei agora em casa aqui e não tô sabendo. (M)
- É, foi agorinha ali, embocaram ali. (H)
- Eu vô vê isso aí, tá? (M)
- Tá, mais tarde nós se falemo aí. (H)
- Tchau. (M)
Na mesma data, às 17h22min, Miguel ligou para um homem - provavelmente colega da Delegacia - e perguntou sobre a prisão de Júlio, (fl. 1100 dos autos da interceptação telefônica).
Diálogo:
- E aí? (H)
- (trecho não compreendido) pegaram o Gordo.... pegaram o Julinho? (M)
- É. (H)
- Levaram ele? (M)
- Já tá lá na DP. Liga lá e vê qual é que vai sê. (H)
- Tá, eu vô vê. (M)
- Tá. (H)
- Tá. (M)
Posteriormente, às 19h16min, Miguel avisou Célio sobre a prisão, prometendo tentar livrar a esposa de Júlio, que também foi conduzida, (fls. 1100/1101 dos autos da interceptação telefônica).
- Alô. (H)
- O, Célio? (M)
- Oi. (H)
- O negócio é o seguinte, denúncia da vizinhança aí, da zoeira, tá. (M)
- Tá. (H)
- Vô dá uma força aqui, tá o Nilson aqui também agora. (M)
- Tá. (H)
- Vê se conseguimo livrá a mulher dele da bronca, tá. (M)
- E ele não? (H)
- Ele tá ruim a situação. (M)
- Tá. (H)
- Tá? Tô te dizendo é denúncia da vizinhança, diz que muita zoeira, muita coisa.... Tá? (M)
- Então, tá. (H)
- Aqui temo tentando aqui prá vê se esse outro que tá com ele aqui também abraça junto, que pelo menos deixá a mulher, que tem criança, né? (M)
- Claro. (H)
- É, deixá a mulher fora da bronca, tá. (M)
- Então, tá. (H)
- Falamos amanhã, tá. (M)
- Falô. (H)
- Tá oká. (M)
E os contatos permanecem, mantendo Célio informado dos procedimentos, bem como assegurando que interferiu em favor da cunhada, fazendo com que esse acreditasse estar resolvendo as coisas da melhor maneira possível, pois nada poderia fazer por Júlio.
Dia 16/08/07, às 19h39min.
(chamada a cobrar)
- Viu? (H)
- Ahm? (M)
- O outro gurizão vai ir ou vai ficá? (H)
- Eu acho que vai ir também. Tá, quem é o outro gurizão? (M)
- Ah, é um gurizão que fica ali com ele ali. (H)
- É, eu acho que vai também. (M)
- Mas, não cabe o guri segurá? (H)
- Eu não sei.... o negócio é o seguinte, como disseram que vai ir os dois, aí eu pedi pela mulher, né. (M)
- Aham. (H)
- Vamo tentá aliviá, aí os dois puto abraçam aí essa bronca aí.... aí fica ruim eu pedi pelo outro, entende. (M)
- Claro. (H)
- Tá? Pensei em pedi pela tua cunhada aí. Tá oká? (M)
- Tá. (H)
- Tá legal. (M)
- Tá bom. (H)
Assim, restou evidente nos autos que o servidor público Miguel, incumbido do dever legal de manter a ordem e combater a criminalidade, exigiu quantia em dinheiro, visando benefício próprio, para não praticar ato legal. Uma vez negado o pagamento, prevaleceu-se de sua função pública para vingar-se, providenciando a prisão em flagrante do traficante.
Diferente do que ocorreu nos demais casos em que os traficantes "aderiram" à corrupção como forma de garantir-lhes proteção e tranquilidade no comércio ilegal, Júlio César (em sendo um "pobre diabo", como foi classificado por Miguel) e por não ter condições de manter o pagamento da propina, negou-se a fornecer a vantagem ilícita.
Acabou sendo providencialmente preso pelos colegas Miguel, em um dos raros casos em que o policial civil "levantou o serviço" do tráfico de drogas.
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia, com efeito de:
1.1. CONDENAR o réu MIGUEL DE OLIVEIRA, como incurso nas sanções do art. 33, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, ambos da Lei nº 11.343/2006 (1º FATO); art. 33, "caput", c/c o art. 40, incisos II, III e VI, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (2º FATO); art. 35, "caput", c/c o art. 40, incisos II, III e VI, ambos da Lei nº 11.343/2006 (3º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (5º FATO); art. 33, "caput", c/c o art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal, por duas vezes, na forma do art. 71, "caput", do Código Penal (6º FATO); art. 35, "caput", combinado com o art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006 (7º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (9º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (13º FATO); art. 33, "caput", c/c art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (14º FATO); art. 35, "caput", c/c art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006 (15º FATO); art. 317, parágrafo 1º, do Código Penal (19º FATO); e art. 316, "caput", do Código Penal (20º FATO).
1.2. ABSOLVER o réu MIGUEL DE OLIVEIRA das sanções previstas no art. 33, "caput", c/c art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do CP, por duas vezes, na forma do art. 69, "caput", do Código Penal (10º FATO); art. 35, "caput", c/c art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006 (11º FATO); art. 33, "caput", c/c art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 29, "caput", do Código Penal (16º FATO); art. 35, "caput", c/c art. 40, inciso II, Lei nº 11.343/2006 (17º FATO); forte no art. 386, inciso VII, do CPP.
1.3. DECRETAR a PERDA DO CARGO PÚBLICO que exercia o réu MIGUEL DE OLIVEIRA, forte no art. 92, inciso I, CP.
2.1. CONDENAR o réu ANDRÉ AZEVEDO, como incurso nas sanções do art. 333, parágrafo único, do Código Penal (12º FATO).
2.2. ABSOLVER o réu ANDRÉ AZEVEDO das sanções previstas no art. 35, "caput", da Lei n° 11.343/2006 (11º FATO), forte no art. 386, inciso VII, do CPP.
3. CONDENAR o réu CARLOS DA SILVA PADILHA, como incurso nas sanções do art. 35, "caput", e art. 41, Lei n° 11.343/2006 (7º FATO); e art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", do CP, e art. 13 da Lei nº 9.807/1999 (8º FATO).
4. CONDENAR o réu DANIEL BERMANN MACHADO, como incurso nas sanções do art. 35, "caput", e art. 41, Lei n° 11.343/2006 (7º FATO); e art. 333, parágrafo único, na forma do art. 29, "caput", ambos do Código Penal, e art. 14 da Lei nº 9.807/1999 (8º FATO).
5. CONDENAR a ré ÉLBIA CASSANDRA DOS SANTOS MARTINS, como incursa nas sanções do art. 33, "caput", Lei n° 11.343/2006 (14º FATO); e art. 35, "caput", Lei n° 11.343/2006 (15º FATO).
6.1. CONDENAR o réu LÚCIO ANTÔNIO DOS SANTOS FAGUNDES, como incurso nas sanções do art. 33, "caput", Lei n° 11.343/2006 (16º FATO); e art. 333, parágrafo único, do Código Penal (18º FATO).
6.2. ABSOLVER o réu LÚCIO ANTÔNIO DOS SANTOS FAGUNDES das sanções previstas no art. 35, "caput", Lei n° 11.343/2006 (17º FATO).
7. CONDENAR a ré ROSÂNGELA MARIA VIANA FLORES, como incursa nas sanções do art. 333, parágrafo único, art. 29, "caput", Código Penal, e art. 13 da Lei nº 9.807/1999 (4º FATO).
8. CONDENAR o réu THIAGO FLORES GONZALEZ, como incurso nas sanções do art. 333, parágrafo único, art. 29, "caput", Código Penal (4º FATO).
9. ABSOLVER o réu VALÉRIO SOUZA DA SILVA das sanções previstas no art. 333, parágrafo único, do Código Penal (4º FATO), com base no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
10. DECRETAR o CONFISCO dos bens e valores apreendidos em favor da União.
PASSO À DOSIMETRIA DAS PENAS
1. RÉU MIGUEL DE OLIVEIRA
A culpabilidade do réu restou caracterizada de forma amplamente negativa.
O acusado fazia do narcotráfico uma imensurável fonte de renda. Valendo-se de informações privilegiadas colhidas junto ao setor de investigações da 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí, utilizava-as para benefício próprio, disseminando de forma derradeiramente acentuada o tráfico de substâncias entorpecentes na comunidade gravataiense, na qual também estava inserido, enquanto dissimulado na condição de policial.
Aliás, o delito de tráfico é de expressiva reprovabilidade social, e reproduz incansáveis campanhas de âmbito nacional de conscientização contra as drogas, e mesmo assim o réu insistia em praticar tal conduta criminosa.
Ainda quanto à culpabilidade, enfatizo o dolo intenso nos eventos, pois tinha o dever legal de coibir tal prática e obrigação de agir de forma absolutamente diversa, já que exercia função pública como agente de segurança - policial civil - com a responsabilidade de proteger o cidadão e reprimir a criminalidade. Contudo, corrompeu-se, e passou a agir na proteção dos criminosos, e a par disso, difundiu o intenso comércio de drogas na Comarca, sempre visando proveito próprio em detrimento de toda a coletividade para a qual deveria servir, por dever de ofício.
O réu possui expressivos antecedentes criminais, conforme certidões de antecedentes de fls. 2901/2905. Inclusive, possui sentenças condenatórias nos Processos nº 015/2070005640-0; 015/2070005637-0 e 015/2080000646-3, em delitos Contra a Administração em Geral e contra a Fé Pública, ou seja, sempre valendo-se de seu cargo público como policial civil e máquina estatal.
Diante de tal realidade, a personalidade do réu Miguel revelou-se astuta e articulada, voltada para a prática de ilícitos de extrema gravidade e intenso prejuízo social, visando o lucro fácil, demonstrando egoísmo e completo menosprezo para com a coletividade e seus colegas de trabalho.
Quanto à conduta social, evidentemente desregrada, pois evidenciado o desrespeito para com a comunidade e com o Estado, já que exercia sua função pública somente em benefício próprio e na satisfação de seus interesses pessoais, proliferando o tráfico de entorpecentes, indiferente às consequências trágicas que a droga traz para o meio social, com o acentuado crescimento da criminalidade, destruição de lares e vidas.
Circunstâncias desfavoráveis.
Durante muitos anos o réu aproveitou-se de sua condição de policial civil para incrementar o comércio ilícito de substâncias entorpecentes na cidade e, escudado pela condição de agente público de segurança, colaborou para o aumento da criminalidade, mesmo ciente do dever legal de agir de forma contrária.
Passou a investigar os pontos de venda de drogas, mas ao invés de combater tal prática, utilizava-se das informações colhidas para exigir vantagem econômica, unindo-se aos traficantes ali estabelecidos, que passaram a efetuar a venda das drogas introduzidas pelo próprio réu no ponto de tráfico.
Segundo restou comprovado, muitas vezes as substâncias entorpecentes originavam-se de outros pontos de venda que eram "estourados" pelo próprio réu, na condição de policial civil. Porém, ao invés de apreender a droga e efetivar a prisão em flagrante do criminoso, Miguel se apoderava da substância tóxica e entregava a seus comparsas, encarregados de efetuarem a venda ao consumidor.
Depois, a expressiva quantidade de drogas apreendidas acentuou a gravidade da conduta perpetrada pelo réu durante longo período, atingindo um maior número de consumidores, incrementando a lesividade social.
Motivos não menos desprezíveis, transcendendo àqueles dos ilícitos apurados.
Mesmo diante de tantas e seguidas campanhas contra as drogas, cujos malefícios são amplamente divulgados, e devendo ser o réu um instrumento no combate à proliferação do tráfico, acabou desvirtuando-se, almejando dinheiro e vantagens em detrimento do próximo, que geralmente é um doente da droga.
As consequências são amplamente negativas e de difícil reparação.
A proliferação das drogas abala demasiadamente a sociedade, afetando tanto o consumidor, como seus familiares, e a julgar pela expressiva quantidade de drogas comercializada pelo réu e seus comparsas, em diferentes pontos da cidade, o prejuízo se revela mais acentuado.
Depois, a grande preocupação de tantos pais têm sido a saúde, a integridade física e a vida de seus filhos, mas muito bem se sabe do poder destrutivo da substância entorpecente, em especial do "crack", que foi a droga comercializada com maior intensidade pelo réu, além de o crime de tráfico de drogas gerar tantos outros ilícitos, servindo de substrato para o aumento da criminalidade.
Não examinado o comportamento da vítima, em sendo o Estado.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
1º FATO: DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS
Fixo a pena-base em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
Presente a circunstância majorante prevista no art. 40, inciso II, da Lei nº 11.343/2006.
O réu Miguel, na condição de agente público de segurança, que por mister deveria prevenir a criminalidade, passou a comercializar as substâncias entorpecentes valendo-se das facilidades que sua função pública lhe proporcionava, razão pela qual aumento a pena em 1/6 (UM SEXTO), ou seja, em 1 (UM) ANO E 4 (QUATRO) MESES.
Restou definitiva em 9 ANOS E 4 MESES DE RECLUSÃO.
2º FATO: DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS
Fixo a pena base em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
Robusta e inequívoca é a prova de que o delito ocorreu nas imediações de instituições de ensino. Sua prática visava e atingia os adolescentes que estudavam nestas escolas, as quais restaram demonstradas no relatório de investigações e denúncias ofertadas por uma professora da escola, além de ter sido praticado por policial, valendo-se de sua função pública.
Presentes, portanto, as majorantes previstas nos incisos II, III e VI, do artigo 40, da Lei nº 11.343/06. Aumento a pena à razão de 2/3 (DOIS TERÇOS), ou seja, em 5 (CINCO) ANOS E 4 MESES.
Desta forma, restou definitiva em 13 (TREZE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
3º FATO: DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Pena-base em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
Conforme acima exposto, comprovadas as majorantes previstas nos incisos II, III e VI, do artigo 40, da Lei nº 11.343/06. Aumento a pena à razão de 2/3 (DOIS TERÇOS), ou seja, em 3 (TRÊS) ANOS E 4 (QUATRO) MESES.
Resultou definitiva a pena em 8 (OITO) ANOS 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
5º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA
Pena-base em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Pela majorante do § 1º, do art. 317 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), ou seja, em 2 (DOIS) ANOS.
Definitiva em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
6º FATO: DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS
Pena-base em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO para cada um dos ilícitos perpetrados.
Presente a circunstância majorante prevista no art. 40, inciso II, da Lei nº 11.343/2006, conforme exposto.
Na condição de agente público de segurança, deveria prevenir a criminalidade, mas passou a comercializar as substâncias entorpecentes valendo-se das facilidades que sua função pública lhe proporcionava.
Aumento a pena em 1/6 (UM SEXTO).
Resultou definitiva em 9 (NOVE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES.
Com relação ao 6º fato descrito na denúncia, que descreve duas condutas delitivas distintas, mas que em razão das condições de tempo, lugar, e maneira de execução, pode-se considerar como contínuas, reconheço a forma continuada, a teor do art. 71 do Código Penal.
Assim, aumento a pena de um dos crimes (em sendo penas idênticas), em ½ (METADE), tendo em vista a gravidade dos crimes executados e a expressiva quantidade da droga apreendida, além de os delitos terem sido perpetrados por longo período.
Restou definitiva a pena em 14 (QUATORZE) ANOS DE RECLUSÃO.
7º FATO: ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Fixo a pena-base em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
Conforme acima exposto, presente a majorante prevista no inciso II, do artigo 40, da Lei nº 11.343/06.
Aumento a pena em 1/6 (UM SEXTO), ou seja, em 10 (DEZ) MESES.
Desta forma, restou definitiva em 5 (CINCO) ANOS E 10 (DEZ) MESES RECLUSÃO.
9º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA
Pena-base em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Pela majorante prevista no § 1º, do art. 317 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), ou seja, em 2 (DOIS) ANOS, restando definitiva em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
13º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA
Fixo a pena-base em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Conforme majorante do § 1º, do art. 317 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), ou seja, em 2 (DOIS) ANOS, restando definitiva em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
14º FATO: DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS
Pena-base em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
Presente a circunstância majorante prevista no art. 40, inciso II, da Lei nº 11.343/2006, sob os mesmos fundamentos acima.
Aumento a pena em 1/6 (UM SEXTO), ficando definitiva em 9 (NOVE) ANOS 04 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
15º FATO: ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Fixo a pena-base em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
Conforme exposto, presente a majorante prevista no inciso II, do art. 40, da Lei nº 11.343/06, e aumento a pena à razão de 1/6 (um sexto), ou seja, em 10 (DEZ) MESES.
Resultou definitiva em 5 (CINCO) ANOS E 10 (DEZ) MESES DE RECLUSÃO.
19º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA
Pena-base em 6 ANOS DE RECLUSÃO.
Pelo § 1º, do art. 317 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO) - em 2 (DOIS) ANOS - restando definitiva em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
20º FATO: DELITO DE CONCUSSÃO
Pena definitiva em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Por fim, com relação à postulação defensiva de reconhecimento de crime único (além da continuidade delitiva admitida nos tráficos de entorpecentes descritos no 6º fato), não deve ser acolhida.
O réu Miguel praticou os crimes de forma distinta e isolada, ao longo de vários anos de sua vida, em momentos e locais distintos, envolvendo comparsas diferentes, não havendo qualquer relação entre os tráficos em associação mantidos com cada um dos demais traficantes denunciados.
Na verdade, Miguel providenciou estrategicamente o vínculo associativo exercido com os corréus, com o intuito de estabelecer em cada ponto diferente da cidade o comércio ilícito. Desta forma, nenhuma relação havia entre um ponto de venda de drogas e outro, ou entre os diversos traficantes, pois todos eram administrados de forma autônoma pelo réu Miguel e pelo traficante comparsa que naquele local vendia a droga aos consumidores, cabendo a este administrar a sua própria maneira, que divergia de um ponto de vendas para o outro.
Também, o valor da corrupção exigida divergia de um ponto para o outro. Com exemplo, relembro que Rosângela pagava ao réu R$100,00 por semana; Carlos Padilha e Daniel Bermann pagavam R$200,00 semanais; ao passo que André Azevedo, em torno de R$150,00.
Desta forma, cada ponto de venda estabelecido por Miguel funcionava de forma distinta e autônoma, sem qualquer relação entre si.
Assim, evidente que mediante mais de uma ação, Miguel praticou diversos crimes, incidindo na espécie o concurso material de crimes previsto no art. 69 do Código Penal.
Desta forma, com base na norma legal acima referida, fixo a pena definitiva ao réu Miguel de Oliveira em 104 (CENTO E QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO.
O regime de cumprimento é o FECHADO.
PENAS DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADAS
Fixo a pena de multa em 900 (novecentos) dias-multa, para cada um dos delitos de tráfico a que foi condenado; 800 (oitocentos) dias-multa, para cada um dos delitos de associação para o tráfico a que foi condenado; 100 (cem) dias-multa, para cada um dos delitos de corrupção passiva a que foi condenado; e 100 (cem) dias-multa para o delito de concussão; dadas às circunstâncias judiciais examinadas.
Valor unitário do dia-multa firmado em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato, considerando a situação econômica do acusado.
O valor deverá sofrer atualização monetária a partir do ilícito.
2. RÉU ANDRÉ AZEVEDO
Culpabilidade comprovada. Agiu consciente do caráter ilícito do fato, com liberdade de escolha no seu proceder.
Registra expressivos antecedentes criminais, fls. 2910/2914. Inclusive, possui sentenças condenatórias em diversos processos: Processos nº 015/2070002763-9; nº 015/2070003537-2; e nº 015/2070003634-4.
Quanto à personalidade, astuta e desregrada, voltada para a reiterada prática de ilícitos.
Apresenta conduta social negativa, pois reveladora de descaso para com a coletividade, na medida em que insiste em tumultuar o meio social com a execução desses crimes.
Circunstâncias amplamente desfavoráveis. O delito de corrupção ativa a que foi condenado foi executado por longo período, exatamente para poder com tranquilidade traficar, certo da impunidade e de que não precisaria incomodar-se com traficantes concorrentes. Logo, por período acentuado o réu explorou o tráfico ilícito na localidade.
Com base nessa realidade, consequências negativas, pois em função da corrução do policial civil que o protegia, o réu tratou de incrementar a proliferação de drogas, a qual abala demasiadamente a sociedade. A grande quantidade e diversidade de drogas traficadas pelo condenado, revelou a lesividade da conduta do réu, pois muito bem se sabe do poder destrutivo da substância entorpecente, em especial do "crack", além de o crime de tráfico de drogas gerar tantos outros ilícitos, servindo de substrato para o aumento da criminalidade.
Motivação próprias do crime.
Não analisável o comportamento da vítima.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
12º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA
Pena-base em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Em razão da majorante prevista no § 1º, do art. 333 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), ou seja, em 2 (DOIS) ANOS.
Resultou definitiva em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
O regime de cumprimento da pena é o FECHADO, diante das negativas circunstâncias judiciais acima analisadas, sendo que regime outro não atenderia aos objetivos da pena.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Fixo a pena de multa em 100 dias-multa, dadas as circunstâncias judiciais examinadas, sendo o valor unitário do dia-multa firmado em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato, considerando a situação econômica do acusado.
O valor deverá sofrer atualização monetária a partir do ilícito.
3. RÉU CARLOS DA SILVA PADILHA
Analisando-se as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, tenho que a culpabilidade do réu restou caracterizada, eis que agiu consciente do caráter ilícito dos fatos, com liberdade de escolha quanto ao seu proceder, optando pela prática delitiva.
O réu registra antecedentes criminais, possuindo sentença condenatória: Processo nº 015/2070003668-9.
Personalidade negativa, voltada para a reiteração delitiva.
Conduta social desregrada.
Circunstância desfavorável é a considerável quantidade da droga apreendida no processo de tóxico a que sofreu condenação - 50 pedras de "crack" - fazendo atingir uma maior número de consumidores, incrementando a lesividade social.
Outrossim, sobre o delito de corrupção ativa, importa mencionar que foi reiteradamente praticado por longo período, exatamente para poder traficar, certo da impunidade e de que não precisaria incomodar-se com traficantes concorrentes. Por período acentuado, o réu explorou o tráfico ilícito nesta comunidade.
Nesse passo, exatamente em função da sua corrupção ativa frente ao policial civil, consequências negativas, pois acabou por incentivar a proliferação de grande quantidade de um tipo de droga que mata rapidamente o consumidor, sendo o prejuízo mais acentuado, além de intensificar a criminalidade.
Motivação normal aos tipos penais a que foi condenado.
Não há que se falar em comportamento da vítima.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
7º FATO: DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Fixo a pena-base em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
Reconheço a atenuante da confissão espontânea. Reduzo a pena em 6 (SEIS) MESES. Ficou em 4 (QUATRO) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
O réu Carlos colaborou voluntariamente na investigação policial e processo criminal na identificação dos demais co-autores. Com base no art. 41 da Lei nº 11.343/2006, reduzo a pena em 2/3 (DOIS TERÇOS), restando definitiva em 1 (UM) ANO E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Fixo a pena de multa em 500 (quinhentos) dias-multa, tendo em vista as circunstâncias judiciais acima analisadas, bem como o disposto no art. 41 da Lei nº 11.343/2006, sendo o valor unitário do dia-multa firmado em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato, considerando a situação econômica do acusado.
O valor deverá sofrer atualização monetária a partir do ilícito.
Descabida a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, em sendo delito equiparado a hediondo, previsto na lei nº 11.343/2006. Também por conta disso, regime FECHADO.
8º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA
Pena-base em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Reconheço a atenuante da confissão espontânea. Reduzo a pena em 6 (SEIS) MESES. Ficou em 5 (CINCO) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
Em razão da majorante prevista no § 1º, do art. 333 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), ou seja, em 1 (UM) ANO E 10 (DEZ) MESES.
Fixo, então, a pena definitiva em 7 (SETE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Pena de multa em 100 dias-multa. Valor unitário em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato. Atualização monetária a partir do ilícito.
Como colaborou na investigação e instrução criminal, e por não ser reincidente, concedo-lhe o PERDÃO JUDICIAL previsto no art. 13 da Lei nº 9807/99.
Com efeito, JULGO EXTINTA A PUNIBILIDADE, forte no art. 107, inciso IX, do Código Penal.
4. RÉU DANIEL BERMANN MACHADO
Culpabilidade caracterizada, eis que agiu consciente do caráter ilícito dos fatos, com liberdade de escolha quanto ao seu proceder, optando pela prática delitiva.
O réu registra antecedentes criminais (Processo nº 015/20500045650) inclusive condenação transitada em julgado (Processo nº 001/20502071070). Este último feito será considerado quando da segunda fase da aplicação da pena.
Personalidade igualmente negativa, pois voltada para a reiteração de crimes. Conduta social desregrada.
Circunstância desfavorável é a considerável quantidade da droga apreendida no processo de tóxico a que sofreu condenação - 10,7g de crack, em uma pedra grande, que após fracionada seria suficiente para a confecção de mais de 100 pedras de tal substância - fazendo atingir uma maior número de consumidores, incrementando a lesividade social. Outrossim, sobre o delito de corrupção ativa, importa mencionar que foi reiteradamente praticado durante longo período, exatamente para poder traficar, certo da impunidade e de que não precisaria incomodar-se com concorrentes. Logo, por período acentuado o réu explorou o tráfico ilícito na localidade.
Nesse passo, exatamente em função da corrupção ativa frente ao policial civil, consequências negativas, pois acabou por incentivar a proliferação de grande quantidade do crack, droga que mata rapidamente o consumidor, sendo o prejuízo mais acentuado, além de intensificar a criminalidade.
Motivação normal aos tipos penais a que foi condenado.
Não há que se falar em comportamento da vítima.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
7º FATO: DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Fixo a pena-base em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
Reconheço a atenuante da confissão espontânea e diminuo a pena em 6 (SEIS) MESES.
De outra feita, reconheço a agravante da reincidência e aumento em 6 (SEIS) MESES.
Ficou em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
O réu Daniel colaborou voluntariamente com a investigação policial e processo criminal na identificação dos demais co-autores.
Com base no art. 41 da Lei nº 11.343/2006, reduzo a pena em 2/3 (DOIS TERÇOS).
Resultou em 1 (UM) ANO E 08 (OITO) MESES DE RECLUSÃO.
8º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA
Fixo a pena-base em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
Pela atenuante da confissão espontânea, diminuo a pena em 6 (SEIS) MESES. Reconheço a agravante da reincidência e aumento a pena no mesmo montante.
Em razão da majorante prevista no § 1º, do art. 333 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), em 2 (DOIS) ANOS.
Ficou em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
Depois, pela colaboração para a identificação dos demais réus, e em sendo reincidente, reduzo-lhe a pena em 2/3 (DOIS TERÇOS), conforme previsto no art. 14 da Lei nº 9.807/99, restando definitiva em 2 (DOIS) ANOS E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO.
Na forma do art. 69 do Código Penal, restou a pena definitiva em 4 (QUATRO) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
O regime de cumprimento da pena é o FECHADO, em sendo o réu reincidente e regime outro não atenderia às finalidades da pena.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Pena de multa em 500 (quinhentos) dias-multa, para o delito de associação para o tráfico; e em 50 (cinquenta) dias-multa para o delito de corrupção ativa, tendo em vista as circunstâncias acima analisadas, bem como o disposto no art. 41 da Lei nº 11.343/2006 e art. 14, da Lei nº 9.807/99, sendo o valor unitário do dia-multa firmado em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato, considerando a situação econômica do acusado. O valor deverá sofrer atualização monetária a partir do ilícito.
5. RÉ ÉLBIA CASSANDRA DOS SANTOS MARTINS
Culpabilidade comprovada. Agiu consciente do caráter ilícito do fato, com liberdade de escolha quanto ao seu proceder, optando pela prática delitiva.
Circunstâncias amplamente reprováveis.
A natureza da substância entorpecente apreendida - crack - deve ser considerada em desfavor da ré, além de as escutas telefônicas terem revelado que a ré agia em diferentes pontos, e desenvolvia intensa comercialização da substância entorpecente, atingido um grande número de consumidores. O crack, em comparação com outras drogas ilícitas, causa dependência com maior rapidez, e com a mesma intensidade pode matar.
Com base no acima exposto, as consequências são bastante negativas, eis que a proliferação desta natureza de droga abala demasiadamente a sociedade, afetando tanto o consumidor, como seus familiares.
A ré não registra antecedentes criminais.
Personalidade astuta e perigosa. Conduta social desregrada, já que demonstrou desprezo pelo próximo, na medida em que comercializava a droga em prejuízo à saúde da comunidade em que estava inserida, aliado ao fato de a acusada envolver os filhos no tráfico de drogas.
Motivação desprezível, transcendendo àquelas dos ilícitos apurados. Mesmo diante de tantas e seguidas campanhas contra as drogas, cujos malefícios são amplamente divulgados, a ré continuava buscando dinheiro e vantagem em detrimento do próximo, que geralmente é um doente da droga.
Não há que se falar em comportamento da vítima.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
14º FATO: DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS
Fixo a pena definitiva em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
15º FATO: ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Fixo a pena-base em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.
Reconhecido o concurso material de crimes, totalizou a pena definitiva em 13 (TREZE) ANOS DE RECLUSÃO.
O regime é o FECHADO.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Em 900 (novecentos) dias-multa, delito de tráfico; em 800 (oitocentos) dias-multa, delito de associação para o tráfico. V
Valor unitário em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato.
6. RÉU LÚCIO ANTÔNIO DOS SANTOS FAGUNDES
Analisando-se as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, tenho que a culpabilidade do réu restou caracterizada, eis que agiu consciente do caráter ilícito do fato, com liberdade de escolha quanto ao seu proceder, optando pela prática delitiva.
Circunstâncias amplamente reprováveis.
A natureza (crack) e quantidade de substância entorpecente comercializada pelo réu e apreendida com Uguaraci Souza dos Santos, deve ser considerada em desfavor de Lúcio. Além de atingir um grande número de consumidores, o crack em comparação com outras drogas ilícitas, causa dependência com maior rapidez, e com a mesma rapidez pode matar.
Com base no acima exposto, as consequências são muito negativas, eis que a proliferação dessa natureza da droga abala demasiadamente a sociedade, afetando tanto o consumidor, como seus familiares.
O réu registra antecedentes criminais, inclusive com condenação transita em julgado, Processo nº 086/20300059180, e estava em cumprimento de pena ao executar o presente ilícito. Será considerada por ocasião da segunda fase da dosimetria da pena e não neste momento do cálculo.
A conduta social é negativa, pois reveladora de descaso para com a coletividade, já que reiteradamente tumultua o meio social. Ainda, demonstrou menosprezo e descaso para com seus pares, vez que comercializava a droga em prejuízo à saúde da comunidade em que estava inserido.
Personalidade astuta, voltada para a prática de crimes, eis que estava foragido do sistema carcerário, quando voltou a executar crimes.
Motivação desprezível, transcendendo àquelas dos ilícitos apurados. Mesmo diante de tantas e seguidas campanhas contra as drogas, cujos malefícios são amplamente divulgados, o réu continuou buscando dinheiro e vantagem em detrimento do próximo, que geralmente é um doente da droga.
Não há que se falar em comportamento da vítima, que é o Estado.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
16º FATO: DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS
Fixo a pena-base em 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO.
Reconheço a agravante da reincidente e aumento a pena em 6 (SEIS) MESES, restando definitiva em 8 (OITO) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
18º FATO: CORRUPÇÃO ATIVA
Pena-base em 6 ANOS DE RECLUSÃO.
Admito a agravante da reincidente.
Aumento a pena em (6 SEIS) MESES.
Restou em 6 (SEIS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
Em razão da majorante prevista no § 1º, do art. 333 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO), ou seja, em 2 (DOIS) ANOS E 2 (DOIS) MESES.
Ficou definitiva em 8 (OITO) ANOS E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO.
Concurso material de crimes, pena definitiva em 17 (DEZESSETE) ANOS E 2 (DOIS) MESES DE RECLUSÃO.
O regime de cumprimento da pena é o FECHADO.
O réu é reincidente e as circunstâncias judiciais acima analisadas são negativas, sendo que regime outro não atenderia aos objetivos da pena.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Pena de multa em 900 (novecentos) dias-multa, delito de tráfico; 100 (cem) dias-multa, delito de corrupção ativa; dadas as circunstâncias judiciais examinadas.
Valor unitário do dia-multa firmado em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato, considerando a situação econômica do acusado.
O valor deverá sofrer atualização monetária a partir do ilícito.
7. RÉ ROSÂNGELA MARIA VIANA FLORES
Conforme circunstâncias elencadas no art. 59 do estatuto repressivo, a culpabilidade da ré Rosângela restou caracterizada, pois tinha ciência do caráter ilícito dos fatos, com liberdade de escolha no seu proceder, optando pela prática delitiva.
A ré registra antecedentes criminais. Condenação no Processo nº 015/20700025920.
Personalidade voltada para a reiteração de crimes.
Conduta social desregrada.
Motivos normais à espécie delitiva.
Consequências negativas.
Em função da corrução do policial civil que a protegia, a ré tratou de incrementar a proliferação de drogas, a qual abala demasiadamente a sociedade. A grande quantidade de drogas traficadas pela condenada, revelou a lesividade de sua conduta, pois muito bem se sabe do poder destrutivo da substância entorpecente, em especial do "crack", além de o crime de tráfico de drogas gerar tantos outros ilícitos, servindo de substrato para o aumento da criminalidade.
Circunstâncias desfavoráveis.
Durante muitos anos a ré valeu-se da troca de informações e de vantagens recíprocas, incrementando a lesividade social, incentivando a prática do tráfico de drogas.
Não analisável o comportamento da vítima.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
4º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA
Diante das circunstâncias judiciais acima analisadas, fixo a pena-base em 6 ANOS DE RECLUSÃO.
Atenuante da confissão espontânea, reduzo a pena em 6 (SEIS) MESES, restando em 5 (CINCO) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.
Em razão da majorante prevista no § 1º, do art. 333, do CP, aumento em 1 (UM TERÇO), ou seja, em 1 (UM) ANO E 10 (DEZ) MESES, ficando em 7 (SETE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Pena de multa em 100 dias-multa. Valor unitário em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato. Atualização monetária a partir do ilícito.
Pela colaboração para a investigação e instrução criminal, que culminou na identificação dos demais corréus, aliado ao fato de não ser reincidente, concedo-lhe o PERDÃO JUDICIAL previsto no art. 13 da Lei nº 9.807/99.
Com efeito, JULGO EXTINTA A PUNIBILIDADE, forte no art. 107, inciso IX, do Código Penal.
8. RÉU THIAGO FLORES GONZALEZ
A culpabilidade do réu restou caracterizada.
O réu possui antecedentes criminais, condenações nos Processos nº 015/20700002091 e nº 015/20700025920.
Personalidade voltada à reiteração delitiva.
Conduta social desregrada.
Apresentou desrespeito para com a comunidade, proliferando o tráfico de drogas na comunidade onde estava inserido, enquanto beneficiava-se das informações privilegiadas que lhe eram repassadas pelo réu Miguel, agindo com certeza da impunidade.
Motivos peculiares à espécie delitiva.
Circunstâncias desfavoráveis.
Durante muitos anos o réu valeu-se da troca de informações e de vantagens recíprocas, para incrementar o tráfico de drogas naquele local.
Consequências negativas.
Em função da corrução do policial civil que o protegia, o réu acentuou a proliferação das drogas no meio social, e a julgar pela grande quantidade que traficava, acentuou a lesividade do evento.
Não avaliado o comportamento da vítima, em sendo o Estado.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
4º FATO: DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA
Pena-base em 6 ANOS DE RECLUSÃO.
Reconheço a atenuante da menoridade.
Reduzo a pena em 6 (SEIS) MESES.
Pela majorante do § 1º, art. 333 do CP, aumento a pena em 1/3 (UM TERÇO).
Resultou definitiva em 7 (SETE) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO.
O regime é o FECHADO, diante das negativas circunstâncias judiciais acima analisadas, sendo que regime outro não atenderia aos objetivos da pena.
PENA DE MULTA CUMULATIVAMENTE APLICADA
Pena de multa em 100 dias-multa.
Valor unitário em 1/30 do maior salário mínimo nacional vigente à época do fato.
Atualização monetária a partir do ilícito.
9. Expeça-se ALVARÁ DE SOLTURA ao réu Valério Souza da Silva, eis que absolvido.
10. Aos réus condenados nesta decisão, cumpre o pagamento das custas, cuja exigibilidade suspendo com relação aos réus Carlos da Silva Padilha e Rosângela Maria Viana Flores, forte no art. 12 da Lei nº 1060/50.
11. Expeçam-se os PEC´s provisórios para os réus condenados presos.
12. Durante a instrução criminal houve a necessidade de nomeação de defensor dativo aos réus André de Azevedo, Carlos da Silva Padilha, Lúcio Antônio dos Santos Fagundes, Rosângela Maria Viana Flores, Thiago Flores Gonzales e Valério Souza da Silva, devido à greve dos defensores públicos. Expeça-se certidão, sem custas, para pagamento de honorários ao Dr. Gilberto de Espíndola, por conta do Tribunal de Justiça do Estado, com fundamento na Lei nº 11.667/01, Atos 19/2005-P e 22/2006-P do Tribunal de Justiça.
13. Oficie-se à Corregedoria da Polícia Civil, informando-se sobre a presente sentença.
14 . Os réus Daniel, Carlos e Lúcio poderão apelar em liberdade. Os dois assim permaneceram durante toda a instrução criminal. O último, por ter sido solto em Habeas Corpus.
15. Os réus André, Élbia e Thiago deverão permanecer segregados para apelarem da decisão, garantindo-se a ordem pública e a aplicação da lei penal.
Os delitos pelos quais foram condenados é sabidamente substrato de outros tantos crimes, por isso da sua reprovabilidade, principalmente quando executado em associação. Depois, em razão da natureza desses crimes, facilmente poderão reiterar na prática delitiva, sem possibilitar um maior controle pelas autoridades.
16. Com relação ao réu Miguel saliento que a prova dos autos revelou ser ele um poderoso e influenciável traficante de drogas desta Comarca, que durante anos difundiu a atividade criminosa na comunidade gravataiense, contribuindo para a disseminação de tão ameaçadora prática, já que - como bem se sabe - o vício em substâncias entorpecentes [especialmente o crack] pelo efeito devastador e rápido provocado - tem sido a grande preocupação das autoridades, que desenvolvem campanhas de prevenção e repressão ao consumo.
Diariamente aportam neste Foro dezenas de famílias desesperadas, à procura de ajuda para internação compulsória de seus filhos, na grande maioria adolescentes, que têm suas vidas deterioradas pelo vício incontrolável na droga.
Ora, nesse trágico contexto, competia ao réu Miguel ajudar no combate a este inimigo público, causador de grandes males, destruidor da juventude e das famílias. Era ele um dos instrumentos que o Estado dispunha no combate à criminalidade, vez que investido no cargo de agente da segurança pública.
Porém, de forma astuta, perversa e dissimulada, Miguel utilizou-se da máquina estatal contra o próprio Estado, trabalhando na proliferação do tráfico de drogas nas proximidades das escolas, no bairro onde viveu, na comunidade onde trabalhou durante anos. Pouco importava, o objetivo era único: o benefício próprio.
No presente feito foram analisados 20 fatos ilícitos, na sua grande maioria envolvendo o ex-policial, que de forma contumaz fez da traficância de drogas sua principal fonte de renda, já que associou-se com outros tantos criminosos, corrompendo-se ao crime que ele próprio tratou de organizar.
Neste passo, o decreto da prisão preventiva do condenado Miguel se mostra extremamente necessário e conveniente nesta derradeira fase processual, que concluiu um longo processo, mas uma exitosa ação penal.
Conforme restou apurado, o réu valia-se da sua condição de policial e realizava abordagens em pontos de venda, apoderando-se da droga apreendida, entregando-a a seus comparsas, encarregados de efetuarem a venda ao consumidor.
Não bastasse, recebia vantagens indevidas dos traficantes enquanto fornecia informações privilegiadas obtidas em razão da função que exercia. Avisava os comparsas traficantes sobre operações policiais de repressão ao narcotráfico, afastando concorrentes que prejudicassem o comércio ilegal, entre outros tantos "favores", tudo em troca da propina semanal.
E mais, em muitos casos, utilizava-se da Delegacia de Polícia para seus encontros ilícitos, usufruindo das dependências do Órgão Público para promover festas, churrascos e algazarras, patrocinadas pelos traficantes da cidade, que dirigiam-se até o local para realizarem o pagamento da corrupção, encomendar drogas e prestar contas das vendas. Semanalmente aproveitavam o espaço público para diversão, custeada pela criminalidade.
Destaco como de grande relevo os malefícios e consequências que a prática desenvolvida pelo réu trouxeram à Cidade.
Nesta linha, colaciono trecho do acórdão da lavra do Des. José Antônio Cidade Pitrez, ao julgar o Habeas Corpus nº 70032136137, oriundo da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça:
"Diante disso, nos termos da justificativa judicial, não vinga a alegação do impetrante de que não haveria justa causa para sua segregação, pois o tráfico de drogas é delito diretamente indutor de outros ilícitos - furtos, roubos, receptações, homicídios, etc. -, praticados para dar sustento ao vício que impõem os traficantes aos seus "clientes". Nessa medida, por uma insofismável cadeia de causa e efeito, é delito que não se esgota na esfera de atuação do agente, mas, ao revés, a cada vez que é cometido, põe em risco a coletividade, impondo-se desse modo a necessária repressão de sua reprodução em maior escala, recomendando, portanto, rigorosa observância dos critérios para a concessão de benesses que possam prejudicar a efetividade do processo, não havendo que se falar em coação ilegal do flagrado."
Consabido que no caso dos autos, a comunidade há muito tempo clamava por providências, já que eram incontáveis os disque-denúncias enviados às delegacias especializadas e Corregedoria de Polícia informando sobre o envolvimento do condenado Miguel no tráfico de drogas.
Os pedidos de providências dos cidadãos revelaram a forma desmedida e notória com que o acusado desenvolvia os crimes, em total desrespeito para com o Estado e a comunidade - a qual tinha o dever legal de zelar - imperando no réu e nos seus comparsas a certeza da impunidade.
Cumpre destacar que essa sua postura era mais do que ilícita, era IMORAL, na medida em que afrontava a dignidade do cidadão de bem, que como contribuinte que pagava seus impostos, curiosamente acabava pagando o salário do policial civil Miguel para que praticasse crimes, em que muitas vezes, esse próprio cidadão figurava como vítima e prejudicado. E isso porque muito bem se sabe que o tráfico de drogas incrementa a criminalidade e serve de substrato para tantos outros crimes de natureza diversa.
Depois, o réu já foi condenado em outros tantos feitos pela prática de crimes contra a administração pública, que lhe renderam - assim como no presente - a perda do cargo público. Por certo, se solto, a probabilidade de retomar à prática ilícita é prevalente, já que era esta sua principal fonte de renda.
Nestes termos, é a reiterada posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. POSTERIOR REVOGAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PROIBIÇÃO DE APELAR EM LIBERDADE. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. DEDICAÇÃO REITERADA À ATIVIDADE ILÍCITA. CUSTÓDIA DECRETADA POR GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO INEXISTENTE.1. Ainda que tenha respondido a parte da ação penal em liberdade devido ao excesso de prazo em seu encerramento, não se vislumbra constrangimento decorrente da decretação da prisão processual do paciente, na forma de proibição de apelar em liberdade, fundamentando-se a sentença na necessidade de garantir a ordem pública face aos indícios de que o apenado seria o líder do narcotráfico em sua região, havendo assim fundado receio de que solto encontraria os mesmos estímulos que o levaram à prática ilícita, circunstância que preenche os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal para a imposição da medida (Precedentes). 2. Ordem denegada.
(Habeas Corpus nº 159.356 - SP - Rel. Min. Jorge Mussi - 5ª Turma - STJ - julgado em 04.05.2010)
Diante do todas as circunstâncias acima analisadas, imperativa a decretação da prisão preventiva do sentenciado, como única forma de coibir a prática de tais ilícitos, acautelando o meio social, que clama por tranquilidade.
Isto posto, não concedo ao condenado o direito de apelar em liberdade, e DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA do réu MIGUEL DE OLIVEIRA, pelas razões acima expostas, para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
EXPEÇA-SE MANDADO DE PRISÃO.
Transitada em julgado:
1. Preencha-se o BEI e remeta-se ao DINP.
2. Oficie-se ao TRE comunicando a decisão.
3. Formem-se os PEC's definitivos e remeta-se à VEC.
4. Expeçam-se mandados de prisão.
5. Lance o nome dos réus no Rol dos Culpados.
6. Com relação aos bens confiscados, oficie-se à SENAD, nos termos do art. 63, §4º da legislação, competindo-lhe adotar as diligências necessárias.
7. Oficie-se à autoridade policial para que remeta a totalidade da droga apreendida à Secretaria Estadual da Saúde e do Meio Ambiente, para efeitos de registro e destinação final, observando-se o Protocolo de Entendimento celebrado entre a Corregedoria-Geral da Justiça, Ministério Público do Estado, Secretaria Estadual da Justiça e Secretaria Estadual da Saúde e do Meio Ambiente.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Gravataí, 23 de junho de 2010.
EDA SALETE ZANATTA DE MIRANDA,
Juíza de Direito
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quinta-feira, 1 de julho de 2010
JURID - Condenação. Corrupção e tráfico [28/06/10] - Jurisprudência
JURID - Condenação. Corrupção e tráfico [28/06/10] - Jurisprudência
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